Mostrando postagens com marcador rock. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador rock. Mostrar todas as postagens

HEDONISTA

Estava escutando um disco hedonista e caiu a ficha: vivemos um dos períodos mais puritanos da história recente. Mas como Paulo? Nunca se falou tanto de sexo. Sim, é fato, mas repare que sexo hoje é ato político, é atitude, é agressão, deixou de ser simples prazer. ---------------- O Hedonismo está e sempre esteve muito ligado ao sol, é uma postura perante a vida em que voce procura o prazer físico, a sensação de prazer, deixando o cérebro desligado. É o estilo de vida típico do Mediterrâneo, Grego, Italiano. Mas voce sabe, hoje quem manda na Europa é Belgica, Alemanha, Holanda, países menos hedonistas do mundo. Eles exigem que sejamos estoicos, e o estoico não tem prazeres, ele suporta dores. ------------- Observe mais: filmes não propõe mais um simples prazer, eles tentam educar, ensinar, quando não, nos comandar. Na música POP se chora, se estupra ( o funk são dois câes cruzando, é um ato biológico, nada há da celebração do prazer ), se revolta, mas não se dá uma simples diversão. Aliás falar de música é perda de tempo, mudemos de assunto. -------------- Voce bebe vinho pensando na safra, no custo benefício, bebe como se fosse um estudo, uma ciência. Voce come preocupado com calorias, agrotóxicos, a ecologia e esquece que comer é o segundo maior prazer da vida. Esquecemos o gosto de gostar por gostar. E isso tudo começa quando criminalizaram alguns dos atos mais hedonistas do ser humano. ------------ Tomar sol e fumar um cigarro. Ser vaidoso e rir de tudo. Não é à toa que a insônia impera: um dos prazeres mais simples, parece que hoje nos sentimos culpados por dormir. A negação do Hedonismo traz uma herança lógica: a depressão, seu completo oposto. --------------- Eu recordo dos hiper hedonistas anos 70, onde tomávamos sol sem nenhum medo ( estranhamente os índices de cancer de pele eram baixos ), bebíamos vinho sem olhar o rótulo, bastava ser bom, e comíamos carne sem sequer imaginar um pobre boi morrendo assassinado. E o sexo? Era quase sagrado, o mais prazeroso dos atos, uma festa folia alegria, um ato feito de beijos longos, carícias extremas, um olhar que admirava e elogiava. Sem pressa. ------------------ Então veio a AIDS. E o mundo do sexo, gay ou hetero, foi cruelmente atacado pelos puritanos, que como aconteceu com a Covid, amaram poder posar de virtuosos. O rock começou a se tornar triste, muito triste, e mesmo bandas "alegres" e então novas, como Duran Duran ou Van Halen, eram atacadas como escapistas, tolas, sem consciência social. ------------ Elas eram hedonistas. Propunham a folia e a farra, a beleza sem vergonha, o poder ser. ------------ O disco de que falei é EMOTIONAL RESCUE, da banda mais hedonista da história, Os Stones, e eles, que desde 1973, são atacados porque não admitimos que tudo o que eles querem é....bem, voce sabe tudo o que eles querem: mulheres, festas, bebidas e sol na cara. Mais nada. ------------------- Somos bichos que sentem prazer. Talvez um cão comendo sinta prazer e não apenas necessidade, não sei, porém eu sei que existe uma diferença entre comer e apreciar, entre transar e foder. Nossa capacidade de ter prazer é tão nobre e exclusiva como é nossa razão. Mas hoje se faz questão de esquecer desse fato, o de que nascemos para ter prazer, não para ser felizes, ser feliz é espírito, é abstrato, no entanto nosso corpo busca o prazer. E ao o encontrar nos realizamos, crescemos, ficamos FISICAMENTE FORTES. Nietzsche sabia disso, DH Lawrence sabia disso. ----------------- Penso que o Hedonista é rebelde, individualista, e isso ofende o rebanho. Ele é também obvia e explicitamente feliz, e isso ofende os tristes. -------------- Eis aí a coisa: Antes a beleza era entendida como algo que copíavamos, mesmo sendo feios, para tentar ser menos feios, e isso nos fazia vivos. Assim como ver uma pessoa feliz nos recordava da ALEGRIA EM ESTAR VIVO. A possibilidade sempre presente, da alegria. Hoje beleza e alegria são ofensas, humilham. ------------- Nunca fomos tão puritanos. No século XVII era assim que se pensava: Vaidade e Alegria eram coisas do diabo. Voltamos a esse tempo. Mas usando um verniz de falsa liberdade. ---------------- Reconcilie-se com seu prazer. O genuíno. Aquele que liga o foda-se. O resto é vingança dos infelizes e dos chatos.

MOTT THE HOOPLE E BAD COMPANY

De todos o estilos de rock, nada está mais morto que o hard rock. Estilo dominante nos anos 70, ele era leve demais para ser metal e pesado demais para ser POP. Seus temas eram geralmente amor, sexo, estrada, os amigos, a revolta, leve, contra o sistema. Tinham uma alegria que transparecia mesmo nas baladas e uma técnica não exibicionista. Eram bandas para se divertir escutando e eles se divertiam tocando. A partir dos anos 80 esse estilo se mediocrizou em chatices que prefiro não citar ( voce conhece todas ). O que era um grupo de homens tocando rock em volume alto se transformou em bando de ídolos sexy se exibindo no palco. Virou a coisa mais fake do mundo. ---------------- Mott The Hoople era a banda de Ian Hunter, um grande letrista que em 1973 tinha como líder de seu fã clube um moleque chamado Morrissey. O som era hard rock, mas com fartas pitadas de Kinks e Dylan. MOTT, seu melhor disco, é quase uma obra prima e veio após Bowie ter salvo a banda com all the young dudes. Aqui Bowie não participa. O filme de Scorsese, ALICE NÃO MORA MAIS AQUI usa este disco na trilha sonora, ele abre com uma sequência linda, na estrada, ao som de all the way from Memphis, uma obra prima que abre o LP. Mick Ralphs, o guitarrista, poderia solar duas horas, mas não, no hard rock os solos são concisos. O disco todo transpira inspiração e a voz de Ian Hunter, mesmo não sendo do tipo que eu aprecio, funciona. É um som que me embala desde minha adolescência e reouvindo agora me deu muito prazer. ------------------ Bad Company foi um supergrupo surgido em 1974. Super porque todos os quatro integrantes tinham sucesso em seus ex grupos: Paul Rogers era vocal do Free, Simon Kirke batera da mesma banda, Mick Ralphs vinha do Mott The Hoople e Boz Burrell tocava baixo no King Crimson. O primeiro disco, Bad Company, é o mais simples e direto exemplo de hard rock dos anos 70. Riffs que acertam o alvo. Bateria pesada. Vocal rouco. Baixo que pulsa. Um som limpo, claro, nítido, direto. São apenas 8 faixas e nenhuma é menos que afiada. Neste disco percebemos o melhor dom do hard rock: ele nos enche de vontade de fazer coisas. Ir à rua, viajar na estrada, procurar alguém. É viril. De todos os estilos é o que menos me enjoa, o bom e velho rock pauleira. Ah sim, o disco foi number one nas paradas do mundo. Bons tempos...

Sailin' Shoes (Live at Lisner Auditorium, Washington, DC, 8/10/1977)

.....Esse é o disco, essa é a banda. Lowell George e seus camaradas têm jazz, têm funky, têm groove, eles têm tudo! O disco, ao vivo, é de uma vibração cósmica sexual absoluta. Na era dos grandes discos ao vivo ( 1969-1979 ), ele é talvez o melhor de todos. A banda soa solta, relax, quente e os vocais são sedutores. É música feita por quem sabe tocar até dormindo e para ser escutada por quem sonha com música. Vicie-se.

