1973, UM ANO FODA PARA A MPB ( AINDA NÃO LI ESTE LIVRO, VERSÃO BRAZUCA DO 1965 )

   1973 foi um ano foda. Escolheram esse ano pra fazer um livro. Os gringos optaram por 1965. Sim, para o pop estrangeiro eu teria escolhido 1972, mas ok, 65 foi foda também. Pra MPB tem de ser 73, não tem opção. Foi o ano dos Secos e Molhados e isso justifica tudo. Mas foi também o ano do Steve McLean, que era brasileiro, do samba dito "joia", do Benito di Paula, do Martinho e dos Originais do Samba. Da Clara Nunes. Foi o ano da Rita Lee e do Raul Seixas. Maracatu Atômico e Antonio Carlos e Jocafe. Foi ano do brega legal de Odair José. "Irmão, vamos seguir com fé, tudo que ensinou, o homem de Nazaré..." essa é do Antonio Marcos. " De onde ela veio pra onde ela vai...oooo não tem ninguém...", foi um ano muito romântico!
  Fora do Brasil foi ano do Dark Side of The Moon, do Houses of The Holy, do Billion Dollar Babies, do Berlin, do For Your Pleasure, do Alladin Sane, do Sabbath Bloody Sabbath, do Goodbye Yellow Brick Road, isso só em rock branco. A banda revelação do ano foi o Queen. 1973 foi mais foda ainda porque eu liguei o rádio pela primeira vez.
  Estava sozinho em casa numa manhã de sábado e pela primeira vez girei o botão, ele fez clic, e ouvi rádio por vontade própria pela primeira vez. Mais ainda, girei o dial até a Difusora! E escutei " Leve...muito leve leve leve pluma....muito leve leve pluuuumaaaa...." Agora eu era dono do meu gosto musical.
  Diz um psicólogo que aquilo que a gente ama aos 11 anos a gente ama pra sempre. Então 1973 é pra sempre.

The Zombies - This Will Be Our Year



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ODESSEY AND ORACLE - THE ZOMBIES E A INFANTILIZAÇÃO DO MUNDO.

   As crianças nascidas entre 1940-1950 foram salvas de Hitler por seus pais e seus avôs. E, crescidas no momento mais rico da história do planeta ( falo de Europa, EUA e Japão ), passaram a não precisar se matar de trabalho e passar fome por toda a vida. Nunca antes tanta gente teve tanto, seja em bens materiais, seja em tempo livre. Ócio leva ao tédio, tédio leva à raiva e raiva trouxe a liberação dos desejos. O mundo dos pais passa a ser o mundo errado, o mundo dos jovens é o mundo da paz e do amor infinitos. Hippies se chamam de "crianças da flor", a consequência desse "mundo mágico de neverland" vemos hoje. Desejo não é poder, mas para "as crianças da revolução", é sim.
   O rock conduziu essa revolução e este disco é um retrato do momento. Os Zombies, banda inglesa, faz no final de 1967 um disco, hoje cult absoluto, que condensa os 3 momentos chave das crianças inocentes: Beach Boys, Love e Mammas and Pappas. Cada faixa é uma citação, nunca plágio, de uma faixa das bandas de LA, a terra do sonho. Harmonias vocais doces e sinceras, arranjos flutuantes, sensibilidade à flor da pele, inocência assexualizada, bosques sem feras. Eles jamais atingem a glória de Brian Wilson e muito menos a acidez que torna Arthur Lee tão perfeito ( o Love tem uma agressividade que nenhuma dessas bandas tem, por isso é de longe a melhor ), os Zombies são belos, nunca instigantes.
  Hoje seu som é o som indie. Seu disco ficaria muito bem num set de uma banda "nova" em um festival de 2018. Por isso este é um disco tão cult agora. Infantil todo o tempo.
  Claro que Bowie, Lou ou Cale nada têm de infantil. São irônicos com tudo aquilo. Mas são minoria e representam um momento fugaz. O RAP também surge adulto e logo se torna uma brincadeira com armas e videos pornô. O querer é poder se instala em todo meio e serve para justificar tudo, do terrorismo ao pansexualismo. Este disco mostra o parto desse espírito do tempo. Nunca mais seremos adultos. A não ser que uma catástrofe nos jogue no mundo real outra vez. Coisa que pode ter certeza, eu não desejo.

