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CHAGALL- JACKIE WULLSCHLAGER

   Chagall tinha tudo para ter dado errado. Nasceu judeu pobre numa cidade de judeus pobres. Numa familia inculta em meio a familias incultas. Fim do século XIX, Rússia. Fome. Passou pela guerra de 1914/1918, pela revolução comunista, sendo perdedor nas duas. Passou fome em Paris e na Alemanha. Pintava quadros figurativos quando a moda era abstrata. Tímido, sonhador, era um místico na época mais materialista da história humana. Preguiçoso, tomou sempre decisões tardias e sempre dependeu da força de uma mulher, primeiro da mãe e depois da esposa e da filha. Foi o queridinho da mamãe. E um desastre na escola. Só pensava em pintar. E mesmo assim ele é um dos pintores mais amados do século XX, morreu rico aos quase cem anos de vida ( em 1985 ), lúcido e com boa saúde. Como pode? O livro responde à isso com uma clareza colorida digna dos quadros de Chagall.
  Ele bebeu sua infância e se embriagou dela para sempre. Apesar de pobre, ele amou cada segundo daqueles dias. E os levou vivos para suas telas. Chagall pintava como uma criança. Sem regras e sem escolas ou modas. E é por isso que nunca houve ou haverá um seguidor de Chagall. Muitos são discípulos de Miró ou de Cézanne, mas só Chagall podia tentar ser Chagall. Seus quadros são seus sonhos e sonhos não se transmitem. 
  Passivo, nesta longa biografia nada vemos de muito heróico nele. Sua primeira esposa Bella foi um tipo de heroína, e mais ainda sua filha Ida. Nas fotos, muitas, vemos o quanto elas foram bonitas. E o quanto Chagall tinha a imagem, não pensada, natural em seu meio judaico hassidico, de boêmio. Ele nunca o foi. Bebidas ou excessos passaram longe dele. Chagall amava muito. E pintava. Com cores. Só Matisse chega perto dele como colorista. Mas os dois são completamente distantes. Matisse é equilibrado, francês até o osso. Chagall é russo e judeu, solto e sonhador, sofrido e feliz, religioso e mágico. 
  Cheguei a viver em um mundo que tinha Chagall vivo. E lembro do dia em que ele morreu. O mundo dele havia desaparecido na segunda guerra. Dos 240.000 habitantes de sua cidade natal, só 118 restaram após a passagem das tropas. Apenas oito casas de pé. Ele conseguiu escapar do nazismo via Lisboa. Foi para NY, cidade cinza que ele odiou. Lá morreu Bella. De saudade da Europa. E quase morreu Chagall. De saudade de Bella. 
   O livro é lindo.

JUDEUS RUSSOS, CATÓLICOS PAULISTAS, VITEBSKI E SP. CHAGALL LIDO AQUI.

   Talvez pelo fato de meus olhos serem muito mais refinados que meus ouvidos eu veja nas biografias dos pintores uma beleza maior que nas dos escritores. Começo a ler a biografia de Marc Chagall e imediatamente me apaixono pelo texto que leio. Fico bêbado com as palavras judaicas que descrevem o colorido da vida na cidade de Vitebske, em 1900. Reunidos dentro do império russo, na região que hoje é a Lituânia, a Ukrania, os judeus vivem sua vida que se pauta pelas datas da religião. Isso tudo é fascinante. A tribo que sobrevive a todas as tribos. A sujeira extrema dos pobres na ruas enlameadas, entre bichos e barracos de madeira, e o refinamento dos ricos, homens eruditos e mulheres que trabalham. O Chagall menino, bonito e mimado pela mãe dominadora, vive na baixa, bem baixa burguesia. A mãe é analfabeta, o pai trabalha como um animal de carga. As irmãs, muitas, são quase sombras. O menino Chagall ama a mãe e é correspondido em dobro. Um idilio. Tímido, ele fracassa na escola. Desenha bem. Estuda pintura. 
  Jovem, 18 anos, vai para São Petersburgo. Aguenta apenas um ano e meio lá. Sonha com comida. Dorme em um quarto imundo com seis outros. Divide cama com operário, pulgas e percevejos. Judeus não podem viver em Petersburgo. Ele é ilegal, sente medo. A cidade, construída sobre um pântano pelo czar Pedro, é uma joia de beleza colorida. Uma joia que enlouquece muitos. E por trás dessa beleza vive a favela. Vive o saudoso Chagall. 
  Ele volta a sua cidade e nela vê beleza. Chagall é dos primeiros artistas a perceber beleza na miséria. Sem folclorizar, ele dá a sujeira vida. Ele ama Gauguin, mas cria um modernismo único. Sem contato com Picasso e Matisse, Chagall cria um estilo que é só dele. Se Matisse é um fauve e Picasso cubista, Chagall é chagaliano. Ele vive revivendo cores e sombras de sua infancia. Na cidade feia onde nasceu ele guarda inspiração para toda a vida. É ainda 1909, e Marc Chagall, que lindo, viveria até 1985. Serão 98 anos de vida onde sua Vitebske jamais irá morrer. 
   Estou no trecho onde ele conhece Bella, a filha silenciosa de um rico joalheiro. Vejo as fotos de Bella. E recordo...
  Em junho de 1984 a TV Manchete, uma TV que queria ser chique, passou uma série chamada Conexão Internacional. Roberto D`'Avila viaja à St. Paul de Vence onde vive Chagall. Aos 97 anos ele dá uma entrevista que eu assisto. 1909-1984...Rússia - Brasil...No ano mais decisivo de minha vida eu vejo Chagall e fico emocionado. Após décadas ele parece um anjo.
  1966.
  Conheci também quintais imundos. Milhares de imigrantes europeus vinham para São Paulo e recriavam em suas casas o mundo onde haviam nascido. Nesses bairros de portugueses, espanhóis, italianos, turcos, libaneses, japoneses, judeus, poloneses, sempre havia quintais. Com galinhas, patos, coelhos, pombos, cabras, e às vezes até um porco. Videiras, laranjas, limões, tomates, alfaces, feijão. E rosas, rosas de toda cor. Ao lado dessa vida se tinha o sangue dos bichos sacrificados para serem assados. As tripas, os restos. As fezes que a gente pisava. Uma multidão de cheiros, de cores, de lixo, de coisas vivas, dos caramujos, ratos, sapos e pardais. Lama, porões e as velhinhas andando na rua com véu preto na cabeça. Esse universo de coisas fertilizam uma alma, criam espírito, enchem a cabeça de ideias. 
  Um garoto judeu nos cafundós da Rússia de 1900 pode então unir mãos a um garoto católico dos cafundós do terceiro mundo de 1966. E com mãos unidas vemos a morte de todo esse mundo. E usamos nossa memória e nossa vida para não esquecer. E nesse ato fertilizamos o agora. Alegramos a noite dura. E sorrimos dentro. 
  Entendo.