JEFF BECK, O MAIOR GUITARRISTA DO MUNDO

Desde meus 13 anos eu lia sobre Jeff Beck na revista POP, mas não tinha como o escutar, não tocava no rádio. Então aos 17, em 1979, eu finalmente comprei meu primeiro disco de Jeff, o LP Thruth, de 1968, com Rod Stewart, Ronnie Wood e Mick Waller. O album é uma obra prima e me conquistou na primeira audição. Mas não achei que Jeff fosse o melhor guitarrista não. Eu amava Jimmy Page e pra mim, guitarrista bom tinha de solar muito e tocar alto. Nunca deixei de ouvir discos de Jeff Beck, mas só passei a entender o porque dele ser o maior recentemente, em 2019, quando finalmente ouvi sua obra em toda sua diversidade. Jeff tocava de tudo, tocava o que queria e como queria, não tinha limite nenhum. ------------- Amigo de infância de Jimmy Page, ( Page o considera o melhor entre todos os ingleses ), Jeff entrou nos Yardbirds, indicado por Page, em 1965, no posto de Clapton, que saiu para poder tocar blues com John Mayall. Nos Yardbirds, Jeff começou a desenvolver seu estilo: muita distorção, afinações orientais, a invenção da guitarra moderna. Ele incorporava ruídos, trazia agudos e graves insuspeitos, fazia Clapton parecer acomodado. E tinha visual, Jeff Beck tem e tinha a imagem do guitar player clássico, o cabelo e o rosto que seriam depois os de 80% dos guitarristas do mundo. Seus fãs vão de Joe Perry à Ron Wood, de Slash à Eddie Van Halen, de Mick Ronson à Johnny Marr. Jimmy Page e Steve Vai. ------------- O que prejudiou a carreira de Jeff era seu gênio insuportável. Ele era do tipo que mandava o cantor embora na primeira desafinada. O Jeff Beck Group foi a primeira opção para tocar em Woodstock. Não foram. Dizem que Jeff acabou com a banda na véspera do embarque. Mas Jeff dizia que não queria ser mais um dos "caras que tocaram em Woodstock" e ficaram presos nisso para sempre. A vida seguiu, Rod Stewart e Ron Wood se tornaram rock stars e Jeff em 1974 descobriu o jazz rock. ( Isso depois de tocar com Stevie Wonder em 1972 ). Blow By Blow é considerado por aqueles que não gostam de jazz rock, o único album no estilo que vale a pena. Tem hoje a fama de obra prima e eu o considero o exemplo máximo daquilo que um guitarrista pode fazer. Cheio de funk, de jazz, de groove, é despretensioso e perfeito, de uma simplicidade relaxada e com o rigor de quem sabe tudo o que se pode saber. Jeff Beck esgotava a guitarra. Sempre. Tirava dela tudo que ela tinha a dar. Sua relação com ela era sexual, era um ato de amor safado ao extremo. --------------- Depois veio o resto: albuns e mais albuns instrumentais que variam do bom ao excelente. Em alguns ele tocou rockabilly ( sempre foi fã do guitar de Gene Vincent, Cliff Gallup ), blues, old school jazz, pop music e até eletrônico. Ganhou alguns Grammys e gravou com Seal, Mick Jagger, Ozzy Osbourne e mais uma multidão de estrelas POP. Colecionador de carros antigos, preferiu sempre tocar o que teve vontade de tocar, sem forçar nada. Nunca foi uma estrela solo como Eric Clapton ( Jeff dizia que Eric sabia compor, ele nunca soube, sempre dependeu de temas de outros compositores ), nem parte de uma super banda como Jimmy Page ( tentou seguir o rumo do hard rock em 1973, como grupo Beck Boggert Appice, mas foi seu pior disco ). Jeff Beck não combinava com bandas fixas, era um lobo solitário. -------------- Ele dizia que só havia um guitarrista que ele achava ser melhor que ele mesmo: John McLaughlin ( E talvez seja mesmo ), todos os outros não. Quanto a Jimi Hendrix, sim, ele confessava ter ficado maluco em 1967 quando o viu, mas Jimi não evoluiu como o esperado e viveu tão pouco.... Jeff era uma figura selvagem e ao mesmo tempo um cavalheiro. Welll.... é, depois desses 50 anos em que ouço rock, ele é meu guitar player favorito, e isso eu escrevi por aqui alguns meses atrás. Não é porque ele morreu ontem. Meningite, veja só, meningite... Sinto que perdemos o medo de morrer quando notamos que nossos camaradas de planeta desaparecem. Vai chegar um momento em que não haverá uma só figura que eu possa chamar de "meu ídolo, meu guia, meu artista". Nos vemos um dia Jeff.

WALLS AND BRIDGES, O MELHOR DISCO DE JOHN LENNON

Em 1974 John Lennon estava um caco. Sem Yoko, eles haviam brigado, ele vivia bêbado. Seus companheiros de copo eram Keith Moon, Ringo Starr, Elton John e principalmente Harry Nilsson. Todos conhecidos por seus excessos. ( Moon e Nilsson eram alcoolotras radicais, Elton estava na sua fase cocaína ). Lennon chamaria no futuro essa fase de seu "Lost Weekend " alusão ao filme de Billy Wilder. --------------- Nesse clima ele lançou o disco Walls and Bridges, disco que vendeu muito mas que foi meio esnobado pelos críticos. Eu conheço tudo que John gravou e para mim este é não só seu melhor trabalho solo, como um dos grandes discos da melhor década. Ele abre com Goin Down on Love e voce não imagina o que era ouvir isso no rádio pela primeira vez. Era rica, era complexa, era surpreendente. Mudava de tom, mudava de ritmo, se recompunha. Tinha percussão, metais, tinha rock e era esquisita. Lembrava os melhores trabalhos dos Beatles. A faixa seguinte fora fruto de uma aposta. Elton John gravou com John Whatever Gets you Thru the Night e apostou que ela seria número um na Billboard. John duvidou e disse que se ela fosse, ele apareceria de surpresa no palco em show de Elton. A faixa chegou a número um e Lennon aparece no Madison Square Garden, no meio de um show do Elton, sem avisar. Cantaram 3 faixas e essa foi, sem que ningém se desse conta, a última aparição de Lennon em um palco. Dezembro de 1974. Whatever Gets era outra surpresa quando surgiu no rádio. Era alegre e histérica, meio gay e tolinha. Deliciosa e eufórica. A cara dos anos 70. -------------- Para quem não sabe Harry Nilsson foi um gênio e Old Dirt Road é da dupla Lennon-Nilsson. É a alma do album. Linda de matar, triste de doer, tem uma guitarra slide sublime ( Jesse Ed Davis ) e aquele fundo de orquestra que Nilsson era mestre em usar. A voz de John está magnífica, é triste, é rock, tem um fundo de ironia, é voz de quem perdeu ( o que irrita em John é sua mania de exibir feridas ao público, mas aqui é tudo tão bonito que a gente perdoa ). A próxima, What You Got, tocava em anúncio de TV. É rocknroll. É agitada. Funciona à perfeição após o bode da faixa anterior. Dá até pra dançar. Bless You é uma faixa que poderia ser cantada por Al Green. Ou por Luther Vandross. Seria sexy. Seria soul de motel. Na voz de Lennon, voz incapaz de soar sexy, é bela porém incompleta. Scared é mais uma grande faixa. Um lobo uiva duas vezes e a orquestra entra como em sonho. Lennon repete várias e várias vezes que sente medo, muito medo. Dizem que seu afastamento do trabalho, entre 1975-1980, se deveu a crises de pânico. Se for verdade, eu penso que não, esta faixa entrega tudo. É pesada, soturna, mas é cheia de beleza. Quando inspirado, John Lennon era uma fábrica de produzir coisas bonitas em meio a frases simples. Scared é um exemplo de talento. Se Paul MacCartney é um mestre em produzir harmonia de cristal, John fazia beleza no lodo. E essa beleza é superlativa em Dreams, uma das músicas mais bonitas já gravadas. O som da bateria harmonizado com os violinos que "sonham" é das construções musicais que só um imenso dom, um talento sem limites, faria. Dreams me encantava quando tocava no rádio, em 1974, e me encanta agora, uma vida inteira mais tarde. É perfeita como música acabada e completa. Surprise é a faixa menos boa do disco inteiro. Apenas uma brincadeira rocker. Nada ruim, mas destoa. Steel and Glass é terrível. Terrível no sentido de ser assustadora. Os metais estão precisos, a música progride como destino. John sente medo outra vez. Sou apaixonado por essa faixa desde que a ouvi pela primeira vez, 1980, logo após sua morte, que foi quando comprei o album. Sei que escrevi sobre esta obra uns 10 anos atrás, mas o valor da grande arte é sua capacidade de ser eternamente comentada. Hoje sou outro e o album tem outro valor para mim. Beef Jerky é esquisita e é instrumental. E depois temos mais uma faixa que é puro Nilsson: Nobody Loves you when you're Down and Out. Só John e Nilsson poderiam fazer uma faixa com esse título. É uma longa lamentação de Lennon, pura auto piedade. Ele lambe feridas sem pudor. Mas eu adoro, porque musicalmente é uma maravilha. A massa sonora lembra o melhor de Phil Spector ( John foi o único Beatle que aprendeu com ele. Paul jamais deixou de seguir George Martin, um estilo muito mais refinado que o de Spector ). Essa massa de guitarras, violinos, metais, percussão, se arrasta como se tudo fosse uma imensa ressaca. E é uma ressaca sim. A canção é como uma dupla de amigos cantando na rua às 6 da manhã, com dor de cabeça, dor de corno, dor de viver. É adulta e é feita em espírito adolescente. É uma obra de arte. ---------------------- Minha opinião é que Lennon se afastou dos palcos e do trabalho por ter vivido um "momento de Voltaire". Desde sempre Lennon fora um rebelde ingênuo, um revolucionário enganado, e em 1975, após o inferno de 1974, ele viveu aquilo que Voltaire descreve ao fim de Candido: Ao final de tudo, o melhor é que cada um cuide de seu jardim. Em crise, percebendo a tolice de seus companheiros, ele se volta ao jardim, à família, à casa. Vai criar o filho, fazer pão, ver TV. Uma das raivas que sua morte nos legou é que não assistimos a segunda parte de sua vida. ------------- Walls and Bridges é o momento em que o Lennon chato e infantil morre.

