LIVROS AO LIXO.

   A biblioteca da escola coloca livros no pátio para que os alunos os levem. Como eu já esperava, eles os pegam e rasgam, chutam, fazem guerra de livros voadores. Livros, para a maioria deles, são como celulares para babuínos.
  Os livros, velhos, considerados inúteis, despertam minha pena. Eles são como amigos para mim, amigos sempre a postos, cães. Antes desse massacre eu salvei alguns. Um velho livro completamente desatualizado sobre linguística. MEMÓRIAS DE UM BURRO, de Herberto Sales, um delicioso livro sobre um burro mais inteligente que os homens burros. O livro ensina ética, bons sentimentos, moral, ou seja, tudo aquilo que não tem mais valor. Leio em duas gostosas horas e o trago para casa.
  Trago também NO PAÍS DAS FORMIGAS, de Menotti del Pichia, um esquecido autor brasileiro. Esquecido porque, ao contrário de seus amigos Mario de Andrade e Oswald, ele disse ser católico e conservador. O livro fala de duas crianças que são enfeitiçadas e diminuem de tamanho. São salvos pelas formigas. Legal.
  Encontro um modesto livro-homenagem. O filho dos Nogami escreveu um livro, COLETÂNEA, em que ele fala da sua família japonesa. De como vieram ao Brasil, da história de seu pai engenheiro. Não é um bom livro, mas é interessante. E doloroso.
  Uma joia é por mim garimpada: CONVERSAÇÃO COMPARADA PORTUGUÊS DO BRASIL E INGLÊS. É um livro vermelho, capa dura e papel macio e brilhante. Quando o abro encontro um lindo selo grudado nele. Escrito em japonês, é o selo da casa imperial. Entendo então que o livro ensina japoneses imigrantes a se comunicar ao chegar no Brasil. Para isso ele usa os dois ideogramas japoneses, os traduz para o inglês e então para o português. Mas o melhor vem em seguida: a data de publicação é de outubro de 1944 ! Ou seja, aquele livro foi editado para japoneses que fugiam da guerra. Em dez meses as bombas cairiam em Hiroshima e Nagasaki.
  Ele ensina coisas bem 1944, como ir ao chapeleiro, pedir tabaco, mandar fazer um sobretudo...me pego imaginando um Toshiro ou um Jun andando pela Liberdade, perdido, e mostrando o livro aberto, apontando com o dedo uma frase tipo: "Por favor, poderia me dizer onde fica um hotel..."
  É um tesouro.

O CINEMA MORREU BEM DEVAGAR.

   Uma arte tem uma história. Toda arte fala com ela mesma, nega ou afirma aquilo que é. O cinema morreu. Morreu por volta de 2001. Morreu em longa e lenta agonia. A morte começou em 1995, ou antes, ou depois, não importa. Está morto. E o pior de tudo: ninguém tá nem aí. Ele nunca vai ressuscitar.
  Existem filmes. E talvez sempre existam. Mas não cinema. Filmes é toda imagem em movimento. Quando voce grava sua filha voce faz um filme. Cinema é outra coisa.
  Cinema tem de ser feito para uma tela grande. Para ser exibido em público, numa sala fechada. Cinema não tem pausas para propaganda. Ele é uma experiência grupal, ritual, rotina que se renova. Isso tudo morreu.
  Morreu e digo que morreu, e não só eu diz isso, porque ninguém mais vai ao cinema. Milhões de adolescentes vão aos shoppings ver heróis de quadrinhos. Eles vão ver HQs animadas. Algumas muito boas. Muitas ruins. Mas elas representam a arte de Stan Lee, de Jack Kirby, de John Buscema. Não a arte do cinema.
  O cinema morreu porque são os bilhões desses filmes que ainda sustentam os estúdios. E as salas abertas. Voce, eu e seu amigo não vamos mais ao cinema. E se vamos, é duas ou cinco vezes ao ano. Ou menos.
  Em 1980 TODO MUNDO ia ao cinema. Ir ao cinema era hábito. Havia filme pro pedreiro, para o garoto, para o nerd e para os casais mais velhos. O pedreiro não vai mais ao cinema. Nunca. Não há mais filmes para ele e nem para minha mãe. Nem pra mim.
  Há TV. Mas a TV é tão diferente do cinema como rock é diferente de jazz. TV não pede paciência. TV não tem planos abertos. TV pode se esticar por anos. TV pode errar hoje e acertar amanhã. TV é barato. Cinema é risco, é caro, não se pode errar. Cinema é uma chance e adeus. Cinema é fruição, apreciação, olhar que se abre. TV é prazer imediato. Tudo é agora e já. É pizza.
  Sim, tem coisas geniais na TV. Mas é TV. Não é cinema. Tem gente que confunde ator com cinema. Ator faz teatro. Diretor faz cinema. Roteirista faz os dois.
  O cinema morreu por culpa dele. Virou ópera. Virou música erudita. Jazz. Ballet. Uma arte que perdeu sua raiz porque parou de se olhar. Jogou sua história no lixo, desprezou sua raiz popular, virou coisa de banqueiro e de marqueteiro. E meia dúzia de caras faz filmes, coitados, pensando em arte viva. Sinto caras, é arte morta.
 

