O ROCK MORREU. ELE ERA UMA ALQUIMIA E HOJE É UMA EQUAÇÃO.

Quando criei este blog meu objetivo principal era falar de cinema. Isso mudou com o tempo. Mudou quando percebi, triste, que o cinema nada mais tem a dizer de novo. Sociologicamente ele está morto. Comercialmente não. O cinema hoje existe como produto, seja diversão para as massas, seja objeto para festivais. Irrelevante. Escrever sobre cinema acaba sendo exercício de saudosismo ou esperança sempre frustrada. Faço ainda as duas coisas. Porém a saudade está muito revisitada e a esperança começa a murchar. 
Escrever sobre rock é ainda pior. Porque?
O rock só pode ser verdadeiro se for jovem. Não existe rock antigo. Rock antigo é apenas música. E não falo da idade de quem o faz, falo da atitude. E atitude jovem não significa uma calça rasgada ou uma guitarra alta. Significa crer. Acreditar no ser jovem. Isso, no rock, morreu por volta de 1995.
Sintomas de putrefação. O rock nada mais diz sobre o futuro. Ele nada significa para o mundo de 2030. Todos os temas que importam foram abandonados. E quando são abordados têm o cheiro mofado de 1968 ou de 1983. Mais, em termos de moda o rock é hoje a retaguarda. É um brechó musical. O apodrecimento ocorre também nas roupas, não só nos riffs. 
Gente realmente moderna não ouve mais rock. Pode até tentar de vez em quando, mas como um recuerdo, um souvenir. Rock é em 2014 por definição um ato que remete ao passado. Toda banda nova lembra uma banda menos nova. No fim é sempre o rock de garagem ou a moda setentista de Bowie, Can ou Neil Young. Música, apenas música, e quem entendeu o rock sabe, rock nunca foi uma questão musical.
Porque não dá pra chamar de rock algo que seja conformista. Se o caretão ama essa sua banda isso não é rock. É música pop. Nada contra! Eu adoro ABBA. Mas aqui e agora estou falando de rock. E ABBA, assim como BEE GEES nunca foi rock. 
Na escola eu vejo. Dois tipos de alunos gostam de rock. Um é o bobo da sala. O outro é o esquisito triste. Ambos são legais, ambos são nada rock`n`roll. Bowie foi um esquisito da sala. Mas David Jones soltou os bichos e virou David Bowie. Esses alunos vão no máximo aprender um dia a tocar The Jean Gennie. Vão apenas fazer música. E música não é rock.
Os rebeldes, ainda existe isso, não estão ouvindo rock. Porque sentem que o rock é coisa de gente boba. E quando o rock vira coisa de quem não transa e não sai de casa, bem, isso não é mais rock. Parece jazz. Que desde 1960 também deixou de ser jazz e virou apenas música.
Esses rebeldes escutam RAP. Escutam coisas de pretos. O mais importante, fazem coisas. O rock virou trilha sonora de quem apenas ouve rock. Rock que faz com que a pessoa jovem se mova e caia na vida....Isso se foi com as primeiras raves e com os discos primeiros do grunge. 
Por isso o rock morreu. Porque ele era um discurso que tinha muito a dizer sobre tudo o que rolava. Porque ele guiava os perdidos para a perdição total. Era o irmão mais velho que chamava da zona escura. Era o blues do branco. Alma e carne. Sexo e fé. Agora é apenas um bailinho de debutantes. Ou pior, convite para se trancar no quarto e amaldiçoar a vida. 
O rock morreu e eu sei disso porque eu amei profundamente o rock. Lembro do que ele foi. E o fato de lembrar mostra como ele se tornou passado. E rock, como bem intuiram os punks de 1977, não pode ter um passado. Ele deve ser apenas futuro. Sempre futuro. 
Posto um clip milagroso de Lightinin Hopkins. Em um minuto e meio ele mostra a explosão que transformaria jovens rígidos ingleses em maloqueiros pretos. Isso é o rock, UMA ALQUIMIA. 

