The Breakfast Club (1985) - Modern Trailer



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O CLUBE DOS CINCO ( THE BREAKFAST CLUB ), O QUE MUDOU EM 32 ANOS ?

   Assistir este filme depois de 7 anos de estudos em educação e 9 anos de prática...é doloroso. Se em 1984 a coisa era dura, hoje piorou muito. Vamos ao filme.
   Cinco alunos que não se conhecem são obrigados a passar o sábado na escola. Eles não se conhecem e cada um representa um dos chavões da adolescência. A primeira sacada do filme, ótima, e que vem na citação de Bowie, é a de que adolescência é uma invenção de adultos. Uma criação feita para reduzir adolescentes a tipos catalogáveis. Temos então o rebelde, o esportista, o nerd, a patricinha e a esquisita. Não há  nenhum tipo em 2017 para se encaixar aí. Fora da adolescência, olhando de longe, esses são os tipos. Digamos apenas que a esquisita hoje engloba um espectro maior de esquisitices. E que o rebelde diminuiu muito.
  Judd Nelson faz o rebelde e no começo ele é tão cliché que ameaça afundar o filme. Mas é proposital. Nos anos 80 o rebelde já era um cliché criado por conformistas. Bem escrito por John Hughes, esse personagem consegue se humanizar sem mudar ou suavizar, o que é bem difícil de fazer. Anthony Michael Hall quase rouba o filme como o nerd. Temos pena dele. E rimos com ele. Fico pensando qual deles eu fui. Não, nunca fui um nerd. Eu teria sido o esquisito?
  Ally Sheedy tem menos falas, mas rouba o filme. Ela faz com que a gente se apaixone por ela. Com sua timidez mórbida, ela se esconde detrás de cabelo e capuz. Quando fica mais normal rola uma decepção, ela se enfeia na verdade. É um papel maravilhoso para uma atriz brilhante.
  Molly Ringwald faz uma mágica. A patricinha não é odiável. Aliás, o elenco está tão bem afinado que nenhum é adorável fofo e nem detestável símbolo. O filme faz o que propõe: eles são muito mais que cinco tipos.
  Molly é uma patricinha. Mas é acima de tudo uma menina. Assim como Emilio Estevez, que está ok, mas é de longe o menos bom.
  Eu fui os cinco. E a mensagem do filme é que todo adolescente é os cinco. Uma mistura de tudo aquilo, e de ainda mais. Uma pessoa cheia de medo, de raiva, de amor e de vontade de viver. Nós judiamos deles. Muito. Damos a eles uma vida indesejada. Mas o pior é que os vemos como personagens, tipos muito bem definidos.
  Hoje ainda é assim. Todas as salas que olhos tem a popular, os esquisitos, os rebeldes, os nerds e os caras do esporte. Não consigo ver mais nada além disso. Minto, vejo sim, quando me dou ao trabalho de olhar um pouco mais. Percebo então que a popular é esquisita. Que o esportista é nerd. Ou que eles não são nada disso. São mais, muito mais.
  Tive a sorte de ver este filme em 1985. E me identifiquei muito com o rebelde. Revi nos anos 90 e achei que a esquisita era linda. E agora eu amo todos os cinco.
  Falar a real: John Hughes fez aqui um grande filme. Muito maior do que percebemos então. Ele atingiu um tipo de perfeição.

Blur - Parklife



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UM GRANDE DISCO: PARKLIFE - BLUR