MACHINE GUN E O FIM DO ROCK EM 2022 ( E A MELHOR COISA DE 1980 )

Na lista dos maiores vendedores de discos em 2022, entre os 200 primeiros, só há um nome do rock. Um tal de Machine Gun Kelly. Mais nada. É a primeira vez que acontece isso. Rock virou jazz. Um dos estilos clássicos do POP americano. Apreciado por pessoas com mais de 30 anos. Insignificante para adolescentes. Música de perdedores. Eu amo. Mas eu sou um homem do século XX. Apesar de amar rock, eu DESTESTO bandas dos anos 80 que insistem em viver. Não há nada pior que a geração dos anos 80 do rock brasileiro. Titãs, Paralamas, Barão, me dão vontade de vomitar. Eram ruins em 1985. São patéticas em 2022. ------------------- Alguns sabem envelhecer. São pessoas que simplesmente esquecem a merda toda de 1985 e tocam o barco pra frente. Os anos 80 tiveram um grande tempo: 1980-1983. Depois foi ladeira abaixo. A partir de 1988 começaram a inventar o que seria os anos 90. Prince foi legal. Mas eu não preciso ficar aqui falando sobre isso né? ---------------- 1980 foi ótimo. Eu lembro, eu tava lá. No mainstream tinha o Steely Dan com Gaucho, Bowie com Scary Monsters, um bom Stones-Emotional Rescue, e na black music o começo do RAP com Sugarhill e o delicioso Kurtis Blow. Dire Straits e o atemporal Making Movies. Back in Black do ACDC, Killers do Iron Maiden e a obra prima do metal: British Steel do Judas Priest. Motorhead e Ace of Spades. Queen com The Game. Eu disse que foi um grande ano! ------------- Na música que na época era chamada cool, hoje nem tão cool, mas ainda super legal, 1980 tinha o Joy Division e o movimento do ska: Madness, The Beat e Specials. Clash com London Calling e The Jam com Setting Sons. Meu disco favorito, desde a época até hoje é Pretenders I, uma obra prima irretocável. 1980 tinha Elvis Costello, Cure, Gary Numan, Ultravox, Stranglers, Warren Zevon, The Cars, Talking Heads, B'52s, Devo, Japan, todos lançando discos bons, ou muito bons, ou ótimos. Roxy Music lançou Flesh and Blood. --------------- Na época críticos diziam que era um grande momento do rock. Que tudo que viera antes se tornava irrelevante. O rock morrera em 1977 e renascera muito melhor. A banda que eles mais elogiavam era The Clash e eu até gostava do Clash mas preferia muitas outras. London Calling era chamado de maior disco da história do rock. Eu gostava de 50% dele. Hoje eu sei, e não soa hoje tão excêntrico como parecia em 1980, que a melhor banda do mundo em 1979-1983 se chamava The Police. -------------- Outlandos D'Amour ( os nomes dos discos são maravilhosos ), foi o primeiro, em 1978. É ótimo, mas ainda tem resquícios punk. O som, único, do grupo, ainda não está afirmado. Em 1979, Reggatta de Blanc, uma obra prima, talvez seu ápice, já traz o estilo solidificado. A bateria, perfeita, dançante, hipnótica, de Stewart Copeland, domina o som. Não há bateria como a dele. Stewart é complexo, anguloso, metálico, cheio de beat. A guitarra de Andy Summers, tomada por reverb, um estilo copiado à exaustão por guitarristas de todo o mundo, faz o papel da bateria. Esse o segredo: uma inversão: os riffs são da bateria, quem pontua o som é a guitarra. Andy Summers era já velho em 1980, tinha 32. Tocara com The Animals e com Kevin Ayers. E havia Sting, um contra baixo jazzy, uma voz afinada, bonito e foi por causa de sua beleza que a banda sempre foi vista com má vontade. Roqueiros bonitos, principalmente em 1980, tinham de provar ter cérebro. Todo o tempo. ------------- Eles se odiavam. Brigavam sem parar. Era esperado, o som do Police é uma disputa entre baixo-guitarra e bateria por protagonismo. Zenyatta Mondatta é seu disco de 1980. Eu ouvi muito. Muuuuuuuito! Ainda é delicioso. A faixa final é uma das maiores execuções de bateria da história. Depois, em 1981 veio Ghost in The Machine e Sting começou a encher o saco. Passou a querer provar sua inteligência. Fez letras políticas. O disco é muito bom, ótimo, mas não é mais The Police. Veio então Synchronicity, em 1983, e a banda acabou. É um disco sobre Jung. JUNG! Stewart e Andy não aguentaram mais tanta pretensão. Acabou. Synchronicity é um dos maiores discos da história. Mas Reggatta de Blanc e Zenyatta Mondatta são muito melhores. --------------- Posto duas músicas da banda. Repare na sonoridade. No ritmo. Nos detalhes de eco, de reverb, na produção. É coisa de quem sabe TUDO de música. Enjoy it!

MELHOR ANO? TENHO UMA OPINIÃO E VOCE TEM A SUA. MAS EXISTE A VERDADE

Tudo é opinião no mundo de agora mas não se engane, a verdade existe. E a verdade vive na multiplicidade de opiniões, voce as escuta até perceber um padrão sólido, que não muda. Isso porque a verdade é sempre imutável. Posto isso digo que um jovem amigo, bem jovem, me pergunta qual foi o melhor ano na história do rock. Welllllll....dizem ser 1966, dizem ser 1968....dizem ser 1981....só não há quem diga ser 2022. ( Não pense que o tempo dá importância à um ano no tempero da saudade, em 1968 já se tinha consciência de ser aquele o melhor ano e em 1973 já se tinha certeza ser aquele um ano fenomenal ). Um dos anos mais votados é 1972 e esse é meu ano favorito. ------------- Primeiro fato meu caro: não pesquise no underground. Música alternativa é mundo de paixões exaltadas e sua marcha no tempo é sempre questão hiper subjetiva. A prova de um grande ano reside nas paradas de sucesso e no rádio popular. Essa é a amostragem do momento e é o que ficará como herança específica de uma produção no tempo. 1972 é imbatível. -------------------- Nem é preciso dizer que foi o ano em que a black music se firmou de vez nas rádios brancas. Estou falando de rock, mas saiba que 72 foi o grande ano black. ------------------ Então vamos à 1972, um ano que parece uma década. Voce vai notar que os discos que vou citar estão em catálogo, seja CD ou Vinyl até hoje. São procurados, lembrados, copiados, citados. 1972 é ano de Exile on Main Street, último disco realmente grande dos Stones. E também de Ziggy Stardust, e imaginar esses dois LPs, pendurados numa vitrine, ao mesmo tempo, é um luxo. Mas houve mais, e esses dois talvez nem sejam os melhores do ano. Houve Transformer de Lou Reed e All The Young Dudes, do Mott The Hoople. E The Slider, do T.Rex foi o disco que dominou o ano em Londres. Elton John lançou uma obra prima, Honky Chateau e Alice Cooper teve Schools Out. 1972 é o ano de Made in Japan do Deep Purple e de Black Sabbath Volume IV. Bryan e Eno lançaram o primeiro do Roxy Music e o Jethro Tull teve nas vitrines o LP com capa de jornal. Close to The Edge do Yes ao lado de Led Zeppelin IV lançado em dezembro de 71. Gary Glitter ecova o single RocknRoll e Paul MacCartney mandou vários hits para as rádios. O rock alemão estava em seu auge e todo o novo country americano ainda tinha alguma graça. As ondas sonoras pulavam com canções alegres ou docemente tristes: Day After Day é um belo exemplo. Os Faces tinham nas paradas seu melhor momento com Blind Horses e o Status Quo fixava seu estilo boogie, estilo que eu adoro. Rod Stewart continuava sendo um artista sério e muito popular e Never a Dull Moment era seu disco do ano. Ter dinheiro e entrar numa loja de discos devia ser fantástico, em 1972 eu era muito criança e só entrei em lojas no ano de 1974. Em 1972 Queen, Genesis, Foghat, Gentle Giant, Dr Feelgood, Be Bop de Luxe, Robin Trower, Suzi Quatro estavam no ponto para estourar e o ELP tinha o maior show dos palcos. Jeff Beck estava em excursão e Johnny Winter era talvez o melhor guitarrista ao vivo. Rory Gallagher era seu rival. Gram Parsons lançava seu primeiro grande disco, JJ Cale começava sua carreira virtuosa e influente e mais um monte de bandas fofas e brilhantes invadiam as paradas da Europa: Sweet, Middle Of Road, Son of My Father do Giorgio, Lynsey de Paul. Nos EUA era tempo de Three Dog Night e Bread. Houve o super disco ao vivo de The Band e mais Humble Pie, Free e Dr. John mandando ver. Tudo isso no mainstream. Nada aqui era para nerds musicais, era tudo isso coisa de loja de disco, de rádio, da Billboard. Ligar o aparelho e sintonizar em qualquer rádio AM era sempre uma experiência interessante. E não se esqueça, botando pimenta nisso tudo havia a black music de Al Green, O´Jays, Temptations, Marvin Gaye, James Brown, Stevie Wonder, War, Kool and The Gang, Rufus, Harold Melvin, Stylistics, Billy Paul, Billy Preston, Blue Magic, George Clinton, Curtis Mayfield, Roberta Flack....a lista não termina.

