Giuliano Carmignola, Claudio Abbado, Brandenburg Concertos (1 - 6)



leia e escreva já!

VINIL. A ARTE DE FAZER DISCOS. - MIKE EVANS.

   Saiu agora este bonito livro, pela Publifolha. Evans começa falando da invenção do som gravado, ainda em cilindro, depois a criação da bolacha de acetato. No começo, discos de 3 minutos apenas, a 75 rotações por minutos. E em 1948 a grande revolução com a criação do LP como o conhecemos. Toda essa parte é a mais interessante do livro. Fotos de discos históricos, dos primeiros a vender bem, das capas mais bonitas ou criativas.
  Interessante notar que até os anos de 1990, toda mudança tecnológica tinha por alvo favorecer a música erudita. Para se ouvir uma sinfonia em 1945, por exemplo, era preciso ouvir oito discos. Vinte minutos em oito discos. Uma ópera completa usava cerca de 25 discos. Quando o LP é inventado, pela CBS, é a música clássica que se beneficia a princípio. Todo o catálogo da CBS, e depois da Decca, da RCA, da Philips, são vertidos para LP e são esses os discos que mais vendem. Entre 1949-1959, de cada 100 novos discos lançados, 60 eram títulos eruditos. Eu observei em 1995 críticos reclamando que os novos títulos de eruditos começavam a cair, pois na popularização do CD, entre 1987-1993, eram lançados milhares de discos de música clássica por ano. O CD, como antes com o LP, era uma nova mídia perfeita para óperas e sinfonias.
  Com o download isso acabou. Esse meio, que faz com que as pessoas mal suportem 10 minutos de música ininterrupta, sepultou o disco clássico. Foi a primeira invenção a não favorecer a música de Bach, Brahms ou Berlioz.
  Evans lança bela tese sobre a vantagem do LP. Além da beleza da arte gráfica, dos encartes, há a deliciosa sensação de "ser dono da música". On Line, voce escuta um disco. No LP voce o compra, é seu e só seu. Fisicamente presente. Pra sempre.
  O resto do livro, que fala da história das grandes gravadoras ( Motown, Island, Factory, Chess, Verve, Blue Note...estranho ele pular a Virgin, Decca, Atlantic, Stax, Casablanca, Sub Pop ), as grandes capas, não é tão bom. Talvez porque são histórias que eu conheça muito bem...
  De qualquer modo é um belo livro e que se favorece muito da internet. Pois apesar de o LP ser bem melhor, na NET podemos ouvir todos os sons citados. Então, vamos à eles...

DEBBIE, STANLEY, GENE, DONALD E A GENTE

   A alegria não cabe mais em nosso mundo. O que nos consola é um tipo de histeria sorridente que nada tem a ver com a alegria. No cinema o máximo que podemos almejar é a comédia cínica ou a fantasia abstrata. Há pudor em ser alegre no mundo da arte. Ou pior, há maldade no mundo artístico.
  Debbie Reynolds encarnava a inocência. Stanley Donen a elegância. Gene Kelly a destreza e Donald O'Connor o humor. Todo se uniram para fazer CANTANDO NA CHUVA, o filme que todo amante da vida tem a obrigação de ver. É a prova dos nove de seu grau de sanidade.
  Debbie partiu. Ou melhor, nosso mundo não mais pode a aceitar. Ela e seu universo são tão distantes de nós que se tornaram incompatíveis.
  Debbie viveu os dois mais temidos pesadelos da alma feminina: Ela perdeu o marido para a melhor amiga e ao fim da vida viu sua filha morrer. Por piedade ela morreu. Justo.
  Meu mundo é este de agora, pós 1968, o mundo em que Deus é o desejo e todo desejo é poder. O desejo é Dionísio e as pessoas se esqueceram que Dionísio é um deus cruel, violento, egoísta. Ele exige sacrifícios em sua honra, sangue e vinho. O mundo de Debbie era o de Apolo, elegante, belo, ordenado ( mesmo que fosse apenas aparência, aparências são o mundo ). Ela sorria, cantava, chorava, sorria de novo e sabia dançar. Era a vizinha que todo mundo quer ter, a namoradinha da sexta série, a melhor amiga que vira esposa. Nunca foi sexy, ela era amável.
  Partiu.
  E o que nos resta, enquanto alguns ainda sabem, é cantar na chuva e ser um palhaço.

COMO SER UM CONSERVADOR - ROGER SCRUTON ( NÃO EXISTEM NA POLITICA BRASILEIRA ).

