Jackson Browne "Sing My Songs to Me / For Everyman"



leia e escreva já!

A HORA DE CRESCER SEMPRE CHEGA...FOR EVERYMAN, UM DISCO DE JACKSON BROWNE.

   A hora de crescer sempre chega, sonhos terminam quando temos de acordar e a união pode se mostrar uma prisão. Jackson Browne começa sua carreira em 1967 como compositor de NY, urbano. Dá uma canção para Nico que a grava. Depois o reencontramos em 1971, californiano, dentro da vaga de compositores e cantores do estado do sol e das estradas sem fim. O tema de todos esses caras é o ficar adulto. Jackson talvez seja o melhor deles. ( Joni Mitchell, Randy Newman, James Taylor, Carly Simon, Paul Simon, Eagles, Carole King, Poco...todos beberam em The Band e Van Morrison ).
   Este é seu segundo disco, de 1973, e tem, como todo disco da turma, grandes músicos e grande produção. Aqui o destaque é a guitarra de David Lindley, um dos gigantes do instrumento, dono de um toque cigano, rock e blue. A voz de Jackson é cool, sua emoção está sempre sob controle, mas nunca reprimida. O timbre é jovem, voz de homem saudável, voz de californiano. Mas seus temas são todos dolorosos. Ele fala de solidão. De perder coisas. De acordar. E de ver a morte. Pense no som que um casal de ex doidos viciados escutariam para tentar se curar. Pense que eles estão acampados em Yellowstone. Pense que os dois escutam um disco de manhã, enquanto tomam café. É este o disco.
  Jackson é uma figura central na história do Pop dos anos 70 e 80. Ativista, relaxou sua produção, gravou pouco e se apresenta menos ainda. Continua sendo um homem bonito. Continua sendo o "americano alfa". Este disco é lindo.

RIMAS DA VIDA E DA MORTE - AMÓS OZ

   Amós Oz faz aqui um curto relato em tamanho, mas longo em duração. Um escritor vai ser homenageado, e para quebrar a banalidade da coisa, ele imagina a vida de cada pessoa que encontra. Desse modo, a leitora de um trecho do seu livro passa a ser uma tímida fã; o crítico que tece elogios é um chato; um jovem poeta se faz um adolescente suicida, a garçonete de um café se revela uma perturbada...e vai por aí. O livro é de um realismo duro, e o prazer passa longe de sua leitura. Mas ao mesmo tempo ele revela insights profundos, mostra de forma muito simples e muito convincente a riqueza que há na vida isolada, miserável, banal e única de cada pessoa. Todos são marcados pela dor, pelo medo e pela solidão. Cada personagem está á beira do choro todo o tempo.
  Entre eles, a geografia e a cultura de Israel faz presença unificadora. Todos e tudo estão fincados no passado e no agora do país. Eles são a nação, eles são o lugar.

VIDA SEXO E MORTE

   Estou lendo um livro de Amos Oz, e nele um dos personagens diz que o contrário-complementar de vida não é morte, mas sim sexo. Isso porque o oposto de uma coisa é aquilo que existe com ela, uma não pode existir sem a outra. Não há luz sem antes haver escuridão e a luz destrói a escuridão ao mesmo tempo. Onde há luz a escuridão não há, mas onde há escuridão, a luz também não existe. Simples isso. Mas vamos à vida e morte.
  A vida quando nasce, eis o pensamento comum, traz em si a morte, seu oposto. Onde haveria vida não haveria morte. Ou se está vivo, ou se está morto. O personagem diz que não é assim. Como?
 Por bilhões de anos a vida existiu sem que a morte existisse. Os primeiros organismo vivos, os unicelulares, não morriam. Eles se dividiam em reprodução assexuada. Cada um se tornava vários e esses vários eram os mesmos que os uns. E mesmo esse um original, misturado a seus descendentes, não morria. Pode haver um vírus original que ainda vive por aí. Não há como saber, pois ele é igual a seus descendentes. Isso prova que a morte não surge no universo junto com a vida. Ao contrário da luz, que só pode existir em oposição ao escuro, ou da alegria, que só pode ser percebida em meio a tristeza; a morte passa a existir muito depois da criação da vida.
   A morte começa a existir apenas nos organismos sexuados, sejam vegetais ou animais. É com a reprodução sexual que nasce o envelhecimento dos organismos e a inevitável morte. Portanto o oposto à vida é sexo e não morte.
  Por intuição, todo poeta sabe disso. Que ao entrar na vida sexual começamos a morrer. Mas o mais impressionante é a intuição da Bíblia, onde a morte nasce com a expulsão do Paraíso, que é consequência da consciência da diferença entre os sexos. Adão perde a imortalidade ao conhecer, e o conhecimento traz o tempo que traz a morte.
  Eis um tema digno de uma vida.

BECK HANSEN-STEELY DAN-RAEL-O QUE É NOVO?

