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UMA ESTÉTICA GAY....ALLADIN SANE E HONKY CHATEAU, BOWIE AND ELTON.

   Tenho 50 anos e não tenho filho. Nunca fui casado e gosto de filmes musicais. Gay? Well...até hoje nunca tive uma experiência homossexual e acho que morrerei sem ter. Na verdade nunca senti atração por homem nenhum, embora não me impeça de saber quando um homem é bonito. Mulheres me deixam confuso e excitado. Homens não. Isso me faz pensar que é provável que não seja gay. Porque falo tamanha bobeira? Por causa de dois discos que reouvi após bom tempo. Dois discos obviamente gays, com tudo que essa palavra possa ter de exata ou de puro preconceito. Existe disco gay? Existe arte gay? Existe alma gay? Um disco que fale do amor de um homem por outro é gay, mas é arte gay? A arte pode ser gay falando de guerra ou de um carro. O rock pode ser gay em forma de heavy metal e ser muito hetero em forma de disco music. Como definir?
  Meu gosto estético está muito moldado numa certa moda que havia em 1972/1974. Eu tive 9/14 anos no auge do glitter. Se aqui a gente tinha a onipresença dos Secos e Molhados, fora daqui era a coisa de Bowie e Elton. Os anos 70 foram incrivelmente bicha louca.Começam com Lou Reed e terminam com Blondie e Abba. No meio teve Queen e Roxy Music. 
  Quando penso do que realmente adoro em livros, música, cinema, há uma boa quantidade de arte feita por gays. Mas penso, qual a pessoa razoávelmente culta que não terá amores por Proust, Bowie ou Andy Warhol? 
  Em 1973 dois discos foram lançados quase juntos. E trombaram de frente com Dark Side of The Moon e Houses of The Holy. ( Mas também com Innervisions, For Your Pleasure e Billion Dolllar Babies ). ALLADIN SANE ( a lad insane ), é o disco sem direção, caótico, que Bowie lançou no auge da loucura Ziggy. Já foi chamado de ""ö disco que os Stones não lançaram""". Besteira. O disco, estridente, tem no piano de Mike Garson seu trunfo. Nunca se escutou piano tão sofisticado em disco de rock. Garson era do jazz e seu toque parece de cristal. Ele embeleza tudo o que toca, dá profundidade. E faz de uma faixa como ALLADIN SANE uma obra-prima. Assim como LADY GRINNING SOUL, que fecha o disco, outra obra-prima que gruda na sua vida e dá sentido a seu gosto. O clip que vi na época, JEAN GENNIE, mudou toda a minha vida. Levei um banho, na infância, de glitter e nunca mais me limpei dessa purpurina. Meus olhos se abriram para a beleza rocker e espacial, delicada e desafiante de Bowie, Ronson e de Angie. A capa do disco é icônica até hoje. Há ainda PANIC IN DETROIT com sua guitarra suja e LETS SPEND THE NIGHT TOGETHER, versão superior aos Stones. Anarquia pura.
  HONKY CHATEAU provou de vez que a herança dos Beatles era de Elton e não de Paul ou de John. Pop com rock e o dom de agradar a todos. Todos mesmo! Elton é oposto a Rod Stewart, seu rival naquele tempo. Rod parece feliz mesmo quando se estraçalha em jóias como Every Picture. Já Elton parece triste mesmo quando canta rocks felizes. Há algo nos olhos de Elton que sempre anunciam desencanto. Sua máxima obra-prima da beleza etérea e encantadora se encontra aqui, ROCKET MAN é uma das cinco maiores canções dos últimos 50 anos. Ela tem tudo, tristeza, esperança, desencanto, um refrão grudento, mistério, silêncio e efeitos esquisitos. E a voz de Elton, que vai crescendo com a melodia. A perfeição de forma e conteúdo. O album abre com Honky Cat, rock saltitante. O piano de Elton sempre foi percussivo, ele batuca nas teclas. I THINK I AM GOING TO KILL MYSELF é outra maravilha. Tem um dos mais bonitos refrões da carreira de Elton. E há MONA LISAS AND MAD HATTERS, uma outra obra-prima, mistura mágica de dor e de inocência.
  Elton caiu como uma luva numa era de inocência pervertida e de sonhos conspurcados. Era um tempo em que a canção romântica vendia como pão quente. Meninos de 10 anos escutavam baladas doces dos Carpenters e baladas azedas de Nilsson. E baladas perfeitas de Elton John, que era o alvo de todos os outros cantores. HERCULES, nome do gato de Elton, é como um sonho. Onde achar uma canção melhor?
  O segredo de Elton, e de Bowie em outro mundo e intenção, sempre foi o dom da beleza. Seus imitadores enfeiam aquilo que com os dois sempre parece perfeito, grego, apolineo. Os imitadores de Bowie, por melhor que fossem/sejam, sempre parecem desalinhados, quase feios. Os de Elton são banais. São pret-a-porter, nunca Saville Row.
  Talvez seja essa a coisa gay dos dois? Um interesse na estética, seja a do exagero cafona de Elton, seja a futurista de David. Ou não?
  Que importa? Música não tem sexo e nisso os dois são meus pais.
  Eu amo Elton John. E amo David Bowie.
 