 

Humphrey Bogart and Lauren Bacall Rarely Seen Home Movie



leia e escreva já!

In a Lonely Place (1950) - Humphrey Bogart



leia e escreva já!

UM FILME PERFEITO- IN A LONELY PLACE.

   Dixon Steele. Esse nome vai ficar na sua cabeça para sempre. Dix Steele é um roteirista em Hollywood. E é um homem violento. Faz tempo que ele não escreve um sucesso. Um produtor, num bar, pede que ele leia um livro e faça um roteiro a partir dele. Dix pede para que uma garota leia o livro e lhe conte a história. Essa moça vai à casa de Dix. E nessa mesma noite é encontrada morta.
  Uma mulher diz que Dix passou toda aquela noite em casa. É sua vizinha. Mas mesmo com esse álibi, a polícia fica em cima dele. Então a vida sorri: a vizinha se apaixona por ele e ele por ela. Mas acontecem coisas que estragam o amor: Dix é violento, ciumento, impulsivo. Ela começa a pensar que ele pode ser o assassino...
  O filme consegue fazer algo de muito raro: muda nosso foco. Antes o filme era Dix. Agora é dela, Laurel Gray. Tememos Dixon Steele ao lado dela. Ao final o assassino é pego. Mas o mal já foi feito. O amor foi quebrado. Dix e Laurel se perderam.
  Uma frase famosa do filme: Nasci quando te conheci. Morri quando te perdi. Fui vivo enquanto te beijava. Bogart cruza o portão da casa e se vai sozinho. Ela diz: Adeus Dixon Steele...
  Os filmes que fazem com que voce se apaixone pelo cinema não são os grandes filmes. São os filmes médios, comuns, que com o tempo se revelaram joias, lembranças, mementos da beleza que o cinema pode atingir. Este é um dos filmes, no lançamento considerado apenas mais um, que com o tempo se tornaram clássicos.
  É um dos filmes favoritos de alguns amigos meus, e hoje o vejo pela segunda vez. Ele me toca. Tanto quanto na primeira vez.
  Bogart nunca esteve mais real. É ele na tela. Seu desnudamento é completo. Gloria Grahame não fica atrás. Fascinante. O filme é de Nicholas Ray, o cara que descobriu James Dean. Tem de ser visto. É belo, é lindo, é inesquecível.

O VENTO DA NOITE - EMILY BRONTE

   Em 1944 a editora Civilização Brasileira lançou um luxuoso livro de poemas escritos pela autora de O Morro dos Ventos Uivantes. Traduzidos por Lucio Cardoso, o volume tinha ilustrações de Santa Rosa e vinha com autógrafos e numerado. Agora, em 2017, a editora relança o livro, mas, que pena, em edição comum, sem ilustrações. Mas permanece a tradução de Lucio, e ele sabe, conhece, entende o mundo de Bronte.
   Isolada na região mais agreste de todas, apegada a suas irmãs e seu único irmão, que morreu jovem, Emily fala de morte, de lua, noite, vento e frio. Esses são seus assuntos, ela não inventa, fala daquilo que conhece. A morte é temida e homenageada ( Emily morreria aos 30 anos de tuberculose ). Seus poemas são musicais ( a edição é bilíngue ), lê-los em inglês é uma experiência musical. Lucio Cardoso, que foi um grande poeta, respeita o tema e o espírito, mas modifica a sintaxe. As rimas são abandonadas em prol do sentido. Os versos são esticados. Ler a versão em português e depois a inglesa é ler dois poemas irmãos, mas diferentes.
   Leia de madrugada, a luz de velas, com frio.
   Emily Bronte. A mais terrível das musas.

ATÉ OS DEUSES MORREM UMA VEZ.

   Quando meu pai se foi, quase nove anos atrás, passei meses com uma sensação de "janela aberta". Foi como se toda as coisas adquirissem outra cor, como se meu coração estivesse exposto. Minha intuição ficou muito mais antenada, minhas emoções se suavizaram. Eu estava triste, mas era uma tristeza fértil. Um tipo de melancolia sensitiva.
   Lembro que no dia seguinte ao enterro, não me pergunte por que, peguei um livro de Yeats é o reli pela quarta ou quinta vez. Imediatamente me senti dentro daquele universo. A morte ali fazia sentido. A vida se abria.
   Escrevo isto porque dia 13 de junho, dia de Santo Antonio, foi aniversário do nascimento de William Butler Yeats. O descobri num artigo de jornal em 1988 e comprei meu primeiro livro escrito por ele em 1991. Ele é mais que meu poeta favorito. Ele foi o homem que me fez perder o medo daquilo que eu mais temia: o invisível. Yeats me fez aceitar os fantasmas, os encantos, o milagre, os maus olhados, as maldições. Minha aceitação da religião, pois eu a oprimira em mim desde os 10 anos, começa com as peças de Yeats. Ele foi um pagão, um celta, mas trouxe para mim a alegria do reencontro com meus mitos.
   Nesse dia 13 morre Anita Pallemberg também. E de Anita posso dizer que ela foi minha mais durável musa. Ex-esposa de Keith Richards, ex-namorada de Brian Jones, atriz de Vadim e de Ferreri, Anita foi uma das mulheres mais perigosas do seu tempo. Ela era junk, era felina, era linda e era mais forte que o aço. Passei anos procurando a minha Anita e jamais a achei. ( Cheguei perto, mas ela não me quis ). Sua morte não me comove porque ela viveu bem, viveu muito e morreu velhinha. Todo mundo morre uma vez. Depois, nunca mais.
   Fica a alegria por ter amado uma mulher que na verdade nunca conheci. E por ter conhecido um poeta irlandês que me conhece muito bem. A vida é muito maior que a morte.