A MORTE DO LEÃO ( HISTÓRIAS DE ARTISTAS E ESCRITORES ), HENRY JAMES

   Toda grande literatura ambiciona ser música. Ou pintura. Porque pintura é arte. O pintor tem uma presença aristocrática, em arte, seja bem dito, que a literatura não tem. O literato trabalha a palavra, e a palavra é a mais limitada das ferramentas artísticas. Por ser a mais presa a razão, por dever contas a regra da gramática e do costume. A palavra depende de se conhecer a lingua. A palavra tem código e assim dito, ser artista radical em letras é coisa muito mais estranha que em som ou imagem. Estranha por ser inabitual. Por não ser realmente livre, por estar presa a regras fixas, escrever de modo criativo é sempre sentir o limite da palavra e sofrer a dor da inveja em relação ao mais nobre pintor e o mais livre músico.
  Como posso escrever sobre Henry James ? Ele é o mais perfeito artista da prosa dos últimos cento e cinquenta anos. Talvez apenas Proust lhe seja próximo. James consegue unir forma a conteúdo fazendo assim do texto, arte. Não há uma palavra que lá não esteja como peça importante, nó que faz parte de uma tapeçaria. Ele dá forma enquanto compõe, conta enquanto arquiteta. Parágrafo ou capítulo, tudo tem uma função específica, a de transmitir mensagem estética. Ler Henry James é uma viagem estética que nos faz um outro. Ele aumenta nosso patamar. Faz nosso gosto melhor e nosso padrão mais exigente. Ele diferencia o leitor banal do leitor concentrado. A recompensa flui na própria leitura.
  Em tradução sublime de Paulo Henriques Brito, este livro da Companhia das Letras apresenta cinco contos escritos entre 1888 e 1896.
  A Lição do Mestre conta a história de um jovem que em sua admiração por um escritor mais velho é usado por esse escritor. Cheio da mais fina ironia, uma ironia que congela e nunca é grosseira ( como se a verdadeira ironia pudesse ser grossa ), o conto, perfeito em forma e em invenção, nos arrepia. A forma como o jovem é feito de tolo nos revolta. É uma obra-prima.
  A Coisa Autêntica é pura melancolia. Um casal de nobres falidos vai a um pintor pedir emprego. Querem ser modelos. Mas o que acontece é que eles não conseguem posar como nada mais que Eles Mesmos. Um italiano pobre consegue posar como um nobre herói, os nobres verdadeiros não. O conto, tristíssimo, fala sobre a imagem, a falsidade do que vemos e a mudança de parâmetro do mundo. James não lamenta o fim da aristocracia, ele exibe seu ridiculo, mas também teme a ascensão do comum e do banal.
  Greviile Fane é o conto menos ótimo. É sobre uma velha autora de best-sellers que é explorada por filhos snobs. O filho tem vergonha da literatura pobre da mãe, que os fez ricos, pensa ele ser um grande autor, mas na verdade nada escreve e vive de explorar a velha senhora.
  A Morte do Leão é o melhor dos contos. Um autor é descoberto pela fama aos 50 anos. Envolvido por damas ricas, jornalistas e festas sem fim, ele cessa sua carreira e acaba sem chance de se desenvolver como artista. O conto, cheio de humor feroz, é uma obra de arte perfeita. Humilha aquele que tenta escrever bem.
  O Desenho do Tapete conta a saga de um jovem que tenta desvendar o sentido da obra de um grande escritor. Dizem que James sentia a frustração de não ser bem lido. Ele temia nunca ser entendido. O conto, música abstrata, exemplifica isso. O final, ácido, é um tapa em nosso rosto.
  Lidos os cinco contos fica uma vontade de ler mais. Henry James vicia.

O QUE É A BELEZA

   Pessoas infelizes perdem o senso de beleza. A tristeza pode ser bonita, mas a infelicidade não consegue reconhecer esse fato. Algum psicólogo deveria estudar isso. A capacidade de perceber o que é belo pode salvar uma vida. Mais que isso, salvar um povo.
  Pintores são os divulgadores daquilo que seu tempo pode ver. Se Giotto pintava a pureza de anjos em paredes de igrejas pobres, isso se devia a capacidade de seu tempo em perceber anjos em cada manhã. E se Monet via movimento e cor como tudo que existe no mundo, era porque seu tempo tomava a consciência de que tudo era velocidade e fugacidade. Os artistas percebem antes. O Zé da esquina só notou isso 50 anos mais tarde. Cézanne lutou contra isso. Sua obra é uma tentativa de parar o que se move. 
  Pollock viu que tudo é uma energia nervosa e que na verdade a vida é desfeita. Um ato aleatório que espiritualmente faz sentido, mas esse sentido nos escapa. O Zé só começa a perceber isso agora, sessenta anos depois. Warhol viu nos supermercados nossa nova igreja e nosso museu. Acertou na mosca. Mesmo que hoje a arte pareça esquecida, sua mediocridade é ainda testemunho relevante da futura hiper-mediocridade dos Zés. 
  Porque o artista percebe antes. Bowie brincou em 1972 de artista Pop e em 2014 todos são Bowie ( produzidos, calculados, frios, profissionais, atores ). Assim como Welles percebeu antes que o cinema era arte do ego do diretor e Shakespeare sentiu que a escrita podia ser um campo de guerra entre o eu e o anti-eu.
  A beleza se faz em todos eles. Sem o maravilhamento, mesmo que brega, mesmo que rápido, não se faz nada que permaneça. O que mais nos deixa aturdidos é quando percebemos a beleza da tragédia. 
  O senso do belo, sei disso com absoluta certeza, nasce na infância. E não por se crescer em lugar bonito, ou ter a sorte de ser feliz e amado. Mas quando temos tempo para ver. Na infância, quando deixados em paz, entregues a nós mesmos, vemos um mundo inteiro numa tarde de marasmo, intuimos a poesia numa manhã de calor, criamos uma lenda entre pedras e panos velhos. Cheiros, cores, ruídos, tudo é novo e tudo se fixa em mente vazia e virgem. Se não somos perturbados por horários, barulho e pressão, criamos a certeza da beleza. Ela se afirma e existe para o resto da vida.
  Em Sochi, nesta Olimpíada de Inverno, vive beleza para quem a conhece. Uma suiça que desce em seu snowboard e erra tudo. O rosto com um olhar que é mais triste que morrer. Os olhos não conseguem ver, ela vira a face para o chão, a boca se contrái, os cabelos parecem dizer: Eu errei. Eis a beleza se dando para ser notada por quem a conhece.
  Foi John Keats quem falou que uma coisa bela é uma alegria que dura para sempre. Mais que isso. Uma coisa bela nos faz viver para sempre.