ENSAÍSTAS INGLESES, NA CAÇA DE LIVROS RAROS

   É sempre uma grande prazer caçar um livro raro. Dizem que o homem que caça livros, discos ou pinturas raras está sublimando seu instinto de caçador. Ou de Don Juan. Eu tenho fé em que caçar um livro é caçar um livro. Pensar em sublimação é sublimar a realidade.
  Entro na livraria e vou aos livros raros, velhos, sem reedição. Pego um volume de 1950, capa dura e em excelente estado. Ele trás uma coletânea de ensaístas ingleses. Onde mais eu acharia em português autores como o Dr. Johnson, Addison, Ruskin ou Pater? A tradução é ótima e os textos escolhidos excelentes. Começa com Bacon, segue por Cowley, Fielding, MacCauley...textos que variam entre humor e política, história e crítica de arte.
  Destaco Steele com O Café, retrato delicioso sobre os cafés do século XVIII em Londres. Fielding brilha no Ensaio sobre o Nada, onde ele demonstra o valor do Nada. Hume dá conselhos de como se escrever bem, e Hazlitt fala do mal de se ter alcunhas. Carlyle ataca a ópera, a chamando de vulgar, tola e vazia; mas é Thomas Macauley que domina o livro com suas 100 páginas sobre Frederico, o grande. Uma soberba história sobre este conquistador do século XVIII, rei que ergueu a Prussia contra a França, Austria e Russia. Um texto histórico que informa, eleva, tem suspense, ritmo e erudição.
  Voce que me lê talvez nunca tenha ouvido falar em Macauley. Ou mesmo no Dr. Johnson. Sem problema. Saiba que antes dos anos 60 e do desconstrutivismo, esses eram autores obrigatórios para aqueles que estudavam a cultura em lingua inglesa. Saíram de moda, e hoje talvez apenas Fielding e Bacon são estudados fora da Inglaterra. Uma pena. Estes textos, todos, exalam cheiro de cultura, de conhecimento, solidez e um tranquilo bom senso. Bela aquisição.

SOLAR, DE IAN McEWAN. MAIS UM GRANDE LIVRO.

   Me lembrou Saul Bellow. O clima desesperado e niilista, o "herói" falho, desagradável. Mas Bellow tem mais humor, McEwan é mais lírico. O lirismo dos que secaram. O livro, divertido, ágil, criativo, maravilhoso, acompanha a saga de Michael Beard, um físico mulherengo, feio, de meia idade, egoísta, vaidoso, assassino, ladrão, tolo, infantil. Ele "cria" um modo de produzir energia limpa e barata. Ganhador do Nobel, ele viaja ao Novo México, ao Polo Norte, bebe demais, come como um urso. O autor consegue conduzir esse caos com elegância, leveza, charme e jamais tomando partido explicitamente. Não é um livro panfletário, longe disso, Ian McEwan consegue dar explicações claras sobre física, química, sobre a diferença entre ciência e humanidades. Sua descrição do politicamente correto é hilária, uma crítica exata.
 Ian McEwan é o autor que deveria ter ganho o Nobel, mas suas posições politicas pouco claras o impedem de vencer. O mundo de hoje não entende e não tem a capacidade de entender a sutileza, a imparcialidade. É um tempo de branco ou preto. McEwan tem todas as cores.

CINEMA JAPONÊS, FICÇÃO CIENTÍFICA E UM PEQUENO GRANDE FILME.