TRAINSPOTTING 2 - ATTENBOROUGH - A INOCENTE FACE DO TERROR

   TRAINSPOTTING T2 de Danny Boyle com Ewan McGregor, Robert Carlyle, Ewen Bremner, Jonny Lee Miller e Anjela Nedyalkova.
Todas as bossas de Danny Boyle estão presentes. E todas, absolutamente todas, têm sua razão de ser. O filme é melhor que o primeiro, feito 20 anos atrás ( e que é bom pacas! ). Este, bem mais adulto, mostra os caras em 2017. O grande objetivo deles acaba por ser montar uma sauna-bordel. Há muito humor, e muita verdade. Tudo no filme fala à minha geração. Duas cenas curtas atingem o nível da epifania: uma em que Mark vê o jovem Mark correndo em 1997 na mesma rua; e outra, ao final, em que se ouve o disco que Mark temia ouvir de novo um dia. Anjela Nedyalkova faz a jovem prostituta, quase rouba o filme, é bonita e parece real. Os atores dão o máximo. É um grande filme, provavelmente a melhor coisa que Boyle fez até agora.
  UMA PONTE LONGE DEMAIS de Richard Attenborough com Sean Connery, Michael Caine, Robert Redford, James Caan, Liv Ullmann, Gene Hackman, Anthony Hopkins...
Até os anos 80, grande produção significava gastar muito dinheiro com pencas de atores famosos. Este é um dos mais chatos. A penca de atores é mal aproveitada. O filme fala de um momento chave na Segunda Guerra. Mas nada fica muito claro. Uma pena.
  BANHO DE SANGUE de Mario Bava
Compro um box de horror. Este é de 1971, tem um monte de sangue e muita nudez. Joe Dante comenta o filme. Foi um hit nos grindhouse da América, aquele tipo de filme que passava em pulgueiro sujo. E é divertido! Pobre, hiper colorido e cheio de talento. Vale a pena ver.
  A INOCENTE FACE DO TERROR de Robert Mulligan
Uma obra-prima. Mulligan foi o diretor do maravilhoso To Kill a Mockingbird, e também do histórico Summer of 42. Sabe dirigir crianças, portanto. Este sucesso, de 1973, um terror que perturba muito, conta a história, passada nos anos 30, de uma criança muito estranha. Uma criança que é dominada pelo mal. Assisti e senti raiva, medo, fiquei perturbado. É inesquecível.
  OS MENINOS de Narciso Ibañez Serrador com Prunella Ramsone.
Um casal inglês vai passar as férias na Espanha. Numa ilha, encontram crianças nada inocentes...Muito bom e muito simples. Uma mistura de Tubarão com Inverno de Sangue em Veneza e Os Pássaros. Nada é explicado, temos apenas ação. Veja. Voce vai gostar.
  MAGIA NEGRA de Richard Attenborough com Anthony Hopkins e Ann Margret.
Um mágico é dominado por seu boneco. Vi esse filme no cinema, em 1979. Revejo hoje e gosto ( eu o odiara então ). Talvez seja o filme mais barato de Attenborough. Simples, ele tem pouco horror, está mais centrado no suspense.