   Lançado em 1994, no auge do britpop, este terceiro disco do Blur é melhor que o mais famoso What's The Story dos rivais plebeus do Oasis. Não que o disco do irmãos desunidos seja fraco, ele é histórico. Mas Parklife é muito mais aventuroso.
  Muito se disse na época que a crítica inglesa, sempre sensacionalista, queria forçar um embate tipo Stones x Beatles, entre as bandas de Londres e de Manchester. Mas, assim como nunca houve uma rivalidade entre Jagger e Lennon, os rivais dos Beatles eram todos americanos, a rivalidade entre Blur e Oasis sempre soou artificial. Os rivais dos Gallagher eram eles mesmos. E a referência do Blur nunca foram os Stones, eram os Kinks, o Yardbirds na fase Jeff Beck e Bowie.
  Parklife começa com dance music muito boa e termina com colagens à la Lodger de David Bowie. Suas melhores faixas são comentários sociais carinhosos ao modo Ray Davies, e a obra-prima Village Green sempre paira no horizonte de Damon Albarn.
  Albarn é o mais esperto dos caras de sua geração, e seu gosto é sempre exemplar. Blur transpira informação, e em que pese sua voz ruim, a gente se acostuma até com ela e acaba aceitando. O disco, caleidoscópio vermelho e azul, jamais poderia ser aceito nos EUA. É inglês, tão chá com leite como The Fall ou Pulp. E os Kinks pós 1966.
  O britpop nunca existiu. Era apenas um rótulo feito para vender como novo algo que era continuação tradicionalista. Oasis, Pulp, Verve e que tais eram apenas a manutenção do bom e velho rock inglês guitarreiro. Um bando de garotos nascidos no auge do pop que, como eu, souberam endeusar a música feita durante sua estadia no berço. Depois, aos 14-16 anos, viram o segundo auge inglês entre 77-83, com Bowie, Clash e The Jam e o resto é o resto.
  Se voce quiser ter em sua coleção só cinco discos desse tal brit, Parklife deve ser o primeiro a ser comprado. Depois pegue o Oasis de praxe, um Pulp e complete com o primeiro do Elastica. Tá feito.
  PS: Não, Primal Scream não é britpop. Mas são os Stones da coisa.

O VINHO E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS - SERGIO DE PAULA SANTOS

  Lançado pela editora do Senac, compro este livro, que tem uma bela capa de Ettore Bottini, um capista que faz sempre belas capas. Mas o texto, este não é grande coisa. Sergio conhece vinho, mas escreve um tipo de viagem sentimental por suas lembranças de provas e apreciações de vinhos. Com a mente solta, fala ainda de livros, amigos, festas e críticos de enologia. Eu o leio com parco prazer, mas leio fácil. Parece uma coletânea de artigos de jornal, mas não é.
  Na verdade é quase uma enganação.

Al Stewart - Time Passages - 11/12/1978 - Capitol Theatre (Official)



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gary glitter - papa oom mow mow : supersonic



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Neil Diamond - Holly Holy live 1971



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A VIDA NUNCA FOI UMA LUTA ENTRE HEAVY METAL E PROG ROCK.

   Sem a intenção, ouvi esta semana um bando de discos nada cool que exemplificam o que foi realmente o rock predominante dos anos 70. Vou botar um por um como faço com os filmes que vejo na semana:
OFF THE WALL - MICHAEL JACKSON
Produzido com genialidade por Quincy Jones, este disco, uma obra-prima, melhor disco de MJ, anunciou em 1979 a chegada de uma nova década. Vendeu 12 milhões de lps e o escuto com muito, muito prazer. Quincy cria uma cama rebolante de guitarras, teclados e metais, e coloca em destaque uma bateria e um contrabaixo que são guias de um paraíso. Em cada faixa há uma multidão de sons, de pequenas harmonias, de timbres metálicos. É esse o tipo de som que Bowie, Ferry, Gabriel e um imenso etc passariam os próximos dez anos tentando reproduzir.
12 GREATEST HITS - NEIL DIAMOND
Nos anos 70 este era o Neil famoso e não o Young. Compositor de vários hits nos anos 60, nos 70 ele canta e compõe em seus próprios discos. Ele nada tem a ver com rock. Ele é pop, no sentido popular do Elvis final, de BJ Thomas, de Lobo, dos Bee Gees, do ABBA.. Tem uma voz linda, a banda é o tipo de top de estúdio e suas canções são hinos, feitas para erguer a alma. Brega, bonito, muito bem feito. Esta é o tipo de música que mais vendia na época.
GG - GARY GLITTER
Gary foi um acidente. Gorducho, feio e já meio velho, ele estourou na Inglaterra em 1971, no meio do Glam. Vendeu muito por dois anos e então decaiu. Nunca foi aceito nos EUA. Este disco de 1975 tenta renovar seu apelo. Na época o glam já era e Gary faz o mesmo que Bowie e Ferry faziam então, canta soul music. O único problema é que sou exige boa voz e Gary não sabe cantar. Talvez seja o mais tolo disco já gravado. Mas eu me divirto pacas quando o escuto.
BORN TO BE ALIVE - PATRICK HERNANDEZ
A minha geração não nasceu para ser wild. Nasceu para ficar viva. Este disco é uma obra-prima. Disco atemporal, as linhas de ritmo são usadas até hoje, quase 40 anos depois !!!!! Um hino gay, um hino hedonista, uma grande festa. Uma das minhas canções de todos os tempos.
GOES TO HELL - ALICE COOPER
Em 1976 se acreditava que o rock pesado era coisa do passado. Então Alice lança este disco esquisito. Acompanhado por uma banda diabólica, a mesma de Lou Reed, ele canta cabaret, funk, valsa, rock e até balada. Foi um fiasco na época, eu gosto muito.
YEAR OF THE CAT - AL STEWART
Doce menestrel escocês, rei de FMs, o cara do bom gosto. Esse tal de bom gosto foi uma praga do rock dos anos 70. Era música rock feita com bons instrumentistas, cantando letras adultas, em gravações com som apurado. Tudo empacotado com acordes de piano, solos de sax, violões estradeiros e clima de fim de noite. Era o som do Steely Dan, Chicago, Fleetwood Mac, Paul Simon, James Taylor...soft rock, o som contra o qual o punk americano se rebelou. Ouvir este disco hoje é pura nostalgia. Bonitinho.
CITY TO CITY - GERRY RAFFERTY
O mesmo dito acima vale para este disco. Que vendeu ainda mais em 1977. E que hoje soa pior, chato, banal e bem pretensioso.
QUO LIVE - STATUS QUO
Adoro esta banda! Eles são mitos na Inglaterra e nunca venderam bem nos EUA. Fazem um rock de pub, um tipo de honk tonk sem fim. Todas as músicas são basicamente a mesma, todas são legais. Sobreviveram ao furacão do punk inglês com galhardia.
Well...rock dos anos 70 era predominantemente isto. Discos bem gravados e bem cantados, mas sempre meio apáticos, às vezes sem estilo, feitos em série. Foi o auge da ditadura das gravadoras, auge do LP e do aparelho de som.