   Para os que me acompanham fora do Brasil, Rael é um novíssimo cantor e compositor daqui. Supostamente ele faz música para jovens. Supostamente, música jovem. Ok.
   Ouço hoje Odelay!, do Beck Hansen. O disco tem já 22 anos! E sim, está encapsulado em seu tempo. É um disco de 1996. Voce ouve e lembra na hora de Beastie Boys, Sonic Youth e os Dust Brothers. Voce lembra de uma América estranhamente pessimista e ao mesmo tempo cheia de energia. O disco é genial, mas será ainda instigante? Vejo 3 alunos de 16 anos escutando o disco pela primeira vez. Não se apaixonam pelo cara. Mas acham "legal". A questão é: Para eles, anestesiados por um milhão de músicas nos ouvidos por dia, alguma coisa pode ser mais que "legal"?
   Não se discute aqui se Beck foi hiper valorizado em seu tempo, claro que não foi, ele pode ter sido até sub valorizado, pois não tinha glamour, o glamour que os Pumpkins tinham e depois os Radioheads tinham. O que discuto é se nesse Kosmos de sons sem fim, ainda se pode sair do anestesiamento e se apaixonar por um som por mais de um mês. É como um "Donjuanismo" sonoro: Voce ouve e ama tanta coisa que perde o dom de amar.
   Posto o som dos Them de onde saiu o riff sublime de devil haircut.
   O Steely Dan nem devia estar neste post. Mas é que ouvi todos os discos dos caras. É atemporal. E por isso, em 2076 ainda será amado. Ou pelo menos será "muito legal".

UM MUNDO MORTO E ENTERRADO BEM FUNDO: LENDO "AS PALAVRAS NÃO SÃO DESTE MUNDO" DE HUGO VON HOFMANNSTHAL

     Existem livros escritos em certas épocas que não parecem tão mortos quanto os livros escritos na Vienna de 1900. Lendo Chaucer por exemplo, autor medieval, sinto uma coisa viva, vibrante, quase completamente contemporânea. A literatura do século XVIII em grande parte está dando pulos de saúde. Mas os autores da cultura Austríaca de antes da guerra parecem existir em um mundo perdido, tão distante de nós quanto o barroco. É um mundo de beleza, é um mundo que deve ser conhecido, mas ele é frio, sem movimento, e fala de coisas que nos são muito estrangeiras. É como ler algo escrito por um plutoniano.
    Hugo Von Hofmannsthal foi um gênio. Poeta, dramaturgo, contista, ele é o centro aristocrático dessa cultura. Viveu entre os anos finais do século dezenove e os anos 20 do século XX. Neste livrinho lançado agora pela Ayiné, bela capa, podemos ler a correspondência entre o poeta aos 20 anos e um amigo de mesma idade. O amigo é marujo aprendiz e viaja pelo mundo todo. O poeta se prepara para ser soldado. Apesar de serem ambos da elite, é isso que se espera deles, a vida militar. O amigo é pessoa triste, perdido, inconformado. O poeta já revela a pose olímpica de um literato de então. Há nele muito do espírito de Rilke e de Wiittgeinstein. É a cultura do distanciar-se da vida e da não confiança em relação às palavras.
   O poeta diz que as palavras são coisas fora da vida. Que a vida são impressões recebidas pela alma, e as palavras são apenas uma coisa paralela, irreal, criação artificial do homem. O poeta tenta unir alma e palavra, ação impossível, mas se tenta mesmo sabendo ser um fracasso contínuo.
   É bonito perceber como os dois mudam em 3 anos de cartas. E em como a troca de carinho entre eles é até chocante para nós. Somos muito mais frios. Nossa cultura caminha para a indiferença desde sempre.
   Ser um gentleman é o grande objetivo dos dois, há um amor pelas língua inglesa. Gentleman é para eles: ter cultura e bons modos, não se exaltar sobre nada, sofrer a dor sem se deixar abater. Os dois amigos seriam hoje tratados como bipolar.
   Leia este livro curto e simples. É um belo passeio por duas almas adolescentes.

UMA COMPARAÇÃO ENTRE DOIS MUNDOS.