LET`S GET LOST, UM DOC DE BRUCE WEBER SOBRE CHET BAKER

Flea anda pela praia e ri. É a música que o faz rir e Flea sabe tudo de tudo que vale a pena escutar. Questão de cintura. Bruce Weber, que sabe tudo de imagem ( melhor fotógrafo de moda ), mostra mais uma vez o que a gente sabia que ele sabia. Mas Bruce ama música também e então eu entendo que suas fotos são músicas em revelação. Bruce Weber fez os mais belos clips da mais bela fase da MTV ( Pet Shop Boys e Chris Isaak ). O coração de Bruce Weber é de Chet. E Chet Baker é o trompetista branco que queria ser preto. O cantor de jazz que desejava morrer de tanto amar. Este documentário, que posto inteiro para voces, é de 1991. E voce sabe, 1991 foi um dos mais lindos dos anos. A beleza vence a morte. Sempre.
Ah meu amor! 1988 foi o mais amoroso dos anos. Eu te dava rosas menina. E escutava Bizet e Chet toda manhã. Manhãs que eram vividas em êxtase frio, o inverno foi cruel, e chuva que grudava em mim. Suas mãos eram brancas e os seios pareciam de seda. Meu amor, eu me emocionava apenas pensando no céu. Descobri Zorba, descobri Waugh e encontrei Lorca. E mais que tudo eu mergulhei no mel de voce. E Chet Baker cantou para nós dois.
Vejam o documentário.
A vida sempre pode ser melhor. Apesar de toda dor que se faz.

Let's Get Lost - Chet Baker Documentary



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CRIANÇAS OCUPADAS

   As crianças não têm tempo livre. Roubam delas os únicos anos em que elas podem simplesmente estar vivas. Ignorar tempo, horário, estação. Poder criar distrações dentro desse tempo que se estica. Vislumbrar horizontes que se abrem em cada esquina. Mas agora elas, as crianças, têm obrigações. Escola, inglês, esportes. Mas eu penso depois: Na verdade essa não é uma novidade. Na verdade esse é um retorno. Uma volta ao normal.
  O mundo pós-segunda guerra é uma aberração e temo que tenha sido uma ilusão irrepetível. Uma Europa sem guerras é um luxo. Um Ocidente sonhando e quase conseguindo acabar com a fome é uma aberração. O mundo vivido entre 1945/1990 foi um caso a parte da história. Falo do mundo europeu e norte-americano. Houve aí um hiato de paz e riqueza sem par em toda a saga humana. E voltando ao assunto, nesse mundo as crianças se tornaram Crianças. Como os moleques viraram teens. O rock nasceu nesse hiato. 
  Crianças pobres sempre trabalharam. E as criança ricas eram desde cedo preparadas para exercer o poder. Tocavam piano, escreviam, cavalgavam, esgrimiam. As pobres se matavam em fábricas, nas ruas em pequenas tarefas ou simplesmente morriam. As crianças super atarefadas de 2014 voltam a ser aquilo que seus tataravôs foram. 
  Porque a criança que eu e toda a geração que hoje tem entre 30 e 70 anos foi é uma anomalia. Um breve instante em que a infância foi hiper-valorizada. Em que se deu tempo e espaço, se pode dar ócio e fantasia ilimitada para toda criança de classe média ou até de menos poder aquisitivo.  Foi a época dos Anos Incríveis, dos gibis, dos Super Heróis, do rock, dos brinquedos que precisavam de espaço. Um tempo que foi preparado por Lewis Carroll, por Rousseau, por James Barrie e por Lobato. Uma época em que a criança foi mimada, deixada em paz, idolatrada e liberada. 
  Uma criança que tem todo o tempo ocupado, que se torna útil, não é uma novidade. É um retorno. É o fim de uma fantasia. É o nascimento de um mundo menos seguro, mais duro, mais severo, é a volta da vida real.

