AS ILHAS DA CORRENTE- HEMINGUAY

   Heminguay teve uma influência tremenda em minha vida. E sobre a vida da América, claro. O SOL TAMBÉM SE LEVANTA é o que li mais vezes, mas este vem logo em seguida. Há uma diferença radical entre os dois. O SOL é do jovem Heminguay. É considerado seu melhor livro, escrito nos anos 20 e talvez melhor que o Gatsby de seu rival cordial, Fitzgerald.
   AS ILHAS DA CORRENTE é de sua maturidade e tem a fama de ser um dentre os vários livros "problema" de Heminguay. Eu adoro esse livro, tanto que já o reli mais de 4 vezes. Até a receita de um almoço descrito no livro eu fiz e faço. Mas aqui vale um senão.
   Adoro esse livro porque o personagem central vive onde eu queria viver, e se comporta de uma maneira que incorporei como "minha". Quando um leitor se identifica com uma personagem fica um pouco comprometida sua avaliação. Críticos deveriam confessar isso mais vezes. Eles podem adorar um livro, ou um filme, apenas pelo fato de que o herói da coisa é aquele que ele pensa ser ou adoraria ter sido. O público em geral se guia sempre, ou quase sempre, por esse padrão. Mas quem ganha dinheiro para escrever sobre estilo e criação deveria tomar mais cuidado. A VERDADEIRA grande obra tem um pouco de cada um de nós e ao mesmo tempo cria seres que são únicos.
   Desse modo, se me identifico com o Heathcliff do MORRO DOS VENTOS UIVANTES não há o mesmo tipo de problema, pois todo homem apaixonado se identifica com Heathcliff e ao mesmo tempo sabe que nunca é Heathcliff. Enquanto percebe ser Heathcliff ele sente que Heathcliff não pode existir pois está além do humano. Ele é arte.
   Isso não acontece aqui. Ao contrário de Jake Barnes, que no SOL é universal, o escritor que vive numa ilha deste livro é particular. Um belo personagem, não uma obra de arte, ele é incompleto. Quem não se identificar com ele não verá valor neste livro. Por outro lado, para sentir a grandeza do MORRO não é preciso identificação com Heathcliff.
   Mas há belo valor em se criar um personagem que toca a alguém. Que tocou um brasileiro de 20 anos e que ainda toca o mesmo cara aos 50.
   O livro fala de um escritor, ácido, que vive numa ilha perto de Cuba. Não é uma ilha isolada. Ele tem amigos lá, e amigas. Seu grande amigo é um drunk radical. Então ele recebe a visita de seus 3 filhos. Pescam em alto-mar. Acontece uma tragédia e ele reencontra sua ex-esposa. O enredo é esse, mas não é isso que me interessa. O que me seduz são seus tempos vazios. Heminguay descreve comida, fala de drinks e de iscas. É esse lado "desimportante" que releio. O cotidiano vulgar da ilha.
   Foi exatamente esse lado "vazio", esse divagar, que fez a ira da crítica e fez do livro um fiasco. Eu adoro. Jamais vou achá-lo tão bom como O SOL..., mas é um livro que sempre estará comigo.
   Não é coisa pouca.

GLASTONBURY FAYRE (1971,UK) part - 1



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GLASTONBURY E O MUNDO É DAS MULHERES ( E SERÁ QUE ELAS GOSTAM DISSO ? )