CINE FIAMMETTA E A MASTURBAÇÃO EM PINHEIROS

Lendo um livro de John Banville, Eclipse, um livro trágico, belo, de uma sensibilidade úmida, com um caráter pegajoso, me recordo do cine Fiammetta. ( No livro ele fala também de suas experiências, patéticas, em salas de cinema ). O Fiammetta ficava na rua Fradique Coutinho. Fradique...nome estranho que sempre me lembra um pássaro desajeitado. Mistura de Frade  com Dique. Fiammetta viria de Boccaccio? No Decameron tem um personagem com esse nome. Eu ia nas sessões da tarde, matando aula. Os filmes eram horrorosos. Causaria surpresa e muita estranheza se um garoto de 2014 tivesse a experiência estética de um cinema de bairro de 1980. Ele nos acharia idiotas. Ou masoquistas. 
Logo na entrada havia a bilheteria. O preço do bilhete era menor que uma passagem de ônibus. Sempre havia algum velho zanzando pela calçada e dois ou quatro adolescentes comprando balas. O tapete era fedido. Um cheiro de mofo, de suor misturado a pipocas. A sala, enorme e muito escura. Eu me sentava sempre no fundo. O coração disparado. Mais um filme com mulheres peladas. Quinze, vinte pessoas perdidas naquele cinema enorme. Silêncio absoluto, eu tentava sumir em minha tímida condição. Vinha a campainha e o documentário. Uma coisa deprimente, ruidosa, sobre o governo. Depois alguns trailers sem interesse. O Fiammetta tinha um projecionista que não sabia mexer nas lentes do projetor. O filme era sempre desfocado e muito escuro. Recordo de um filme italiano sobre freiras lésbicas. Todo picotado pela censura. escuro, incompreensível, mal se podia ver um peito, uma bunda. O filme, que já era uma tristeza, ficava como um pesadelo, uma mistura de escuridão, freiras, corpos pelados e o cheiro abafado da sala. E claro, pulgas. 
Eu realmente nunca entendi porque insistia em ir naquele inferno. Era sempre uma experiência desmoralizante. De volta à rua, anoitecendo, eu me sentia um pária. Parte daquele mundinho espinhento de masturbadores envergonhados. Sim meu amigo de 2014, a procura por imagens excitantes era um ato público. Não havia a limpa e anônima procura pela internet. Nós, jovens perdidos, andávamos pelas ruas, vagando por salas de cinemas sujos, disfarçando em frente a bancas de jornais, bancas que sempre tinham, vestido com paletó azul com furos de traça, um velho seboso como dono. Passávamos engolindo em seco em frente de um bordel. Masturbadores de rua, adolescentes vermelhos, suados, caspentos, éramos sujos, feios, asquerosos. Nas bancas comprávamos jornais para disfarçar a revista de mulher pelada que ia dobrada no meio do caderno de esportes. Nos cinemas entrávamos correndo para que ninguém nos visse comprando o ingresso e entrando na sala. E mesmo com todo meu saudosismo, não posso dizer que sinto algo de bom nessas lembranças. Era muito sofrido. Era um martírio. E sim, eu tremia de ansiedade ao abrir a revista, ao entrar no cinema. Calafrios, deliciosos, subiam pelo meu corpo. A visão das curvas e sombras femininas, a doce voz da mulher, a presença daquele mistério, um ser que era humano como eu mas que parecia em tudo meu oposto, me dava vertigens, pavor e uma sensação ao mesmo tempo de liberação, de poder começar a ser. 
Quem me dera ser um adolescente hoje. Poder assistir pornografia na segurança do lar, no meu quarto, só e limpo. sem risco e sem embaraço. Dividir esse videos com os amigos e comentar, reassistir no pátio da escola, no recreio. Quantas vezes eu desejasse. A distância de uma teclada. Longe dos velhos encolhidos, dos office-boys cansados, das pulgas e da imagem escura. Longe de 1980.

JUVENTUDE JUVENTUDE E JUVENTUDE

   Após todos esses posts sobre erotismo, dá agora pra entender porque votei em JUVENTUDE como o filme mais erótico que já vi ?
   Tenho um grande pudor em falar de minha vida pessoal aqui. Mas devo dizer que nada vem por acaso. Faz já um mês que vivo uma intensa relação erótica. Como ela se dá ? Saio com uma menina todo fim de semana. Bebemos, rimos, falamos tudo o que há pra falar. Nos sentimos completamente à vontade um com o outro. Confiamos. 
   Sinto um desejo por ela como nunca senti antes. Não sei se é amor. Tenho pudor em usar essa palavra porque ela não se adapta ao que eu idealizo como musa. Ela é diferente demais de mim. E eu sei que ela também sente desejo por mim. Mas, mesmo bêbados jamais nos beijamos, o que dizer do sexo ? Porque ? Ela está ainda enrolada com seu ex-marido e em sua cabeça não cabe dois homens ao mesmo tempo, mesmo que com um deles não aconteça mais sexo. Mas acontece ainda um fim de relação. E ainda há um filho.
   Não discuto se ela está certa. Já lhe disse que ela é rara. Mas o que nunca disse é que agradeço o que ela tem me dado. Um estado constante de excitação que nunca passa. Tenho vivido este mês em tensão pré-coito ( se voce quiser usar uma linguagem estúpida típica deste tempo brutal ). Na verdade o que vivo é o estado de pleno erotismo. Tudo em mim vive. Minha pele parece mais sensível, vejo as coisas melhor e as pessoas me dizem que pareço mais jovem. Esse o estado erótico. A carne que tende a alma.
   Creio que esta é uma situação rara hoje. Uma pena. 
   Saibam que nada do que aqui escrevo não foi vivido antes. Se falo um elogio a Yeats, aos anjos ou a anarquia é porque vivi isso na vida cotidiana. Não creio em guerreiros que temem se ferir ( Nietzsche ) ou em pessoas bondosas que são egoístas ( Sartre ). Cada vez mais creio no que é simples, bom e principalmente óbvio. E sei que é assim que se pode ser feliz. 