   ARTISTA DO DESASTRE de James Franco com James Franco, Dave Franco
James ganhou o Golden Globe de melhor ator de comédia por este pequeno grande filme. Ele é Tommy Wiseau, um maluco que por não conseguir ser ator, resolve fazer seu próprio filme. A atuação de Franco é sublime. Melhor que Gary Oldman, mas que por ser menos "nobre", acabou por perder um merecido Oscar. O Tommy que ele faz mistura o patético com o ingênuo, o sublime com o baixo e reles. O filme flui com leveza e toca em um tema forte: o sonho, a ideia de se construir seu mundo próprio. Tommy é um Bowie sem talento, um cineasta que se lança como estrela antes da obra, mas que fracassa por não atingir aquilo que propôs. Esse homem existe, e seu filme, The Room, é tão ruim que virou cult e fenômeno pop. Veja este belo filme.
  SONATINE de Takeshi Kitano
Começa meio mal este coloridíssimo filme violento que revelou Kitano para o mundo. Depois ele vira um original e muito divertido filme sobre a máfia do Japão. A fotografia é criativa e os personagens são muito bem bolados. É diversão certa.
   FLOR SECA de Masahiro Shinoda com Ryo Ikebe e Mariko Kaga.
Uma obra prima. Um antigo gangster sai da prisão e se envolve com uma viciada em jogo. O filme é absolutamente moderno e de uma beleza estética jazzística e moderna perfeita. A trilha sonora beira o genial e o casal central une beleza com estilo. O filme é uma aula de cinema. Uma mistura bem dosada de Melville com Kurosawa e Clair. Cada cena é uma criação. Estimulante e existencial.
   A MARCA DO ASSASSINO de Seijun Suzuki com Joe Shishido
Bastante erótico, amoral e com cheiro dos anos 60, este é um filme feito de estilo e mais nada. Vazio, ele é apenas uma coleção de cenas bem filmadas e ágeis. Apesar de seu vazio ele funciona. Voce o assiste com prazer e Joe é um ator tão fora do padrão que fica em sua memória.
  ELES VIVEM de John Carpenter
Dizem nos extras que ele é cult, mas acho que não. Ele é inacreditável de tão ruim. Nos extras Carpenter diz ter feito uma crítica à Reagan, mas o que vemos é uma besteira terrível. Mal escrito, com atores ruins, fala de uma invasão de ETs yuppies. Nem como humor serve. Uma das maiores bombas que já vi.
  A AMEAÇA QUE VEIO DO ESPAÇO de Jack Arnold
Com roteiro de Ray Bradbury, eis um pequeno filme de sci fi que honra o gênero. Um meteoro cai no Arizona e apenas um homem percebe se tratar de uma nave espacial. O filme é pacifista e tem boa dose de suspense. Arnold foi uma dos melhores diretores dos anos 50 em filmes B.
  O PLANETA PROIBIDO de Fred Wilcox com Leslie Nielsen e Anne Francis.
Um clássico. A MGM resolve, em 1956, fazer seu primeiro filme de ficção espacial, e o faz com o padrão MGM, ou seja, caro. É então o primeiro filme desse gênero com custo elevado. Deu prejuízo e só dali a dez anos, com Planeta dos Macacos, ela voltaria a tentar. O filme, que usa A Tempestade, de Shakespeare, como guia, é bom, às vezes ainda surpreendente. Os efeitos são bonitos e o robot é cheio de charme. Walter Pigeon rouba o filme como o homem que cria um mundo dentro de um planeta vazio. O filme merece toda a fama que tem hoje.
  OS MALDITOS de Joseph Losey
Feito em 1961, ele mostra em sua primeira parte, a realidade dos teddy boys ingleses de então. E nisso ele antecipa certo clima de Laranja Mecânica. Oliver Reed tem a raiva que o papel pede. Depois vira um assustador filme sobre a ameaça da bomba atômica. Losey, um dos mais pessimistas dos diretores, faz um filme desagradável, niilista, sem alivio. É um filme doente. Esse americano, que precisou fugir do maccartismo e depois fez brilhante carreira n Inglaterra, nunca é desinteressante.
   FUGA DO SÉCULO XXIII de Michael Anderson com Michael York e Jenny Agutter
Lembro bem desse filme. Li sobre seu lançamento no Jornal da Tarde, em 1977. Poucos filmes de então foram tão malhados pelos críticos. Foi chamado de ridículo, estúpido e oco. Lançado no ano de Star Wars, já pareceu ultrapassado ao nascer. Todo filme de ficção lançado naquele ano e nos seguintes sofreu a maldição de não ter os novos efeitos de Lucas e Dykstra. Mas hoje, 40 anos depois, este filme tem sido visto como uma boa diversão. O que em 1977 parecia idiota, hoje é aceito. Mal sinal para nosso tempo. O assisto sem preconceito e acho-o mal feito, infantil, com atuações abaixo da crítica. Mas nunca pior que um filme médio da Marvel ou da DC. Na verdade a história é melhor aqui. Fala de uma sociedade onde não se pode envelhecer e nem falar da morte. Me diverti em que pese Peter Ustinov ter um dos piores desempenhos que já vi. Ele faz um "velho adorável" que justifica o mundo sem velhos.
 