A MOÇA ITALIANA- IRIS MURDOCH

   Nascida em 1919, Iris Murdoch foi uma feminista. E também socialista. Chegou a ser impedida de entrar nos EUA por causa desse seu perfil. Mas acima de tudo ela foi uma filósofa. Sua base filosófica é espiritual e naturalista. O amor, para ela, é o que nos faz ser coisa real. Ele é objetivo. Iris Murdoch rejeita o subjetivismo. A análise leva sempre ao EU e o eu leva à solidão absoluta.
  Aqui temos um livro escrito por ela em 1964. ( Quem quiser saber mais sobre Iris assista o filme de mesmo nome. Kate Winslet faz ela jovem e Judi Dench sua velhice ). Devo dizer que este não é um grande livro. Mas ele é necessário. Iris mostra uma familia completamente destruída. Pelo sexo. Iris não demoniza o sexo, mas mostra o poder de morte que ele possui. Ela vai ao extremo. As pessoas se agridem, se matam, se chutam, se anulam. E o amor só nasce ( nasce? ), após toda essa ruína.
  Desagradável e árido, é um livro dificil.
  Nada mais a dizer. Iris Murdoch, famosa, se foi neste século. Fez uma legião de dedicadas seguidoras. Suas palestras eram vistas quase como rito religioso.
   Ela faz falta.

AQUELA PRIMAVERA FOI MUITO QUENTE!!!!

   Foi um setembro muito quente. Meu cabelo suava e meu sovaco tava sempre pingando. Em 1980 os desodorantes daqui eram ruins. Tanto quanto os telefones. Mas tinha umas coisas boas. Ir aquele fim de tarde de sábado ao Shopping comprar dois discos foi muito legal. Um deles foi EMOTIONAL RESCUE, o outro não consigo lembrar.
  Eu tava apaixonado naquele tempo. Muito in love. Talvez o outro disco tenha sido brasileiro. Foi na Hi Fi, uma loja moderninha, cheia de cabines pra ouvir os discos antes de comprar. Fui com meu bro`.
  A capa do LP era bem doida com umas fotos esquisitas dos caras. Ouvimos naquela noite. Na época eu achei um disco ok. Me diverti muito com ele nesses anos todos. Disco de verão, quente, juvenil, alegre pra caramba. Ouvindo hoje, dia de sol, eu com trinta e quatro anos a mais ( Impossível !!!! ), como foi ?
  Dance é bacana. Lembro de Zeca Jagger falando da cuica que rola no som. Tenho esse recorte. Ele chama a banda de Os Jaggers. Summer Romance é deliciosa. Fala disso mesmo, amor de verão. Pra quem não sabe, aquele seria o melhor verão da história. Tangas, top less, otimismo a toda, muita cor. Summer tem um Charlie Watts dos diabos. O som dos pratos é dantesco. E o timbre das guitarras é sorridente. Pra cima. UP! Send It To Me é o melhor reggae dos caras. E tem um micro solo do cacete de tão simples.
  Let Me Go é uma das dez melhores canções dos Stones de 1978 pra cá. A batida é foda. O riff é foda. E percebo que Bill Wyman nunca tocou tão bem. O disco é dele. repare, as linhas de baixo de todas as faixas são ótimas. Sacolejam. Floreiam. Indian Girl é um quase country com um piano lindo e uns metais de mariachi bons demais. Quando voce se apaixonar escute-a.
  Where The Boys Go é uma alegria. O som corre e Mick pergunta onde os caras vão sábado de noite. Eu ia atrás da meninas. Eles também. O coro feminino é de matar. Uma faixa very very sexy. Pulo a faixa seguinte. Zeca dizia que ela era ruim. Me too. Mas então que tudo cesse: Eis Emotional Rescue. Baixa um Marvin Gaye em Mick. O baixo é delirantemente criativo. E esse eco nos pratos bota o universo pra dançar. Duca duca duca!!! O sax de Bobby Keys é astronômico! E.....She`s So Cold !!!!! Riffs malandros de uma guitarra contida. Elegancia baby, em grau máximo. Tam tam, e vem o solo. Tam tam, são os pratos. Wow!!!!
  Enfim All About You que é Keith desabafando sobre Anita. Tipo de som "mesas de bar com cadeiras em cima e velho varrendo o chão"....O piano é lindo...
  Estava neste sábado conversando com meu friend Fernando Tucori e dizia que uma banda tem, com sorte, cinco anos de criação. As melhores conseguem esticar esses cinco em mais uns dez de repetição, de auto-plágio. Os Jaggers fizeram este LP aos 17 anos de estrada. Os 5 grandes anos haviam sido sete ( de 65 à 72 ), e agora eles rodavam na memória desse topo. Mas aqui há criação, há novidade, hà tentativa.
  Descaralhante? Não. Mas, uma alegria duradoura, sim!