AMOR E AMIZADE- ALLAN BLOOM

   O livro saiu no Brasil em 1996, então não sei se será fácil de achar. Mas procure, é muito bom. Allan Bloom é muito melhor que Harold Bloom ( sem parentesco ). Ele amplia o tema, abrange filosofia, história, arte e sexo. Professor de politica em Yale, morreu em 1993 ainda jovem. O livro fala de erotismo, da sua presença na obra de 4 grandes romancistas ( Flaubert, Tolstoi, Jane Austen e Stendhal ), na filosofia de Rousseau, no teatro de Shakespeare e na vida de Montaigne, Sócrates e Platão. Em posts abaixo falo sobre alguns de seus capítulos. Mas nada pode se comparar aos capítulos finais, textos sobre Sócrates, Montaigne e a belíssima conclusão final do próprio autor.`Dificil citar algum trecho, seu pensamento é construído de forma tão engenhosa que fica impossível destacar algum trecho sem destruir a clareza do que é transmitido.
   Para Bloom, a amizade é alma falando com alma. O amor é a carne se transformando em alma. Amizade é voz e ouvido, amor é olho. Impossível amar sem a participação da beleza física, a amizade esquece a aparência. Quanto maior a participação da alma maior o erotismo no amor e nele existe o amado e o amante, na amizade só há amigo e amigo. 
   A alma... Bloom arma uma surpresa no final do livro. Ele passa toda a obra comentando os autores e sem dar nenhuma pista sobre o seu pensamento. No fim, a forma como ele defende o amor é simplesmente desarmante. E também é desarmante a maneira como ele lê Nietzsche. O filósofo alemão paira em toda a obra assim como Kant e Heiddeger.
  Bloom analisa cinco peças de Shakespeare, e sem o deslumbre do outro Bloom, ele fala que o bardo era acima de tudo um observador. Mais que isso, Shakespeare e Nietzsche têm muito mais a dizer sobre o homem que qualquer gênio da psicologia moderna. Porque o objetivo do artista verdadeiro é dar ao homem seu potencial máximo, único, eles percebem cada homem como um universo, já Freud, burguês sempre, tinha como norte a transformação da diversidade em tábula rasa, dar ao complexo a simplicidade clara de uma equação. Isso é empobrecedor. Um bom burguês mira-se no pior para tirar daí a lei geral, porque não se mirar no melhor?
   Se cada um de nós é, como se fez moda dizer, um personagem de Kafka, de Beckett ou um neurótico de Freud, porque não dizer também que cada um de nós é um pouco Shakespeare, Nietzsche ou Montaigne? O impulso burguês é sempre reducionista. Transformar o mundo em seu espelho medíocre. Reduzir Shakespeare a seu tamanho diminuto e nunca tentar se erguer as alturas de Shakespeare. 
  A igreja, por erros terríveis cometidos, foi justamente atacada pelo iluminismo. Derrubou-se sua autoridade e com ela tudo aquilo que ela detinha. Ora, assuntos da alma humana eram de exclusividade religiosa. Sovina, a igreja retinha textos e o privilégio de ter a última palavra sobre espírito, alma e transcendência. Ao ser colocada de lado, colocou-se os assuntos da alma também de lado. Em um erro absurdo, porém compreensível, tudo o que se referisse a alma passou a ter odor de igreja, de repressão e de conformismo. Para o século XIX, falar em espirito era falar em passado, o passado cristão. A igreja do burguês é uma igreja onde não existe alma. É uma igreja prática, onde se firmam contratos e se apagam as faltas.
   O que tudo isso tem a ver com o erotismo? Sem alma não existe erotismo. Sem a presença do espirito, o sexo fica reduzido a biologia. Queremos porque precisamos procriar. Apenas isso. Amamos aquela mulher porque nossos genes assim o querem. Ou seja, deixamos de obedecer a Deus para obedecer aos genes. Reducionismo maior é impossível. Do Sem Limite e Sem Tamanho, caímos no diminuto. A lógica dirá, óbvio, que os dois extremos se excluem.
   A alma ansia por falar. Por se expressar. Amamos na esperança de poder unir o impossível: alma e carne. Esse o prazer erótico. A expectativa da perfeição. O belo sublime poder ser encontrado aqui e agora. Fora disso o que temos é pornografia, violência e incivilidade. Bloom diz que a existência de Deus é discutível. Mas a Alma existe. Basta conhecer um pouco de música, de poesia para saber disso. Nada há de biológico na arte. Negar isso é chafurdar na lama, que é o que temos feito.
  O mais lindo momento do livro fala de amizade. A amizade de Montaigne com La Boétie. Para Bloom, a amizade verdadeira é mais rara que o amor. Apesar do amor ser muito mais forte. Certas frases de Montaigne, a inevitabilidade da amizade, o prazer sem fim de conversas livres, tudo isso exala beleza. E o belo acaba sendo o problema central do erotismo. 
   Ele existe? Ou o belo é uma convenção social? Pessoas tendem a dizer que o belo é variável. Que o que hoje é feio pode ter sido belo um dia. Welll...
   Assim como Alma sempre houve em toda cultura ( não se conhece uma só cultura atéia ), coragem, justiça, bondade e equilíbrio sempre foram características da beleza. Há um certo prazer frouxo em se relativizar tudo. Temos a tola sensação de que relativizar é ser mais complexo e mais inteligente. Uma grande asneira. Relativizar abole os parâmetros de julgamento e na verdade paralisa o pensamento e o debate. Sabemos o que é belo. Sentimos e intuimos isso com a alma. Sabemos que Mozart é belo e que um matadouro não é. Sempre soubemos que a beleza decantada da guerra pode existir se pensarmos apenas em coragem e honra. Mas sabemos que corpos dilacerados nada podem ter de belo. Podem ser uma crítica, um testemunho, mas não beleza. 
   Porque beleza é erotismo. Beleza é aquilo que nos falta e miséria temos muitas. Beleza é a vitória sobre a dor, o tempo, a morte e o medo. Ela nos recorda nossa alma e nos leva fora da carne. Beleza nunca se engana. Eros é esperteza.
   Admirável livro.
  

MADAME BOVARY DE FLAUBERT, O BURGUÊS E O ROMANCE

   A façanha do nobre só tem valor se for um risco absoluto. Se o risco envolver a perda da vida ou da fortuna. A façanha do burguês é o aumento de sua segurança. Ele detesta o nobre por sua irresponsabilidade. E tem inveja de sua segurança irresponsável. Uma contradição.
   O século XIX criou o burguês. O século XX fez dele opção principal. No século XXI ele é modelo único. Todo valor burguês tem por objetivo a segurança. Por isso seu principal interesse é a medicina. Ele ama a higiene, os remédios, o spa, as receitas de boa saúde mental. Idolatra o regime, a ginástica, o bom clima. Condena tudo o que fala de risco: a promiscuidade, a sujeira, a guerra, a exaltação, a falta de controle. Sua igreja é aquela do bom tom. Nada dos exageros da fé medieval. É uma religião sem milagres e sem punições. Assim como sua politica é a do possível. A poesia burguesa fala do amor como coisa fisica. Palpitações, febre e excitação. Será um amor de pombinhos e depois, hoje, um amor de motel. Sempre físico. Uma ginástica da boa disposição. O burguês ama acima de tudo o progresso. Porque ele promete dinheiro, saúde e vida longa. Tudo nele se mede em números. Muitos anos de vida significam vida boa. Muito dinheiro significa sucesso. Várias amantes quer dizer satisfação. O que se mede e se conta merece apreço. O resto é romantismo.
   Flaubert odiava esse mundo. Ele odiava seu mundo. Seu tempo foi o tempo do hiper-burguês, o burguês em sua máxima confiança. Eles tinham a certeza de estar construindo o paraíso na Terra. Amavam tudo o que era científico, desprezavam o passado e tinham o prazer de zombar de igreja, monarquia e poetas. Falubert os odiava. E pior, sabia que os românticos, seus adversários, também estavam perdidos. Bovary é essa romântica. Ela ansia por amor erótico. O orgasmo não lhe interessa. O que ela quer é Eros, ritual, beleza, transcendência. Cega, ela se deixa envolver por cada conquistador que encontra em sua vida vazia de mulher casada. Tenta ver neles o mundo por que ansia. Flaubert nunca foge do mal. Bovary cai no vazio absoluto. A vida vai perdendo lentamente seu encanto. Eros partiu e tudo agora é feio, reles, sem sentido, burguês. Ela se suicida. Lentamente de forma dolorosa. O livro, o mais terrível que já li, é desagradável. Crú.
  Flaubert disse que Madame Bovary é ele. Sim. Só que ela não sabe de seu mal. Flaubert sentia a vida como Bovary a sente. Mas sabia o porque desse mal. E criou uma obra-prima. Ele descreveu a mediocridade de politicos cheios de si, de cientistas balofos, de padres sem fé e de homens que viviam pelo sexo. Bovary, tola criança que ainda acreditava em Eros, morre seca e envenenada nesse mundo sem ar. 
  Flaubert, o mais amado escritor pelos escritores,  era terrível.