DISCO MUSIC, O MAIS ODIADO ESTILO MUSICAL DA HISTÓRIA. POR QUE?

Um cara escreve quais são as 150 piores escolhas do Rock n Roll Hall of Fame. Corajoso. George Harrison está na lista. O autor diz que depois de 1970 ele nada fez que justifique sua importância. Algumas escolhas discordo: Queen e Deep Purple. Ele diz que ambos só têm duas boas canções. Acho essa uma visão muito americana do rock. Mas o bacana o texto é sua defesa da disco music. Ele fala que se é para premiar Duran Duran ou Depeche Mode seria muito melhor premiar New Order e DISCO MUSIC. Kc and The Sunshine Band por exemplo. Não leitor, ele não está sendo irônico. Ele destaca a extrema competência festeira de KC. Bom vocal, excelente instrumental, hits aos montes. Mas a questão é: Por que disco é tão odiada? ----------------- Em 1980 um artigo elogioso da Rolling Stone, o único, dizia que disco era odiada por ser latina. Era o único estilo latino e gay no POP e isso despertava aversão ao rock. Uma frase desse texto nunca esqueci: o rock estuprava, o disco seduzia. No rock o ato de amor sempre parece infantil e por isso pornô. No disco ele é adulto. Era música de quem transava, por isso a raiva juvenil. -------------- Continuo concordando com o texto e acrescento: disco nunca pagou tributo ao rock e isso lhes foi ofensivo. Gente do rock gravou disco music, mas gente do disco nunca tentou parecer rock. Quando o RAP surgiu foi considerado uma piada, até que em 1985 RUN DMC gravou rock, pagando tributo ao estilo. Logo veio Beastie Boys usando John Bonham como base. Isso deu respeitabilidade ao RAP. Era como se o estilo pedisse para ser parte da história oficial. No Disco isso nunca foi feito. Os artistas disco sempre ignoraram o rock, era como se eles nem existissem. Isso foi insuportável para as bandas dos anos 60-70. Por isso já em 1979 foi feito um violento cancelamento do estilo discoteque. O disco era chamado de burro, escapista, pobre em melodia, feito por robots, uma vergonha. ----------------- Uma bobagem dizerem isso porque acabo de ouvir alguns hits disco e mais uma vez me delicio com a técnico apurada de músicos sensacionais. É alegre, é bonito, é elegante, é uma folia. Parece que a raiz do ódio era mesmo a inveja.

OS HEMISFÉRIOS DO CÉREBRO, TEDDY PAEZ E STEELY DAN

Uma boa notícia: descobriram que a partir de certa idade, mais ou menos os 60 anos, os hemisférios cerebrais entram em comunhão. A fornteira entre eles se torna mais fraca e isso faz com que nosso lado intuitivo entre em comunicação com o lado racional. Há perda de memória e de agilidade, mas há, vejam que coisa!, aumento de criatividade. E, e agora vem o que aqui interessa, AUMENTO NA CAPACIDADE DE APRECIAÇÃO DA ARTE. Talvez esteja aqui a explicação do porque de gente com menos de 40 anos não apreciar Steely Dan. ---------------- Eu acho fantástico quando a ciência corrobora, após séculos de pesquisas, aquilo que a civilização já sabia, por costume, desde sempre. Antes da hiper valorização da juventude, via mercado, toda nação valorizava os velhos como repositórios de sabedoria. Um velho maestro, um velho escritor, um velho líder político eram vistos como um ser em seu apogeu. Em 2022, e desde pelo menos 1968, um cara com mais de 40 anos é um ser em decadência e com mais de 60 é um traste a atrapalhar a vida dos outros. Nunca foi assim. E será preciso a ciência para dizer o óbvio. --------------- Em 1977 havia uma loja, na época loja chique se chamava boutique, loja em francês, que ficava escondida no corredor mais estreito do velho shopping Iguatemi. Essa boutique se chamava Soft Machine e seu estilista era Teddy Paez. Paez era porto riquenho e vivia em New York, seu design vinha de lá. Os produtos, roupa masculina moderna, começara como um tipo de hippie chique. depois passara a ser discoteque exclusiva e a partir de 1979 seria new wave sóbria à NY. Eu tinha 15, 16 anos e minhas roupas eram de lá. Até hoje não encontrei jeans melhor. Caía feito uma luva e não era nem justo e nem largo. Camisas que pareciam militares, camisetas hiper coladas na pele, cintos fininhos de fivelas prateadas...qualquer coisa lá parecia moderna, ousada, diferente. E jamais exagerada. O local cheirava a tecido recém lavado e nas caixas tocava Steely Dan. ---------------- AJA não é o melhor LP deles mas é o mais conhecido. É de 1977. E tem o estilo do grupo ( grupo formado apenas por dois caras ) em seu modo mais jazzy. Voce sabe: um ano em estúdio para acabar o trabalho ( hoje se faz um disco em quanto tempo? Dez dias ? O som é perfeito, as composições sublimes, e é preciso ter alguma idade para perceber a profunda beleza daquilo tudo. Porque eles nunca apelam, não são dramáticos, não posam, não forçam. São músicos, são profissionais ao extremo. O que Donald Fagem queria era isso: que fosse perfeito. E perfeição é trabalho, muito trabalho. Os discos deles mostram trabalho, apuramento, resultados. Mas não esforço. Tudo parece fácil. E nada simples. ------------------ Eles unem dois hemisférios.

TUMBLEWEED CONNECTION, ELTON JOHN. O MAIS BELO FILHO DE MUSIC FROM BIG PINK.

Primeira coisa que voce vai estranhar neste disco: não há nenhum hit. Todos os discos de Elton têm ao menos um hit, mesmo aqueles gravados em suas fases ruins. Alguns possuem até mesmo 5 ou 6 hits. Afinal, ele é, depois de Elvis Presley, o maior hitmaker solo da história. Mas não aqui. Em 1970 Elton lançou 3 albuns, sim, 3 fucking albuns, e este é o mais pessoal, o mais complexo e por que não?, o melhor. O clima do disco já começa pela capa, ela retrata em sépia a frente de um cinema de cidade pequena do sul dos USA. Feito antes de A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA, o filme marco de Peter Bogdanovich, este album tem o espírito do filme melancólico e derrotista de Peter. É um disco feito por dois ingleses, Elton e Bernie Taupin, mais americano que existe. Bernie, o letrista que ama os USA, escreveu letras sobre western, sobre o sul, sobre amigos e solidão, sobre despedidas e sobre rock, tudo após ouvir o disco MUSIC FROM BIG PINK, de The Band ( há disco na história que tenha dado mais grandes filhos que este? O primeiro album de The Band é o progenitor de duzias de grandes sons ). Elton pega essas letras e as casa com melodias que remetem ao disco dos canadenses sem jamais deixar de parecer um disco de Elton John. São músicas plenas de sabedoria ( e pensar que Elton tinha apenas 23 anos ), cheias de beleza antiga, eterna, sólida, indestrutível. Não há uma só faixa que não brilhe como ouro e não há momento menos que sublime. Sim, é um disco perfeito. ------------------- Elton e Bernie sempre retornariam ao tema de Big Pink, o western, o cowboy, a estrada vazia, mas nunca mais de modo tão inteiro como aqui. Pode-se dizer que este é o único disco temático de Elton. E o tema é o maior: a vida.