CRIANÇAS

   Não confunda uma pessoa que mantém sua criança viva dentro de si, com uma pessoa infantil. Um adulto infantiloide foi uma criança pouco "criança". Foi uma criança sem a principal característica de uma criança, a curiosidade sem fim.
   O adulto infantil é apenas um chorão. O adulto criança é um curioso. Ele jamais aceita um fim nas coisas. Para ele, tudo tem um depois e depois e mais um depois. Não há solução, dogma ou lei que o satisfaça. Ele pergunta mais e mais e mais.
   Esta foi uma das mais brilhantes aulas que tive. Ela envolveu neurologia, linguística e filosofia. E o assunto era A Criança.
   A criança olha, cheira, ouve e procura. Cada nova planta, bicho, manhã, noite, pessoa, é digna de um interesse profundo, curioso, investigativo, perscrutador. Ela quer entender, entrar, tocar, pegar, comer. Tudo. O cérebro é conectado com todo o FORA. Ele é ainda um vazio que não tem fim e por isso, sente fome.
  A educação, por mais que tente não fazer isso, MATA essa curiosidade. Ela cansa e dá a todo questionamento uma resposta pronta, fechada, definitiva, final. O vazio se enche daquilo que já vem mastigado, dividido, catalogado, pesado e curtido. A curiosidade se vai.
  O CÉREBRO ADORMECE. ( Que bela imagem essa! Um cérebro que dorme ).
  Ergo a mão ao fundo da sala e digo: " Então o gênio é aquele que continua criança! Pois Goethe, Mozart, Michelangelo jamais adormeceram!"
  A mestra diz que é exatamente isso! O gênio é uma criança que nunca se fecha. Por isso eles são vistos, na vida pessoal, como inconsequentes, tolos, perdidos ou bobalhões. Deixam o bom tom, o que é esperado pelos adultos de lado, e continuam querendo ver, cheirar, pegar e ir lá fora. Continuam principalmente dizendo: "Eu não sei", "Porquê sim" e "Não tem motivo". Portanto, nunca confunda um adulto-criança com um maluco doidão ou um intelectual revoltado. Esses falam por e com afirmações. O adulto-criança faz perguntas. E se cala.
  O normal na humanidade deveria ser o que vemos como raro. Todos poderiam ser Mozart. Mas, para poder viver em grupo, todos por um e um por todos ( toda criança é egoísta ), transformamos essas crianças em adultos. Gente previsível, prática e pouco curiosa. E os talentos se tornam, digamos assim, apenas "inteligentes", ou seja, funcionais e razoavelmente criativos. Integrados mesmo em sua loucura tratável.
  Por isso, como educador, devemos tentar salvar pelo menos uma migalha dessa curiosidade. Não a sufocando completamente com verdades absolutas, fórmulas incontestáveis e planos fechados.
 

Bruce Springsteen - Human Touch



leia e escreva já!

RUMO AO FAROL - VIRGINIA WOOLF, A ESCRITA DENTRO DOS MUROS.

   É um prazer conviver com as personagens dos livros de Woolf. Por ter feito parte do grupo de Bloonsbury, ela escreve sobre escritores, filósofos, pintores, intelectuais. E por serem ingleses de alta classe média, são todos contidos, refinados, sutis, incrivelmente reprimidos. E loucos, bastante loucos. Uma loucura que sempre ameaça explodir, mas não, ela se apaga, volta a espreitar, dança entre as peças de decoração. Virginia viveu entre Keynes, Russell, Vita Sackville West, Huxley, Leonard e tantos mais. O povo de Eton.
  Este livro, mágico e incrivelmente influente, a gente sente ecos dele em centenas de bons e ótimos e péssimos livros, narra quase nada. São basicamente dois dias. Um, antes da guerra, em que um grupo de pessoas passa um dia na casa de um casal. Esse casal, rico e meio decadente, tem 6 filhos, a esposa ainda é bela e fascinante e o pai é um filósofo vaidoso, inseguro e autoritário. Na casa vemos uma moça solteirona que pinta, um poeta auto-suficiente, um novo escritor pobre, os filhos do casal, empregados...Eles almoçam, vão à praia e pensam em velejar até o farol. Não irão por causa do mal tempo.
  Depois da guerra acontece a viagem ao farol enquanto a pintora pinta na praia e o poeta dorme na areia. E, em termos de ação, isso é tudo. Mas quanta coisa acontece! Woolf consegue escrever cenas completas sem a presença de um só ser humano e nos fazer sentir, sem jamais parecer exaltada, a presença do inefável. As frases parecem confusas, repetitivas, rodopiam dentro dos pensamentos de cada um dos seres que lá vivem. Ela luta arduamente para escrever aquilo que as palavras não conseguem dizer. E perde. Como acontece com tanto grande autor, Woolf perde a luta contra as palavras. Ela não consegue chegar onde queria ir. Assim como não se pode ir ao farol.
  O farol é um símbolo. E por ser um símbolo não se pode traduzir o que ele seja. Levei anos para entender isso. Se voce ler meus posts antigos irá perceber que me exibo. Traduzo símbolos para a linguagem comum. Quanta asneira! Uma símbolo tem seu significado em si-mesmo. É intraduzível.
  O farol é o farol e sendo isso ele é muita coisa.
  Assim como este livro é uma coleção de cenas estáticas com movimento interno. Mais que isso, é um livro.
  Não é fácil ler Woolf. Ela exige amor e atenção. E vivência. Voce deve ter amor às palavras, atenção ao detalhe e vivência para entender do que se fala sem se dizer.
  É uma autora digna de paixão.
  TE PEGO LÁ FORA de Phil Joanou
Revejo este clássico dos anos 80. Incrível ! Eu vivi essa época....os anos 80 me parecem muito mais remotos que os anos 70. Que é aquilo! As pessoas parecem inocentes, de plástico, diferentes de tudo que houve antes e que haveria depois...mas o filme é ok. Todo mundo conhece: um garoto é desafiado por um novo aluno valentão e grandão. A gente não ri. Mas também não se entedia.
  O LIVRO DO AMOR de Bill Purple com Jason Sudekis, Maisie Willians e Orlando Jones.
A esposa doidinha de um cara certinho morre num acidente de carro. Ele entra em colapso e conhece uma menina que recolhe lixo na rua. Ele a ajuda a fazer uma jangada. Querem ser Thor Heyedall...O filme tem todos os clichés dos anos 2010. É fofo, tristinho, fake pacas. Todos são bacaninhas e frágeis. Mas o final é bonito, meio surpreendente, e os dois atores, feinhos, são legaizinhos.
 QUATRO VIDAS DE UM CACHORRO de Lasse Hallstrom
Boa produção num filme que usa todas as armas para te fazer chorar. Demora um pouco, mas o choro vem. Um cão reencarna quatro vezes e na última volta a seu antigo dono. Lasse começou na Suécia e estourou em 1987 com Minha Vida de Cachorro. Depois de vários sucessos, e até uma indicação para o Oscar em 2000, ele anda fazendo filmes sobre cães. Uma lógica canina. Este, apesar de tão bobo, é legal. Poxa! Como falar mal de um filme que te emociona!
  A VIGILANTE DO AMANHÃ de Rupert Sanders com Scarlet Johansson
O famoso Ghost in The Shell vira este lixo sem nenhuma emoção e chato de doer. O famoso corpo de Scarlet é apenas um efeito digital, nem isso agrada. E toda a filosofia, corpo mecânico com cérebro humano, vira apenas uma aventura HQ de segunda. Um produto que mostra a que ponto baixo chegamos. Há uma corrente enorme da crítica americana que diz que o cinema acabou. São filmes como este que endossam essa tese.