   Leio em seguida a Ilíada este livro de 1440. É um choque absoluto. E serve, muito, para expor o que mudou entre esses dois mundos tão opostos.
   A Imitação de Cristo foi, no começo do livro impresso, um best seller. Todo cristão deveria o conhecer de cor, e toda Europa era então cristã. Poderíamos dizer inclusive que o século XV foi o último século do cristianismo como união europeia. Em seguida viria Lutero.
   Thomas de Kempis nasceu perto de Colônia, na Alemanha. Foi padre agostiniano e morreu aos 91 anos. Seu mosteiro ficava na Holanda e lá ele era responsável por receber os noviços. Seu livro, sucesso desde sempre, ensina a seguir os passos de Cristo. Pode ser resumido em 3 preceitos:
1- Devemos viver dentro de nós mesmos, pois é lá que Deus fala conosco.
2- Devemos estar prontos para a dor, pois viver é sofrer.
3- Devemos negar a vaidade. A humildade é o que nos leva ao caminho.
   Na Ilíada existe dor. Ao contrário do que pensam os anticristãos, a vida na Grécia era tomada pelo medo. Os deuses vigiavam o mundo e esses deuses eram imprevisíveis. É estranho ver que nenhum deles tem uma ética. São deuses imprevisíveis e temperamentais. Tudo o que o homem pode fazer para os agradar é homenageá-los com sacrifícios e templos. Cada dia e cada manifestação da natureza pode ser um presságio. O homem da Ilíada vive assustado e em guerra.
  No cristianismo há uma negação de tudo isso. O cristão conhece a Lei de Deus. São regras claras e se não forem seguidas, voce é livre para as negar, as consequências não virão aqui e agora, elas cairão sobre o homem no futuro. Agradar a Deus é negar o mundo da natureza, é viver dentro de si, isolado do mundo. Não se assuste com esse "negar o mundo". Pode haver caridade, mas o centro dessa fé é a busca por Deus dentro de si mesmo. E Ele se encontra na negação da vida e na negação do eu. Eis a grande mudança: na Grécia e no mundo antigo, o herói é aquele que tem um ego imenso. São vaidosos, arrogantes, violentos, se impõe pela força. Aqui, a partir de Jesus, o herói nega seu próprio valor. Ele é apenas mais um, o último dos últimos. Não tem força física, não tem vaidade, na verdade a odeia, não se vê como nada mais que um pecador, um trapo, um ser feito para padecer. É um tipo de herói não heroico, um herói inconsciente, um herói que se manifesta em bondade e altruísmo por graça de Deus e jamais por mérito próprio.
   Esse cristianismo se perdeu. Mas foi hegemônico por 1000 anos ( de 500dc à 1.500 mais ou menos ). Com a ciência o homem sai de dentro de si e passa a valorizar o olhar sobre as coisas. Conhecer deixa de ser entrar para seu centro e passa a ser ir ao mundo e o explorar. Esse o credo dos últimos 500 anos.
   Um belo livro este.
  

The Iliad - what is it really about?



leia e escreva já!

LENDO A ILÍADA ( FINALMENTE )

   Compro em um sebo uma versão do livro de Homero. Capa dura, com ilustrações, tradução de Carlos Alberto Nunes, edição de 1962. Felizmente a tradução é em versos e devo dizer, é belíssima!
  Poetas já falaram que foi Homero o maior dentre eles. Por ter sido o primeiro, ele está ao lado da fonte de onde brota o impulso de cantar. Agora, conseguindo o ler, quase concordo com isso. A leitura flui como rio e sinto um prazer imenso enquanto leio as descrições de batalhas, presságios, cenários, dúvidas. Tudo surge com ares de sonho, de algo que sempre esteve ali. Para nós, cultos do ocidente, ler Homero é como escavar uma raiz.
  Os guerreiros guerreiam, os deuses tramam, matam-se bois, invocam-se deuses, mais guerra, muitas mortes, descrições de vísceras. Mundo onde se come carne, se raptam mulheres, se guerreia e se sacrifica bois aos deuses. Mundo onde o humano e o divino estão completamente unidos. Os deuses estão conosco todo o tempo, e tudo o que fazemos e sentimos é por eles ditado. Deuses que são como nós, as mesmas falhas, as mesmas paixões. Única diferença: deuses não morrem.
  Dizem que a Ilíada era tudo que um grego precisava saber para viver. Eles decoravam o poema e o usavam para se guiar na vida. Penso eu que 2.600 anos mais tarde, a Ilíada nos ensina a morrer. Há algo naquela profusão de mortes que faz dela um ato mais que natural; uma parte certa e nobre da vida.
  E você se pega dentro do canto, pois ela era cantada, você se pega súbito contemporâneo de Heitor, de Ajax, de Glauco. Um tipo de hipnose se faz. Palavras longas passam a ser faladas com facilidade, nomes gregos são conhecidos como vizinho, sua mente encontra um tipo de ritmo, a Ilíada se torna terapia. Eis nossa raiz, guerra-deuses-morte-sacrifício. Eles vivem em ação, atos que estão concatenados a outros atos. A vida dessa Grécia, antes de Platão, antes da filosofia, é uma vida que flui sem parar, flui em ação não segmentada, flui em fluxo contínuo.
  Há algo de tolo de minha parte em falar de Homero. Infelizmente Homero é hoje tema apenas de filólogos, linguistas, antropólogos...Sou tolo por falar da obra apenas como leitor, apenas como alguém que tira prazer da leitura. Pois me surpreendo ao conseguir ler sem esforço, naturalmente, musicalmente.
  Não sei o que mudou em mim. Antes nada entendia e logo desistia. Mas agora...será mérito da boa tradução?