   Talvez um dia tenhamos tido verdadeiros conservadores. Mas eles devem ter se afastado da politica em 1889. O horrendo golpe republicano alienou do brasileiro sua alma conservadora e instituiu a história brasileira como um eterno recomeço, um jogar fora o passado. Começo que jamais termina.
   Dos livros de Roger Scruton este é o mais politico. Portanto não espere outro assunto a não ser as agruras do partido conservador e do trabalhista na Inglaterra. Claro que é um excelente livro e eu o recomendo para todos. O que ressalta no texto é a diferença imensa que há entre o conservadorismo real, inglês, e aquele que cá é chamado de direitismo. O direitismo, chamado por Scruton de liberalismo, prega o progresso, o consumo, a indústria e a economia como únicas verdades. Isso existe no Brasil, em que pese ser aqui conspurcado por uniões podres e cínicas com o estado.
  Conservadorismo, o verdadeiro, doutrina de Burke, de Alex de Tocqueville, prega o respeito ao passado. É uma democracia que leva em conta os mortos, os vivos e aqueles que ainda não nasceram. Tem no centro tudo o que nasce de baixo e não o que é imposto de cima. Seu vínculo é o amor entre familiares e vizinhos e não o dever para com o estado.
  As pessoas amam sua família, sua rua, seu bairro. E é esse amor que as une aos desconhecidos das cidades. Uma cidade é a união de famílias e não a união de indivíduos. Para esse amor ser respeitado, ruas, igrejas, monumentos, paisagens precisam e devem ser preservados, conservados. Uma cidade só é humana quando tem história, passado, e quando suas dádivas são guardadas como herança para o futuro. Lar, clube, time, igreja, escolas, praças. São esses os organismos de uma nação. Não se deve, jamais, impor a essas pessoas aquilo que lhes é melhor, o que se deve é garantir a liberdade de que elas continuem construindo sua história.
  Scruton escreve suas melhores e mais lindas páginas na defesa da beleza. Beleza é conforto, é bem estar, é dar sentido, é sentir-se aceito dentro do mundo. A arte moderna abomina essa ideia e Scruton explica como e quando aconteceu esse desprezo à beleza. A arte, deixou de ser um modo de se atingir a plenitude, e se tornou modo de destruir tudo.
  Vou resistir a tentação de comentar o fantástico capítulo final. Nele Scruton descreve a alegria. Para fazer justiça a algo tão bem escrito só se eu o reescrevesse. Leiam.
  Termino contando uma experiência minha...
  Em 1980 ainda andava de noite pela avenida Paulista com o coração em suspenso. Sombras nas esquinas e luzes embaçadas nas janelas dos casarões, os últimos, que contavam silenciosamente sua história para mim. Eu andava devagar, usufruindo de cada fachada, cada uma com seu emaranhado de linhas, cada linha cantando uma história.
  O pessoal do governo não conservou nada, e a indústria derrubou tudo. Segundo os seguidores de Le Corbusier e de Niemeyer, aqueles casarões não tinham valor nenhum. Eram bolos de noiva, lixo. O valor seria vidro e aço, linhas retas e muita luz. Hoje lamentamos sua extinção. Nunca voltarão.
  Uma casa é um lugar cheio de história. Tem coisas, tem cheiros, tem segredos.
  Nesse lugar a gente fuma, bebe, fala, dorme, lê. A gente tem coisas, a gente ama pessoas e por essa casa a gente trabalha e sonha. Essa a base do conservadorismo. Manter vivas as coisas. Preservar para o futuro o que melhor há do passado. E nessa ideia se encontra a beleza, o conforto e a história. Amar uma nação, a sua, é poder amar sua família.
  Muito "grosso modo" é isso.
  Mas é mais. Bem mais.

Status Quo - Paper Plane



leia e escreva já!

Status Quo - Down Down (Glastonbury 2009)



leia e escreva já!

A BOBAGEM DO TAL ROCK ADULTO E A VERDADE DO TALENTO...PENSANDO A MORTE DE GEORGE MICHAEL.

   O coração de George Michael havia parado de bater a muito tempo. Assim como Prince, seu tempo acabou por volta de 1995. A era dos Clinton, de Seattle, das camisas de flanela enterrou o POP chique, vaidoso, hedonista dos dois e de tantos outros. A versão branca da música de Stevie Wonder, Marvin Gaye e Al Green não tinha mais vez. E o tipo de música de Prince, o negro feliz, vaidoso, satisfeito, sexy, se tornou o RAP, mais agressivo, mais masculino, mais suburbano. O público de George passou a ouvir música eletrônica, o de Prince, RAP.
  Para piorar, George processou a Sony, num tempo em que gravadoras ainda mandavam em tudo. Fosse hoje ele não teria o menor problema, mas na época ele ficou isolado. Na geladeira. Quando voltou o mundo já mudara. Os anos 80 eram outro planeta. E as meninas, seu maior público, dançavam ao som de Ricky Martin, pois George já assumira sua condição gay. ( Ironia ).
  Ele não se tornou um novo Elton John porque não tinha o gênio de compositor que Elton tem. George era uma voz perfeita. Listen Without Prejudice é seu melhor disco e em Praying For The Time ele atinge o sublime. Ouvir essa canção nos recorda que a beleza é aquilo que mais precisamos. Praying é a faixa que abre o disco. Quando a orquestra começa a tocar nos sentimos em outro mundo. Isso é genial.
  A geração de George teve a pretensão de unir música popular adulta ao rock. Perceberam que mesmo Dylan era apenas um adolescente velho. Dylan podia ser genial, mas era um teen sempre. Pensaram em ser adultos copiando a postura de adultos. Bowie, Ferry, Robert Palmer, George, todos vestiram ternos, pegaram melodias Cole Porter- Gershwin- Berlin e pensaram que assim seu POP se tornaria adulto. O máximo que conseguiram era parecer adultos no lugar errado. Erraram de desejo e erraram o alvo, claro. Mas em meio a esse processo criaram um tipo de trilha sonora chique que nunca mais foi tentada por ninguém. ( OK, Amy sim... ). Sade, Paul Weller no Style Council, o Everything But The Girl, todos chegaram nesse hibridismo que jamais foi adulto, mas que era uma bela festa de adolescentes travestidos de Cary Grant.
  O estranho é perceber que Al Green fez tudo isso 15 anos antes. E sem imitar ninguém.
  Bowie saiu dessa e voltou a tentar ser um tipo de vampiro eletrônico. Vários deles se tornaram cantores de dvd. Ferry nunca saiu desse mundo. Vestiu bem e se sente em casa nele. E George sumiu. Alguns shows bonitos, tristes, intimistas. E o coração na voz. A voz...
  Termino falando que Rick Parfitt morreu aos 69 dia 23. Sua banda era o STATUS QUO e essa banda nunca mudou. Desde 1970 eles fizeram e refizeram o mesmo disco, um boogie de pub, rock analfabeto de adolescente feliz. Eu amei essa banda na minha adolescência e voltei a escutar, muito, de 2012 em diante. Penso que nada é mais distante do mundo de George que eles. A música deles é diversão, diversão e só diversão. Com algumas baladinhas muito lindas. On The Level é o melhor disco.
  Bom saber que a música POP pode ser tão variada.