QUEM É JACKSON BROWNE

   Jackson Browne foi uma dos criadores do rock made in California. As pessoas esquecem, mas até os anos 70 não existia rock californiano. Havia o rock lisérgico de San Fran, mas era o som de uma cidade, de uma comunidade pequena. O rock do estado dourado nasceu em 1970.
  Bandas como Poco, CSN, e até os Flying Burrito Brothers deram o DNA do estilo: violão, vocal macio, letras sobre drogas recreativas, amores passageiros, boa vida com pitadas de amargor. Tudo muito bem produzido, muito bem mixado, excelentes capas e ótima estratégia de lançamento. Nos shows, palmeiras no palco, gente bronzeada na plateia, um clima de paz e amor com ginástica, surf e maconha. Os ingleses do Fleetwood Mac se mudaram pra lá, contrataram uma cantora típica do lugar ( Stevie Nicks ) e um guitarrista-vocalista ´fã de Buddy Holly ( Lindsey Buckingham ) e ficaram milionários ao gravar dentro do estilo.
  Mas antes de tudo isso, em 1967, havia um garoto de 16 anos que compunha baladas soft para Nico, a cantora do Velvet. E que depois seria gravado pela turma de NY. Então, em 1970 ele funda os Eagles com Glen Frey. E os Eagles são o pior e o melhor do rock da Califórnia. Mas Jackson fica só dois anos na banda. Volta a ser solo e constrói durante todos os anos 70 uma carreira sólida, com fama, respeito e estilo. Nos anos 80 ele vai mais devagar. Vira o marido de Daryl Hannah.
  Em 1978 eu comprei Running on Empty, um dos melhores discos do ano, segundo a Rolling Stone. A revista adorava o rock de Jackson. Ignorava muita coisa ótima. ( A revista só dava valor ao que era adulto...pobres e injustiçados Status Quo, T Rex e Black Sabbath ).
  Eu odiei o disco. Comprei porque era já naquela época, um pretensioso. Me divertiria muito mais ouvindo Kiss ou Alice Cooper. Mas eu queria seguir a crítica. Me achava inteligente. ....Bom....na verdade adorei umas 3 músicas: Cocaine ( que não é a do JJ Cale ), Stay e esta Nothing But Time, que é deliciosa. O disco foi gravado em condições que nunca mais vi: como era sobre "a estrada", foi gravado em quartos de hotéis, saguões de aeroportos e até dentro de bus em movimento. No disco, Nothing But Time é gravado em bus na estrada. Dá pra se ouvir o motor, a mudança de marchas e o vento na janela. É fantástico. Não são coisas gratuitas, elas funcionam.
  É o grande disco do estilo. Claro que ao lado de Rumours, do Fleetwood Mac. E de Simple Dreams de Linda Ronstadt.
  Dá pra dizer que os punks americanos odiavam tanto este estilo como os ingleses odiavam o rock progressivo.
  Escuta lá.