MATISSE, UMA VIDA- HILARY SPURLING

   A vida de Henri Matisse foi uma luta sem trégua entre aquilo que ele era e aquilo que ele fora educado a ser. Mas não só isso. Há um mistério em sua tenacidade, em sua força e nesse sentimento de missão que o guiou. Missão longe de qualquer sentido mistico, Matisse é o mais materialista dos pintores, mas missão em relação a cor, a linha.
   Nascido no norte francês, familia de trabalhadores bem situados, o jovem Matisse recebeu do pai o sentimento de que na vida tudo se ganha no rigor do trabalho duro. Apesar de romper com o pai, Matisse ficará sempre em cima do muro. Ele será pintor, algo que o pai não quer, mas jamais deixará de ser um trabalhador aplicado, a pintura lhe dará dor, exigirá esforço, luta. Em sua cidade ele será motivo de vergonha. O povo do lugar o irá ver como um idiota, um fracassado. Vai para Paris, estuda pintura e só consegue se encontrar após os 30 anos. O sucesso, depois dos 35.
   Eu ainda sou da geração que cresceu considerando Matisse o pintor da burguesia e Picasso o gênio radical. Os dois sempre foram rivais e colegas que se respeitavam. Foram os seguidores de Picasso que pregaram no francês o rótulo de conservador. Hoje não se pensa mais assim e esta biografia mostra porque. O fato é que Matisse foi sempre tão ansioso e individualista como o espanhol, a diferença é que Henri Matisse sempre foi um grande colorista, talvez o maior da história, e isso fazia com que sua pintura pudesse ser aceita mesmo por aqueles que não suportavam a pintura moderna. Eles nada entendiam de Matisse, mas gostavam daquele azul ou daquele rosa. O que os seguidores de Picasso não sabiam, ou não queriam saber, é que Matisse passava fome para não ter de ceder, jamais pintou algo que não brotasse de seu sentimento e entre 1910/1920, foi o mais odiado dos modernistas.
   Pessoa estranha era Henri. Desde sempre dado a dores psicossomáticas, a terríveis crises de ansiedade, insônia e depressão, hoje ele seria medicado com facilidade e talvez sua arte se fizesse menos sensacional e mais bem dirigida. O que seria uma pena. Ele pintava para aliviar seus nervos, cada obra era um parto. O prazer passava longe de sua atividade. 
   O que o marcou foi ter dito que desejava que seus quadros fossem como poltronas confortáveis para o homem cansado. Essa frase causou a ira dos modernos que queriam que quadros fosse desafios e bombas destruidoras. O que Matisse queria dizer é que PARA ELE os quadros eram confortos nascidos depois de luta e dor atroz.
   Ele se casou com uma filha de familia admirável. Talvez a melhor história do livro, a familia da esposa era muito ligada a uma familia riquissima da França. Essa familia entrou num longo processo em que pedia a justiça o ganho num caso contra familia americana que reinvidicava a herança de um milionário de lá que deixara tudo para os franceses. Após anos de disputa, o tal cofre do milionário, depositado em banco de Lyon, é aberto, e nele há um charuto e um lenço. Apenas isso. Se descobre que nunca havia existido o tal americano rico, nem um rival disputando o cofre. O pseudo rival era filho da familia francesa. Tudo fora um golpe. Com a publicidade da disputa a matriarca conseguira emprestimos gigantescos e fugira para a Espanha! Matisse, casado com a melhor amiga da pilantra, precisou botar panos quentes em tudo...
   Felizes no casamento, com filhos, Margueritte, a filha mais velha, vai ser uma figura heroica. Doente por toda a vida, conseguira' ser feliz, conhecida, e vai lutar na resistencia contra Hitler, sendo inclusive torturada pela Gestapo. E resistindo.
   Matisse era duro. Sua vida era a pintura. E sua familia vivia ao redor disso. Viajou pela Espanha, Argelia, EUA, Tahiti. Morou em Nice. E aos 70 anos renasceu. Os ultimos oito anos de Matisse correm em facilidade. Ele consegue pintar sem luta, consegue relaxar, enfim.
   O livro, detalhado, imenso, nos faz viver ao lado desse homem que passou por 3 guerras contra a Alemanha. E sobreviveu a todas. Foi abandonado pela esposa aos 65 anos. E continuou. Pintou belas modelos nuas. E nunca as tocava. Nunca bebeu. Se parecia com um banqueiro. 
   E pintou algumas das mais radicais imagens do seu tempo.
   Depois de 600 paginas a pergunta continua: Quem foi Henri Matisse?

Á MESA COM MONET, DE CLAIRE JOYES, NAUDIN E ROBUCHON, VIVER COM GOSTO

   A editora Sextante lança dois livros nesse estilo ( e cheios do mais graúdo style ), "'A mesa com Proust", que ainda não li, e este. Terei de ser didático com voce? Penso que voce sabe da história desse admirável homem chamado Claude Monet. Então, claro, voce conhecer Giverny, a casa de campo, perto de Paris, que ele construiu. O jardim, as hortas, e o lago, tudo feito como se fosse "selvagem", natural, a toa; e tudo de uma precisão estética insuperável.
   O título engana. Não vamos apenas a mesa, entramos no dia a dia do pintor. Sua rotina é descrita. Seus pic nics e seus jantares. O que ele comia, bebia, pedia. Comida feita por batalhões. Comer bem em 1900 dava trabalho e levava tempo. Aliás, o texto, belo e com sabor francês em ritmo e dicção, de Joyes, ressalta o tempo. Ela nos recorda que Monet foi dos primeiros franceses a ter automóveis em casa. Sua esposa amava a velocidade dos carros. Monet foi dono de três máquinas fumarentas. Um de seus amigos, um dos muitos, Heredia, abominava. Numa bela frase do livro ele diz que passear de automóvel destruia a capacidade de apreciar a viagem. Num carro toda árvore deixa de ter individualidade, ela vira apenas mais uma árvore. seja castanheira ou carvalho, apenas um monte de folhas que passa...
  A obra, em capa e fotos bem cuidadas, é um prazer. Os amigos entram na casa, louças amarelas e azuis, paredes amarelas, lilás, e sentem o aroma: patos, tomates, vitela, galinhas, omeletes, saladas, sorvetes, tortas, frutas. Pêssegos, uvas, bananas, melão. Vinhos e champagnes. O marc e o calvados. Chá e café. Chocolate. O dandy Whistler, o melhor amigo, Rodin, o bem-vindo Mallarmé, Paul Valéry, Clemenceau, Sacha Guitry...e Degas, Renoir, Pissarro...Se come, se canta, se caça, se ri muito. A familia enorme, os genros americanos, ingleses, Sargent.
   Terminar 2013 lendo esta delicia é uma homenagem a este belo ano que se vai e a este belo ano de 14 que começará.
   Paz, cor e calma. Luxo. É isso.

COMENTANDO ARNALDO JABOR

   Arnaldo Jabor foi a Veneza e escreveu um texto ótimo. Ele fala de sua visita a museus por lá e depois a Bienal que acontece agora. Tintoretto, Picasso e os Zés de 2013. Jabor conclui que a arte perdeu o porque. Ela continua querendo chocar a tal classe média e conscientizar as massas. Mas, bem diz Jabor, expor um cavalo morto choca alguém? Diante de 10 minutos de qualquer telejornal, a arte consegue ainda mexer com as sensações e despertar indignação? Claro que não. Se a Primeira Guerra assassinou nosso otimismo e se Hitler destruiu nosso conforto, as Torres Gêmeas detonaram tudo aquilo que pode ser pensado em termos de "performance". O grande horror ao vivo em cores. Mas os artistas continuam nessa, tentando produzir horror, perturbação, choque. Pra que? Já estamos horrorizados. A Grande arte seria conseguir sair desse horror sem ser irônico ou criançola. Como? Cabe aos senhores artistas fazer. Se conseguirem.
   Jabor fala da profunda coragem e alegria que havia em Picasso ou em Pollock. Que mesmo ao retratar pesadelos e dor percebíamos a fé na arte, uma esperança no futuro, a certeza em si-mesmo. Estranho esse texto me lembrar disso. A alegria misturada a dor. Tesão puro pelo ato criativo. Exatamente o oposto da depressão. Um desespero por fazer, excesso de energia. Urgência, isso era a arte até a Pop Art. E agora?
   Fácil levar esse pensamento ao cinema. Bergman é a dor bruta e a falta de sentido. Mas ele ainda crê na beleza, na mulher, e em si-mesmo. Assim como Dreyer ou Tarkovski, na aridez e no desespero se encontra a poesia ou a chance de transformação. Mas o que temos agora? Dor que virou maneirismo, dor pela dor, cenas para chocar, a verdade da violência, sangue, taras, neuras e sexo mecânico...Bullshit! Tudo uma grande brochada de artistinhas que nada têm a dizer. Filmes que são lixo mas que todo crítico faz força para gostar, pois atacar esse cinema "consciente e real"seria confessar seu direitismo ou sua falta de consciência. Pois eu repito, tudo Bullshit! Arte antes de tudo é habilidade em fazer, coisa que está muito em falta nas telas, seja em galerias seja em salas de cinema. Tudo tem de ser dark, pesado e doente, para assim poder ser relevante. Relevantinho seria melhor dizer. Na verdade é um modo de disfarçar uma terrível falta de assunto.
   Nessa vontade burra de chocar, a arte perde cada vez mais relevância. Pois diante da noticia de uma criança assassinada ou das cenas de uma explosão terrorista, nada pode parecer mais dark, soturno ou cruel que a tela da TV. Todos sabemos da realidade, a arte deve nos exibir algo mais, algo diferente, vivo, original, transformador. Como fez um dia Michelangelo. Ou Picasso.
   Onde?