O QUE SIGNIFICA O NATAL.

   A base de uma civilização saudável é o costume. A raiz está no amor, amor que cria a família e que daí se espalha formando a vizinhança. O amor ao seu lugar é o que constitui a identidade. Uma nação é o conjunto de pessoas que se protegem por compartilharem a mesma raiz: a família. A verdadeira democracia garante o respeito a essa base. Familia, bairro, praça, igreja, clube, time, festas populares. Por maior que seja a cidade, ela é habitável quando constituída por essa células. O estranho é que há uma intelectualidade que detesta toda essa rede amorosa. Chama-a de hipócrita, falsa, doente, cínica. Na verdade esse intelectual vê sua face em tudo aquilo que olha.
   Ditaduras começam por atacar alguns desses costumes. Mudam escolas, mudam ruas, mudam nomes de lugares, mudam festas, proíbem encontros, amizades, religiões. Mantém apenas a família porque precisam de filhos. Mas se pudessem fariam fábricas de crianças. O ideal de toda ditadura é a indústria. Um mundo industrial.
   Por isso o natal é sagrado. De todas as festas do ocidente é a mais vital. Ela festeja a família e o nascimento. Ela festeja o milagre. E essa festa é atacada, e já faz algum tempo, em duas frentes: na comercialização, que retira toda a interioridade da noite de natal; e na simples negação, que tem orgulho em dizer que o natal não existe. ( Para esses estou aqui a falar do nada. O que prova apenas a burrice desses seres vaidosos ).
  Toda civilização precisa preservar seu legado. Respeitar os que morreram fazendo viver aquilo que ele nos deixaram, e garantir aos que não nasceram a herança que vem desde sempre. Quando essa corrente se rompe a civilização perece.
   Tenha um bom natal. Olhe uma estrela e pense no tempo transcorrido, nas gerações e mais gerações que o comemoraram. Respeite-as. Ame. Conserve seu mundo.

O GATO ZEN - KWONG KUEN SHAN

   Kwong nasceu em Hong Kong e mora na Inglaterra. Li um ano atrás O Gato Filósofo, um bonito livro da editora Estação Liberdade. Kwong não é escritora, é pintora. Ela faz lindos desenhos sobre gatos e escolhe frases de Confúcio, Lao Tsé, de grande nomes chineses e os combina. O livro se torna assim um delicioso passeio por beleza e sabedoria.
  Kwong confessa ter tido gatofobia por anos e que faz apenas 6 anos e superou esse medo. Hoje ela tem 3 gatos e os usa como modelos. Os desenhos, elegantes, leves, sempre bonitos, nos acalmam, nos deixam em suspensão.
  Vejo no Tube que a edição francesa é muito mais caprichada. A brasileira tem papel bom, boa impressão, mas é econômica, formato pequeno. Isso barateia o livro, é nossa realidade.
  Bela lembrança para amigos que amam gatos.

[Nouveau concept !] Le premier livre-tableau : Les Chats du Tao



leia e escreva já!

LIVROS COMO PRESENTES DE NATAL.