DOM HEMINGUAY ( filme com Jude Law ), E O FUNDAMENTALISMO.

   Jude Law é Dom Heminguay. E aqui ele tem um dos melhores papéis do século. Desta bosta de século. ( A gente sabe como ele vai acabar, Arnaldo Jabor tava certo ontem, vai acabar com o dominio do fundamentalismo islamita sobre todo o ocidente. Ou voce acha que a gente tem chance? Nós, educados, agnósticos, pensativos, à procura de um mundo melhor, querendo o progresso, científicos....Como podemos vencer uma filosofia que já chegou às suas respostas? Como vencer um exército cuja arma é a própria pele? Como vencer uma religião que ama a morte? ). Fugi do assunto, mas talvez não.
   Dom ama seu pinto e começa fazendo uma ode a seu pau. Depois ele sai da prisão e por ter sido fiel como um cão espera receber uma bolada de um chefão russo. Quando bebe Dom fala merda e quase bota tudo a perder. Mas perde num acidente de carro. E se vê durango tendo de puxar o saco de um negro e se fode todo de novo. Ou não?
   O filme fica um saco quando ele vai atrás da filha. Um saco. Mas ok! Há o que compense! 
   Ao contrário de Heminguay, o americano, este larápio inglês fala num estilo exagerado. Ele verbaliza uma prosa suja e poética que é linda de ouvir e bela de se ver enunciada. Tudo é big na boca de Dom. Ele fala muito, fala como um Amazonas negro correndo por entre uma selva do inferno onde insetos transportam doenças fétidas e indios famintos se enchem do pior álcool do universo enquanto a Lua tenta avermelhar o mijo fodido de um bando de pervertidos caminhoneiros sacanas. É assim seu modo de falar.
   Richard E. Grant faz o amigo e Grant é sempre ótimo! O tipo do cara cool e  meio bicha. Jude leva o filme com magnífica verve. A gente vê quase todo o trabalho com um puta prazer. Menos o final que é meio piegas. 
   Depois falo mais.

VLADIMIR NABOKOV, OU, O QUE É UM ESCRITOR

   Nabokov morreu em 1977. Como Chaplin. E Hawks. As pessoas falam dos mortos de 2014 mas nenhum deles tem a estatura dos mortos de 77. Quando morreu, na Suiça, Nabokov era o escritor mais famoso do mundo. E um dos mais dificeis. Lolita se lê facilmente ( se voce for minimamente culto ), mas seus livros pós-Lolita são tão áridos como Beckett e Joyce. A fama popular de Nabokov caiu. Lolita virou tabú, a palavra Ninfeta é hoje um palavrão. Ele é esquecido porque todo escritor dos últimos 50 anos se torna esquecido depois de morto. Saul Bellow, Mailer, Yourcenar, Updike, Vidal, todos são muito menos conhecidos hoje que quando vivos. A molecada não faz a menor ideia do tamanho da popularidade de Bellow. E de Nabokov. 
  Ele não recebeu um Nobel. Bellow sim. O que posso falar é que Heminguay, Faulkner, Mann e Yeats receberam. Eliot também. Mas Joyce, Proust, Borges e Rilke não. Assim como Waugh. Penso que a lista dos não agraciados é melhor. Well...Nabokov é lembrado por alguns, e esses o chama de melhor escritor em inglês dos últimos cem anos. Funny....assim como Conrad foi o maior da virada dos 1900, e era um polonês escrevendo em inglês, temos aqui um russo que escreve em inglês. 
  A Veja publicou uma péssima resenha sobre Nabokov. A moça não entendeu nada! Fez uma crítica bolchevique a um aristocrata fugido. Nabokov é fino, chique, cômico, um esteta. Ele nos faz ver a beleza do quase nada. Nos ensina a olhar a vida. A moça nada percebeu. Pobre escriba...
  Bebo as páginas de Nabokov e ao lê-las me sinto um privilegiado. Alcanço sua nobreza. Comungo com sua vida fugitiva. Na verdade ele nunca saiu de sua fazenda. Esteve em Berlim, em Paris, viveu em Londres e na Califórnia. Por fim a Suiça. Era vizinho de Chaplin. E em todos esses lugares ele foi o mesmo. Um garoto russo da aristocracia. Culto ao extremo, cercado por seus 50 lacaios. E curioso sobre tudo e sobre todos. Um escritor.
  Vale!