BEBER GENTE

   Me permito aqui uma brincadeira. Que pode ter um fundo de verdade. Digo que bebidas, aquela que é sua favorita, podem definir uma pessoa, ou pelo menos dar uma pista daquilo que ela é. Por exemplo:
  Whisky é bebida de homem. E de mulheres de atitude. Quando digo homem falo do chavão mesmo. O cara que usa paletó, que dirige um Mitsubishi ou um Volvo. Não se fica bêbado com whisky, se fica alto. Com gelo é a bebida mais clássica do bar, e isso revela um cara meio conservador. Era a bebida dos nossos avôs. Ou deveria ter sido. Todo homem gosta de se pensar um bom bebedor, e se for de Whisky ainda melhor. Não é a bebida  da feminista, mas da mulher que escolhe seu homem. Claro que, como toda bebida, as misturas mudam tudo. Se voce colocar energético vira coisa de teen, e se misturar com refrigerante é apenas uma tapeação : uma personalidade camuflada. Quem bebe whisky se afirma. É arrogante. Mesmo não sabendo que aquilo vem da turfa escocesa. É a mais nobre das bebidas. O que não quer dizer que seja o mais nobre dos bebedores. Mas todo bebedor de whisky gostaria de o ser. Aposto um Cutty Sark.
 Conhaque é cognac e não o Dreher ou o Domecq da vida. O Napoleon, por exemplo. É a bebida do pretensioso. Do cara realmente rico. Combina com solidão de biblioteca e charuto grosso. Pouquíssima gente bebe conhaque. Além de caro tem um gosto difícil de acostumar. E se precisa usar aquelas taças gigantes... Revela uma pessoa poderosa. Bebedor antigo. Isento de se tornar um bebum. Homens silenciosos, que pensam antes de falar.
 Vodka se bebe muito, muito gelada. Só Steinhager se gela igual. Voce sente o frio nas mãos, a garrafa, sempre elegante, solta vapor frio. Mas dentro da garganta o que voce sente é lava, fogo que escorrega e queima as entranhas. Clara como água, a vodka se sacrifica pelas outra bebidas, se dá, se mistura. É a mais democrática, aceita laranja, abacaxi, Coca e até sorvete. Bebida por pessoas com unhas vermelhas e pele sedosa, a vodka é, com o sakê, a mais feminina das bebidas. Homens que adoram vodka são os mais entendidos na arte da sedução.
 Gim. A mais mentirosa das bebidas, ela parece uma coisa e é outra. Ninguém consegue definir seu sabor: amargo, neutro, doce...ruim...Também se mistura com tudo, mas o soco sempre vem quando menos se espera. É agressivo e tem a história dos bares mais baratos de 1800. Desce redondo com tônica, embebeda como veneno. Bebida de homens que gostam de ficar alegres e de levantar brindes. Ou ficar imutáveis como um assassino de aluguel. Não é bebida inteligente.
 Rum. Era coisa de pirata, hoje usa guarda chuvinhas de papel rosa. O rum é a pinga do Caribe, tem de ser bebida ao sol. É o oposto da vodka, é quente, dourado, opaco e doce. Se mistura, mas mantém sua personalidade. É bebida de gente falante, gente sorridente, mocinhas queimadas de sol, na verdade é bebida de quem não gosta muito da coisa.
  Sakê. Me recuso a falar de sakê. Esse álcool de arroz é tão sem personalidade que só pode ser irmão de um copo de água. Mulheres que querem beber e não se comprometer costumam pedir sakê. Não me pergunte porquê. Ele é o oposto do gim.
  Vinho. O vinho é tudo. É o cara e a mulher que formam uma família. É festa de batizado, casamento e esquecimento do enterro. O verdadeiro amante do vinho sabe que ele é sol engarrafado. Em nosso tempo bobo ele virou esnobismo de entendido. Mas o vinho, a personalidade vinho, ainda preserva seu calor, sua alegria, sua maravilhosa humanidade.
  Bourbon. O bebedor de bourbon usa barba. E fuma cigarros. Ele é um cara com saudades. Ele ama blues, ama carros e ama estradas. É uma bebida viril. Adora peitos grandes. Perigosa e ingênua, a personalidade bourbon é amiga. O perigo vem de sua impulsividade absoluta. Será que esse cara sabe que é cachaça de caipira...
  Cerveja. Essa é a amiga confidente, a vizinha, o amigão, o cara na escola que todo mundo conhece, mas por quem ninguém se apaixona. Estão lutando pra fazer dele "um vinho". Nunca! Ele é um moleque que olha as mulheres e se apaixona todo dia. A mulher que dá vexame e não perde a pose. É uma pessoa útil: tenta tirar a sede e nunca consegue. É barato, é povão, é o primeiro a chegar na festa.
  Paro por aqui que isto tá me dando sede.
  Se gostaram, escrevo um dia sobre café, chá, coca, suco de laranja etc.
  Saúde, skol e cheers.

WHY J.J. CALE.