O SIMBOLISMO NA ARTE E A RUPTURA ENTRE DOIS UNIVERSOS- ANIELA JAFFE

   Cada época recebe sua dose de liberdade, e nem mesmo o mais criativo dos artistas pode transpor esse limite. Frase de Kandinsky. Ele, o homem que criou a arte abstrata, arte livre que só poderia ter sido criada em seu tempo ( 1910 ) e que antecipou a primeira guerra em quatro anos. Pois todo grande artista é arauto de seu tempo. Ele revela o espírito inconsciente que rege a história. E o que Kandinsky nos disse? Ele exibiu a divisão que passou a vigorar desde então. De um lado a arte realista, toda fincada na solidez da matéria, na realidade unilateral dos sentidos, e do outro lado a arte do inconsciente, toda voltada para simbolos, para a realidade não aparente, busca de verdades misticas, miticas e atemporais. Se até o século XIX ainda se podia encontrar arte realista misturada a arte simbólica ( Cézanne, Gauguin, Turner ), agora a divisão se faz absoluta. Como diz Jung, a ruptura moderna entre mundo exterior e inconsciente se torna abismal.
   Jackson Pollock irá levar isso aos limites do transe. Seus quadros dispensam a consciência, pintura feita em delirio. Estranha e maravilhosa coincidência, as pinturas produzidas pela alma de Pollock são idênticas aos intrincados labirintos da matéria mais microscópica. Na arte abstrata os limites são sempre o infinitamente pequeno e o cosmos em seus limites. Seria nossa mente um espelho do universo?
   O fascínio e o desprezo que a arte abstrata desperta na maioria das pessoas, liga-se muito ao fascínio e ao medo que o inconsciente produz. Há quem olhe para Klee e nada consiga sentir. Como uma porta fechada, suas imagens perturbadoramente simbólicas e arcaicas podem ofender e provocar risos, medo e incompreensão, cegueira, ou a sensação de aventura, que é seu maior tesouro. Klee foi o pintor moderno que mais chegou longe. Seus quadros conseguem fazer o caminho ideal, a consciência conseguindo construir uma ponte segura até o inconsciente. Klee traz de dentro de sua mente as imagens mais básicas do que seja humano. Imagens da grande mente do universo.
   Ao mesmo tempo Marcel Duchamp percebe a dignidade, o espírito, a fala nobre do objeto inanimado. Duchamp salva o objeto desprezado do lixo onde ele estava e o investe do poder espiritual de um tótem. Magicamente ele dá ao lixo o estado de sagrado. A mensagem é clara, Duchamp ao abrir as portas de sua cabeça percebe a vida como condição do mundo. Investe de dignidade a tudo. Garrafas, urinois ou trapos, tudo pode e deve ser vivo. Mas a guerra que chega faz o movimento contrário. Transforma a vida em lixo. Rouba a dignidade do mundo. E cria a grande cisão entre os universos. A dualidade do consciente e do inconsciente, do sólido e do abstrato, da matéria e da alma. Desde então a união se tornou quase impossível.
   Alguns insistem. Schwitters faz uma catedral de lixo. Recolhe papel e latas e constrói uma catedral de 3 andares. Mas agora a abstração tem ares de desespero. De um lado a tristeza e a falta de sentido de um mundo em que só o que é material existe. Onde a vida se torna máquina de repetições previstas. E de outro o espírito acossado pela inutilidade aparente de suas palavras. Como protesto a alma se radicaliza. Pollock pinta sem uso da intenção, é puro inconsciente. O acidental se faz arte. A droga pinta e canta.
   Marc Chagall conserva sua fé. Como fala Sir Herbert Read, Chagall jamais tirou um dos pés da sua infância, da pureza de sua aldeia, das histórias de sua familia, dos sonhos de sua comunidade. Read está certo. Como comentou Jung, Chagall conseguiu manter sempre a união equilibrada entre os dois pólos, ego e inconsciente, matéria e alma. O grande trauma do ocidente, a morte de Deus, nunca o preocupou. Daí a felicidade presente em suas obras. Quadros onde tudo é muito real e ao mesmo tempo onírico. Sem o desespero de Pollock, Chagall conseguiu fazer a alma falar e pintar.
   O grande teórico sempre foi Kandinsky. Eis sua fala..."A importância de todas as grandes obras não repousa nas suas imagens, na superficie, mas sim na raiz das raízes. No conteúdo místico da arte." E ele ainda diz..."O olho do artista deveria estar sempre voltado para seu interior, e seu ouvido para sua voz íntima. Esse é o único modo de dar expressão ao que a via mística pede". Kandinsky descrevia seus quadros como uma visão espiritual do cosmos. Música de esferas, harmonia de cores e de formas.
   Paul Klee, talvez meu artista favorito, acrescentava que essa visão mística só será válida se for construída com alguma estrutura. Eis aí a colaboração entre consciência e inconsciência. "'E missão do artista penetrar o mais fundo possível naquele âmago secreto onde uma lei primitiva sustenta seu crescimento. Que artista não desejaria habitar a fonte central do espaço-tempo? Esteja ele situado no cérebro ou no coração da criação, é de onde todas as funções extraem a seiva vital que as sustenta. Coração a palpitar, somos levados cada vez mais para baixo, em direção a fonte primordial. O ventre da natureza, a chave secreta de todas as coisas".
   Essas palavras são de Paul Klee e nunca li nada melhor sobre a ansiedade criativa, a aventura que acomete todo o artista verdadeiro. O confronto com perigos, lugares sem nome. Anjos e risos de deboche. A aventura de nascer.