   Tempos atrás dei para um amigo as 700 páginas de Anna Karenina. Ele jamais leu. Ou seja, acabei por dar um presente inútil. Era meu livro favorito, a intenção foi boa, mas errei.
   Se voce for dar livro como presente de natal, nunca dê um livro que signifique trabalho para ser lido. Seu amigo pode simplesmente não ter tempo ou o desejo de ler aquele livro "genial". Ele pode amar livros, mas não aquele livro.
   É por isso que existem livros como LIMÃO SICILIANO de Charlô Wharteley e Stella Espírito Santo ou O HOMEM CASUAL de Fernando de Barros. Livros bonitos e fáceis de ler são presentes sem chance de erro. No mínimo servem para enfeitar a mesa de centro da sala.
   Esses dois, já velhinhos, eu cito porque acabei de os ler. São ok. O livro do limão tem doces muito bons e alguns drinks saborosos. O de Fernando, editor da Playboy nos anos 90, homem que foi produtor de cinema e teatro, português de nascimento, é um manual do vestir sem ostentar. Legal.
   Volto a dizer, livros são ótimos presentes. Mas escolha os bonitos.

CONQUISTADORES - ROGER CROWLEY

   Este livro foi best seller nos EUA, Inglaterra e Portugal, mas não por aqui. Talvez porque ele demonstre a importância da descoberta do Brasil para a Europa de 1500: nula. Cabral fazia a rota genial que os lusos haviam descoberto. A sacada havia sido que para se passar pelo Cabo das Tormentas era mais fácil navegar para oeste, abrir o ângulo e depois descer para leste com a força da corrente marinha. Cabral abriu esse ângulo ainda mais e veio dar no Brasil. Gostou dos gentis índios, mas percebeu que esses índios eram pobres demais. Nada tinham que pudesse ser cobiçado. Então ficaram pouco tempo e continuaram rumo à Africa. O livro gasta cinco linhas com nosso país tupi. E só.
 O autor trata Portugal como o país que inventou a noção de Império Global. Ingleses, séculos depois, apenas os imitaram. O que fez com que um país tão miserável ( Veneza, França, Espanha eram muito mais ricos ) conseguisse esse feito, maior em coragem que a conquista da Lua em 1969, é para Crowley um mistério. Sem terra, pequeno, acossado pelos espanhóis, Portugal teve a ideia: aumentar o território se jogando ao mar. Em caravelas, barcos pequenos, porém velozes. E assim surgiu a linhagem de grandes marujos, homens que venceram o vazio do oceano.
 O pensamento luso era o de exploração. ( E isso foi a miséria do país, do nosso e do deles ). Eles jamais pensavam em colonizar. O desejo era o de ficar rico depressa. Os tupis e guaranis na verdade nada tinham para ser trocado ou roubado. O português não queria explorar minas, caças ou construir fazendas; ele queria a coisa pronta. E a costa africana tinha escravos, tecidos, canela e pimenta, era só pegar. Na India a coisa era ainda melhor. Tinham joias. Os lusos eram piratas. Se usarmos essa palavra entenderemos melhor sua ação. Mas eram piratas apoiados por uma nação e por um rei que acreditava ser herói do catolicismo. Portugal seria o país matador de muçulmanos. E mataram. Milhares.
 Crowley deplora a crueldade dos europeus. Portugal vence todas as batalhas com facilidade. A proporção de mortes é de 50 pra um. A Europa tem armas melhores. Os árabes têm armas ridículas. Mas Crowley jamais chama os lusos de vilões. Isso porque ele sabe que no Marrocos, na Grécia, em Bizâncio, os árabes também mataram, torturaram, humilharam. A guerra é um mal. Mas ela existe e nesse mundo todos são o que são. Guerreiros.
 Impressiona o amor de Portugal pela batalha. Eles lutam para pilhar, para roubar, e alegremente se jogam sem titubear. A falta de ordem é grande. Marujos desviam ganhos, é cada um por si. Eis a grande diferença de Portugal para aquilo que os ingleses fariam: os ingleses punem o roubo e a corrupção com mão de ferro. Marinheiros ingleses não podem pegar nada. Os lusos fingem não perceber. Todos roubam e todos se corrompem. O que um navio inglês captura é da coroa. Cada marujo recebe seu salário. Já em Portugal cada marujo mete a mão naquilo que é capturado. O que sobrar é da coroa.
 O mundo que os portugueses encontram nas costas da India é o mundo do comércio. Barcos chineses, árabes, turcos, etíopes comerciam livremente. Há toda uma etiqueta de negócios. Os portugueses chegam dando tiros, não têm a menor paciência em negociar e logo toda a costa do mar vermelho e do oceano Índico mergulha em terror.
 Não poderia durar muito. Essas viagens de dois anos, algumas duram três, eram caras, e são venezianos e genoveses que as financiam. As pessoas ficam ricas, Portugal não. Os olhos do mundo começam a mirar a rota portuguesa, espiões italianos roubam mapas, e o segredo é descoberto. Portugal perde o monopólio. Quando vier o terremoto, já no século XVIII, a decadência do reino já virou mania.
 Crowley escreve bem. Tem o gosto da aventura e a seriedade de um historiador.