   Fiz aniversário ontem. Ainda não sou um velho, mas estou na meia idade. Isso é incrível porque, ao contrário do que pensava, envelhecer não dói, e mais incrível ainda, não me deixa triste. Talvez porque toda minha curiosidade pela vida se mantenha intacta.
 Quando a gente envelhece deixa de escutar certo tipo de música. Ao contrário das outras artes, livros e filmes que prefiro ler e ver continuam sendo os de sempre, a música feita para jovenzinhos deixa de me atrair. Tente entender, não falo de música feita hoje, falo do espírito com que ela é feita. Assim como não consigo ouvir um novo mocinho falando da pureza do primeiro amor, ou do futuro do mundo; também não consigo mais escutar Duran Duran ou os primeiros Beatles sem me sentir fora de lugar.
  Quero dizer que o tipo de rock que agora me atrai, além das velhas trips nostálgicas de sempre, é um certo tipo de som que cheira a experiência, uma voz que pareça já ter visto muita coisa, um certo cansaço, mas sem nenhuma preguiça. JJ Cale é exatamente isso.
  Veja um disco como este Okieh, de 1974. Tudo aqui é calma, tranquilidade, mas nunca a tranquilidade zen ou superior; é antes a visão e o som de alguém que está sentado sobre experiências que foram já refinadas. É como se Cale tivesse filtrado seu som e sua vida, e nos desse o necessário, apenas aquilo que realmente vale a pena.
  Seus vocais são assim: econômicos. Ele é rouco, sussurra, canta o que pode, mas sem esforço nenhum. Então digo que ele canta como quer. Canta apenas o mínimo dentro do menor esforço possível. Um grau abaixo e seria o silêncio, um grau acima e teríamos energia demais. A guitarra, única, esse som foi criado por ele, vai no mesmo caminho: todo solo termina deixando um desejo: queremos mais, e mais não vem. Por isso é o som do meio do caminho.
 Não sei se Okieh é seu melhor disco. Ele tem mais de sete melhores discos. É um dos grandes. E é de uma falta de ambição completa. JJ aprendeu que se deve fazer o que se pode e não o que se quer.
 JJ Cale se chamava John Cale e usou o JJ pra não ser confundido com o galês do Velvet. Começou numa banda de psicodelia e em 1970 lançou seu primeiro disco: Naturally. Clapton gravou no mesmo ano After Midnight, e fez de Cale um cult. Até morrer Cale gravou um disco a cada dois anos, às vezes a cada três. Todos parecidos, todos bons, alguns geniais. O conheci em 1985, com Grasshopper, que é de 82. Talvez seja seu the best.
 Se voce achar JJ muito comum, ou muito simples, esquenta não. Ouve outra vez daqui a dez anos. Sua opinião vai mudar.

J.J. Cale "Ten Easy Lessons"



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ISAIAH BERLIN FALA SOBRE EU E SOBRE VOCÊ.

   Berlin é um dos mais respeitados intelectuais do século XX e deveria ser mais lido no XXI. Aqui ele fala da mais assombrosa mudança mental que o ser humano viveu: aquela que ocorreu entre os séculos XVIII e XIX. Vamos tentar explicar a meu modo...
   Para ele, o mundo ocidental sofre três grandes mudanças em seu modo de pensar e de ver a vida. A primeira aconteceu logo ao fim da vida de Aristóteles. Até então, todo o pensamento era visto como algo a ser feito em grupo. Não se analisava o homem como um ser individual, mas sim como um ser dentro de um grupo social. Filósofos como Platão falam da coletividade, do todo, nunca do indivíduo. Mas, de repente, em meros 20 anos, surgem filósofos que analisam o homem como universo separado, como indivíduo, como ser a separado um do outro.
  A segunda grande mudança vem na Renascença, quando o natural se separa do moral. A moral, a ética, o bem, deixa de ser um valor natural e passa a ser questão de escolha, de trabalho, de educação e esforço.
 O terceiro, nossa mudança, pois dura até hoje, 2017, é aquela que se inicia com o romantismo.
 A virtude, o bem e a verdade, sempre foram, por 5000 anos, vistos como o final da vida humana na Terra. A verdade existia como algo dado, bastava ao homem conseguir descobrir onde ela se encontrava. A religião, a ciência e a arte eram modos de se encontrar no mundo, no cosmos, essa verdade. E também a beleza, a ética, o sentido de tudo. A vida real estava então FORA DO HOMEM. Pois bem, Berlin explica, e eu me abstenho de transcrever aqui, o movimento mental e espiritual, o porque dos românticos terem criado uma nova verdade, aquela que diz que TODA VERDADE VIVE DENTRO DE CADA UM. Consequência imediata, se a verdade não está lá fora, então ela é relativa, cada um tem uma verdade particular, única, que independe do todo. Caminhando mais um pouco, vemos que o mundo lá fora perde valor, se torna sem verdade por si mesmo, sem sentido, apenas um tipo de cenário louco.
  O romântico criou a ideia de que para uma vida valer a pena é preciso criar sua verdade, e ao mesmo tempo criar sua vida, ou seja, só o CRIADOR vive. O artista é o objetivo de todos, o SER superior é um artista. Veja, não um pintor ou um poeta, mas sim alguém que cria um modo de viver e de ser ÚNICO. Viver deixa de ser sobreviver ou cuidar ou lutar; se torna inventar.
  O artista cria a partir do nada, cria dentro de si, o artista é LIVRE. Ele pensa, faz e acredita naquilo que sua liberdade quer. O homem se torna um ser que quer ser livre, livre para poder criar a si mesmo. E para ser livre, seu caminho se faz, logicamente, o do autodomínio. A dor, a idade, as emoções nos lembram que não somos livres. Então, passamos a vida negando a dor, negando o tempo, negando as emoções. Criamos uma liberdade que aprisiona, porque somos carcereiros do que a coloca em perigo. Vigilantes do nosso ser natural. Passamos a controlar a natureza, inimiga natural da liberdade.
  Se antes a verdade estava lá fora, onde viveria Deus, a verdade, o sentido; agora Deus, a verdade e o sentido passa a ser uma questão de inventar e não mais de descobrir.
  OS VALORES DEIXAM DE SER DESCOBERTAS. PASSAM A SER INVENÇÃO.
  Hoje vivemos a guerra entre esses dois mundos: razão X liberdade.
  A razão não é liberdade, a liberdade despreza a lógica. Pois a lógica é um valor que é o que é, independente do que eu queira ou deseje crer. Por isso a razão não pensa em termos e liberdade, ela pensa em termos de causas e consequências. A razão é sempre um bem comum, geral, não individual. Ela vive fora do querer ou do ser humanos. Ela está no universo. Pela razão pode se viver me paz, e só por ela, exatamente porque ela nega a individualidade e pensa em termos gerais.
  A liberdade abomina a razão porque ela lhe lembra do fim das coisas, dos limites do corpo e das obrigações para com os outros e o mundo. É a liberdade, o desejo por querer ser livre, que leva às guerras, às injustiças, à destruição. Esse impulso, romântico, leva a destruição de tudo o que signifique limite, dever, senso comum.
  Nada é mais odioso ao artista que o senso comum, ser mais um em meio ao todo.
  Nessa atividade criativa, nessa incessante ação original, ousada, construtiva, não há mais espaço para o ócio e para o vazio. Viver é criar, viver é fazer e deixar uma marca. Nada mais odioso que o fazer nada, pensar a toa, viver sem deixar nada em sua passagem. Esse o mundo criado pela geração de Beethoven, Wagner, Goethe e Heine, a vida como luta incessante CONTRA A VIDA REAL, A VIDA LIMITADA.
  O lema iluminista, anterior ao romantismo portanto, é: SABER PRIMEIRO, DEPOIS FAZER. O lema romântico, nosso lema até hoje, é: FAZER É SABER, ou seja, aprendemos fazendo, e assim, não nos preparamos para viver. Se antes ser um Homem era saber e pensar, agora ser Homem é fazer e agir. Fazer em impulso, não se omitir, tentar, mesmo que esse tentar seja um vexame, um desastre ou uma tragédia.
  O passo último seria criar um outro mundo, um mundo onde TUDO fosse uma criação livre, sem a natureza, sem o "de fora", sem nenhuma força que não possa ser domada e sem NADA DE EXTERIOR. Do Marxismo às teorias de Freud, em todas vem a crença de que o Homem cria aquilo que ele é, de que a verdade se encontra dentro dele e só dentro dele, de que o Homem é o senhor da vida e único responsável por seu destino. Mesmo que histórico ou inconsciente, tudo é humano, tudo é do homem.
  Observa a guerra religiosa e hoje. Ela seria incompreensível para um europeu de 1700.
  Antes, um homem sabia que sua fé era a verdadeira por ser a fé de todos aqueles que viveram antes dele. Ele lamentava o islamita ou o judeu por serem enganados por uma fé falsa. Hoje há uma sutil e mortal diferença. Quem defende sua fé a defende por ser sua, por estar dentro de si, por ser mesquinhamente seu pertence, um objeto. Antes a fé era sagrada por ser de todos, comum, o maior valor DE TODOS. Hoje ela é ostentada como mais uma criação individual de um grupo de almas especiais e criativas. Um valor de classe, e não um valor de todos.
  Termino dizendo que quando um cara como Hawkins, diz que a humanidade está pronta para deixar a Terra, vejo nessa frase perigosa todo o epílogo dessa história romântica. O ato final do egocentrismo criador, o passo rumo à ilusão de uma liberdade que não existe, o sonho de um mundo sem natureza.