PEDRO JUAN GUTIÉRREZ, HANEKE, VERMEER E LUCY

   Então Haneke disse que usa seus filmes para dar um soco no estômago de seu público? Diz ele que seu povinho só reage a base de socos...Well....É por isso que estou fora desse clubinho. Não quero que me soquem e não preciso de socos para reagir. Sou daqueles que ainda possuem sensibilidade fina. Ainda sei o que significa estética, beleza e ironia. Não preciso do soco. A visão da mão e a consciência de meu estômago já me bastam. Seu cinema é publicitário. Ele entope seus fãs com produtos: socos no estômago. Coisas do tipo: hey! A vida é um lixo! Somos especiais por sabermos disso!
   Minha resposta a esse cinema fake: Blá!
   Um amigo afirma que sou contra psicólogos, filósofos e sociólogos. A priori não sou. Apenas penso que eles são hiper-valorizados. Por eles mesmos! Desconfio de quem vomita certezas. Tenho amigos psicólogos. Admiro aqueles que botam a mão na lama. E duvidam de tudo. Filósofos são boçais quando apenas brincam com palavras. Só creio em filosofias de vida. Sociologia jamais!
   Dá pra resumir tudo assim: Se o sujeito engoliu um dogma sem o desafiar tem meu desprezo. Se ele foi à vida verificar o dogma, bem, aí começamos a nos entender. Frases feitas, mesmo as "profundas", never!
  Vermeer criou cor. Todos nós, e mesmo os artistas apenas "bons", passam pela vida sem criar nada de novo. Os excelentes apenas misturam coisas que já existiam. Gênios como Vermeer são como um deus. Criam alguma coisa nova a partir do inexistente. Milagres.
  O tom daquela pele só existe em Vermeer. 300 anos podem se passar, aquela pele continuará a ser irrepetível. A dobra do tecido é obra da mão de Vermeer. Nenhum outro poderá repetir aquela dobra. Mais do que tudo, esse quadro vive. Vive por falar comigo ( o que aqui escrevo veio de uma conversa com a obra ), ele influencia, escuta, muda ao passar do tempo e se reproduz. O Vermeer que vejo não é aquele que voce vê. Eles são vários.
   Pedro Juan Gutierrez. Releio O Ninho da Serpente. Falam que ele lembra Bukowski. Sei lá. Pedro é latino. Ele tem prazer com o sexo. É sempre uma festa. E Pedro não é niilista. Ele crê em vudu, em olho-gordo, em macumba. No mundo de Pedro tudo é questão de destino. Voce tem sorte ou não. Gosto dele...Durante trinta páginas. A partir dái me entedia. Merda, bundas, pinga e fome. Tudo se repete sem parar. A voz do cara é boa. Ele pensa fundo e pensa bem.
   Pedro Juan morreria de tédio na Avenida Paulista.

VIVE, LOUIS, LUDWIG, MIA, KANDINSKY

   VIVE LA FÊTE tocou em SP. Tenho um amigo que criou uma boa definição sobre 99% das bandas de 2012: Compõe bons covers. O VIVE abusa da chupação sobre o sublime VISAGE. Bom, pelo menos eles têm bom gosto em suas cópias. A maioria plagia lixo.
    Mia Couto transbordou simpatia no Roda Viva. Pena os entrevistadores variarem entre uma bobissima atitude blásé, tipo "Somos de um país maior" ( E há quem ainda pense que só a América tem arrogância ), e algumas tietes vazias. Mas o gajo tirou de letra. Esperavam discurso contra Portugal, não veio; esperavam traumas sobre a raça, nada a declarar. Couto é doce, sóbrio, poético e falou uma coisa lapidar: "Comecei a desistir da biologia ao perceber que explicava a vida pela poesia e não pela biologia". Ah sim, ele é biólogo. Que belo sotaque!
   Louis Malle tem justa homenagem em SP. Malle é melhor que Godard e Truffaut? Posso dizer que Malle não fez nenhuma obra-prima, mas também percebo que seus filmes são mais profissionais, mais atemporais, caem mais no gosto daqueles que esperam do cinema algo de "bem feito". Malle sobrevive melhor que os mais radicais. Mas atenção! Os filmes de Malle nada têm de careta ou de banais. Ele filmou em 1971 o incesto sem culpa, em 1977 a pedofilia sem discurso. Ele não tem obras-primas mas tem uma grande quantidade de filmes excelentes. E nenhum filme ruim. Mesmo Black Moon tem seu charme doido.
   Ando estudando pintura e começo citando uma frase de Wittgenstein que sintetiza toda a arte feita de 1910 em diante: "Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar."  Wittgenstein começou como um tipo de linguista e terminou descobrindo que a lingua é apenas um código que nos é imposto. Ela não revela a vida, a vida é que foi compactada para caber na linguagem.
   Pois eu não sabia o que era o abstracionismo. Rothko, Mondrian, Malevich, toda a pintura abstrata é uma tentativa de se capturar aquilo que está além do concreto, da linguagem da imagem, a pintura sentida como religião. Kandinsky e uma frase de Wittgenstein, outra vez ele: " O mundo é tudo o que é o caso". Caso: natureza e sociedade, as estruturas da religião, da arte e da ciência. Todos os atos, todo pensamento, toda emoção e toda imaginação. A pintura abstrata se apropria do todo, do caso. Olhar uma tela e ver nela aquilo que ela te faz sentir. Experimentar.
   Mas o mundo agora não é abstrato. Muito menos é impressionista ou surrealista. A cidade acostumou-se a guerra. Entramos nela suavemente. Toques de recolher não nos ofendem, aceitamos. A arte que criou este mundo está toda no expressionismo.

PORQUE AS BANDAS DE HOJE SÃO TÃO FEIAS?

   A minha é uma geração que em música deu tanto valor à roupa como a destreza. Afinal, John Taylor dizia que no palco se preocupava muito mais com o caimento do tecido de suas calças do que com sua performance ao contra-baixo. Não à toa, é minha a geração do nascimento do video-clip.
   Interessante observar hoje, que mesmo bandas "de esquerda", como The Clash ou Gang Of Four, tinham um cuidado com o visual que ninguém antes ou depois teria. Uma das coisas que mais me decepciona no rock atual é a falta de ambição visual. Não falo de gosto, falo de arrojo; o rock de agora é absolutamente convencional em visual. David Bowie dizia em 1972 que o público deveria ser tão "star" quanto o artista sobre o palco. O que se vê desde os anos 90 é o palco imitar o público. O artista sobre o palco tem um visual tão pouco interessante como o do garoto suburbano da última fila.
   Os Sex Pistols tinham um visual maravilhoso, assim como Jimi Hendrix, Sly Stone ou Mick Jagger em 1974. Quando minha geração surgiu, por volta de 1982, viemos elegendo Bowie como nosso Oscar Wilde e Bryan Ferry no papel de Walter Pater. Pouco importava a música, o que importava era ser artista. Esse o credo de Wilde, a arte era a vida, a obra era apenas um detalhe. Então procurávamos viver em "estade de arte". Isso se revelava numa atitude diante da vida, o "tentar algo novo". Recordo do modo como eu pintava e repintava minhas paredes, meus móveis e refazia os objetos que eu tinha. O estado era de constante criação, e mesmo que essa invenção fosse tola ou banal, não importava, o objetivo era a atitude criativa, fazer sem pensar no quê.
   As informações eram preciosas: Pollock. Cocteau, Matisse, Man Ray, Gaudi. Soul Music, Jazz, rock de garagem e "as novidades". Como dizia Wilde, a beleza atemporal. A turma que havia surgido imediatamente antes, Blondie, The Cars, Talking Heads, Ultravox, Japan, eram usinas de ideias visuais, tanto quanto musicais. Por um breve período, as artes plásticas eram o centro do mundo outra vez. Basquiat, Keith Harring e Beuys eram nomes de star. Não a toa é esta a era de filmes como Fome de Viver, Blade Runner ou Oito Semanas e Meia de Amor. O visual sobre o roteiro nasce neste tempo.
   Recordo das loucuras em video-clip de Goude, dos elegantes videos de Bruce Weber ( 1991 é o último ano dessa atitude ), e das estréias de Julien Temple.
   Há quem vá dizer que por detrás desse endeusamento do visual se esconde a absoluta falta de inspiração. Não sei. O que posso dizer é que os jazzmen já tinham essa ligação com a imagem ( como afirmação de negritude ) e que nos anos 60 todas as bandas davam um grande show de informação novidadeira. Eram momentos musicais que se ligavam a fotografia, a pintura e a um certo clima boêmio chic. Víamos o Velvet Underground no centro do mundo hiper-excitante de Andy Warhol e os Stones sendo ícones do mundo fashion de David Bailey. Quando o Blondie veio com suas poses à la New York anos 50 o recado foi prontamente entendido. O visual era o centro da coisa.
   Penso, e vejo, que os grupos de agora, ou pelo menos 90% deles, não dão uma foto de Helmut Newton ou um tratamento de Gaultier. Há excessões...quais?
   Posto abaixo um video de Miles Davis, o mais elegante dos ícones do jazz e que em 1986 lançou Tutu. Vi esse video na época e pirei. Lembro de passar a pintar meu quarto com cartas de tarot e de sair na noite imitando o jeito frio e brilhante do clip. Se ele te parecer "muito anos 80" é porque ele conseguiu exatamente o que queria, ser um manifesto daquele momento. Há nele a ambição de ser "interessante". E claro, chic.
   Coldplay, Dandy Warhols, Franz Ferdinand... nunca um deles me deu vontade de fotografar, de pintar ou de me vestir "como eles". Acho que essa geração perdeu muito com essa pobreza.