O ACORDO ENTRE O DESEJO E O DEVER

   Na luta interna entre o desejo e o dever ( o dever é a sociedade e o desejo é o natural estado do homem, o homem da natureza ), o homem encontra uma saída do conflito, a Imaginação. Ele passa a criar saídas do conflito, a principal delas sendo o Amor. 
  O amor é portanto uma invenção. Imaginamos que o ser amado seja especial, único e imaginamos que esse amor nos faz também melhores. Acontece então o Erotismo, passamos a amar o amor. Se a castidade nos foi imposta pela igreja e se o casamento é instrumento de manutenção do estado, "Passamos a Dever Amar a castidade e o casamento". Amamos o Dever, e essa é a grande altura sublime do Amor Erótico. O dever se torna uma escolha. O dever passa a aumentar nosso AMOR-PRÓPRIO. Nos estimamos por conseguirmos cumprir o maior dos deveres, Amar.
  Essa a grande sacada de Rousseau, O Amor erótico, entre homem e mulher, como o grande prazer do indivíduo e ao mesmo tempo como forma de se reconciliar dever e desejo. Se hoje isso nos parece óbvio é porque todo o século XIX foi tomado por essa certeza. No século XX, a partir da moda freudiana, toda imaginação passa a ser vista como mentira e o amor ao dever como neurose. Se reduz o erótico ao simplório e o amante do amor é agora uma besta. O caminho fica aberto para a volta do sexo como mecanismo animal, um tipo de necessidade puramente física e a pornografia como a tal Verdade. 
  Mas de 1800 até mais ou menos 1910, Rousseau foi a verdade. E não por acaso é a época de ouro do romance. As pessoas liam romances como hoje se lê auto-ajuda. ( Observe a diferença de qualidade !!! ). Eles ensinavam as artes do erótico. O grande tema da vida NÃO era ganhar dinheiro, era a relação homem-mulher. Nessa relação se via o sentido da vida. 
  Tudo devido a Rousseau. 
  Interessante observar que a prova da intuição certeira de Rousseau é que, como bem lembra Allan Bloom, é que continuamos, em 2014, querendo falar e aprender as coisas do erotismo. Mas, após tantas doses de pornografia, materialismo e desencanto, estamos fadados a um ambiente que NEGA todo o tempo o erótico. Eros morreu com Deus. O que restou foi uma difusa nostalgia do amor. Ouvimos então canções que tentam falar de alguma coisa tão distante como um dinossauro, o tal amor. O homem é o mesmo. Debaixo de tanta teoria continuamos tentando harmonizar o desejo com o dever. E imaginamos que o amor romantico seja essa saída. Observe bem, Imaginamos pois. Estamos proibidos, hoje, de crer que imaginar é a verdade do amor. Amor que não se imagina, amor real é pornografia e pornografia é o retorno do bicho.
  O que nos faz humanos é a imaginação. Sim, pode chamar de ilusão. Nós a criamos, ela é nossa, humana.
  Admirável Mundo Antigo, quando irás voltar? Nunca mais, essa a nossa maior dor.

O EROS DA VIDA

   Vivemos então essa divisão. De um lado o selvagem, um homem que deseja e vai atrás daquilo que quer, e de outro aquele que para poder viver dentro da sociedade aprendeu a controlar seu impulso. Rousseau sabe e fala: Não temos como saber o que seria esse desejo primordial. O homem original está tão distante de nós que é impossível sequer imaginá-lo. O que podemos saber é que a religião, a politica e todo dogma é um modo de civilizar esse homem. Mas há um exagero nisso. Ao transformarmos religião em igreja matamos todo impulso puro e criativo do ser, ao transformarmos politica em fanatismo fazemos o mesmo e assim também acontece com todo dogma, seja científico, filosófico ou educacional.
   A criança é puro egoísmo. Ele quer e quer agora. Ela quer proteção e comida e provávelmente esses são nossos impulsos mais fortes. Corpo. Na puberdade irrompe o sexo e a cabeça passa a pensar TODO O TEMPO em sexo. É nesse momento que a educação se mostra mais desastrosa. No momento em que tudo no jovem se volta para os mistérios do amor e do sexo, tudo o que se lhe oferece é conhecimento frio e anti-sexual. ( Um adendo à Rousseau é dizer que no século XXI o que se oferece é pornografia, violência e educação sexual dada por frios mestres assexuados ). Voltando a Rousseau, toda educação nessa idade deveria vir acompanhada do conhecimento da sedução. Mestres DEVEM ser sedutores. Carismáticos, envolventes, o aluno precisa compreender o mecanismo do agrado, do prazer, do que seja conviver civilizadamente com o desejo. Isso é o erotismo.
   O erótico é o meio de se tentar harmonizar o homem primitivo ( um estuprador ) com o homem civilizado ( um pensador ). No ritual do deus Eros, em todo discurso erótico ( e não existe erotismo sem o dominio do discurso de Eros ), o que se vê é o prazer de um acordo, o acordo de paz entre o muito básico e o muito complexo, o simples e o confuso, aquilo que é pura carne e aquilo que é espírito. É na puberdade que o jovem tem a chance de criar seu espírito, voltar-se para as coisas da alma e SUBLIMAR seu desejo ( não no ralo sentido de Freud, mas no sentido do SUBLIME, ou seja, transformar o banal em algo individual ). Pois Eros cobra que cada um crie e dê vida a sua individualidade e nada é mais contrário a uniformização do tempo moderno.
   Pois o homem erótico não se conforma a ser soldado, a ser um membro da igreja, a ser um simples caso da ciência. Ele se cria, se faz e se dá ao amor. Do seu modo. Dentro do possível. A pobreza do discurso cria homens sem erotismo, presos dentro da banalidade do ordinário. 
   Allan Bloom usa 130 páginas para falar dessas teorias de Jean-Jacques Rousseau. E deixa claro que não concorda necessariamente com todas. Mas fica muito claro que Bloom concorda com aquilo que aqui transcrevo. O livro se chama AMOR E AMIZADE e precisa ser lido. Ainda não o terminei, leio-o com vagar numa relação erótica com o texto e o papel.
  Sublime, não?

CORPO DE SEXO

   Giono diz uma coisa que deveria ser óbvia, mas não nos parece. Nosso corpo se encaixa com absoluta perfeição em outro corpo. Único bicho a fazer amor de frente, olho no olho, único bicho a ter lábios macios, nossa mão existe para envolver um seio, nossos braços se medem no abraço e a curva de nosso quadril se aninha no colo de nosso amor.
   Mais do que o simples encaixe de pênis e vagina, todo o nosso corpo se encaixa no ato de fecundação. E não cabe aqui fazer pergunta. Um bezerro mama e não tem lábios para beijar. Macacos transam de costas. Mas nós, no amor, usamos tudo o que temos, dos pés aos cabelos, orelhas e unhas, umbigo. Mais que tudo, usamos toda nossa alma, nossa voz, nosso espírito, envolvemos o vivido e o que vier a acontecer.
  Podemos dizer então que mais que um ser da razão, somos o ser do sexo, do amor e da paixão. Eu não creio que o sexo seja tudo, e mesmo o amor é a maior mas não a única força, mas nesse encontro jogamos tudo aquilo que temos, tudo o que podemos ter e tentar. Vamos além dos bichos, além do instinto e muito mais longe do que achamos poder ir.
  Jean Giono fala dessa verdade. Se voce quer conhecer o que seja um humano, olhe seu corpo em ação.
  Simples assim.