LEONARDO DA VINCI - WALTER ISAACSON

   Isaacson é autor de uma muito vendida bio de S. Jobs. Ele diz, logo no início, que tudo o que guardamos na net será perdido em no máximo 50 anos, mas que o que Da Vinci escreveu, milhares e milhares de páginas não publicadas, permanecem conosco 500 anos depois de sua morte. Leonardo escrevia muito, cadernos enormes onde vemos desenhos de cadáveres ao lado de fórmulas para evitar enchentes, flores ao lado de esquemas solares, rascunhos de pinturas com modelos de armas. Leonardo amava o mundo e sua curiosidade não tinha um limite. Se ele via o azul do céu, ele queria saber porque ele é azul, se via uma bolha de sabão, queria entender porque ela é redonda. Nesse desejo de saber, ele antecipou muito, publicou nada e deixou algumas pinturas geniais.
  Leonardo nunca organizou nada para publicar. O seu prazer era descobrir, saber, entender e planejar. Os cadernos, um deles é hoje de Bill Gates, são uma mistura caótica de tinta e giz. E são lindos de se ver. Canhoto, ele escrevia de trás pra frente, era mais fácil e evitava que a mão sujasse a escrita. Gay, andava pelos palácios com roupas rosa, roxas e escarlate. Não foi um artista sofrido, foi feliz. Respeitado pelos nobres italianos e pelo rei da França, era vegetariano, amigo de Maquiavel, vaidoso e inquieto.
  O livro se foca em analisar suas obras. Não só as pinturas, mas a engenharia, a medicina, a arquitetura, a astronomia, a química. Ele não acreditava em magia e nem em astrologia, e o livro derruba mitos populares sobre o gênio. Inclusive sobre a palavra gênio. Da Vinci foi um gênio, e o gênio é alguém que une arte com ciência, matemática com teatro. E que nunca desiste de tentar aprender, saber, descobrir. O gênio cria e imagina e aprende. Faz e no fazer existe todo seu prazer. Leonardo escrevia e criava para si mesmo. Sua vida é a vida de um aluno genial.
  O tempo de Leonardo, a Itália de 1450-1519, é tempo de luta, de guerra, de traição, mas é também o tempo de arquitetura, ciência e filosofia. Da Vinci foi o centro-vórtice desse mundo. Mais que Michelangelo, seu rival e oposto em tudo, é ele quem conjuga tudo o que seu tempo teve de melhor. E nada do pior.
  Vivia cercado por discípulos, amigos, amantes, odiava a solidão, amava falar, trocar informações, não tinha vergonha de perguntar. A vida é pouco dramática e por isso a opção pela biografia das obras. É um belo livro.