ENO, PONDÉ, LEMOS, JORNAL, ÁFRICA E RIO

   Fotos antigas nas paredes. De Paris, de São Paulo nos anos 30, de NY. Uma pintura pós-moderna. Dois sofás: um deles desconstruído e o outro um tipo de coisa chique em estilo vitoriano. Livros. Belas edições de luxo. Poemas de Goethe, um estudo sobre o cinema japonês e uma imensa bio de Lacan. O morador, sem tempo ( ou vontade? ou interesse? ) jamais leu nenhum dos livros. Mas diz gostar deles. O quadro nem é muito olhado e as fotos espelham um passado que nunca lhe interessou.
   As almofadas estão sempre impecáveis.
   Pondé escreveu ontem sobre esse tipo de ser. O cara que mora em casas que têm montes de coisas que não servem para nada. O senhor da sala de visitas. Sala que nunca é usada. E livros que jamais são lidos. O cara tem uma cafeteira italiana, aparelhos de academia, máquina de sorvete, cursos de vinhos e queijos, e nada disso é usufruido. Porque tudo isso é trabalho inutil pra ele. E ele simplesmente nunca trabalha "á toa".  Nunca estuda. Nunca observa. Tudo o que ele faz é "pela carreira". Só estuda, trabalha e vê o que é "pela carreira". Brega. Sua casa faz parte da "carreira".
   Essas casas traem seu dono. São mortas. Tudo nelas é mais que morto, na verdade são não-nascidos. Os objetos não respiram, não envelhecem, não se sujam. Nessas casas não existe história.
   Pensei que só eu sentisse o tédio que essas casas dão. Eu as chamo de casas de "luzinhas amarelinhas". Ambientes assim abundam em filmes e séries de tv inteligentinhas. Completamente bregas. Tudo é sempre novo, limpinho e sem cheiro. A casa não é lugar pra se viver e trabalhar, é um tipo de vitrine, um tipo de cartão de acesso ao mundinho brega-novo rico. Laboratório onde se cria o tédio.
   No mesmo jornal Ronaldo Lemos fala sobre Eno no Rio.
   Brian Eno lançou um desafio ao Rio. Que ele assuma seu papel de Nova África. O que seria isso?
   Desde sempre Eno fala que o problema dos computadores é o de que eles têm pouca África. Nerds têm um componente africano muito baixo ( substitua africano por dionisíaco que talvez voce entenda ). Daí que o mundo da informática tem uma ausência de africanês. É frio, impessoal, previsível e sem calor. Cabe ao Brasil trazer esse componente africano ao mundo. Brasileiros criando uma nova Microsoft ou Apple.
   Ele fala mais. Por 50 anos a música foi central por ser uma forma de se receber a África.
   Vamos desenvolver essa frase. Por 50 anos. Não era antes? Não. Antes de 1950 a música ficava muito atrás da literatura, do teatro, do ballet, do cinema, e até da pintura. A transformação da música em coisa sempre presente se dá a partir da explosão do rock e da hiper-venda de discos, fitas, cds e agora i pods etc. O que Eno fala é que o mundo sentiu-se fascinado com a africanização. O mundo começou a rebolar, a se soltar, a improvisar, a colorir, a batucar, a gingar. ( Dionisio? ). Isso fez do século XX um século negro, radicalmente diferente de qualquer outro.
   Mas esse processo se esgota. E a música perde sua força. É preciso que o mundo receba algo de radicalmente novo. Que invada computadores, telas, a vida. Isso poderia ser o Brasil. Uma brasilização do mundo. A miscigenação radical. O improviso como dom e não como falha. O acaso. A hiper-africanização brasileira.
   Eno deu aparelhos para os cariocas onde eles criaram discos de Eno ao vivo.
   Lembro então que Eno e Bryan Ferry foram alunos de Richard Hamilton, o criador da POP ART. Todo o discurso de Eno é consequência da POP ART. O olhar sempre adiante, a busca pelo mais colorido, mais vivo, mais excitante. A celebração. Ferry uniu a isso o olhar romântico do cinema anos 40, a publicidade e a escultura. Eno caminhou para a tecnologia e o futurismo. O Roxy foi essa usina caleidoscópica que falava de Bogart, Jerry Hall e Calvin Klein, Greta Garbo, Elvis e TV, Tango, carros e Funk, tudo numa canção.
    Ando lendo Borges.
    Diz que a maior invenção grega foi a conversa. A conversa como arte e como prazer maior.
    Concordo. Mas digo também: a divisão de nossas forças entre Dionisio e Apolo foi genial. Casas apolineas ( sem o gênio de Apolo, um tipo de Apolo fake ), computadores sem Dionisio ( e o que são os hackers? Uma tentativa de dionisiar a máquina? ) Temos mais um momento decisivo, ou o mundo continua a reprimir o dionisiiismo ou tenta equilibrar a coisa....
     

Pop Art



leia e escreva já!

WHAMMM!....POP ART, BEM VINDO A NOSSO MUNDO!