SEXO NO CINEMA

Pior que qualquer inquisição, pior que o pior dos Papas, são esses filmes repressores, cortadores de tesão, que mostram o sexo como uma coisa sempre triste, dolorida, cinza, sem festa ou poder de vida.
Malditas cenas que são sempre assim: uma menina infeliz, ou pior, doente, um cara tristinho, ou pior, junk, e as massacrantes cenas de sexo em que os dois padecem de tédio, de dor e de falta de sentido. Será que só eu noto isso? Que esses quartos cinzentos, esses atores sofridos, essas falas mortas, ensinam de forma virulenta que o sexo NÃO é uma alegria, uma celebração uma doce sacanagem?
Chega de sexo filosófico, velho, velhaco, chato, sem tesão!
Quando um filme mostra o sexo como coisa divertida, ele faz do ato comédia e mostra o ridiculo de sermos bichos que transam. Chega!!
E Quando um filme mostra o sexo como coisa "humana", ele mostra o ato como beco sem saída, dor sem motivo, ato de violência.
Chega! Basta! Quero sexo como alegria!
Já!

Trailer do filme "Oh! Rebuceteio"



leia e escreva já!

SOBRE A PORNOGRAFIA

   O canal Brasil tem passado a meia-noite de quinta-feira uma série de filmes ( pornô? eróticos? ) feitos entre 1979/ 1983. Na época eu era menor de idade e nunca havia visto a produção de Claudio Cunha e de Ody Fraga. Lembro que eles eram exibidos nas salas do centro, avenida Ipiranga, São João, e raramente algum chegava a Pinheiros. A questão é: eles são pornográficos?
  Ontem assisti "'Oh! Rebuceteio!" de Claudio Cunha. Primeira surpresa, a imagem. O filme é bem iluminado e a fotografia em película dá ares de "filme de verdade" a coisa toda. Bem, ele é um filme de verdade! Segunda surpresa: O roteiro tem alguma pretensão a arte subversiva. Conta a história de uma atriz, muito jovem, de teatro, que entra em grupo e começa a trabalhar com diretor doidão. A mãe da jovem atriz sonha em vê-la na Globo, mas a peça em que ela ensaia é uma orgia de cenas de sexo explícito. 
  Outra surpresa, as cenas são de sexo "de verdade". A penetração é mostrada em detalhes e vemos ejaculações, sexo oral, closes dos orgãos sexuais masculinos e femininos. Mas a impressão causada é muito estranha! Após anos de sexo via internet ou via dvds, o filme exibido na TV parece erótico, explicito, porém erótico, nunca pornográfico.
  Porque? Talvez porque haja uma história? A fotografia, bem mais cuidada? Ou serão os atores, que além de tentar interpretar, surpreendentemente não possuem a cara e o corpo dos atores pornôs? Parecem gente de verdade, os rostos são de colegas do trabalho, e são saudáveis, bonitos. As meninas jamais parecem devoradoras, taradas ou artificiais. Os garotos são bonitos, parecem inocentes. Vemos então paus que gozam, pernas abertas, mas não vemos sujeira. As cenas parecem naturais. Isso chega a ser chocante. Se analisarmos o sexo por aquilo que é produzido para consumo de jovens masturbadores, a coisa está bem pior do que a gente pensa. Sexo explícito feito com alguma inocência e com desejos de se fazer cinema. Atores com cara de alunos de cursinho. Se alguém quiser saber de onde veio a inspiração para Boogie Nights, eis sua chance.
 

URINA, SUOR E GOZO, FRANK, A BIO DE SINATRA ESCRITA POR JAMES KAPLAN

   Ele veio ao mundo via fórceps. E ganhou com isso uma cicatriz e uma orelha torta. Pior, foi jogado na pia, enquanto o médico tentava salvar a mãe. Filho único, era vestido como um pequeno Lord. Se tornou um grande pentelho. O baixinho nojento, com mania de limpeza. Com mesada grande ( Nunca foram ricos ), comprava roupas e amigos. O cara com medo de solidão, aquele que pagava sorvetes e hamburger pra todo mundo. Vaidoso e delicado e ao mesmo tempo explosivo. Complicado? Veja o resto...
   A mãe, uma italiana brava, fazia abortos e era conhecida em toda Jersey. Abortos e partos. O partido democrata, sabendo de sua fama no bairro a chamou para ser cabo eleitoral. Ela mandava. Uma mafiosa quase. O pai era um banana calado.
  Sinatra era mimado pela mãe, e apanhava dela também. De porrete.
  E tinha a voz. Dois fatos importantes. Sinatra era filho de italiano. E ser filho de italiano era ser negro. Eram chamados de escuros. Sinatra irá romper com isso. Tinha orgulho, muito orgulho.
  E havia Bing Crosby. O jovem Sinatra amava Crosby. E Crosby foi o maior cantor do mundo. Até surgir Frank. Crosby foi o primeiro a cantar suave, a saber usar o microfone. Mais que isso, Crosby tinha inteligência na voz, tinha ritmo, tinha gênio. A América o escutava e queria ser como ele. Inteligente, fino, educado e esperto.
  A vida de Sinatra parece ficção. Frank Sinatra desde cedo quis ser Sinatra. E tudo o que ele quis ele fez. Planejou cada passo. E cumpriu. Ia ao Harlem ver o jazz. Billie era seu modelo. Conseguir ser quente como ela. Cantou em rádios, em bares e foi crescendo. Cantou na banda de Harry James e aí a coisa começou a crescer. Viagens pelo país inteiro, de bus. Hotéis e mulheres, muitas mulheres. Sinatra era anormal, tinha um pau muito acima da média. Brigas com Buddy Rich, o batera estrela.
  Vai para a banda de Tommy Dorsey, a mais hot da época. E começa a roubar o show. Então muda tudo. É o primeiro cantor a sair de uma banda e se fazer solo. Um imenso risco. Vence. O que ele tinha?
  Frank Sinatra tinha aquilo que ninguém teve até então. Sua voz não era apenas bonita. Ele não cantava somente bem ou muito bem. Ele tinha sentimento. Passava fragilidade. Tudo o que ele cantava era de verdade. Frank Sinatra foi o primeiro cantor a interpretar as letras. Ele as estudava, as compreendia profundamente. Se preocupava em sentir o que o autor sentira. E milagrosamente conseguia passar isso ao público. Era mais que um cantor, era um fio que unia música a ouvinte. E sempre com extrema sinceridade. No palco ele se transformava. Se antes estivera briguento, chato, frio, distante, ao começar a cantar se tornava AQUILO QUE ELE ERA, frágil, vulnerável, e muito concentrado.
  Nesse processo as mulheres se apaixonavam por ele. Amavam sua fragilidade. E também os olhos que pareciam fortes. Um misto irresistível de força e dor. Foi o primeiro cantor a fazer com que milhares de meninas gritassem por horas sem parar. Foi rocknroll antes de Elvis. Histeria, excessos, festas, drogas, birita. E muito sexo. As mulheres queriam casar com Bing Crosby. Com Sinatra elas queriam ser putas.
  Espinhos existiram muitos. Dois filhos que ele mal via. A culpa por chifrar a boa esposa. Duas prisões por sedução de menores ( rock até nisso ). O preconceito racial. E o pior, por não ir para a guerra passou a ser odiado pelos soldados. "Nós morrendo aqui e ele comendo a Lana Turner..."
  A imprensa de direita o persegue. O FBI começa a investigar sua vida. Odeiam seus amigos italianos. Seus amigos judeus. Suas opiniões. Isso mesmo, Frank Sinatra lia muito e tinha ideias. Ia as escolas fazer palestras contra a segregação. Gravou discos pró-união racial e religiosa. O menino que só andava com puxa-sacos, o cara que tomava 6 banhos por dia, o chato perfeccionista que explodia com uma brisa de verão não convidada, o neurótico sempre nervoso e insone, era um homem que na verdade enfrentava uma oposição tremenda. Direita, militares, racistas, caipiras, todos odiavam aquele italiano escuro baixinho e convencido amigo de comunas. Mas, muito antes dos Stones, Sinatra podia ter dito, "Voces me odeiam mas suas filhas adoram!"
  Um empresário foi ver um show seu em 1940. Logo ao chegar ele percebeu que em meio aos gritos e desmaios se sentia um cheiro conhecido...o que era mesmo? ....Orgasmo!!! Cheiro de mulher! O teatro estava impregnado desse odor. As meninas gozavam nas calcinhas enquanto viam Sinatra cantar. Num tempo de teatros sem ar-condicionado, o cheiro era sufocante. Urina. suor e gozo. A América mudou para sempre.
  Esse o primeiro Sinatra. Bem mais tarde Ava Gardner, a idade e muitas desilusões mudariam Frank e fariam nascer o chefão, o super-macho. Mas isso fica para outro post...