WESTERNS- DUNQUERQUE- CHURCHILL E MAIS

   O DESTINO DE UMA NAÇÃO de Joe Wright com Gary Oldman e Kristin Scott Thomas.
Wright já é dono de uma carreira sólida. Ele faz filmes que prezam acima de tudo seus atores. E melhor, ele conta sua história sem se exibir. Quando deseja mostrar sua marca, faz travellings bonitos como aqui aqueles das ruas de Londres. Para quem ama a história inglesa, é obrigatório. Oldman está bem como sempre, Kristin também. O filme vai contra a maré do PC, ele retrata um homem velho, conservador, machista e branco. Dá um jeito de botar uma menina na história pra ficar mais anos 2000. A cena no Underground, fantasia pura, é linda. E brega. Funciona. Gostei muito. É um filme de cinema.
  DUNKIRK de Christopher Nolan
A história real é um tipo de milagre. Tinha tudo para ser um massacre de civis e de soldados acuados. Não foi. Nolan faz aquilo que fez em todos os seus filmes: retira tudo de sensacional e faz de um ato de heroísmo uma coisa fria. O filme não tem emoção. De certo modo é um milagre de Nolan, transformar um dos momentos mais emocionantes do século XX, numa coisa bonita de se ver e fria de se sentir.
  NAS MARGENS DO RIO GRANDE de Robert Parrish com Robert Mitchum
Mitchum é um americano que vive no Mexico. Cruza a fronteira de volta ao lar, mas logo se mete em confusão. O filme é muito esquisito. Na verdade falta uma história. Olhamos e não nos ligamos.
  BARQUERO de Gordon Douglas com Lee Van Cleef e Warren Oates
Na velha TV Record, este filme passava todo mês. Nunca o vi na época, e não perdi nada. É uma porcaria. Uma tentativa americana de se fazer um faroeste italiano. Cleef é o macho alfa, um cara que cruza um rio numa barca. Oates o ladrão que precisa cruzar o rio. Cleef não deixa. Violento, bobo, sem história, tolo, histérico.
  PAIXÃO DE BRAVO de Nicholas Ray com Susan Hayward, Robert Mitchum e Arthur Kennedy.
Vendido como western, mas não é. Se passa nos anos de 1950, que é quando foi feito. Mitchum, excelente com seu rosto de derrotado,  é uma ex estrela de rodeio. Kennedy e Hayward são um casal de camponeses. Kennedy quer ser um astro, Mitchum o ajuda. O filme é maravilhoso, talvez o menos conhecido e o melhor de Ray. É um filme de estrada, com um preto e branco lindo. Os atores estão perfeitos e até o tema, desagradável, nos seduz. Nos anos 60-70-80, Ray era considerado um gênio. Nunca foi. Estará hoje esquecido? Voce assiste este filme, gosta do que vê, e quando ele acaba sente ter estado diante de um grande, grande filme.
  FORA DAS GRADES de Nicholas Ray com James Cagney.
Outro grande ator e outro filme pouco conhecido de Ray. Cagney, agressivo e agitado, é um ex prisioneiro que vira sheriff numa cidade do oeste. A história é simples e cheia de ação e o filme é uma diversão ótima. E ainda com um belo subtema sobre moral. Veja.
 
 

The Epic Of Gilgamesh In Sumerian



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GILGAMESH, AQUELE QUE VIU O ABISMO