 

TELEVISÃO E SMART PHONE, UMA DEFESA DO VÍCIO.

   Nasci a tempo de conhecer o mundo sem TV. Melhor dizendo, claro que em 1969 já havia TV, eu vi Neil Armstrong descer na Lua ao vivo. Lembro disso. Mas eu vi ainda o mundo em que ter uma TV em casa era sinal de burrice e de falta de classe. Gente rica não tinha TV. No máximo botava uma no quarto da empregada. As pessoas jantavam tarde e antes do jantar bebiam, fumavam e conversavam. Comiam e depois se dividiam, umas iam ler revistas, outras ouviam música e algumas faziam tricot. As crianças brincavam no tapete. Era isso. Com a TV continuou a se beber, fumar e falar. E a brincar no chão. Mas as revistas e a música foi deixada de lado. O som ambiente deixou de ser o disco do Ray Conniff e passou a ser o zumbido do JN.
  Minha geração é a primeira a ter saudade da TV como ela era. Anos Incríveis mostra isso muito bem. Criamos uma mitologia afetiva ao redor de lixo como Ultraman ou Speed Racer. A TV para nós era a janela para a imaginação. Ela era colorida, barulhenta, alegre, livre, era tudo aquilo que nossa casa não era. Mas, que praga, psicólogos e sociólogos diziam que a TV deixaria minha geração cretina. Que nós não conseguiríamos ler, prestar atenção, pensar. Pois é...
  Com o Smart Phone acontece o mesmo hoje. E agora que me viciei em um, posso dizer que olhando de dentro é tudo papo pra boi dormir. Porque vejo a coisa de dentro e não de fora. Não me ponho na sala com um cigarro lendo o NYT. Estou de frente pra tela todo o dia. E que Deus salve a tecnologia digital.
  Olho a triste e entediante verdade que me cerca e entro em outra verdade. Vivo ao lado de amigos que continuam conversas que nunca terminam. E para uma pessoa, que como eu, ama a narrativa, isso é apaixonante. Explico pra vocês: Conheço M. Ela me conta hoje que brigou com A. Depois de duas horas me manda fotos da sua cara de briga. A noite ela me diz que fez amor com A. Mas que continua com raiva. E agora ela me manda fotos de uma loja onde procura uma saia nova. Quer minha ajuda para escolher. Digo mais, amanhã ela me dirá onde está, o que está comendo e se o namoro sobreviveu. Esse é um tipo de compartilhamento de solidões que só existiu no tempo das tribos. E isso nos afasta do aqui e agora? Claro que não. É apenas mais um aqui e agora. Que compartilha o ali e depois.
  Assim como M, tenho contato constante com V, R e Z. E sinto que estamos todos juntos, todo o dia, inclusive nas madrugadas de insônia. Ando pela cidade com elas, durmo com elas e acordo com elas. E quando me canso, desligo o botão. Mas o que assumo aqui é que gosto disso. E acho que devíamos levar isso mais a sério, como um bem que nos livra das paredes frias da sala onde a TV ficou velha.
  Há uma foto "inteligentinha" na NET que mostra um bando de crianças ao lado de um quadro de Rembrandt. Elas olham seus phones e ignoram a pintura. Sinto dizer que antes da internet elas estariam olhando as paredes, as caras umas das outras, o chão, e nunca a pintura. Eu não amo pinturas por causa dos museus. Amo por causa de programas de arte que vi na TV. Irônico né...
  Só mais uma coisa: O smart phone me salvou de conversas com gente chata. Elas acham que abro a tela por ser apenas um viciado. Não sabem que a abro para me salvar delas. Para pessoas tão legais quanto M, V ou R, estou sempre aberto, no phone e na sala de casa.