MÚSICA ELETRÔNICA

Existem 3 tipos de o música eletrônica: aquela que assume sua artificialidade e faz um tipo de arte de robots ( Kraftwerk e afins ), a que faz o digital soar como intrumentos convencionais ( Pet Shop Boys e uma multidão sem fim ), e os que procuram unir os dois mundos, são gelados e artificiais, mas sem deixar de demonstrar emoção. No começo dos anos 80 o estilo Kraftwerk dava as cartas. Yazoo, o começo do Human League, Gary Numan, Soft Cell, todos tinham a frieza, a emoção contida, o distanciamento dos alemães. E a elegância sublime também. A partir de 1985 isso mudou. O techno se tornou muito POP. Pet Shop Boys e vasto etc desenvolveram um tipo de canção que unia o grude de Abba com a instrumentação do eletrônico. Esse estilo domina o POP até hoje. 90% do que se ouve em 2022 é POP eletrônico. Refrões comuns com fundo de baterias digitais. ------------- Nos anos 90 se desenvolveu um tipo de eletro que me fascinou muito. Ele tinha o melhor dos dois mundos, a frieza e a sonoridade do eletrônico mais robótico com a emoção do punk ou do rock visceral. Na receita entrava até psicodelia, progressivo, metal, blues, jazz, tudo que fosse bom. Essa foi parte grande de minha trilha sonora entre 1994-2002. Reescuto hoje alguns desses sons e o que sinto? Imensa decepção. Parece chato. Parece datado. Parece sem valor. Pior, não tem a emoção da saudade. Dá sono. --------------- Que discos foram esses? ------------- Moby. Sua delicadeza hoje parece apenas melancolia de nerd mal amado. É infantil. Sons que remetem a berçário. Três discos do Massive Attack: Blue Lines, Protection e Mezzanine. Não são nada ruins, claro. Bons discos. Mas não encontro mais o chique que parecia abundante. Têm hoje a cara de quarentões posando em festas entediantes. Tricky e seu disco Maxinquaye, disco que em 1995 alguns chamaram de "melhor disco da história" ( a crítica inglesa é sempre uma piada ). Pop normal, nada ousado. Okay, todo disco que um dia foi vanguarda depois de um tempo parece normal. Será? os discos arrojados de Miles Davis parecem hoje normais? .... Tricky é black music bem feita, bem gravada, com sons interessantes. Mas em 2022 parece igual a tudo que toca no rádio. Appollo Four Forty tem stop the rock que é legal porque usa riff do Status Quo. De resto serve pra fazer ginástica. Moloko, aquele cd que tem fun for me. Esse é bem ruim. Pretensioso. Metido à bacana. Um saco! Daft Punk com Homework. Este cd é bom. O fundo com sons de baixo à discoteque salva o disco. Boa trilha para tomar café e andar na rua. Na verdade, e Eno sempre soube, música eletrônica não é para ouvir, é para fazer algo. Stereo MCs com connected. Bem bom. O vocal é muito bom. Perto dos outros ele parece mais viril, mais malandro. Adamski, aquele cd que tem Seal cantando killer. Deus! É muito ruim! Ouço ainda dois Fatboy Slim, os dois que mais venderam. Como parecem hoje? Divertidos. E ao mesmo tempo, como todos os outros, têm momentos de chatice braba. Chemical Brothers com exit planet e dig your own hole...em 1997 pareciam tão modernos, tão surpreendentes. Hoje são apenas uma vaga lembrança de um doce que voce engoliu e esqueceu. Não é entediante não, é apenas inútil. Estranho eu usar essa palavra, mas parece inútil. É como um carro que não anda mais. E por fim Prodigy, os melhores da época. E ainda os melhores em 2022. Porque parecem punk e não eletro. A sonoridade "moderna" não diz mais nada, mas os vocais e a atitude ainda são impressionantes. Junto à Stereo MCs, são os únicos que parecem ter tripas guts, e por isso respiram, chutam e pulam, ainda. ---------------------- Ouvi Autobahn do Kraftwerk também. Beach Boys misturado à rock alemão. É outro mundo, é o mundo onde apenas o Kraftwerk existe. Incomparável.

FUN HOUSE, THE STOOGES, A SIMPLICIDADE

Esqueça o primeiro disco dos Stooges. A produção de John Cale estragou o som da banda. Cale limpou as arestas, tentou fazer arte. O segundo disco, Fun House, é o artigo de verdade. Há quem o considere o maior disco de rock de todos os tempos. Lançado em 1970, somente Lester Bangs notou o que ele era: uma obra prima. É o grande disco de Iggy Pop. E isso não é pouca coisa. ------------- Hoje todo crítico elogia este petardo. A faixa um é Down on the street. Uma insistente batida de bateria e o grito de Iggy. É perigosa. É o capítulo que Jim Morrison não escreveu. The Doors com anfetamina. Come on, come on....Iggy não grita cantando como gritam Plant ou Gillan, ele grita como um grito de verdade. Down on the street é o modo mais cru possível de se começar um disco. É primal. Faixa dois é Loose. MC5 em estilo. Só que com um vocal melhor. O solo de guitarra é uma navalha no olho. Tudo aqui é sexo, tudo aqui é tara, tudo aqui é desejo em forma pura. Iggy é o louco solto. A música é primitiva. Rocknroll sem psicodelia nem arte alguma. Então, na sequência, um grito de psicótico: T.V.Eye. Paranoia absoluta. She got tv eye sobre mim. Incrível! a melodia não muda. Quem liga? Que dure! Iggy grita a letra, a bateria marcha, a guitarra esparrama rajadas de metralhadora, o baixo dá o tom de fuga pelas ruas. Iggy perde o controle: não é forçado. Ele está doido. Depois tem Dirt que é uma daquela faixas longas e confessionais que os Doors faziam. Sim, Iggy era fã dos Doors, quem não era? Mas ele aumenta a coisa. É menos jazzy e mais punk, é mais suja e menos literatura ( o erro de Morrison, fazer literatura todo o tempo ). Dirt é uma maravilha hipnótica. 1970 vem agora. Kaos total. Aqui o ponto zero do punk rock. Ano de 1977 antecipado. Adoro o vocal de Iggy no disco todo, ele nunca mais cantaria assim. Fun House usa saxofone. Talvez o sax mais rocknroll da história do rock. Iggy insiste a faixa inteira em dizer que feel all right. Heroína. Esta faixa é uma obra prima. Talvez o ponto mais elevado de Iggy. O vocal é desafiador, sentimos que ele está realmente indo ao limite. As cordas vocais estão sendo destruídas. O sax está sendo destruído. A bateria está sendo destruída. Tudo aqui é destruição. E depois só poderia vir L.A. Blues, uma faixa impossível de ser escutada. Gritos como jamais gravados.----------------- Tantos anos depois FUN HOUSE continua sendo uma pedrada punk na mente de quem escuta. Melhor disco do rock? Não. Único disco do rock seria mais correto.

LONDON SESSIONS-HOWLIN WOLF and HARD AGAIN-MUDDY WATERS

"Voce é a lua da minha noite". "As estrelas brilham por voce". "O meu coração tic tac por voce". E então: "Eu vou me afastar de voce antes que cometa um crime". O último trecho é de Howlin Wolf, os outros das canções de rádio da época. Grande letristas, como Cole Porter ou Kurt Weill escreviam literatura ( os trechos ruins que citei não são deles, são coisas comuns dos anos 40 e 50 ), letras maravilhosas, sublimes, tristes ou eufóricas, mas o blues dava a radiografia de um tipo de vida ignorada, a vida dos pobres, dos negros pobres, mas não só deles. " Eu estou com uma arma na mão procurando quem me traiu". Para jovens classe média americanos e depois ingleses, isso parecia um filme noir, uma porrada na porta do quarto, isso parecia sexo. --------------- Pois Cole, Gershwin e Berlin escreviam sobre amor, e muitas vezes sobre erotismo. O blues falava de sexo. Não havia espaço para champagne, sedas ou conversas espertas. Era a violência do ciúme, o furor do desejo, a urgência da fome por carne. ------------ Em 1970 lançaram um disco chamado LONDON SESSIONS. O primeiro volume foi feito para homenagear Chuck Berry e o segundo Howlin Wolf. Estou com o disco de Wolf na mão. Quem o acompanha é Charlie Watts, Bill Wyman, Stevie Winwood e Eric Clapton ( ano cheio para Eric. Em 70 ele lançou seu primeiro disco solo, acompanhou John Lennon ao vivo, esteve nesta homenagem e ainda teve espaço para lançar Layla ). A voz de Wolf é a melhor do blues, é a mais viril e a que transmite mais verdade. Cada palavra tem peso, tem presença, vemos a ação acontecer. Wang Dang Doodle é talvez o ponto mais alto, mas não há falhas. -------------- Em 1977 Johnny Winter, o selvagem guitarrista albino, resolveu pagar tributo a Muddy Waters. Hard Again fez sucesso e até grammy ganhou. Winter, um guitarrista diabólico, dá espaço à Muddy, é uma celebração. Eu sei que Waters é o rei do blues, minha preferência por Howlin é questão pessoal, e portanto este é um disco obrigatório. Se voce não conhece Winter não sabe o que perdeu até agora, e Muddy é o próprio Mannish Boy. --------------- Faria um bem danado ao mundo se Howlin e Muddy fossem ensinados nas escolas. Eles têm tudo que falta a molecada de 2022: atitude, coragem, força, desejo. Ouça.