CHARLIE CHAN, FILMES DE SAMURAI

   CHARLIE CHAN E A MALDIÇÃO DA RAINHA DRAGÃO de Clive Donner com Peter Ustinov, Lee Grant, Michelle Pfeiffer, Roddy McDowell e Richard Hatch.
Oh God! Em 1980 fizeram esta comédia com o venerável Chan feito por um sonolento Ustinov. Ainda pegaram a novata Michelle para fazer uma noiva burrinha. O filme é uma tentativa de criar um novo inspetor Clouseau ( que seria Hatch, o neto de Chan ). Correrias e gritos que nunca são engraçadas. O filme é um fracasso completo.
   A ÚLTIMA ESPADA de Yojiro Takida
Um recente épico samurai. Que, apesar de bonito, nunca consegue emocionar.
   JURAMENTO DE OBEDIÊNCIA de Tadashi Imai
Ganhador do festival de Berlin em 1963, este filme cruel exibe o sistema japonês de obediência. Conta a história, através de várias gerações, de uma família que sempre deve obedecer um senhor. Vemos homossexualismo, estupro e muito sangue. O filme é um pesadelo e tem uma ira absoluta.
Forte, muito forte.
   LOBO SAMURAI 2 de Hideo Gosha
Continua a saga. Este é menos louco que o primeiro. É um convencional filme de samurai em que o Lobo está um pouco mais tranquilo.
   CRÔNICAS DOS SHINSENGUMI de Kenji Misumi
Fala de um samurai de honra que se decepciona com seu líder. Um belo filme com aqueles atores japoneses tão desconhecidos no ocidente e tão maravilhosamente bons.
   GUERRA DE ESPIÕES de Masahiro Shinoda
Este conta a era em que o Japão era uma teia de espiões. O tempo dos Tokugaua, século XV. Bastante confuso, com um clima sombrio bastante invulgar.