   Imagens de Glastonbury em 1971. É o segundo ano da coisa. O "dono" do festival, agora, em 2013, ainda é o mesmo. Mas tudo mudou. Pra pior? Pra melhor? Sei lá.
   Vejo as imagens. Fato primeiro, as pessoas com 18 anos pareciam mais velhas. Ninguém tem cara de "vitaminado" ou de "malhado". São pessoas feias. Sujas. Os corpos parecem flácidos, mal cuidados. Os cabelos são imundos.
   Fato segundo. Voce não vê duas pessoas parecidas. Rostos e roupas possuem uma variedade absoluta. Isso choca e é um dos fatos que mais me deixa abilolado nas escolas onde vou: em 2013 todo mundo se parece. Existem cerca de quatro "tipos" e todos se encaixam nesse padrão. Tem o barbudo boa gente, o tímido de óculos, o delicado de camisa e o black descolado. As variações dentro desse padrão são mínimas. A tendência é a coisa ficar cada vez mais igual. Na minha escola temos só dois tipos!!!! O moreno magrinho de boné, do funk, e o cabelinho empastado, de preto, do rock. E é só. Até gays, que eram hiper criativos hoje seguem um tipo padrão. Puá!!!!
   Fato três. Glastonbury era menos show e mais experiência. O centro do evento era a "celebração do solstício de verão". Toda a coisa girava ao redor de mitologias celtas, bruxarias exóticas e as tais "expansões da mente, dude". Na verdade o palco era secundário. A banda fazia a trilha sonora para a "coisa". Hoje Glastonbury é apenas mais um festival de rock. Onde até velhos milionários tocam.
   Fato quatro. Nessa coisa dionisíaca o som ia pra onde desse na telha. Toda banda tinha de saber improvisar. O músico sentia o "astral" e ia nessa direção. E quem ditava o astral era a platéia. Hoje a banda dirige o povo. Ela cria o astral que é sempre uma festa de teens. Não existe perigo algum. Tá tudo dominado.
   Fato cinco. A Tv transmite ao vivo. Sem chance de alguma coisa fora da programação.
   Fato final. As bandas tocam bem agora. E são profissionais. E bonitinhos. So cute and so cool. Do bem, sempre. Viva!
   PS: Em 1971 mamãe teve medo. Hoje mamãe me leva lá.
   Sobre as mulheres.
   Toda banda é para as meninas. Fora o metal mais radical, tudo hoje tem por alvo as meninas. São letras com emoções femininas e que falam coisas gracinha. Ecologia, neuroses, amor, medo, esperança, dor. Há uma ausência de temas "machistas". Carros, estradas, velocidade, bebidas e mulheres fáceis. No rock? Por isso que adoro rap. O rock virou som de castratti.
   OK, tou sendo bobo e radical. Tem excessões. Claro que tem! Mas 90% é só um cara "sensível" chorando suas mágoas. Elton John hoje seria considerado um cara feliz e Donovan seria viril.
   O mundo se feminilizou, estava falando sobre isso com um cara que tem uma banda. E no fundo as mulheres morrem de ansiedade. Não encontram mais homens-homens ( não sou esse cara ). Ficam com barbudinhos sensíveis ou bebedores de cerveja compreensivos. Elas namoram esses caras. Gozam?
   Vi um Chevy 1971 na rua. Em 1971 todo carro parecia ser carro de malandro. Transpiravam sexo. Liberdade. O carro era fálico. Hoje eles são redondinhos como bundinhas de bebê. Carros de familia.
   Né não?

Steve Winwood - CAN'T FIND MY WAY BACK HOME (Live)



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TRAFFIC - Paper sun (1967)