LETRA E : EDDIE AND THE HOT RODS- EMERSON, LAKE AND PALMER

Para quem não viveu os anos de 1977, 1978, fica meio difícil entender porque o punk rock fez tanto alvoroço. A pessoa acha que foi por causa do barulho ou dos palavrões, mas barulho e palavrão sempre houve. Se voce escutar uma banda como Emerson, Lake and Palmer, e depois ouvir Eddie and The Hot Rods ( melhor ainda, ouvir o Sham 69 ), talvez voce comece a entender. --------------- Primeiro é preciso que eu deixe claro. A melhor coisa que me aconteceu em anos recentes foi ter perdido o preconceito contra o heavy metal e o prog. Um novo universo se abriu para mim, e eu juro, é bom demais poder descobrir mundos tão imensos na idade em que estou. Mas mesmo no tempo em que eu vivia o preconceito ( fui educado para odiar prog e heavy ), eu ouvia e reouvia o primeiro disco do ELP, aquele que tem a faixa Lucky Man. Hoje eu tenho todos os cinco primeiros discos e acabo de ouvir outra vez todos eles. Os dois primeiros são muito bons. Eles nos dão o prazer de ouvir três grandes músicos tocando com exitoso prazer. A criatividade do primeiro, é o melhor, nunca me cansa. É um disco perfeito, sem faixa ruim. Mas....... a partir do terceiro disco, gravado em 1972, a coisa começou a desandar. E a palavra que define o que aconteceu é uma das mais traiçoeiras que existe: vaidade. Keith Emerson começou a se ver como um artista erudito e Greg Lake como poeta. As músicas se tornaram "peças musicais", com títulos pomposos e ridículos. A aventura se fez "estilo" e a surpresa "fórmula". Apesar de ainda conseguirem boas faixas, são discos que exalam aborrecimento. Após dois anos eles já não tinham nada a oferecer. --------------- Música erudita misturada à rock funciona muito mais em heavy metal. ---------------- Em 1976 o rock estava pronto para receber um tapa na cara. Havia muita coisa boa ( Dr. Feelgood, Bowie, Status Quo, Robin Trower, Lynyrd Skynyrd, Foghat e vasto etc ), mas a sensação era de que a coisa havia se tornado pretensiosa, chata, gigantesca, incomunicável. Bandas gigantes lançaram todas discos muito decepcionantes ( Black and Blue dos Stones, Presence do Led, Animals do Floyd, Going do Yes, muitos mais ), grupos como Roxy Music, Mott The Hoople e T.Rex haviam terminado, Rod Stewart virara playboy, e quem mais vendia, muito, era Eagles e Peter Frampton, nomes não exatamente instigantes. --------------- O primeiro ato de punk foi ofender. Eles ousaram xingar as bandas queridas dos anos 60. Para eles, um cara com 28 anos era um velho e fim de papo. Punks faziam músicas "mal tocadas" com 2 ou 3 minutos no máximo. Sem solos. Sem exibição vocal. Rápido, agudo e "errado". Foco muito no errado. Os fãs tradicionais ficavam horrorizados com sua tosca técnica. Ainda ficam em 2022. Os anos 70 foi o tempo da super técnica, do jazz-rock, dos discos hiper produzidos, dos músicos mestres, gente se exibindo em solos sem fim. Foi um choque ver que gravadoras ousavam lançar gente que não sabia tocar. Parecia sujo. A ideia dominante em 1976 era que o rock se tornaria cada vez mais "clássico", cada vez mais produzido, mais técnico, mais complexo. O King Crimson parecia ser o futuro. E então o futuro se tornara, que surpresa, os Troggs. Os desprezados singles de 1965, coisas de Kinks, Them, Surfaris, eram de repente o tal futuro do rock. Foi um choque. ----------------- Ouvindo hoje, muita coisa do prog vale muito à pena e me agrada demais. Tenho escutado Yes ( até 1975 sempre uma banda que produz música muito bonita ), Gentle Giant, Renaissance, 10CC, Jethro Tull e vasto etc. Tenho amado. O que eles queriam era apenas produzir beleza e isso o punk nunca fez. Nem quis. Os prog erraram muito. E acertaram bastante. Acima da vaidade eles tinham coragem. --------------- Ironia do futuro: menos gente ouve hoje o punk de 1977 que o prog de 1972. Na escola que trabalho conheci mais gente de 14 anos que escutava Pink Floyd e Rush que Sex Pistols ou Ramones ( Ramones é banda muito amada....por quem tem 40 anos ). O motivo é claro: o prazer de ouvir música bem tocada sempre sobrevive. Haverá sempre uma centena de moleques que possuem o sonho de ser músicos e têm ouvidos bem treinados. Eddie and The Hot Rods está morto para sempre. ( Mas não a diversão que eles ofereciam ). O fato é que bandas de 2022 podem e refazem Eddie sem nenhuma dificuldade. Mas ninguém refaz Can ou Tangerine Dream. E nem o primeiro disco dos irritantes e soberbos Emerson, Lake and Palmer. Bem ou mal, o prog é propriedade daqueles que o construíram.

DEVO. OU: A DEEVOLUÇÃO DO SER HUMANO

Não está escrito errado. A banda de Akron, Ohio, pregava a deevolução do ser humano. Para eles, havíamos entrado, em 1977, num irreversível processo de deevolução. A evolução chegara a seu limite e agora entrávamos em processo de encolhimento-emburrecimento-idiotia. Toda a obra do Devo é uma crítica ao mundo moderno. E para isso, espertamente, eles usaram a forma mais moderna de então: a música eletro-minimalista. ------------- No Brasil o Devo sofreu um problema sério. Modernos e críticos os marcaram como uma banda a ser desprezada. Na época eu pensava que era por terem sido tão amados pelo povo. Devo e B'52s foram as primeiras bandas new wave a estourarem no Brasil. Mas hoje sei que não. A crítica os via com desconfiança por perceberem neles o anti-marxismo. Para o Devo não haveria uma revolução no futuro. Haveria a volta ao canibalismo. -------------- Brian Eno se apaixonou pelos caras e produziu seu primeiro disco. A gravação foi bizarra. Brigas entre grupo e Eno por todo o tempo. Brian sempre foi e é um produtor dominante. Suas produções, todas, têm cara de Eno. O Devo não aceitou. O disco é genial. A versão de Satisfaction é icônica, mas o disco todo mantém o alto nível. A criatividade transborda. São anárquicos. E a sonoridade é exuberante. O som das guitarras e da bateria são instigantes, selvagens, e ao mesmo tempo robóticos. Os teclados ultra sci-fi. É um album que apaixonou toda uma geração. ( Devo sempre foi a banda favorita do meu irmão ). Havia radicalismo no grupo, uma ferocidade bem humorada e muito séria. Eles desafiavam. Para surpresa geral, fizeram sucesso. Os 3 primeiros discos são perfeitos. Depois o que era ultrajante se transformou em fórmula. Seus cinco anos haviam passado. ( Cinco anos é o tempo médio de inspiração de uma boa banda. As fenomenais conseguem ter um pico de seis ou sete anos. Depois há uma repetição forever ). Quando eles estouram por aqui, em 1983, seu auge já passara. ------------ Neste século ridículo, a sonoridade do Devo parecerá interessante, mas sua mensagem será ignorada. Muita banda nova tem batidas e timbres que lembram, até demais, Devo. Eu posto dois grandes clips dos caras e um de Brian Eno, feito em 1977 e que antecipa tudo o que o Devo faria. ( Eno gravou essa canção cinco meses antes de produzir Devo. ) Nesta série alfabética que escrevo ( já escrevi sobre ACDC, Byrds e Cars ), série onde falo de bandas amadas e sobre as quais eu nunca escrevera, o Devo é das mais originais. E mesmo assim acessível. Ouça.