O AMOR EM TEMPOS DE LENTIDÃO

   Que engraçado! Ontem numa festa, conversando com uma mulher da minha geração, lembrei de uma coisa que parece medieval...ou da renascença. Nas baladas de 1980, o objetivo era pegar o máximo de telefones possíveis! Ninguém beijava na balada, a não ser gente que voce já conhecia de outro dia. O que se fazia era chegar numa estranha, conversar e a muito custo pegar o telefone ( que muitas vezes era fake ). Daí voce voltava pra casa e no dia seguinte, após ensaiar um discurso que se perdia ao primeiro alô, telefonava para a menina. E então, se a conversa engrenasse, talvez se marcasse um cinema, uma lanchonete, ou um reencontro no mesmo lugar. Era a idade dos talvez. Andávamos no escuro, nunca sabíamos o que ia rolar.
  Então, depois de 3 telefonemas, voce a levava ao cinema. De rua. Pagava um drops e entrava. E sentia o medo. Que fazer? Conversar? Ver o filme? Assistia o filme e na saída tentava umas piadas. E andava com ela, a mão, de vez em quando, roçando de leve na mão dela. A acompanhava até em casa e dizia que queria repetir a saída, claro, se ela quisesse...
  E ela falava "claro, adorei conhecer voce!"" E então a volta pra casa, a pé, para durar mais, era a coisa mais feliz, mágica, exultante e louca do mundo! É aí que o abismo entre gerações se faz, porque a gente voltava cantando e dançando na rua, e é por isso que caras de menos de 40 nada entendem do que seja um musical, o mais real dos tipos de filme.
  O primeiro beijo ainda está na cabeça e no peito. A ansiedade é imensa. Quando vou beijar essa menina? Entenda, um beijo equivalia a um pedido de namoro. Beijar era compromisso. Podia durar uma semana, mas era um tipo de pacto, um estamos juntos, ISTO É UMA HISTÓRIA, que será recordada e contada mais tarde. Éramos loucos por histórias, sem saber, a gente compunha sagas todo o tempo. Éramos anti-práticos.
  Voce pode estar nos achando puritanos. Não era isso. Podia-se beijar duzias de meninas em um mês, mas uma história tinha de ser composta. Sair com prostitutas era a saída sem história, sair com meninas era contar um conto.
  Cartinhas com desenhos, o papel lindo que as meninas usavam! Com perfume, cheiro de quarto de menina! E afinal o beijo! No meio de uma frase, de sopetão, de loucura, um tipo de "não aguento mais segurar"...Beijo que vinha sempre com um "Voce é linda"e um Ëu te Amo!"...e saiba, todos foram sinceros.
   A gente era apaixonado por amor. Falava-se muito nele. Amor, amar, amava, o verbo era o mais usado. Nenhuma vergonha em amar. Um amor novo por mês, trabalhoso, dificil, contido, e sempre era pra sempre.
   Sei lá, me parece que a molecada hoje tem paixão por "catar"e um imenso medo de amar. Será?
   O tempo traz coisas boas e leva coisas boas. São trocas. E eu realmente não me lembrava de nada disso até ter ontem essa conversa. Em 1980 se faziam rituais para sair e para conhecer alguém. Talvez por nossa vida ser muito mais lenta, com menos coisas sendo oferecidas, menos apelos aos desejos, todo contato e toda aventura"tinha um valor de coisa única. A gente tinha a consciência ( ou seria a ilusão? ) de que tudo era só uma vez e nunca mais.
   Ontem de noite tocou a minha música, Born to be Alive, e foi ela que nos fez voltar no tempo.
   Eu tinha um diário. E todas elas também.
   Isso fazia muita diferença! As coisas eram para sempre. Sempre.

QUE QUEREM OS HOMENS DAS MULHERES?...INSPIRADO POR PONDÉ.

   Os homens querem mulheres que os admirem. Simples assim. Fui feliz enquanto sentia ser admirado. E ao mesmo tempo essa era uma admiração que me relaxava. Eu podia ser infantil, frágil e bobo, ela me dava essa colher de chá. Contanto que eu continuasse a ser admirável.
   O que era ser admirável? Ser diferente do comum. A mulher procura um homem que demonstre força. Mulheres perdem o tesão ao se deparar com a fraqueza. Essa força não significa bíceps. Significa poder, decisão, coragem, algo que recorde heroísmo. Simples assim.
   No mundo do trabalho é bacana valorizar a delicadeza, os bons sentimentos, a mansidão. Faz de conta então que as mulheres gostam disso. Até gostam,,, num amigo. E algumas confundem isso com amor. Mas não. O amor quer o herói, seja o herói completo ou o anti-herói. Como diz Pondé, O Fodão.
   Em minha vida fui fodão e fui doce. Äs vezes ao mesmo tempo. Perdi sempre ao insistir na fraqueza. Ao hesitar. Ao ser gracinha. E sempre ganhei quando decidido, forte, solitário, original. A imagem do homem solitário que sabe se virar e ir sempre em frente é irresistível para uma mulher.
   O resto é papo furado.
   Daí o apelo de ricos vencedores. E ao mesmo tempo do mal aluno, do skatista, do cigano, do cowboy ou do marujo. Todos parecem fortes ao seu modo. Claro que são mais e são menos que isso. Mas o tesão feminino nasce nessa imagem. A do fodão.
   Mulheres que não gozam ou que humilham seus maridinhos delicados...A noite na cama em quem elas pensam? Naquele aluno do fundão de 1985, Naquele jogador de futebol do time vencedor. No salva-vidas calado da praia, no guitarrista de blues do bar da esquina ( que o maridinho pensa ser um fodido ). E até no bicheiro que anda de camisa aberta na rua.
   O desejo é do predador. O resto é ilusão.