PETS....HUSTON....WOODY ALLEN...MARGOT ROBBIE...JUDY GARLAND

   JOHN CARTER de Andrew Stanton
Como diretor de desenhos animados, Stanton é ótimo. Mas aqui lhe deram um roteiro muito ruim. Conheço o personagem John Carter desde criança. Ele foi criado por Edgard Rice Burroughs, o autor do Tarzan. Carter é um terrestre que vai lutar em Marte. Aqui essa premissa, que poderia dar numa boa besteira, é jogada fora. O que vemos é um filme com visual feio, personagens ocos e ação sem sal. Esquece.
   ESQUADRÃO SUICIDA de David Ayers
O elenco é ótimo e se sai bem. Dentre eles, Margot Robbie se mostra uma presença luminosa! Sua personagem, das trevas, é louca, violenta ao extremos e muito sexy. O filme é um pouco violento demais, mas é tão aloucado que acaba funcionando. Os heróis são bandidos terríveis, Will Smith entre eles, que são usados pelo governo para lutar contra o Coringa. Pode ver que vale.
   VIZINHOS 2 de Nicholas Stoller com Seth Rogen, Zac Efron, Rose Byrne e Chloe Moretz.
Uma fraternidade de meninas aluga uma casa. Os vizinhos tentam sabotar suas festas. E é só isso. Uma comédia de pouca graça, mas que a gente vê meio que na boa...Na verdade é tão inofensivo que nem chega a irritar.
   PETS, A VIDA SECRETA DOS BICHOS de Chris Moyer
Roteiro bom. Tem alguns desenhos que têm roteiro muito melhor que 99% dos filmes feitos hoje. Inclusive alguns têm implicações bastante sérias. Este tem roteiro hábil, mas nada tem de sério. A história é boa porque sempre que pensamos adivinhar o que virá em seguida, ele dá uma volta inesperada e muda de direção. Fala sobre pets, a vida social desses pets. E de um cachorro que se perde na rua e encontra uma gangue de bichos revolucionários. É engraçado, é inteligente, é simpático, é bom.
   CIDADE DAS ILUSÕES de John Huston com Stacy Keach, Jeff Bridges e Candy Clark.
Uma quase reportagem sobre o fracasso. Tema favorito de Huston, observe que mesmo em Freud ele escolhe falar dos fracassos do médico alemão. São boxers numa pequena cidade da California. Boxeadores que fracassam, que bebem, que amam mulheres horrendas. O filme é de uma beleza triste. Mas não deprime. O tema musical é lindo. Os atores brilham intensamente.
   BONITA E AUDACIOSA de Lloyd Bacon com Jean Simmons e Robert Mitchum.
Que filme bobo!!!! Simmons é uma rica menina que resolve dar dinheiro ao povo de uma cidade caipira. Mitchum, bem sonolento aqui, é um médico que sabe o porque da menina querer dar dinheiro. So what...
   AS GARÇONETES DE HARVEY de George Sidney com Judy Garland.
Não, não é um grande musical. Se passa no mundo do western. Judy é parte de uma rede de restaurantes que se instala numa cidade de cowboys. Então tá...
  CENAS EM UM SHOPPING de Paul Mazursky com Woody Allen e Bette Midler.
Woody e Bette moram em L.A. São ricos e saudáveis. Imagino que a aposta do filme é que a gente deva rir com Woody dizendo que LA é melhor que NY. E vendo ele passear em shopping de bermudas e rabo de cavalo. Ou seja, sendo um cara do tipo que ele mais odeia. Ok, isso não funciona. O diálogo é raso, os personagens previsíveis e o filme acaba parecendo apenas um passeio à tarde com um casal chato.

O CARA QUE MUDOU O MUNDO

   O homem que mais mudou o mundo morreu há 50 anos. Era um caipira dos USA e não um rato da Sorbonne. Walt Disney criou a maneira como vemos a natureza e os animais. Seus desenhos e seus filmes de TV ( feitos nos anos 50 e 60 ), fizeram com que humanizássemos os bichos e os bosques. E isso mudou o planeta.
  Disney nos liberou para que cachorros fizessem parte da família, cavalos tivessem direitos e a vida selvagem parecesse gentil. Se nada disso é verdade não importa. Disney inventou verdades novas.
  Mas há mais. Foi ele o criador do parque temático, do filme de família, da mídia como ponto de venda, do evento multi mídia. A forma como vemos uma família ideal, filhos ideais, escolas ideais, natal ideal...tudo se tornou um tipo de Graal de Disney, e mesmo que voce não acredite na família sorridente, saiba que em sua mente essa imagem faz um apelo para voce. Basta ver que até casais gays querem viver dentro desse sonho familiar.
  Bichos antes de Walt eram apenas bichos não pensantes e não falantes. Havia quem os amasse. Mas eram ratos, não eram Mickey. E a família era a família paternalista e não a família engraçadinha e democrática irônica de Disney.
  Posso ainda dizer que Walt engloba a perfeição o sonho americano. Mas isso até Gates ou Rockefeller englobam.
  Esse caipira criou um rato e mudou tudo.
  Somos todos meio ratos.