NO SHOW DE ROCK

O segredo do grande show de rock sempre foi a troca. O palco manda para a platéia um recado. A platéia recebe e o manda de volta ao palco. Essa troca se perpetua por duas horas ou mais. É uma ação muito parecida com o sexo. Voce dá e recebe. Recebe e dá. Ou, talvez, com uma cerimônia religiosa, onde o pastor invoca Deus e dá essa Presença aos fieis que ao serem tocados pela Graça irão retribuir dando sua Graça ao pastor. --------- Ao comparar o show de rock, o grande show de rock, ao sexo, deixo claro que para haver a troca é preciso existir a presença. O toque. O olho no olho. O ato impensado. O performer fará algo, algo esperado e ensaiado, mas ao receber essa mensagem o público sente algo de inefável naquele gesto. Um olhar do cantor, um acorde inesperado, um gesto, uma dança. Ao captar esse momento INESPERADO, o público reage e o artista sente essa reação. Imediatamente ele a capta e a devolve. Começa a troca. A aventura que é necessária ao melhor rock ( ou jazz ). ------------ Em palco imenso não há possibilidade nenhuma de olho no olho. Ou mesmo de gesto e grito, dança e resposta. O artista vê luzes e uma massa de pessoas no escuro. O público vê uma tela. ------------ Mas no rock de hoje, mesmo em palcos menores essa troca é difícil. Os motivos? -------------- Não se improvisa mais. 90% dos shows repetem exatamente aquilo que foi gravado. Se compararmos ao sexo, diremos que é sexo de prostituta. Sem a possibilidade do improviso, não há chance para a troca. As respostas estão dadas independentes da pergunta. ---------------------- Tecnologia. Celulares olham no lugar do olho. Voyeurismo. É como gravar uma cena de sexo a dois. Há uma parede entre voce e o outro: a lente. O artista deixa de esperar sua reação. Ele posa para as câmeras. Não pode errar. Não se arrisca. Qualquer titubeada será gravada. ----------------- Aparelhagem. Há uma centena de toneladas de caixas, retornos, fios, microfones, amplis. No tempo do Cream ou de Hendrix, entre o palco e o público nada havia. Hoje há uma fila de caixas de retorno, seguranças, pedais, pedestais, fosso, tudo isso mesmo em shows pequenos. -------------- Falta de raiz no blues ou no jazz. O que uma banda nova ouve hoje? Bandas de rock. Eles escutam as bandas anteriores a eles mesmos. Essas bandas são escutadas em discos ou videos. E copiadas. A coisa se engessa. Antes, gente como Jeff Beck ou Jimmy Page escutava blues e jazz. Aprendiam a improvisar. Buscavam a epifania. Claro que como tempo vinha o cansaço. Mas o molde não era uma banda pronta, um disco mítico ou repetir um hit do rádio exatamente como foi gravado. O que se buscava era uma prática, uma troca, a comunhão com seus fãs. -------------- Então o que vemos hoje é: Eu me apresento e faço tudo o que voce espera de mim. Voce se diverte e me aplaude. Temos um acordo. E a palavra a ser usada é novamente engessamento. Shows antigos, shows como eram os de Frank Sinatra ou Bing Crosby, sempre foram assim. Mas o rock era diferente. Ele trazia ao mundo pop o êxtase que havia no blues e a liberdade do jazz. Não se sabia o que iria acontecer em um show. Os Stones em 1970 poderiam ser um absoluto Kaos ou uma epifania. Uma decepção odiosa ou um caso de amor para sempre. -------- Hoje voce recebe o esperado. Como era um show de Dean Martin no Sands em 1965. Ou um show de Yves Montand no Olympia em 1970. Bom e óbvio. ----------------- Comparo então o Queen em 1980 e o Iron Maiden em 2022. Dois shows separados por 42 anos. No mesmo local com a mesma massa de pessoas ao redor. Em 1980 eu achava o Queen ok. Em 2022 acho o Iron ok. Mas há um abismo entre os dois shows. --------------- Sem telão e sem celular, Freddie e a banda tiveram de correr pelo palco, pular muito, rebolar, esticar solos, conversar com a platéia, puxar o coral, suar mares de esforço, par assim conseguir uma resposta. Ela veio. Forte. O povo, para surpresa geral, só depois se tornaria um padrão, começou a cantar com Freddie. Mesmo sem saber inglês!!!! O caso de sexo se tornava amor. Tateante no começo, Freddie sentia estar vencendo. O público, conquistado, dava tudo que tinha. Amor. Eu estava lá. Me apaixonei por eles. ---------------- Em 2022 o Iron faz um show perfeito. Bruce é dos poucos vocais do rock que melhorou com a idade. É muito mais dominante hoje, pula mais, se exibe melhor, é seguro, não erra, passeia pelo palco como nunca antes. O som é perfeito, não há um só erro. E não há como não gostar de um repertório como o deles. Number of The Beast me emociona muito. Mas......não há troca alguma. O artista e a platéia estão separados, cada um em seu lugar, cada um com sua função. Voce faz e eu olho. Voce me satisfaz e eu aplaudo. Um show perfeito. Mas sem amor. --------------- Em 1980, na saída do estádio, lembro até hoje de ver gente devastada. Lembro com clareza de duas meninas chorando na rua, um cara gritando sozinho na calçada e minha excitação tremenda pela banda. Durante dias eu só pensava no que havia visto. --------------- Em 2022 eu e minha acompanhante saímos do show e começamos a falar de outros assuntos enquanto bebemos. Não pense que a culpa é do Iron. Vi a mesma falta de paixão em shows de Clapton, Stones, Iggy Pop, Red Hot, Beyoncé, Sonic Youth ou Elton John. Amigos me dizem que é assim mesmo. Os shows são repetições daquilo que foi gravado. Não há improviso. Não há público que mude um show. E não há público que QUEIRA QUE O SHOW CORRA RISCOS. Tem de ser como na gravação. Exatamente igual. ------------- No último show que vi dos Stones houve um momento em que quase acreditei que Ronnie Wood se soltara. Ele fez um belíssimo e longo solo em Midnight Rambler. Uma das coisas mais bonitas que já ouvi. Mas então lembrei que ele não estava improvisando. Ele apenas recriava o solo de Mick Taylor no disco Get Yer Yas Yas Out. Não havia uma só nota fora do esperado. Nenhum erro. E rock sempre fora uma mistura de erros que acabavam virando acertos. Nesse momento Ronnie me pareceu Dean Martin. ---------------- Bandas novas já nascem fazendo aquilo que bandas com 40 anos fazem. Tocam como na gravação. -------------- Pena.

THE CARS. AQUELA ELEGÂNCIA PERDIDA.

Deixo claro logo de cara: eu adoro The Cars. Surgido em Boston, 1978, eles foram os reis da new wave americana. E na verdade possuem a batida e a sonoridade mais típica do movimento. Sonoridade. Quem me lê sabe que aquilo que mais dou valor em música é o timbre. E o timbre em The Cars é maravilhoso. A guitarra base com seus curtos acordes rítmicos, a bateria metálica, mixada em cima, o baixo cheio de beat, o teclado, delicioso, com sua sonoridade de sci fi. E as vozes. Seja em coro ou em solo, são vozes que nunca parecem doces demais ou tolas e piegas. Produzidos por Roy Thomas Baker, o homem que produziu o Queen entre 1973-1977, The Cars é um amor que trago desde 1980. -------- A crítica destaca o album de estreia, The Cars, sucesso nas paradas e símbolo da sua época. Mas eu prefiro o segundo album, Candy O, de 1979, para mim uma obra prima do POP. Em 1980 eles lançaram seu disco de "arte", Panorama, mais uma obra prima perfeita e em 1981 voltaram a vender muito com Shake It Up!----------------- Eu falei new wave? New wave foi o resgate do rock básico do POP feito nos anos 60 com o molho tecnológico dos anos 70. Pense em Kinks tocado com teclados de Brian Eno ou Small Faces com a produção do Kraftwerk. Isso era new wave. Uma festa! Quanto a elegância citada acima, The Cars se preocupava muito com roupas e design, preocupação comum à todas as bandas do movimento. Esse cuidado visual era refletido no som, sempre trilha perfeita para salas de bom gosto e roupas de bom corte. Um amor à beleza que está ausente no rock feito pós 2000. Pena..... ------------- Ouvir The Cars hoje é saudosismo sim. Mas e daí? Se a beleza se tornou coisa demodée, então viva o saudosismo!!! Aliás, que ironia, a new wave nasceu como saudade do rock sem solos longos e cabelos ao vento que dominavam o rock de 1976. New wave queria o fim dos solos de bateria de 15 minutos. Conseguiu. ------------------- Posto dois clips deles que amo muito.

THE BYRDS.