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UMA LINDA HISTÓRIA DE UMA BANDA MUITO ESPECIAL

  A vida toda estive atrás de uma menina, ela não tem rosto, não tem nome e nenhum número...Ela está dentro de mim...
   Esse o mote de "No Face, No Name, No Number", faixa do primeiro disco do Traffic, 1967. Todo o romantismo inglês explicitado na mais romântica das bandas do lado de lá do Atlântico. Caramba! Como pode isso! Entre She Loves You e o Traffic se passaram apenas quatro anos??? Parecem décadas!
   Em 1966 uma banda chamada Spencer Davis Group estourou com duas canções número 1 nas paradas: I Am A Man e depois Gimme Some Lovin'. No vocal um garoto de 16 anos, Steve Winwood. Começaram a dizer que era o novo Ray Charles ( NÂO ). Se os EUA tinham Little Stevie Wonder, a GB tinha Little Steve Winwood.
   Porém, com 16 anos, Steve já era aquilo que é até hoje, a reencarnação de Wordsworth. Ficou puto por ter virado Pop e se mandou para o campo com uns amigos pouco mais velhos. Lá, em Yorkshire, cercados de vários chás, ácido e muita erva, formaram uma banda de "boas vibrações". Nascia o Traffic.
   Boas energias...inexiste agressividade no Traffic. E abundam erros técnicos. Steve é um grande músico e um hiper cantor. Sabe tocar guitarra, teclados, baixo e bateria. Já gravou discos em que ele toca tudo. E Dave Mason, guitarrista do Traffic era excelente. Mas Chris Wood e Jim Capaldi só ficaram no grupo por serem brothers e terem alto astral. Chris era um desastre no sax, flauta e teclados e Capaldi acabou por desistir da batera e virar um surpreendente bom cantor. Well....continuando...
   Chapados e fixados em símbolos celtas, yoga e astrologia, os quatro assinaram com uma nova e pequena gravadora, a Island. E gravaram um single e um LP. Na produção botaram outro novato, Jimmy Miller. O que rolou? Mais sucesso inesperado!
    Chris Blackwell, dono da Island, acabou sendo o poderoso descobridor de Bob Marley e lançador do Roxy Music, do King Crimson e do ELP. Depois seria a casa do U2. Jimmy Miller fez tanto sucesso como produtor dos três primeiros Lps do Traffic que os Rolling Stones logo o chamaram e roubaram Milller de Winwood. Com Jimmy Milller os Stones gravariam TODOS os seus discos entre 1968 e 1974, ou seja, seus melhores trabalhos. Mas porque Miller fez tanto sucesso como produtor?
   Tenho esses três Lps em vinil e em CD. Tente ouvir em vinil e please, não baixe. Os dois primeiros LPs do Traffic são considerados até hoje uma obra-prima em termos de som estereofônico. São feitos para se escutar com fone de ouvido. Experimente. Os instrumentos ficam o tempo todo dançando entre a direita e a esquerda. Sons aparecem no ouvido esquerdo, voam para o direito e voltam. Ruídos aqui e não lá, lá e não aqui. Um grito aqui. Um solo que vai para lá. É um som espacial, ele anda, caminha dentro da cabeça de quem escuta. É uma arte perdida.
   Steve Winwood é uma pessoa amável. Calma. De sorriso suave. Gravou com TODO mundo. Era amigo de todo mundo. Posso lembrar agora de Eric Clapton, Jimmy Hendrix, Marianne Faithfull, George Harrison, Pete Townshend, e vasto etc. Todos tiveram banda ou gravaram com ele. O Traffic acabou em 1970, voltou em 1971 e voltou a terminar em 1974. Daí a carreira solo. Com 24 anos em 1974, Steve Winwood já tinha quatro bandas de sucesso nas costas e um monte de trips para contar.
   Jim Capaldi mora a trinta anos no Rio. Gravou até com Ritchie. Lança disco em Londres de vez em quando. É maluco pelo Arpoador e pelas mulheres do Brasil. Chris Wood morreu nos anos 80. Dave Mason tentou carreira solo e virou requisitado guitarrista. Seu mais famoso trabalho é no Beggar's Banquet dos Stones. Sim. Algumas daquelas guitarras de aço são dele. E Steve Winwood enveredou pelo Pop. Como ocorreu com tanto ex-maludo hippie, ele assumiu que seu amor maior sempre foi a soul music de Marvin Gaye e de Sam Cooke e foi por essa senda.
   Acabo de reouvir pela milionésima vez o Best Of do Traffic. Tenho esse vinil desde 1979. É um disco perigoso. Há algo de muito escuro nele, de muito onírico e voce pode se perder dentro dele e não voltar nunca mais. Pior, pode não querer voltar. É bonito.
   PS: Postei esse video de Glastonbury em 1971. Jim Capaldi é aquele com o pandeiro no microfone. Winwood está ao teclado, cantando. O show é absolutamente dionisíaco. Enjoy. Voce merece isso!

Winwood Glastonbury 1971 TRAFFIC



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Traffic - 40,000 Headmen



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SOBRE O MELHOR FILME ( E A CONDIÇÃO DA ARTE HOJE )

   A principal característica da arte moderna é seu caráter desmistificador. Em 1850 se desmistificava a familia e o dinheiro. Em 1900 a religião e o poder. Em 1930 o sexo e a razão. A arte moderna teve sua função: liberar a criatividade. Pagou um preço: desmistificou e vulgarizou a própria arte. Como bem disse Benjamin, perdeu a aura. Tornou-se uma atividade industrial, como fazer remédios ou carros.
   Pessoas ingênuas, ou que começam a conhecer arte moderna somente agora, pensam que tudo se iniciou em 1990 ou 1980 ( começou com Byron em 1800 ), acham que a imagem de um padre de lingerie comendo um menino, ou uma vagina em close com giletes ao redor, ou mãos sendo trucidadas por formigas, seja o máximo do moderno. Não sabem que são meros símbolos de sintomas espirituais. A arte se tornou campo favorável a todo tipo de cínico ou de desajustado radical. Saiba, todo artista é um desajustado, mas nem todo desajustado é artista.
   O cinema em cem anos viveu como num flash toda a história dos mais de 3000 anos de arte. Tivemos o privitivismo, o gótico, clássicos, romantismo, renascença, românticos e realistas. Tivemos expressionistas e cubistas, naturalismo e abstratos. Agora vivemos o niilismo absoluto. A ironia deixou de ser inteligência construtiva e passou a ser um fim em si-mesma.  Pensar no futuro deveria ser reconstruir e não continuar a destruir aquilo que já é ruína. Mais filmes sobre heróis desesperados, mais filmes sobre mocinhas suicidas, mais filmes sobre taras mentais....tudo isso é pisar sobre pegadas velhas, pintar de novo verniz o que já foi repintado milhares de vezes. A nova arte deve se ocupar de criar e revigorar, nunca de explodir. Tudo já explodiu a muito tempo atrás.
   Os filmes têm se ocupado, faz décadas, de destruir mitos. No começo isso foi ótimo. Era ótimo poder ver um western com um cowboy drogado, ou um romance em que a mocinha era lésbica. Nos dava um sopro de novidade e a liberdade de poder satirizar. O que vale isso agora?
   Mais um filme sobre freiras taradas, mais um filme sobre um vampiro impotente, mais contos de fada irônicos, mais sangue, explosões e amputações. Com Sam Peckimpah havia um sentido anarquista para a explicitação da violência. E agora? Apenas ato mecãnico. Mais do mesmo. Como é mais do mesmo mais um filme de arte com casais que se mordem, adolescentes que se drogam ou vovôs taradinhos. Imagens de crucifixos com sangue, masturbação explícita ou diálogos sobre o vazio...Onde a novidade? É chocante? Para quem? Traz novas ideias? Quais?
   Quando BRANCA DE NEVE derrama uma lágrima ao fim do filme a coisa pega. Um milhão de sentidos e sentimentos revivem. O que?
   Matamos a beleza. Ao vender beijos da bela mocinha e transformar sua maldição em freak-show o filme consegue explicitar o mal de toda arte moderna. Sim relativista, existe um mal na arte moderna. A dessacralização da beleza e do espírito trouxe de troco nossa incapacidade de apreciar e de perceber o sagrado e o belo. Branca jamais irá acordar e é isso que nos comove no fim do filme. Não é mais possível a existência de um príncipe que a desperte e pior que tudo, ela sabe disso. Em 2013 sua maldição será para sempre. O príncipe não virá porque esse príncipe iria rir de sua própria condição, ele não iria crer em Branca, seria um homem cool e homens cool não dão beijos para despertar alguém.
   Desconheço um filme feito de 2000 para cá com tão urgente mensagem. Nada nele é cool, nada nele é chocante. Não há espetáculo, inexiste a ironia. Ele é sério, forte e dolorido, e ao mesmo tempo tem uma simplicidade infantil.
   A Terra foi arrasada séculos atrás.
   Não seria a hora de despertar?