CONSELHO PARA OS JOVENS

   Eu leio filósofos conservadores. Atuais, Leio porque eles escrevem bem e principalmente porque escrevem aquilo que eu creio. Neles vejo a confirmação do que sei. Mas percebo e reconheço que um filósofo é em 2016 algo tão inútil quanto um intelectual que se masturba diante de um espelho. É desperdício de energia. É esteticamente feio. E é risível. Scruton é venerável por ser um grande escritor. E por não ser apenas um filósofo...
   Nada mais triste que a lamentável figura de um professor que conheço. Pobre e revolucionário, acuado, ele só tem um "talento": dar aula de filosofia em escola do ensino médio. Impossível para ele ser vendedor, mecânico, engraxate ou advogado. Ele só fala sobre suas crenças politicas, só sabe dar aula e só pensa nisso. Não há outro assunto. Nada mais.
  Ele está morto. Apesar de jovem, todos sabem que aos 90 anos ele estará fazendo e dizendo exatamente aquilo que pensa e diz agora. Sua alma e sua cabeça morreram. Ele é um zumbi.
  Goethe era grande poeta. Mas era mais que isso. Era grande homem. Sua grandeza se definia pelo fato de que ele poderia ser pintor, químico, músico ou médico. O mesmo pode ser dito de Heminguay que lutava boxe, caçava e toureava. Ou Huxley com seus interesses por viagens, religião, drogas e pintura. Mesmo um homem que só pensava em música como Beethoven, tem a grandeza de um gigante porque sabemos que ele tinha talento para ter sido general ou um Papa. Scruton se interessa por vários assuntos longe da escrita. E quando escreve fala que devemos nos interessar por tudo.
  Esse pobre professor só pensa em um assunto: sua produção de espermas filosóficos.
  No ano de 2016 desconfie sempre de pessoas unilaterais. E de artistas que só pensam em arte. O desafio de nosso tempo, o Graal das grandes mentes se encontra na ciência. Só a ciência produz maravilhamento. A Capela Sistina de hoje não é coisa da igreja e nem da pintura. É da ciência.
  Ao artista, pois ainda há quem o seja com vocação sincera, cabe unir campos. Pintura misturada à química, literatura com teorias do acaso ou do tempo concomitante. Música que beba na física, dança que dialogue com a biologia. Filosofia matemática.
  Arte que seja arte "pura", distante da ciência será sempre saudosismo. Nostalgia de um tempo em que os grandes eram artistas. Hoje não são. Como não são politicos ou generais. Os grandes são cientistas.

AZEITONAS - MORT ROSENBLUM

   Por volta de 1999 a editora Rocco lançou uma série de livros sobre boa vida. Comprei na época 15 dessa coleção de 21. Os de Peter Mayle são deliciosos, mas nenhum é ruim. Este encontrei agora, num sebo. Rosenblum compra uma casa na Provence e topa com oliveiras no quintal. Passa a se interessar e escreve este livro.
   Ele começa delicioso, mas depois vira livro denúncia e perde força. A civilização do Mediterrâneo é descrita com beleza e verdade. O amor dos antigos pela árvore, sua presença em obras de arte, poesia, na Biblia. O calor do azeite, o valor comercial, o milagre que é uma árvore que resiste ao fogo, a inundações, pragas, que vive 500, 1000 anos. Mas depois ele viaja pelo mundo do azeite: Itália, Espanha, Tunisia, Palestina, Turquia e Grécia ( ele ignora Portugal, afinal, Portugal é Atlântico ). A Espanha é de longe o maior produtor de azeite do mundo. E a Itália é o grande vilão. O país compra azeite do mundo todo, mistura tudo e bota no rótulo made in Italy. Os melhores azeites seriam os franceses e os israelenses-palestinos, mas ambos são difíceis de achar.
  Há também a defesa da dieta mediterrânea, a dieta que salva o coração. Azeite, vinho e pão. Alho, cebolas e peixe. Mas Rosenblum deixa uma dúvida: os tais mediterrâneos viveriam muito por causa do sol, da vida mais lenta, do tempo, do ar. Como em NY ou Tokyo não se pode mudar o ambiente, passa a se acreditar na dieta dos povos mais solares...

COMO COZINHAR UM LOBO - MFK FISHER

   É o segundo livro de Fisher que leio. Este foi escrito durante a segunda guerra. O lobo é a fome que rondava a América. Porque mesmo sem conflito em seu território, o país sofria com a falta de comida. Todo o poder americano ia para o esforço de guerra, e assim faltava tudo, de manteiga à gas, de trigo à carne.
   Com seu estilo brilhante, ela ensina a fazer boa comida com pouco, muito pouco dinheiro. Devo admitir que nada do que ela ensina parece muito bom. É comida de guerra e hoje vale mais como curiosidade histórica. Mas uma coisa, ainda viva, se percebe no texto, coisa da qual Fisher fala com raiva em 1942 e que repercute ainda em 2016: O puritanismo americano que se revela inclusive no modo de comer.
   Comida não pode ser sensualidade no modo puritano de pensar, e assim o ato de comer é modo limpo, prático e rápido de se matar a fome. Sempre que um jantar se revela algo mais que isso, é logo chamado de estrangeirismo, europeísmo ou ostentação pecaminosa.
   Americanos comem pão branco que não cheira e não tem gosto, bebem café preto ralo ou chá, e almoçam milho, ervilha, batata e carne, tudo feito do modo mais simples e em grande quantidade. Inexiste o prazer do molho que leva horas para ser apurado, se desconhece o azeite, o vinho, o cozido que é temperado dias antes, os miúdos, as frutas em doces mirabolantes. A cozinha americana em sua raiz é austera, rígida, sem cheiro, sem consistência e muito cinzenta.
  Hoje muita coisa mudou. Mas nos programas de TV continuamos a ver que 90% do que eles comem é composto de coisas fritas em gordura e doces grosseiros. Azeite continua a ser esquecido, vinho só em celebração, vegetais mais nobres só como ostentação.
  Assim como acontece com seu modo de retratar o sexo ( varia entre coisa doentia ou festa de teenagers ), a comida aparece como mais uma função física do que um prazer da alma.
  No Brasil urbano é quase a mesma coisa. Carne frita, arroz e feijão devorados para matar a fome. Mas revelamos nossa latinidade católica em nossas batidas de frutas, nos doces lusitanos, no tempo para fazer uma feijoada decente. O Brasil do churrasco é o novo Brasil. O velho é aquele da feijoada com caipirinha.