DZI CROQUETTES, A LIBERDADE DA COR E DO BRILHO OU: O CORPO FALA

   A liberdade reside toda no corpo. E sem a liberdade não existe corpo que fala. Aborigenes dançam. Como os ciganos, os gregos clássicos ou os zulus. Tragédia fonte de toda neurose, o ocidente não dança. Ou dança mal. O corpo rebela-se. Fala. Dançar.
   Quando o corpo fala livremente ele pode se expressar como homem, bicho ou mulher. Ou como tudo junto e mais. Minha geração dançou pouco e dançou mal. Vejo as crianças de hoje. Elas dançam muito e os meninos não se envergonham de rebolar. Um ponto muito positivo para eles. Ponto negativo: Os Dzi perto dos nossos pobres stand-up são como Picasso ao lado de algum pintor de senhoras dos Jardins.
   Em 1972 o homem usava terno da Ducal ou da Garbo. Um tipo de armadura machista. Os Dzi quebraram tudo. Abriram portas para Secos e Molhados e Asdrúbal. O escracho. O alívio. A liberdade.
    A história deles é tão incrível que parece mentira. Mas foi real. As lembranças que tenho deles são vagas. Eu entendia os Dzi como um grupo de travestis que fazia sucesso na Europa. E sentia medo deles. Eles eram errados. Não se pareciam com Geisel.
    Nos anos 80 cheguei a ter a honra de dançar no porão do Satã com Paulette. Entenda, dançar com a galera toda, ao som dos Bauhaus. Nos anos 80 a festa acabara. Mas em 1972...ela parecia começar.
    Lennie Dale foi um gênio. E parece que ele tinha medo da Broadway. Quando o grupo poderia ter ido para lá ele se sabotou. E afundou num mar de pó. Vê-lo dançar...Lennie mudou o Brasil.
    Jogue no lixo seu preconceito. Eu sou hétero e adoro os Dzi. Acho que sou hétero. O documentário é maravilhoso. E se voce o ver juro que não vai virar gay por isso. O tema não é apenas sexualidade, o tema é soltar tudo e ver quem voce é de verdade. O tema é a liberdade. Ser vivo na vida. Deixar acontecer.
    Assista.

GLASTONBURY E O MUNDO É DAS MULHERES ( E SERÁ QUE ELAS GOSTAM DISSO ? )

   Imagens de Glastonbury em 1971. É o segundo ano da coisa. O "dono" do festival, agora, em 2013, ainda é o mesmo. Mas tudo mudou. Pra pior? Pra melhor? Sei lá.
   Vejo as imagens. Fato primeiro, as pessoas com 18 anos pareciam mais velhas. Ninguém tem cara de "vitaminado" ou de "malhado". São pessoas feias. Sujas. Os corpos parecem flácidos, mal cuidados. Os cabelos são imundos.
   Fato segundo. Voce não vê duas pessoas parecidas. Rostos e roupas possuem uma variedade absoluta. Isso choca e é um dos fatos que mais me deixa abilolado nas escolas onde vou: em 2013 todo mundo se parece. Existem cerca de quatro "tipos" e todos se encaixam nesse padrão. Tem o barbudo boa gente, o tímido de óculos, o delicado de camisa e o black descolado. As variações dentro desse padrão são mínimas. A tendência é a coisa ficar cada vez mais igual. Na minha escola temos só dois tipos!!!! O moreno magrinho de boné, do funk, e o cabelinho empastado, de preto, do rock. E é só. Até gays, que eram hiper criativos hoje seguem um tipo padrão. Puá!!!!
   Fato três. Glastonbury era menos show e mais experiência. O centro do evento era a "celebração do solstício de verão". Toda a coisa girava ao redor de mitologias celtas, bruxarias exóticas e as tais "expansões da mente, dude". Na verdade o palco era secundário. A banda fazia a trilha sonora para a "coisa". Hoje Glastonbury é apenas mais um festival de rock. Onde até velhos milionários tocam.
   Fato quatro. Nessa coisa dionisíaca o som ia pra onde desse na telha. Toda banda tinha de saber improvisar. O músico sentia o "astral" e ia nessa direção. E quem ditava o astral era a platéia. Hoje a banda dirige o povo. Ela cria o astral que é sempre uma festa de teens. Não existe perigo algum. Tá tudo dominado.
   Fato cinco. A Tv transmite ao vivo. Sem chance de alguma coisa fora da programação.
   Fato final. As bandas tocam bem agora. E são profissionais. E bonitinhos. So cute and so cool. Do bem, sempre. Viva!
   PS: Em 1971 mamãe teve medo. Hoje mamãe me leva lá.
   Sobre as mulheres.
   Toda banda é para as meninas. Fora o metal mais radical, tudo hoje tem por alvo as meninas. São letras com emoções femininas e que falam coisas gracinha. Ecologia, neuroses, amor, medo, esperança, dor. Há uma ausência de temas "machistas". Carros, estradas, velocidade, bebidas e mulheres fáceis. No rock? Por isso que adoro rap. O rock virou som de castratti.
   OK, tou sendo bobo e radical. Tem excessões. Claro que tem! Mas 90% é só um cara "sensível" chorando suas mágoas. Elton John hoje seria considerado um cara feliz e Donovan seria viril.
   O mundo se feminilizou, estava falando sobre isso com um cara que tem uma banda. E no fundo as mulheres morrem de ansiedade. Não encontram mais homens-homens ( não sou esse cara ). Ficam com barbudinhos sensíveis ou bebedores de cerveja compreensivos. Elas namoram esses caras. Gozam?
   Vi um Chevy 1971 na rua. Em 1971 todo carro parecia ser carro de malandro. Transpiravam sexo. Liberdade. O carro era fálico. Hoje eles são redondinhos como bundinhas de bebê. Carros de familia.
   Né não?