   Gilgamesh é meio humano meio deus. Rei de Ur, ele estupra filhos e filhas, é cruel, não tem limites. Da água surge o primeiro homem moderno, feito de barro. Gilgamesh é freado por ele, e os dois se tornam amigos. Juntos vencem lutas, viajam, exploram. Mas o humano morre e descobrindo a morte, Gilgamesh entra em crise. Vagueia pelo mundo. No final, encontra alguma paz ao entender que Ur justifica sua vida.
   Até o fim do século XIX não se sabia desta saga. Então ela é descoberta no Iraque. São 12 tabuinhas de barro com os hieróglifos assírios. Datam de 2000 antes de Cristo. São 1500 anos mais velhos que Homero ou que a Bíblia. Estão para eles como Santo Agostinho para nós. São de uma humanidade velha de 4000 anos. Inimaginável de tão arcaica. Ler Gigalmesh é quase ver o começo do humano.
   Eles acreditavam no dilúvio. Uma parte do épico fala de dilúvio e da arca. A deusa do amor é a mesma da guerra, e a amizade entre homens era muito mais importante que a relação homem e mulher. O sexo era explícito, se transava muito e a prostituta era quase uma sacerdotisa. Não se fala de exércitos. As lutas eram individuais. O homem tinha de ser peludo, barba longa, cabelo longo, pelos no corpo. Havia ainda leões e ursos no oriente e já se destruíam florestas virgens para conseguir lenha. As armas eram de bronze. Centenas de deuses, o mais poderoso era Sharmat, o sol.
  Há um espírito triste no poema. Mas não melancolia. É uma tristeza animal, indolente, que se resolve com sangue. Não há filosofia. A dor da morte se resolve com a ação. Os porquês são respondidos com luta.
  Gilgamesh sumiu por 2000 anos. Não se fala dessa obra após o ano zero de nossa era. E volta a ser lido a partir de 1910. Da introdução não há ideia mais perturbadora que aquela que diz que a escrita não se explica pela evolução. Ela não nasce aos poucos. Ela surge em uma cultura já completa, com verbo, sujeito, rima e sentença. Como isso se deu é impossível saber. Na Babilônia, na China, entre os Sumérios e egípcios, ela não vem como imitação de outra escrita, ela nasce do oral, do zero, do nada. E explode já feita grande. Não há sinal de evolução, de lenta construção. Não há rascunho.
  Gilgamesh é isso.

The Walker Brothers - The Sun Ain't Gonna Shine Anymore - Scott Walker ...



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scott walker, 30th century man, Proms 15



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SCOTT WALKER, UM GÊNIO QUE DESCUBRO AGORA.

   Uma das coisas que diferenciam uma pessoa realmente interessada em arte e outras superficialmente ligadas é a pesquisa. Acabo de ler o livro sobre Bowie, e nele, leio que o artista londrino foi sempre interessado e influenciado por Jacques Brel e Scott Walker. Brel, compositor, ator e cantor belga, me é conhecido desde meus 18 anos, mas Walker eu jamais escutei. Ouço falar dele muitas vezes, ele é citado por Thom Yorke e Jonny Greenwood, Damon Albarn e Robert Plant, Pulp e Johnny Marr. E Bowie, insistentemente. Há um momento no livro, logo após a gravação de Heroes, em que Brian Eno aparece na Suíça com Nite Flight, album recém lançado por Scott Walker. O americano fazia então, por sincronia, o disco que Eno queria fazer E NÃO CONSEGUIA. No documentário recente, produzido por Bowie, que posto acima, Eno diz que Walker o humilha até hoje. Nite Flight parece ter sido gravado em 2010, 2020, é do ´século XXXI.
  Scott Walker é americano do interior e formou em 1964 o grupo Walker Brothers. Venderam quase tanto quanto os Beatles e em 1966 se mudaram para Londres. Os Brothers não se chamavam Walker e nem eram irmãos. O som deles, se escutado hoje, e eu os ouvi pela primeira vez ontem, é ainda muito, muito interessante. Orquestral, complexo, ele é pop e nostálgico, cheira a anos 60, e ao mesmo tempo tem uma riqueza melódica e sentimental atemporal. A orquestração é digna de Bacharach ou melhor, de John Barry. Mas o maior valor é a voz de Scott: é um estupendo cantor, seu timbre é aquele que Bowie tentou alcançar e raramente conseguiu, é a voz que Thom Yorke precisava ter e sonhou ter, é a voz etérea, sofrida, composta, forte de um homem.
  Mas a genialidade vem em seus primeiros seis discos solo. Gravados entre 1967 e 1984, os 3 primeiros foram big hits, mesmo com toda sua estranheza, os demais são fracassos de vendas e monumentos de arte. Como os descrever? É como se Morrissey cantasse Beatles com a voz de Tom Jones. Ou como se Bryan Ferry tivesse voz. Ouço e apesar de nunca haver escutado, sinto como se desde sempre conhecesse aquilo. A música de Walker é como um tipo de ambiente ( Eno ), um lugar cheio de mistério, onde a gente mora sem saber que lá está. Dá medo. Muito medo. Scott Walker tem a voz de Jung. Ele mergulha fundo no inconsciente musical e volta à tona com objetos insuspeitos. Tão noturno como Astral Weeks, tão inquieto como Arthur Lee, e sem se parecer em nada com Van Morrisson ou com a banda Love.
  Uma das alegrias da pesquisa curiosa é descobrir gente que sempre esteve lá mas que a gente não via. Scott Walker abre todo um universo vibrante e a ser explorado. Seus últimos discos, de 2004 e 2010, não me agradam. Parece que ele empacou num tipo de monotonia escura. Mas penso que são tristes demais, pesadelos em forma de sinfonia atonal. O que mais posso dizer? Voce tem de ouvir Scott Walker. Ao menos uma vez. Mesmo que voce nada entenda.
  PS: Não é rock. Nada de blues, country ou soul há nele. É filho da canção francesa e alemã. 