   Quando no chatérrimo filme de Cronenberg o vampirinho fala sobre Mark Rothko desvenda-se a charada. É assim que Cronenberg se vê: Mark Rothko. Rothko fazia parte do expressionismo abstrato, a corrente mais chique da arte moderna dos anos 50. Pra quem não sabe, seus quadros eram misticos. Ele pintava duas faixas vermelhas sobre um fundo negro. E o cara tinha de ficar horas diante daquilo na esperança de entender e ter uma iluminação. Waaaaalllll....
   Enquanto Rothko era moda, um bando de ingleses estudava arte e descobria que tudo o que eles não queriam ser era Mark Rothko. Era a época da fome. A Inglaterra pós-guerra sofria o racionamento. Pouca comida, pouca energia. Em 1954 o racionamento acabou e o país viveu o maior surto de desenvolvimento da história humana. Imagine que voce vive numa Etiópia e de um dia pra outro voce cai numa Nova York. Qual sua reação? Euforia, otimismo, alegria e uma paixão doida por rótulos, por cores, por abundância, por juventude e sexo. Absoluta confiança no futuro. Eis a POP ART. O último momento alegre da arte.
   Foram apenas quatro anos de euforia. Mas que anos!!!! Entre 1960 e 1964 eles realmente celebraram o mundo. Uniram arte culta com quadrinhos, cinema, tv e propaganda. E atacaram todo o modernismo de Rothko, Pollock e De Kooning.
   Obra fundadora: O QUE TORNA OS LARES DE HOJE TÃO DIFERENTES E TÃO ATRAENTES? Richard Hamilton usa colagem. Um homem sarado, uma esposa sexy. Latas de comida, eletrodomésticos, cartazes, conforto, tv, revistas...a questão é: Pra que sair de casa? Pela primeira vez o mundo vem a sua casa. O melhor do mundo. O quadro é vivo, alegre, celebratório. Torna-se icone. Eduardo Paolozzi, Peter Blake, Pauline Boty. Suas obras são sexy, são jovens. Blake fará a capa de Sgt. Peppers e Hamilton uma série sobre as prisões dos Rolling Stones...Mas estou me antecipando. Quando em 1967 eles fazem esses trabalhos a alegria já se fora...Vamos a América.
   Sem conhecer a obra dos ingleses, ao mesmo tempo, surge a POP ART nos EUA. Com algumas diferenças. Ela já nasce crítica. Explicita desde o começo sua amarga nostalgia. Sim, eles celebram o consumo, o jovem, o mundo da comunicação, mas esse mundo é tingido com a nostalgia de sua infância. Esse traço logo aparece também na Inglaterra. Eles amam a juventude, mas essa juventude é a época já passada de seus 15, 17 anos. A POP ART passa a resgatar os objetos que deveriam ser esquecidos. Mas não o serão.
   Andy Warhol se torna o rei do movimento. Uma frase dele:  A POP ART É GOSTAR DAS COISAS. Pense bem. Parece uma frase boba. Mas pense. O que é ser POP? Amar as coisas. O que é ser Moderno? Odiar as coisas, desconstruir, ou, as ignorar. O POP ama os carros, as cidades, os supermercados, os objetos de consumo, a tv, o rock e os quadrinhos, as roupas, a moda, as revistas. O moderno abomina tudo isso. ( No mnndo de 2012, o moderno tenta unir as duas coisas e acaba no vazio. Ele ama e odeia tudo isso ao mesmo tempo. O POP hoje, gosta das coisas, mas não tem mais uma relação visceral com elas como tinha a POP ART ).
   Outra frase de Andy: NO FUTURO TODOS TERÃO 15 MINUTOS DE FAMA. Essa frase já é de sua fase critica. Todo idiota terá seus 15 minutos. Toda ideia absurda será lei por 15 minutos. Todo dogma durará 15 minutos....é um futuro de horror. Warhol anteviu o futuro/hoje. Postei uma entrevista em que ele e Edie comparecem no talk show de Merv Griffin em 1965. Edie era uma socialite que caiu nos braços da POP ART. Impressiona a atualidade dos dois. Enquanto Merv e etc parecem ser de 1965, Andy e Edie são de 2012. E que pessoas adoráveis eram os dois!!!!!
   E então. por volta de 1965 eles começaram a perceber que a tv trazia morte, guerra e dor para dentro dos lares. Que as drogas matavam. E que a revolução jovem e POP já era. É quando Andy faz sua série sobre a cadeira elétrica ( uma das obras mais assustadoras que já vi ) e Hamilton faz criticas so Vietnã em forma de cartoon. Jasper Johns, Tom Wesselman, David Hockney.... Todos passam a vender muito e a valer muito. Nenhum problema, desde o começo eles diziam em alto e bom som: Queremos vender! Queremos nos comunicar com o povo!!!
   Fato central: a POP ART quer a massa. Eles bradam que a arte do século XX perdeu conexão com a vida. Eles querem ser entendidos. O problema é que tudo aquilo se torna um maneirismo. Tudo passa a ser POP ART.
   Warhol funda a Fábrica, uma usina que fabricará ARTE. Arte é apenas um trabalho braçal. É lá que ele faz cinema ( cinema é só filmar ), faz música ( música é só tocar- Velvet Underground ) e happenings ( uma festa é arte ). Andy faz capas de rock: o da Banana do Velvet e Sticky Fingers dos Stones.
   O The Who usa as blusas de Jasper Johns. Aquele alvo no peito é uma invenção POP ART. Eu sou o alvo: compre-me.
   A POP ART fracassou? Se seu objetivo era o de celebrar, sim. Pois a festa durou apenas quatro anos e depois o que vimos foi uma melancólica repetição inconvincente. Mas eles foram vencedores em conseguir mostrar o quanto o modernismo se tornara velho, estático, morto. Escancararam as portas dos museus e das galerias e exibiram a vitalidade de novos tempos. Ao misturar ALTA ARTE com vulgaridades ( essas vulgaridades eram a tv, as revistas e o cinema ), deram a certidão de nascimento a tudo o que nasceria depois.
   Vejam o meu caso. Eu sofro de nostalgias de idade média e de era vitoriana. E ao mesmo tempo adoro cinema, tv, cartoons, HQ, dvd, internet, esportes, carros.... Moderno e infantil, conservador e além do agora, simbolista e imediatista, sonhador e pessimista...POP afinal.
   Tarantino, os Coen, Wes Anderson, todos são POP ART.
   Cronenberg, Paul Thomas Anderson, Lars, todos são Modernistas.
   O cinema dos POP é colorido. O cinema Modernista é preto e vermelho.
   Uns são elétricos, agitados, com mil ideias e com a vontade de se comunicar.
   O outro é solene, lento, fechado em si, cheio de simbolos e sentidos.
   POP e Moderno. Hamilton e Rothko. O velho embate.
   PS: Eastwood, Allen, Scorsese são clássicos. Todo esse papo pra eles é pura frescura.