O ANO DA LEBRE - ARTO PAASILINNA

  A editora Bertrand Brasil está lançando alguns livros da moderna literatura finlandesa. Este  O ANO DA LEBRE, lançado originalmente em 1975, é o mais popular livro do país, tendo sido traduzido em 40 línguas e vendido mais de 7 milhões de exemplares. É o livro que todo finlandês conhece.
  Um jornalista de 35 anos atropela uma lebre. Ele cuida dela. E a partir daí sua vida se torna outra. Vatanen, o nome do jornalista, se torna livre. Abandona o emprego, larga a esposa, sai de Helsinque e passa a vagar pelo país, ele e a lebre. Consegue pequenos trabalhos, caça um urso, conhece uma mulher, se mete em brigas, foge, apaga incêndios, anda e corre.
  O estilo é estranho. As frases são curtas, extremamente simples. Não tenho como saber se isso é característico ao idioma finlandês, mas é um estilo seco, duro, objetivo. Não espere do autor algo de simbólico, de místico ou poético em seu romance. O que se conta é aquilo que é contado. A história fala de um homem e seu bicho. Da procura pela solidão. E da liberdade como movimento. Apenas isso, nada mais.
  É um livro estranho. Bem estranho.

[Opening Credits] Fat City (1972)



leia e escreva já!

CIDADE DOS DESILUDIDOS ( FAT CITY ), UM DOS GRANDES FILMES DE JOHN HUSTON.

   Chesterton diz que no inferno o pior sofrimento é a falta de esperança. Huston foi o diretor daqueles que a perderam. Dentre sua imensa variedade de temas, o ponto em comum é esse, ele fala dos desesperançados. Do Falcão Maltês até Os Mortos, esse seu interesse central.
   Este filme, de 1972, começa com uma das mais belas canções de Kris Kristofferson. "Ajude-me a atravessar a Noite", um country tão bonito que Bryan Ferry o regravou em 1974. Enquanto a música ecoa, vemos cenas de Stockton, gente pobre nas ruas, cenário de terceiro mundo. Numa academia, um cara, Stacy Keach, boxeia. Ele se aproxima de um garoto, Jeff Bridges, eles lutam, e o veterano dá ao novato a ideia de se tornar lutador. Até o fim do filme os dois não se verão mais.
  O novato passa a treinar, luta algumas lutas fuleiras, perde, ganha, perde mais. O veterano tenta voltar e é surrado. Além disso ele bebe muito, ganha trocados colhendo cebolas, e mora com uma mulher, Susan Tyrrell. Nunca vi na história do cinema um casal mais lamentável. Ela é chorona, bêbada, feia de dar medo, de uma mediocridade que beira a caricatura. Não sei se Susan Tyrrell tem uma interpretação genial, ou se é tão ruim que se torna sublime. É aterrorizante.
  Huston diz em sua biografia que ele queria Marlon Brando ou Paul Newman para o papel que foi para Keach, ator da moda na época. Huston detestou o trabalho com Keach. Injusto. Ele está ok. Se a gente ficar pensando no que Newman e Brando poderiam ter feito com um papel tão rico...bem, aí seremos injustos com Stacy Keach. Quanto a Jeff Bridges, engraçado pensar que dali a pouco mais de 30 anos ele seria "O Dude". Seu personagem pode ter sido "O Dude" aos 19 anos.
  O filme é hipnotizante. Ele anda com a segurança de um diretor gigante que dessa vez está a fim de filmar. ( 50% dos filmes de John Huston foram feitos só pra pagar dívidas ). E há a cena final:
  Os dois boxeadores se encontram na rua. Vão à um bar. E lá dentro temos uma das mais perfeitas e reveladoras cenas do cinema. Um tipo de cena que só poderia ter sido feita nos anos 70, o auge do pessimismo em filmes. Essa cena eleva o filme, até então ótimo, para o patamar do genial.
  Veja,
  PS: Os coadjuvantes, gente como o dono da academia, o garoto negro lutador...são dignos do melhor neo-realismo italiano. De Sica os adoraria!