The Rolling Stones - I Am Waiting (Live 1966)



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The Rolling Stones - Under My Thumb (1966)



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AFTERMATH É PERFEITO.

   Estas notas foram encontradas num paletó de Anthony Roxy, The Second, pai de meu amigo Anthony Roxy, The Third. Encontrei essa bela peça de vestuário, comprada em Carnaby Street nos idos de 1966, dentro de um belo baú de tiras de ferro. Paletó listrado na vertical, de linho, com um forro de seda vermelha. Segue o texto ( escrito originalmente na bela grafia de Roxy, tinta roxa, caneta tinteiro com pena de ouro ) ...
  " Brian tem o estilo e Mick tem o sexo. Keith tem o rock and roll.
     Brian surge em minha maison com uma blusa de seda rosa e um poá de penas brancas. Sua namorada, Anita, a Diva, se veste exatamente como ele, as mesmas cores inclusive. A calça é justa, veludo branco. Estão ultrajantemente descalços. Mick veste uma simples camiseta de marinheiro e a calça é de alfaiataria. Sapatos de fivela, vinho. Impressiona a fragilidade física de Mick, ele parece feito de vidro. Keith tenta parecer um filho de mineiros de Newcastle. Usa um velho casaco de camurça bastante sujo. As unhas estão pintadas de negro. Os 3 me trazem seu novo disco, Aftermath. Fico feliz em saber que eles não tentam se parecer com "aquela banda"suburbana que insiste em se fazer simpática. Os 3 têm um ar blasé, penso que estão escolados no estilo "nem aí" da nouvelle vague. 
   O disco é escutado e me parece bastante bom. Não se compara aos singles recentes, especialmente a 19th Nervous Breakdown, mas a variedade desse Aftermath me espanta. Eles conseguem cavar seu nicho. Longe da simpatia dos 4 chatos de Liverpool e sem a acidez do bardo marxista dos Kinks. Bravo!!!" 
  Após ler esse rascunho resolvo reouvir o LP, afinal, a BBC escolheu a duas semanas Aftermath como o melhor disco dos Stones e um dos top 5 forever...
  Ele começa bastante atual. Mothers Little Helper fala das pílulas que ajudam as mães a suportar o cotidiano chato. A melodia, urgente, levada acústica, é das mais grudentas. Há algo, mínimo, de Dylan. Quem em 1966 não tinha algo de Dylan?
  Aftermath é uma obra extremamente rica. É o único disco deles em que há o trabalho de Mick, Keith e Brian em doses iguais. Nenhum dos 3 estava muito drogado ou brigado. Essa colaboração tripla dá ao LP variedade e beleza. Stupid Girl fala da mais idiota das mulheres e serve para marcar posição. Enquanto os Beatles falam das musas ( Michelle e Girl ), eles desprezam a estúpida mocinha. E se Lady Jane parece romântica, e é, Under My Thumb, uma obra-prima, conta a história da menina que agora é o "mais lindo animal de estimação do mundo". A riqueza sonora: Brian usa um cravo em Lady Jane, toca xilofone em Under My Thumb. Devo ainda dizer que Mick Jagger nunca cantou tão bem como em todo este disco. Sua voz, mais grave que no futuro, raspa os ouvidos de quem escuta. 
   Doncha Bother Me é um blues. Slide soberbo, curta e grossa, ela prepara a majestosa entrada de Goin Home. Oh....Goin Home....Ela quebra padrões!! Dura 12 minutos, é improvisada, tem sons de um trago num baseado, e antecipa, nos improvisos vocais de Mick, tudo aquilo que Jim Morrison desenvolveria. Um acorde de guitarra anuncia o som, ele vem negro, estradeiro e depois se metamorfoseia em viagem psicodélica. Um voo se ergue.
  Lado B. Flight 505. Tipo Chuck Berry. Mas com um baixo distorcido e mais velocidade. O tal voo é aquele que matou Buddy Holly. High and Dry é o primeiro country gravado pelos Stones. E portanto, é a mais Keith das faixas. Tipo de canção rápida de buteco. Bem suja, ficaria bem em Beggars Banquet. Out Of Time é um baladão para se cantar em coral. Brian arrisca um orgão de igreja. Daí vem It`s Not Easy que traz a marca da banda: riffs maravilhosos e um solo curto e objetivo. I Am Waiting é barroca. Keith e Brian fazem acordes quase religiosos nos violões e no cravo e Mick canta como em Lady Jane, como se ele fosse um Shelley renascido na Carnaby Street. Linda de sonhar, a canção é feita para o amor. Vem depois Take It Or Leave It. Canção de rádio de 1966. Bonita, simples, sincera, boa de cantar junto. Que belo cover daria em 2014 !
  Think anuncia o começo do fim deste magnífico disco. E a dramática What To Do encerra com chave de diamante. Uma música que combina tristeza e raiva. Os últimos segundos do disco ecoam o futuro da banda, fel e beleza. 
  Aftermath é perfeito.