ROGER SCRUTON E A VERDADE DO QUE É BELO

   André Assi Barreto escreve na revista Filosofia sobre Roger Scruton. Eu nunca tinha ouvido falar de Scruton, pensador inglês nascido em 1944. E já aviso: sou partidário dele. Outra coisa, ele é considerado um "lutador por causa perdida". Ótimo. Eu também sou. Vamos ao que André fala sobre Roger.
   Marcel Duchamp colocou um mictório como obra de arte. E a partir de então, tudo pode ser arte. Em 1960 chegou-se ao ponto de lata cheia de bosta de um artista ser exposta como arte. Arte passou a se confundir com "chamar a atenção da midia", criar algo de sensacional, e convenhamos, é muito mais fácil criar sensação mostrando merda ou vísceras podres de um boi, que criando beleza original. Esse é o ponto central de Roger Scruton. O mundo só poderá ser salvo se o conceito de belo for salvo.
   Artistas modernos se defendem dizendo que o público que os renega não tem a linguagem e a sensibilidade para os entender. Desculpa tola. Picasso era moderno e belo, assim como Pollock e Kandinsky. Não se trata de negar toda a arte do século XX, mas sim separar os espertalhões dos artistas.
   Scruton foi tema de programa na BBC. Sua tese central é a de que a beleza é tão verdadeira e eterna no homem como é a bondade e a verdade. O homem aspira a beleza como aspira ao bem e a verdade. Em 15000 anos de cultura esse valor sempre esteve presente e não são meros cem anos que podem destruir esse fato. O homem tanto aspira ao belo que assim que pode,  procura praias, montanhas ou recantos "belos". Há em Londres um fenômeno interessante, lojas que estão instaladas em imóveis vitorianos são muito mais valorizadas que aquelas em locais modernos-feios.
   Mas desde ao menos 1910 se faz essa confusão entre o sensacional e a beleza. Artistas incapazes de produzir qualquer coisa verdadeiramente artística passaram a desvalorizar e a zombar do que fosse "apenas" bonito. O feio passou a significar coragem e verdade, a beleza seria mentirososa e passadista. Ora, por mais de dois mil anos a arte serviu como consolo, elevação espiritual, meio de refinar o gosto. Pois a arte hoje aumenta a dor, promove o rebaixamento e esteriliza a sensibilidade. É como se ela tivesse a função de nos acostumar ao pior, ao mínimo, a conformidade da vida das fábricas, da violência e da dor. Seria isso por acaso?
   Se antes a arte dava sentido a vida, hoje ela quer apenas causar impacto. Profanar o sacro, cultuar o feio, promovendo assim a confusão, o vale tudo, o tudo pode ser arte. Isso nos lembra algo? Não é essa exatamente a tese do mercado? Tudo pode ser um produto, desde que bem divulgado. Sendo agressiva, sensacional, contra alguma coisa, a arter se torna "útil". Como dizia Oscar Wilde, o primeiro mandamento do belo e da arte é ser "completamente inutil". O que há de útil em uma música bonita, uma pintura bela ou um filme lindo? Mas "os artistas" fazem músicas sujas, pinturas terríveis, filmes duros e violentos, seriam obras úteis, ou são assim vendidas. Teriam a função de abrir olhos. Olhos para ver o que? Mais coisas feias.
   Construir e vender um prédio feio como moderno e social é muito mais fácil que tentar construir um prédio belo e apenas isso, Belo. Não se esqueçam disso.
   Fruir o belo é uma atividade inutil. Desinteressada. Como o amor ou a amizade, não há um objetivo aqui. A utilidade prática fica em segundíssimo plano. Na arte clássica esse era o objetivo: a arte como bálsamo e elevação de consciência. A criação era valorizada. Belo era o criativo, o vitalista, o potente. Agora se valoriza o banal, a quebra de tabús, a exaltação de sentidos. Tudo isso parece útil e criativo, Scruton mostra que o banal é realmente banal e a quebra de tabús é apenas histeria impotente. Não se cria, se odeia aquilo que outro criou.
   Roger Scruton só poderia ter nascido na Inglaterra. Dou um exemplo do que isso significa. Tenho um professor que em aula de literatura exaltou Balzac e Stendhal ( que adoro ), às custas da Inglaterra. Para ele, a literatura inglesa do século XIX é um nada absoluto, enquanto a francesa é o máximo. Sua explicação é a de que "enquanto a França fala de temas modernos, a Inglaterra ficou presa ao passado e a livros infantis!". Pois eu disse, isso é um ponto de vista. Posso dizer que a literatura francesa se resume ao tédio de esposas traindo maridos e caipiras querendo viver em Paris. Enquanto que a Inglaterra se preocupava muito mais com a criatividade, com o absurdo, o excêntrico e o humor. A resposta de meu mestre? Conforme-se então com seu David Copperfield.........
   Falei isso para voltar a Roger Scruton e dizer que ele culpa Foucault, Deleuze e que tais pela filosofia que prega o "tudo é válido, nada tem hierarquia, cada voz deve ser ouvida". Scruton vai ao cerne: Se tudo é válido então ouvir um Nobel falar sobre a escrita tem o mesmo valor que um semi-analfabeto?
   Estamos proibidos de falar que uma cultura é superior a outra. Não podemos condenar a escravidão feminina em certas nações, "pois é a cultura deles". Tudo se tornou relativo, e nesse universo não se pode dizer que o belo é melhor que o feio. A resposta do fã de Foucault sempre será: "O que é o belo? .."..E após essa pergunta ( na verdade sem sentido ), o relativismo se impõe e o belo se perde. Todos sabem o que é belo como sabemos o que seja bom ou verdadeiro. Relativizar é fugir da verdade.
   Dizer, como dizem os franceses, que só existe Gosto e não o Bom Gosto é falso. É como falar que não existe o bom e o mal, o feliz e o triste, o certo e o errado.  Esse relativismo é um totalitarismo. Brutal.
   Com a palavra Scruton: " A beleza pode ser consoladora, perturbadora, sagrada, profana, hilariante, atraente, inspiradora. Afeta-nos em variadas maneiras. Mas nunca é vista com indiferença. Fala a nós como um amigo íntimo. Se existem pessoas indiferentes à ela, é porque perderam o poder de olhar."
   Roger Scruton é filósofo por Cambridge. Segue Platão e Kant. Acredita na aristocracia pré-Segunda guerra. Reacinonário assumido, rejeita toda militãncia politica. Como todo reacionário, Scruton é "santo padroeiro das causas perdidas". Tem livros sobre música, o pessimismo, e a supremacia da cultura Ocidental.  Altamente rejeitado pela inteligência acadêmica oficial, principalmente por suas críticas ferozes a Foucault, Derrida e o multi-culturalismo.
  Seu jogo já está perdido. Mas quem ganhou, ganhou o que???

ABRA OS OLHOS E DEIXE-OS GUIAR

   Coisa rara em SP, seus olhos têm a chance de se deleitar e quem sabe, aprenderem a ver. Fotos de Fellini no Sesc-Pinheiros. Basta a foto da equipe de frente para o mar. Ela já fala tudo sobre o mundo do mestre de Rimini. O homem perante o nada que em mundo felliniano é sempre belo. Mas há mais: Jasper Johns no Tomie Otake. Para os olhos entenderem o nascimento da vulgaridade como centro do mundo-idiota. Jasper percebeu: o futuro é dos imbecis. Eles crescem porque pais idiotas têm mais filhos. Temos ainda os impressionistas no CCBB. Monet e a beleza absoluta da cor e do quase invisível, Renoir é a alegria de se estar vivo. Mas tem mais. Até Cézanne foi convidado. Dá pra perder? Só se voce for uma besta.
   Mas tudo cessa diante de Caravaggio no Masp. Como sempre a quantidade de obras é minima e voce sai do caixote da Paulista com frustração. Mas basta um Caravaggio para mudar para sempre seu entendimento do que seja arte. Ela é muito mais do que o mercado tenta nos fazer comprar.
   Após tudo isso, aproveite a lista da Sight and Sound e alugue Aurora de FW Murnau. Não existe filme que tenha maior gama de informação poética. Puramente visual.
   Delicie-se.