David Bowie – Sweet Thing-Candidate-Sweet Thing (Repr.) - Live at the Un...



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David Bowie - BBC Live - Diamond Dogs & John, I'm Only Dancing (January ...



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O HOMEM QUE VENDEU O MUNDO - DAVID BOWIE POR PETER DOGGET

   Não é uma biografia de Bowie. O autor analisa todas as canções que o rei dos anos 70 compôs, em ordem de composição, e no processo nos conta a saga do londrino genial naquilo que ele viveu de melhor, a década de 70, segundo o autor, a mais triste das décadas.
   Peter Dogget escreve muito bem. Sua descrição das canções, para quem as conhece, são perfeitas. Ele aponta TODAS as influências, entrega os plágios, descreve o som de um modo saboroso. Temos vontade de correr e reouvir tudo. E descobrir aquilo que nunca escutamos ( muito pouco em meu caso ). Segundo o autor, Bowie amava Judy Garland, era seu maior ídolo, e perto dela vinham Sinatra, Sammy Davis Jr e Marlene Dietrich. Bowie era doido por cinema, por artes visuais, e o rock era apenas o meio onde ele cresceu, o modo natural de se fazer grande. Mas não sua paixão central. Daí sua importância primordial: Bowie é o cara que traz para o rock aquilo que não era do rock. Ele o vê como ator, como performer. É um artista que interpreta o papel de rock star. Ou de menestrel folk. Ou de inovador pop.
  Ele poderia ter sido um folk star até 1970. Sua maior influência era a dupla Simon e Garfunkel. E Neil Young. Ao conhecer Tony Visconti, produtor de gênio, Ken Scott, engenheiro de som mágico, e Mick Ronson, seu guitarrista de blues e arranjador de extremo gosto, Bowie abraçou o rock. E o modificou para sempre.
  Ele era um grande leitor. E em 1970 lia aquilo que aqui no Brasil Paulo Coelho lia. Ocultismo. Cabala. Crowley. Hermes Menegisto. Nietzsche. Impressiona a energia de Bowie. Ele estava sempre em movimento, gravando, compondo, fazendo shows, escrevendo roteiros, indo a exposições, lendo, e se drogando muito. Entre 74 e 76 ele foi o rei do pó.
  O autor desgosta de várias canções de Bowie. Isso dá certa isenção ao livro. Ele acha Transformer de Lou Reed banal, e Raw Power mal é citado. Ziggy, o LP, é visto como importante e criativo, porém, musicalmente pouco instigante. As letras são o foco da genialidade de Bowie. Diamond Dogs é para ele uma obra-prima de invenção sonora. Uma massa de sons, ruídos, harmonias e símbolos ocultistas digno de um feiticeiro. Peter considera Dogs e Station To Station os mais altos pontos da vida de Bowie. ( Low e Hunky Dory vindo em seguida ). O autor destrói Lodger, considerado frouxo, e dá um retrato sublime de Young Americans, o auge da voz de David.
  No final ele fala por alto do Bowie dos anos 80, 90 e 2000. O livro foi escrito um ano antes de sua morte. Outside e Heathen são considerados tão bons quanto Low ou Dogs, mas são irrelevantes. O mundo do século XXI não ouvia mais Bowie. Apenas os fãs. Os clones fizeram dele um tipo de matriz. Um molde. Mas não um cantor relevante. Bowie era um artista para descobertas e não para nostalgia. Quando fez 33 anos, em 1980, deixou de ser um descobridor e se tornou um diluidor. Juntou dinheiro como nunca. Mas o artista já dera seu recado.