CONTOS REUNIDOS DE VLADIMIR NABOKOV

   Estou mergulhado e enfeitiçado nas 800 páginas de CONTOS REUNIDOS do mago esteta Vladimir Nabokov. Li as primeiras 200 páginas. Elas correspondem a seus primeiros contos, escritos na Alemanha e na Inglaterra, por volta de 1924. Um jovem de 25 anos portanto. E quanta invenção, quanta sensibilidade e melhor que tudo, já nascente, seu dom de unir humor a drama e dar pinceladas de sobrenatural e de inefabilidade à vida cotidiana. Sentimos toques de invisível. Como borboletas, como metamorfoses, como folhas que não se consegue ver.
  Li 15 contos até agora. Não há um só que seja menos que ótimo. E alguns têm a marca de genialidade refulgente. Pegue NATAL por exemplo. Fala da morte de um filho. E de um pai que sofre sozinho. Em apenas 5 páginas Nabokov nos faz quase ver Deus em nossa frente. Raramente li alguma coisa mais bem acabada, bem construída, matematicamente precisa. À beira da morte nasce um lembrete. Não, não posso contar o final. O que posso dizer é que ele entra na muito restrita conta de meus contos favoritos. Eu daria tudo para escrever alguma coisa como essa.
 Mas temos também A VENEZIANA. Esse é uma aula de surpresas plantadas, de clima estranho, de suspense e de beleza. Fala de um quadro, uma esposa e um jovem tímido. Perfeito. Há ainda BATER DE ASAS, um conto assustador, feio, sujo e bastante pessimista em seus erros denunciados. DETALHES DE UM PÔR DO SOL, outra perfeição, narrativa que se desenrola como música, harmoniosa e sempre surpreendente.
 Ler Nabokov é um prazer que descobri aos 48 anos. Todos sabem que meu autor favorito, em prosa, é desde os 38 anos, Henry James, mas Nabokov escreve exatamente aquilo que eu gostaria de escrever se tivesse talento. Vladimir é vasto e ao mesmo tempo pequeno. Seu humor reside na sombra, em meio ao Kaos, no cerne da dor. As descrições nos fazem ver e quase sentir o cheiros das coisas. E os personagens vivem, mesmo quando descritos em apenas 3 linhas. Um mestre.
  Lerei o resto lentamente. Lê-lo é como beber um Porto. Em pequenos goles, usufruindo do momento, da cor.