Beastie Boys - Shake Your Rump



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Beastie Boys - Hey Ladies



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A BUTIQUE DO PAULO, BEASTIE BOYS E O SOM DO SÉCULO XXI.

   Claro que estou só provocando, o som deste século foi criado em 1988, um ano antes da Butique do Paulo, pelo Public Enemy. Os Beastie Boys admitiram beber na fonte contaminada dos caras e levou a coisa para os playboys brancos que em 1989 não ouviam som de preto. ( Em 1999 tinha playboy que ouvia Beastie Boys, House of Pain e Eminem, mas não ouvia os pretos nunca ).
  Que som é este? Vale tudo. Eles entram num estúdio e pode tudo: Tudo o que voce ouviu a vida toda pode ser enfiado na coisa. Roubo? Não. Homenagem e bom gosto. É preciso ter ouvido, ter swingue. ( Conheço comunidades de roqueiros, que bosta de nome, que dizem escutar "de tudo", mas quando falo de rap e de punk correm e gritam: Isso não é música! ).
  Este é o melhor disco dos Beastie Boys porque é o primeiro em que eles fazem Public Enemy: misturam tudo, Tem Beatles, Isley Brothers, Santana, Rufus, Led Zeppelin, Sweet, Commodores, Jimmy Cliff, George Clinton, Stevie Wonder, isso tudo só em 3 faixas!!!! Muito foda!
  Depois deste disco, que vendeu pouco, eles passaram a revisitar o que pulsa aqui forever. Todos os seus discos dos anos 90 nascem nesta matriz. Um caleidoscópio em preto e branco. E que pulsa todo o tempo, tem manha e tem beat. O som e a vida do século XXI é essa mistura doida e tonta de coisas que pareciam não ter nexo mas que se unem porque são sexo: polaridades afim.
  Bobagem chamar este disco de obra-prima, porque falar obra-prima é coisa de roqueiro que baba nos discos do Genesis. ( Que não são ruins, os roqueiros é que são chatos ).
   Este disco tem quase 30 anos, putaquepariu, e ainda aponta para a frente. Então ele é amazing. Cool. Do grande caralho.