  Peter destaca Bowie em 1992, na homenagem à Mercury, rezando o Pai Nosso no palco, ao fim de Underpressure. Para Peter aquele era o verdadeiro Bowie. No mais inadequado dos lugares, no mais inesperado dos momentos, ele larga sua ironia e reza DE VERDADE. Ironia dentro da ironia, a ironia de não ser irônico. A luta de Bowie, luta para ser alguém, não pela fama, mas ser alguém que se possa chamar de PESSOA, acaba no retiro. Seu corpo fraqueja. Ele para de procurar. Encerra.
  Leia o livro e veja a descrição que ele faz do começo de Station To Station. É exatamente o que senti na época ao ser pego de surpresa pelo som esquisito do disco. Não parecia rock. Não era pop. Não era negro. Não era nada. Mas era alguma outra coisa.
  Nunca haverá outro Bowie porque o mundo do rock não precisa de artistas. E quando eles surgem, e Damon, Peter ou Harvey tentam o ser, tudo que podem fazer é estender Low ou Dogs ou Scary em novas frentes. Bowie ao parir a arte no rock, a arte depressiva e expressiva, matou o futuro dessa arte, que precisaria ser sempre nova, mas que por sua causa sempre pareceria derivada. Bowie trouxe ao rádio o que Eno, Lou, Can, Faust, Neu e John Cale faziam para poucos. No processo ele amplificou sua cópia. Vestiu o rock de arte. E vendeu o invendável como estilo e charme.
  Foda.

O RINOCERONTE BRANCO.

   O último rinoceronte branco se foi. Não há mais machos da espécie, apenas fêmeas. Deixaram de fazer parte deste mundo. Testemunhas quietas de milhares e milhares de eventos, durante milênios pastaram pelas savanas e pelas selvas cumprindo seu destino.
  Mas voce pode perguntar: Pra que servia um bicho desses? E eu te respondo: Pra que serviu extinguir ele? O que nós ganhamos com isso?
  Posso dizer o que ganhamos: Vergonha. Maior pobreza animal. A culpa perante a natureza que o criou para existir e desparecer em seu tempo, aos poucos, e sendo substituído por outro rino. Apressamos seu fim, criamos seu fim de forma artificial. Reis da artificialidade, negamos cada vez mais a natureza e nos tornamos estéreis, flácidos, engordados e inchados de ego e de satisfação que não dura um suspiro.
  Eu não perdoo. O fim do Tigre branco. O fim do Tylacino. O fim do Rino. O mundo fica mais vazio e o crime fica sem motivo. Como espécie somos bobos, crianças que matam sem motivo, quebram coisas sem saber para que elas servem. Somos a maior das criações e ao mesmo tempo a mais fútil das coisas vivas.
  Todo animal é nobre por ser apenas aquilo que ele nasceu para ser.
  Somos nobres quando negamos aquilo que aparentemente nascemos para ser. Mas tragado pelo hedonismo babaca e pelo ato sem consequência, nos tornamos nada mais que um predador de barriga cheia. Um execrável excremento.