A FISIOLOGIA DO GOSTO - BRILLAT-SAVARIN, A BÍBLIA

   Em 1825 Brillat-Savarin, politico, bon vivant, homem de letras, lança este seu único e despretensioso livro. Nele, ele fala de comida, da fome, da gordura, de jantares, de química, de história. Conta memórias centradas no prazer de comer, no afeto a amigos, na evolução de hábitos. Foi meu amigo Fabio Pagotto quem me indicou este livro, uma edição bonita da Companhia, de 1995. Belo livro. É o inicio da moderna gastronomia, no sentido de aqui se iniciar o livro não como simples "livro de receitas", mas como obra sobre o ato de se alimentar.
 O estilo é o do século XVIII. Savarin era leitor de Voltaire e de Bossuet, e mesmo sendo o livro de 1825, seu estilo é aquele dos 1700. É brilhante, leve, muito refinado, bastante malicioso, e extremamente civilizado. Leio a primeira linha e imediatamente sinto a música da época mais civilizada do mundo. É como ouvir Mozart ou Vivaldi, estamos longe da barafunda romântica. Nada de confissões, são linhas de gosto. Muito bom gosto.
 Se comia muito naquele tempo. E se bebia mais. Os jantares têm perú, cabrito, peixes, ostras, saladas, frangos, perdizes, javalis, tudo servido inteiro, às centenas. São refeições de cinco horas, cada um bebendo de 4 à 6 garrafas de vinho, sobremesas de frutas, compotas, bolos, geleias. Café e chocolate, açúcar, licor. O autor fala de como o café surgiu, da chegada do chocolate à Europa, da febre por açúcar, dos novos licores. É um mundo de abundância e de pouco cuidado com a saúde, um mundo de prazer irregrado.
 Uma leitura deliciosa.

SEXO SEM CULPA

   Culpa é ruim. Claro que é. Uma amiga me conta não ter culpa no sexo. Ser bem resolvida. Sexo pra ela é sempre bom. Bem bom. Eu só ouço e falo um sim. Mas penso no tesão maravilhoso que me dá quando penso estar penetrando na zona do pecado. A culpa às vezes pode vir junto, ou não, mas comer do fruto proibido dá uma sensualidade húmida, escura, rubra, inesquecível.
  Essa praticidade sexual é que tem feito com que por um lado cada vez mais os jovens se desinteressem por sexo. E por outro com que se procure o tesão em coisas bobas como sexo com vegetais, sexo em lugares muito perigosos ou sexo com sufocamento. O simples tesão que havia no sexo com uma mulher casada, hoje representa apenas mais um casinho saudável. Mesmo o sexo gay está perdendo seu caráter de transgressão, assim como aquele entre namorados menores de idade perdeu a muito. Faz-se sexo grupal, troca-se de casal, transa-se com um desconhecido, e nada disso parece mais que um casinho gostoso.
  Talvez pela fé no pecado a gente tenha super valorizado o sexo. Talvez ele seja apenas uma função corporal. Talvez o casinho gostoso seja o máximo que ele possa ser. Desse modo, sem o véu do pecado, do perigo, a pimenta da transgressão, o sexo seja sagrado e pleno apenas quando misturado ao encontro de amor, à paixão plena, ao absoluto.
  Então, quem sabe, essa geração que vê no sexo apenas corpo em movimento à procura do gozo, esteja muito mais próxima de um dia entender que sexo só é importante com amor. E assim, livre de fantasias pecaminosas dê a cada coisa sei valor devido.
  Mas essa minha amiga, quarentona, geração "curto o corpo numa boa", paga o pato por pensar ser amor e sexo a mesma coisa. Esvaziou o sexo de suas amarras e tentou fazer do amor apenas e nada mais que "cafuné bom", "transa que fica", "cheiro gostoso".
  Nem lá nem cá. Talvez a molecada de hoje venha a saber a verdade.

MURO DO CHORO

   Observo numa aula o modo como os estudos de literatura e de história, seja brasileira ou portuguesa, aqui no Brasil, se voltam para o momento da ditadura. É como se fossemos obrigados a revisitar todo o tempo aqueles anos de chumbo. Desse modo, toda a produção literária que não fala do tempo de Salazar ou dos generais, fica relegado ao segundo plano, como se mal existisse.
  Se a intenção é fazer com que os jovens não caiam mais nesse erro, se é evitar a repetição da história, o tiro sai pela culatra. Os jovens mal prestam atenção nisso. O canto da sereia do dogmatismo tem várias partituras, a história pode se repetir com outro perfil e outra cor.
  Mas se a intenção, outra, for a de colocar o oposto às ditaduras no altar dos heróis, eis um erro ainda pior. Pois o que se exalta nessas aulas nunca é a liberdade, o que se exalta é a dor e a falta de sentido. A maldade do arbítrio.
  Isso está fazendo com que história e estudos literários se tornem aulas tristes, ranhetas, ressentidas e muito, muito chatas. Um tipo de muro das lamentações, um choro sem fim e sem solução. Sem catarse.
  Por isso a irrelevância em que elas estão caindo.