O DOGMA É UMA DROGA

   Houve um tempo em que as pessoas acreditavam que o fim da repressão sexual faria da vida uma coisa simples e feliz. Que todas as depressões e melancolias iriam embora e que os impulsos de violência sumiriam. Não é o que acontece.
   Mas voce pode se aferrar ao dogma e falar que o sexo é livre, mas que a maldita religião nos deu tanta culpa que não conseguimos nos livrar dela. Não somos felizes porque nos sentimos culpados.
   Infantilidade absoluta. Uma das caracteíristicas da mente infantil é jogar a culpa sempre no mais velho. Eu sou assim por culpa de meu pai. Somos infelizes por culpa da velha tradição religiosa. Esse é o tal raciocinio infantil reducionista. Voce cria duas certezas ( que dependem da fé em as aceitar ) e as repete como um mantra mágico. Para voce será uma solução. Não é uma solução, é uma cegueira.
   A infelicidade de um homem independe de vida sexual ou religiosa. O homem é feliz quando ele consegue viver a vida para a qual foi formado para viver. Quanto mais longe ele estiver dessa vida mais infeliz ele será. A repressão do século XIX que tanto fazia mal, não era apenas a repressão sexual. A dor que sentimos hoje não é mera culpa ou vazio. É muito simplório falar de culpa ou de vazio e fingir que alguma coisa foi respondida. A dor, seja no século XIX ou agora, sempre nasce da falta de liberdade, e essa liberdade não é a de se fazer sexo ou a de poder ir e vir. Essa liberdade é a liberdade de ser.
   Ser aquilo que voce é. Nada é mais dificil e proibido. Os costumes sociais, a familia, a moda, a falta de tempo, o trabalho, a politica, tudo contribui para o não-ser. Para voce se achar é primordial a solidão absoluta. É necessária a luta com o meio e o mergulho em seu universo. Diálogo entre voce e voce sem a intermediação de nada que não seja voce. Em nosso mundo hiper-comunicativo ( e portanto solitário ), mergulhar em si-mesmo parece coisa de egoista ou de esquizofrenico. Mas é apenas nesse mergulho que o crescimento ocorre e que a solidão diminui. Antes de se relacionar com alguém voce deve se relacionar com voce-mesmo. Sem isso, tudo fica num encontro de máscara com máscara.
   Não há modo mais garantido de NÂO conseguir se encontrar que sendo membro de uma igreja. Ou de um partido. Ou de uma associação de filosofia ou psicologia. A partir do momento em que voce diz "Amém" para algum dogma voce se perde daquilo que voce poderia ser. O menos religioso dos homens é o que segue uma religião. A busca fica reduzida a soluções simples que dependem de se aceitar uma verdade estabelecida pelo costume. E o mesmo vale para dogmas politicos, existenciais ou o que for. Aceitar uma verdade não vivida dentro de quem a aceita, mas apenas porque deve ser assim, ou o costume diz isso, ou meu meio social é assim, ou é bacana pensar desse jeito, é sempre uma mordaça para a fala. Pior, é um modo de não-ser.
   A vida é muito complicada. Não creia em quem divulga explicações. E creia, às vezes a coisa é tão simples que se torna inaceitável.
   Nada do que escrevo aqui é por "ter sido ensinado". Tudo o que falo foi profundamente vivido e visto por mim. Se pareço confuso é porque eu sou confuso. Se às vezes falo como ateu e às vezes como o mais carola dos franciscanos é porque eu sou essa contradição. Não por  moda ou por ter me convencido intelectualmente de uma verdade. Mas sim por ter vivido as duas condições. Sei da facilidade cômoda e produtiva da crença ateia, e conheço a terrível profundidade da experiência religiosa significativa. Conheço o prazer do sexo e conheço a euforia da descoberta de uma fé. Sei o que é transcendência e até mesmo epifania. Não por ter lido, mas por ter tido a experiência.
   Se creio no Daimon interior não é por amar a Grécia clássica como a amo. É o contrário: por ter o Daimon é que amo a Grécia. Nada pode entrar em mim que já não viva lá.

TRANSFORMER, FUTEBOL, SEXO E AL GREEN

   Parece que afinal foi descoberto o óbvio, 1972 foi o melhor ano do rock. Uma série de shows, inclusive no Brasil, comemoram os 40 anos do ano que enterrou o passado e definiu o futuro do futuro. 1972 acabou de vez com as ilusões hippies mostrando ao universo a cara cínica, hiper-profissional e metida a besta do rock. Foi ano que deu aos tempos vindouros o caminho em estilo e produção.
   Harold Bloom, que não gosta de rock mas entende de mundo, diz que durante quinze anos o rock foi uma experiência mistica-transcendental. Seus amigos e alunos iam a shows de Grateful Dead ou Jefferson Airplane como quem ia a um momento decisivo em termos de existência. Procuravam uma reviravolta, um renascer. Em 1972 esse povo botou as botas na Terra. A experiência passa a ser carnal: sexo, drogas e ação.
   Exile on Main Street dos Stones, Harvest de Neil Young, Transformer de Lou Reed, Roxy Music 1, Let's Get It On de Marvin Gaye, Music of My Mind de Stevie Wonder, Catch a Fire de Bob Marley, Ziggy de Bowie, Slider de T.Rex, Superfly de Curtis Mayfield, Gram Parsons, o primeiro do Kraftwerk, Honky Chateau de Elton John, Funkadelic.... uma multidão de discos que ecoam sem parar nessas quatro décadas. Não há nada feito nos últimos milênios que não beba dessa fonte.
   Os Vingadores batem o recorde de bilheteria....em 1972 esse recorde foi batido pelo Poderoso Chefão....alguma coisa ruiu desde então. Falar de cinema hoje é falar de saudade ou de futilidade.
   O Bandido da Luz Vermelha é o maior filme já feito neste Brasil. Hoje estréia sua tardia continuação. Não vi ainda mas já adorei. Tem o sublime Ney Matogrosso fazendo o Luz Vermelha. Segundo Ney, o bandido passou 40 anos na prisão lendo Baudelaire, Nietzsche e Kant. O filho do Luz segue os passos do pai. Faz tudo o que ele fez...em 2012. Não conheço melhor definição do mundo de hoje. Fazemos tudo aquilo que em 68/72 foi feito. As mesmas passeatas, as mesmas rebeldias, as mesmas caretices, as mesmas bandas, as mesmas atitudes. Mas com rostos sem rugas e sem marcas de história. Vazio portanto. Apenas cópias.
   No youtube tem uma cena em que George Best solta gargalhadas enquanto joga bola pelo United em 1968. Ele vai bater uma falta e um amigo do mesmo clube lhe rouba a bola e o dribla. Entendeu porque descrevo esta cena aqui?
   Dylan veio ao Brasil e fez o melhor show da década. Pouca gente viu. Em 1965 ele dizia que o mundo estava empenhado em morrer e que ele estava empenhado em viver. Em 2012 ele continua vivo. Recria suas músicas em cada show, percorre a estrada e renasce a todo dia. Dylan é a prova viva de que viver é possível.
   Ando com um amigo por ruas escuras. Um insight: Dylan repete Rimbaud e Whitman. Renascimento. Morte em vida, mortes em vida e a ressurreição antes da morte. Dylan é um exemplo de gnose.
   Neymar nos recorda que o futebol é uma brincadeira. Ele chega ao limite do jogar por jogar, onde a vitória é um detalhe e o gol uma celebração. Neymar não é um turista. É um peregrino.
   Quando aquela menina anda com seus jeans esfarrapados grudados nos quadris eu sinto que o sexo é uma chance para se deixar de ser bobo. Eu me afundo nela, me esqueço de mim nela, me engulo nela e me perco de mim nela. E depois volto pra mim-mesmo mais eu do que nunca. Quero que ela faça o mesmo. Ela faz. O sexo existe pra gente morrer nele. E aprender a reviver nele. Carne e suor também é religião.
   1972 teve Al Green. E quando se tem Al Green não se precisa de mais nada.