LONGE DESTE INSENSATO MUNDO - THOMAS HARDY

Nas 3 primeira décadas do século XX, foi Hardy o autor favorito para um Nobel inglês. Não venceu, e viu até mesmo um autor hoje esquecido como Galsworthy vencer. Este livro, lançado agora, mal traduzido, é uma maravilha. Melhor que o filme de 1967, que é muito, muito bom.
Na época nada era mais badalada que a produção de Longe Deste Insensato Mundo para o cinema. Um grande livro, com a melhor produção possível. John Schlesinger era o melhor diretor inglês jovem, Julie Christie a mais sensacional jovem estrela, Alan Bates e Terence Stamp eram dois novos atores com filmes sensacionais recém lançados, e Peter Finch era um veterano ousado. Na fotografia o grande Nicolas Roeg. O filme, vejo agora, segue o livro passo a passo, mas, que incrível, mesmo assim vemos que não é Bethsheba, a personagem de Julie Christie, a figura central. É o pastor de ovelhas, Oak, o insistente pretendente dela, quem domina o romance. Personagem adorável, simples, real e muito nobre, sem nunca parecer vaidoso, Oak exibe de modo absoluto toda a verdade do trabalho duro.
Hardy ainda era um naturalista quando escreveu este livro. Mas um naturalista à inglesa, suave. Depois seu estilo se tornaria mais sutil e no século XX ele se faria um poeta. Mesmo com a miséria de uma tradução estúpida, o romance se mantém por ter um belíssimo enredo e personagens inesquecíveis.
Foi refilmado este ano, e ao contrário da versão de 1967, passou em branco pelas telas.

CINEMA JAPONÊS NA LIBERDADE- ALEXANDRE KISHIMOTO. O JAPÃO FOI AQUI.

   Dois dados: entre 1955 e 1965, o Japão era o país que mais fazia filmes no mundo. Foram 600 só em 1960. Outro fato: fora do Japão, São Paulo tinha a maior concentração de japoneses do mundo.
   É hora do almoço em 2017. Ando pelas ruas de meu bairro e cruzo com oito japoneses. E na fila do Carrefour reparo em cinco senhoras idosas. Esses imigrantes irão sumir um dia. Seus descendentes perderão suas raízes a cada nova geração. Mas ficaram marcas. Somos o país que primeiro descobriu as séries japonesas. National Kid explodiu aqui em 1962. E Naruto é de agora e será de sempre.
  O livro é bem ruim. Ele é escrito no estilo "tese da USP". Um monte de parênteses com as fontes usadas, milhares de citações e aquela mania de dar valor ao que se fala citando filósofos e sociólogos que dão peso ao texto. Além de se dar um jeito de sempre falar da velha luta de classes....aff....
  O cinema japonês foi descoberto pelo mundo em 1951 com Rashomon de Kurosawa. Mas aqui, e só aqui, ele já era xodó dos críticos desde 1936. Se conhecia Mizoguchi, Ozu, Naruse, Gosha, desde sempre. Isso porque calhambeques itinerantes exibiam filmes em Bastos, Piracicaba, São Carlos, em fazendas onde imigrantes viviam. E depois, a partir do fim da guerra, na Liberdade.
  A Liberdade não era um bairro japonês. Se tornou isso com as salas de cinema. Cada uma tinha mais de mil lugares. E viviam lotadas. No começo eram filmes sem legenda. E mesmo assim, alguns brasileiros iam ver. Piravam nas imagens. No ritmo lento. E viraram cinéfilos.
  ( Filme japonês é lento porque a vida é vista no Japão em pequenos detalhes. A ação não importa, o que vale é a preparação para a ação. Daí um filme como Céu e Inferno. Duas horas de lentidão para uma luta final que dura meio segundo. E te mata de surpresa e prazer ).
  Lendo fico sabendo que na guerra os japoneses ficaram proibidos de falar japonês na rua. E tiveram casas e terrenos confiscados. Que chegou a haver 20 jornais. E todos foram fechados. E 600 escolas de japonês. Destruídas. Como tudo que é japonês, foi um drama silencioso. Nunca se recuperaram desse atraso getulista.
  Em 1988 fechou o último cinema da Liberdade. Eu lembro que em 1977 sempre estreava um filme de lá. Toda semana tinha um novo filme nipônico pra se ver. Quando não, dois ou três. Isso acabou. Agora são dois ou três...por ano...
  Mas ficou a marca. Brasileiro ama arte marcial. Comida japonesa. Mangá. E série de tv japonesa. E as meninas mais bonitas têm cara e jeitinho de nisseis. Mesmo sendo da Bahia.
 