Banda formada em 1965 por Roger McGuinn, o grupo tinha ainda Chris Hillman, David Crosby, Gene Clark. O sucesso veio grande e veio logo: Mr Tambourine Man, um cover de Bob Dylan que era melhor que o original. Com eles acontece então algo muito raro: o próprio alvo da homenagem, Dylan, se deixa influenciar pelos mais novos: Byrds, e passa a usar guitarras elétricas em seu som. Nasce o folk rock, invenção 100% de Roger McGuinn. --------------------- Roger, com sua Rickenbaker de 12 cordas, foi inspirado por George Harrison. Até ver o filme A HARD DAYS NIGHT, Roger era folk puro, anti rocknroll, estilo musical que ele achava ser alienado e escapista. Os Beatles mudaram sua visão e os Byrds mudaram o folk. A guitarra de McGuinn, um dos sons mais bonitos e influentes do rock, pairou como influência até os anos 80. TODO o indie rock americano da década de 1980, REM sobretudo, deveu seu som à guitarra de Roger McGuinn, influência sempre assumida por Peter Buck, o guitar player dos REM. ------------------ O primeiro disco, MR TAMBOURINE MAN chegou ao number one. O segundo TURN TURN TURN!, também. Mas a banda começou a se desfazer. Crosby saiu, depois Clark, por fim Hillman ( que foi fundar o estupendo Flying Burritto Brothers com Gram Parsons ). Acima de tudo, Roger era um insatisfeito. The Byrds, como aconteceu com tantas bandas da época, começou a atirar pra todo lado: influências de jazz, de música indiana, de eletrônica, de country de raiz. Em 1968, na década em que cada ano valia por dez, The Byrds já parecia uma banda muito, muito antiga. Isso com apenas 3 anos de estrada!!!! Não vendiam mais nada. Sweetheart At The Rodeo, de 1968, disco hiper country, com Gram Parsons no grupo, foi um fracasso de vendas. Roger nunca mais foi uma estrela de primeira. -------------- A cada década que passa, os Byrds ficam mais esquecidos. Mas não se engane, não há como entender os anos 60 sem ouvir The Byrds. Suas harmonias vocais são as mais perfeitas da história, sua guitarra é sublime e eles têm canções que viverão para sempre como testemunhos de nobreza. Talvez Younger Than Yesterday seja meu disco favorito, mas há ainda 5th Dimension...---------------- Posto 8 Mile High, último hit single deles. O solo de McGuinn foi inspirado pelos solos de sax de John Coltrane. É lindo e anuncia o psicodelismo californiano. Também nisso foram pioneiros. Tenho em minha coleção TUDO que eles gravaram até 1969, são 7 albuns que variam do perfeito ao razoável ( Mr Hyde é apenas razoável ). Nos anos 80 era chique ouvir The Byrds. Nos anos 90 já começaram a ser deixados de lado. Em 2022 são quase inexistentes. Faria bem ao que resta do rock reouvir The Byrds.

ACDC, AUSTRÁLIA, NICK CAVE, INXS

Começo aqui a escrever alguns textos sobre gente do rock que acho que não teria a chance de escrever ainda. Tenho escutado muita coisa. Ontem por exemplo eu ouvi Billy Paul, Herbie Hancock, Ted Nugent, Kings of Leon, Queens of stone age e Michael Jackson. Não dá pra falar sobre tanta coisa, então vou seguir a ordem alfabética e falar do que me dê vontade de falar. --------------- Não existe coisa mais rock que o ACDC. Se voce não gosta de rock, fuja. E se voce acha que gosta, mas na verdade nunca sentiu a emoção rocknroll, fuja também. Isso porque mais que os Ramones, o ACDC é básico. Eles expõe o DNA da coisa. Fosse 30 anos mais jovem, Chuck Berry teria feito o que eles fizeram, e se fosse 10 anos mais novo, Keith Richards soaria assim. Ou não, porque o ACDC é tão australiano que chega a ser folclórico. Somente naquele país eles seriam possíveis. Isso porque eles são áridos como o deserto, puros como uma ilha e duros como gente criada no pub. O fato deles terem vendido 40 milhõe de discos é um dos maiores milagres do rock. São feios. São toscos. São repetitivos. E por isso são comoventes. ------------- A Australia é pura. Nick Cave é um pastor que só lá poderia existir. Nick é um pregador perdido numa vila poeirenta. O INXS eram garotos ingênuos conduzidos por Chris Thomas. O país é um pub. É uma estação de bus. É uma onda. E é inclemente. ------------- Ninguém faz boogie como fez Angus Young. Uma usina de riffs, ele joga fogo em qualquer acorde. Jamais ouça o ACDC como se eles fossem autores de LPs. Eles fazem riffs. E refrões. Por isso são irresistíveis em singles. A banda nunca produziu um disco perfeito, mas sim rocks perfeitos. No palco sua união cúmplice com seu público é tão forte como aquela produzida pelo The Who. O povo sabe o que vai rolar. Já viu aquilo antes. E mesmo assim tudo se repete mais uma vez. -------------- Em 1985, impregnado de Bowie e Roxy Music, eu vi o Rock in Rio na TV. Catequizado pela crítica esnobe, assisti o ACDC pronto para os odiar. Mas não deu. Eu pirei com aquilo. Era tanta energia, tanto pique, era uma coisa tão básica-real-viva que eu comecei a pular na sala feito um saci australiano. Irresistível. O vocal já era do Brian Johnson, e eu sei que Bon Scott era melhor. Mas caramba! Apesar de ser o vocal mais sem sex appeal da história, o cara era simpático demais! Riffs meu querido, a raiz mágica do rock. ---------------- O mais estranho é que apesar de tão simples não há como imitar o ACDC. Quando a banda acabar acabou o estilo. -------------- Em 1980 houve um documentário sobre a banda que passou nos cinemas daqui. Fui com meu irmão. 50% do tempo se mostrava Bon Scott bebendo. Ele literalmente se afogou em alcool. Sua voz é a definição de safadeza. A banda era como um grupo de teens num bordel vagabundo. Eles pareciam feder. Eram a coisa mais anti Roxy e Bowie que havia. Roupas ruins. Sotaque ruim. Eram 100% rocknroll. Não consigo lembrar banda alguma mais honesta. E por isso poucas ou talvez nenhuma foi mais amada que eles. O som faísca. ---------------- Posto um trecho de um show. É o de sempre. E é absolutamente glorioso. Angus, o cara que conseguiu jamais parecer uma estrela, brilha. O povo....eles celebram. É impressionante. Veja.

BAND OF GYPSYS- JIMI HENDRIX. O PODER DA LACRAÇÃO

ARE YOU EXPERIENCED?, AXIS: BOLD AS LOVE, ELECTRIC LADYLAND. dificil escolher o melhor. Todos transbordam genialidade. Meu favorito, por razões pessoais, é AXIS. Nos três há uma dose abundante de sexo e de alegria. -------- Jimi em vida teve apenas 4 discos lançados. Band of Gypsys foi o quarto, em 1970. E nesse ano, ano em que morreu, em setembro, ele já começava a parecer ultrapassado. Não estranhe, nos anos 60 cada ano parecia uma década. O disco de 1968, em 1969 já parecia coisa de velho. Em 1970 havia o estouro de Led Zeppelin, Santana, Black Sabbath, Deep Purple, Johnny Winter e King Crimson. Hendrix parecia coisa de hippie. ------------- Só hoje ouço este disco pela primeira vez na vida. Perto dos outros três ele parece entediante. Cada faixa de Hendrix, antes, era sempre uma surpresa. Nos 3 primeiros LPs, a faixa seguinte sempre desmente a anterior. Havia aventura no ato de ouvir um disco de Jimi. E havia alegria. A alegria de criar. Mais que tudo, havia Mitch Mitchell, um batera genial que desafiava Jimi todo o tempo. Enquanto Hendrix solava, Mitchell solava junto. Eram duas explosões acontecendo juntas. Aqui não. ----------------- Nos explosivos anos 60, Jimi foi cobrado. A comunidade black power lhe cobrou. Ele TINHA de tocar com negros. Ele devia esquecer a música branca. Ele precisava parar de fazer palhaçadas no palco. Se politizar. Então Jimi montou a Band of Gypsys. Buddy Miles é um batera Okay, mas não tem gênio. Pior que tudo, ele divide estrelato com Hendrix, canta e compõe. E Hendrix parece todo o tempo triste, crispado, sem rumo. O disco é uma coleção de jams. E é incrivelmente óbvio. Não é à toa que ele é esquecido na discografia de Jimi. Pouco antes de morrer, Jimi pensava em tocar de novo com Mitch Mitchell, mas não deu tempo. Hendrix foi vítima de lacração. Teve de deixar de ser ele mesmo. O frenesi dionisíaco, a festa sexual, deu lugar a pregação séria, a missão política, a participação em um movimento. É um disco impotente.