O RITO

   Voce sai do sol. Entra num lugar onde a luz é sempre a mesma. Não há mais o burburinho da rua. Fala-se baixo, silêncio. Sem calor e sem frio. Depois se entra na escuridão. Uma luz vermelha, como um inseto, vem em sua direção e te conduz. O cheiro é de tapete, cortina e curvin. Senta-se e espera-se. Pensa-se. Música neutra toca nos alto falantes. A passagem continua a se fazer. A transição de lá para aqui. Voce se concentra mesmo sem perceber.
  Toca-se um sino. Como em um templo, uma, duas, três vezes. Silêncio absoluto. Uma tosse. Um papel de drops. Explode a cor. A imagem, imensa, surge. A concentração se torna Experiência. O ritual.
  Leio um livro que fala da experiência de ver um filme, nos cinemas dos anos 40-60, como um ritual. Ia-se sempre, como numa Missa, se ia sem se saber que filme ia ser exibido. Ia-se no dia e na hora habitual, sempre.
  Se preparava a ida. Roupa, perfume, caminho, fila e espera. Toda a família ia junta. Depois, quando se virava adulto, se podia ir sozinho. Lá, na fila, se via e se era visto, se exibia e se apreciava. E então vinha a transição: ante sala, sala, escuridão, silêncio, a experiência.
  Vivi o final desse tempo. Em 1975-1980 ainda se usava lanterninha, cortina, gongo...as salas ainda eram para 1000, 1500 pessoas. Mas tudo se banalizou. Como até a igreja se banalizou.
  Ouvir música em casa também trazia algo de ritualístico. Procurar um cômodo vazio, tirar o disco da capa, ler o encarte, colocar a agulha com cuidado, escutar o LP inteiro. Suportar as faixas menos boas e entrar em êxtase com as melhores.
  NÃO HÁ EXPERIÊNCIA VÁLIDA SEM ALGUM RITUAL.

NONA SINFONIA, A OBRA PRIMA DE BEETHOVEN E O MUNDO NA ÉPOCA DE SUA CRIAÇÃO - HARVEY SACHS.

   Este admirável livro começa pela biografia de Beethoven. Por ser conhecida por todos, é a parte menos fascinante. Muito melhor é quando o autor, Harvey Sachs, discorre sobre o ano de 1824, tema central deste pequeno livro de apenas 220 páginas.
  Para o autor, o romantismo é uma reação para a decepção. O fim das guerras napoleônicas podem ter sido um alivio, mas trouxeram como consequência imediata, o começo de uma época de censura e de repressão. A alma artística, ansiando por liberdade, se refugia dentro de si mesma e cria o mundo romântico, mundo que dura até hoje.
  1824 é o ano da estreia da Nona Sinfonia de Beethoven, em Viena, maio. Sachs analisa os grandes artistas em atividade plena durante esse ano: Stendhal, Byron, Delacroix, Schubert, Pushkin, Heinrich Heine. Claro que havia muito mais, Shelley, Balzac, Goethe, Leopardi eram dessa época, mas os artistas destacados são aqueles que em espírito têm mais afinidade com a Nona Sinfonia. Sachs mostra como e porquê.
  Na terceira parte ele descreve em palavras, momento a momento da imensa sinfonia. Sachs sabe música, mas escreve para leigos, e assim, luta para descrever música em palavras e não em notas e harmonias. É fascinante e também insatisfatório.
  Depois ele nos mostra as opiniões de Berlioz, Wagner, Verdi, Schumann e Donizetti sobre a Nona. E então vem a coda, o final do livro. Eu o recomendo como leitura ótima para quem começa a ouvir música séria.
  Beethoven foi o primeiro artista, seja na música ou na literatura, a se ver como um homem que trabalha para o futuro. Nem Bach e nem Mozart escreviam para a posteridade. Bach dialogava com Deus, e pensava fazer música funcional, para a glória dos céus. Mozart sabia de seu valor, mas achava que sua arte seria descartada, esquecida. Nenhum deles sequer sonhava em ser lembrado vinte anos após sua morte, quanto mais dois séculos. Beethoven não. Ele ousou se considerar mais memorável que os reis de seu tempo. Foi o modelo e o inventor do que chamamos de gênio. ( Michelangelo sabia ser genial, mas o modo como ele se via era totalmente diferente do que hoje entendemos ser um gênio. O italiano estaria mais próximo do herói. Beethoven é o artista genial como hoje o entendemos ).
  Vivemos agora, em 2017, um repúdio ao grande homem. A classe midiática luta contra aquele que se destaca. Ela defende a massa, o movimento de grupo, o modesto participante de um todo, o anônimo. Tudo tolice! O mundo sem grandes homens e grandes mulheres e grandes gays é um mundo a mercê do medíocre.

Beethoven Symphony No 9 Herbert von Karajan



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