O MELHOR FILME DESTE SÉCULO- BRANCA DE NEVE, PABLO VERGER.

   É o melhor filme deste século. Emocionalmente arrasador, com uma complexidade visual arrebatadora, se torna para mim muito dificil falar de uma obra que traz a dignidade de volta a uma arte tão corrompida.
   Dignidade. Não existe ironia neste filme. Tudo nele demonstra um amor profundo ao cinema. São minutos de comunhão, de fé nos filmes. Para alguém que como eu cresceu apaixonado pelos atores e pelos diretores, ver esta magnífica surpresa traz alegria e lembranças. Alguém ainda ama a arte da imagem em movimento. Aleluia!
   Sim, porque aqui temos Cinema. Não importa o que o filme diz, o que ele simboliza, não importa sua literatura ou sua filosofia, o que temos aqui é cinema puro e só cinema. Arte que se ergue a altura da literatura com filmes como este. Arte que não procura ser livro ou pintura, arte que é corte, ação e ritmo. Poesia sem palavras.
   Não recordo quem falou que filmes silenciosos são como sonhos. Os falados são vida acordada. Este filme é um sonho. Por favor, não é um sonho intelectual. Não analise-o! Sonhe junto. Seja feliz.
   Disse que é o melhor filme feitos nos últimos 13 anos. Ele é. Nenhum filme chegou perto da emoção que acabo de sentir. Chorei no começo ( pela beleza estarrecedora do filme ) e desabei no final ( pelo sublime, o mágico sublime, a mistura de beleza com tristeza do final inesquecível ).
   Algumas cenas não são apenas as melhores deste tempo sem cenas belas. São das mais belas de todo o cinema. Toda a sequência do batismo por exemplo. Um delírio de cortes rápidos e contrastes entre sombras e sol, entre véus e pó. Rostos e gestos. Ou a cena mágica no quarto do pai, o encontro entre duas saudades. O filme, como todo poema, nunca teme a emoção, mergulha nela. A gente vai junto.
   Todo o final, desde o inicio do show no circo até o fim do filme é das coisas mais perfeitas que já vi em cinema. Há grotesco, trágico, cômico, belo e horrível, tudo nesses dez minutos finais. E o fim do filme, desde já um dos mais tristes e surpreendentes. Tenho mais de quarenta anos vendo filmes e digo para vocês, poucas vezes senti um nó na garganta tão dolorido.
   Não, não vou falar desse final. Mas é criada absurda emoção com uma lágrima que escorre. Cena de antologia, digna de Cocteau, Murnau ou de Powell.
    Termino testemunhando a beleza do preto e branco. Nele tudo fica atemporal. Tudo fica com aspecto de sonho, de irrealidade. Todo rosto vira obra estética. Tudo fica parecendo "pra sempre". Já na primeira cena, a praça de touros em Sevilha e o povo andando rumo a tourada, somos tomados por essa verdade, o onírico icônico do preto e branco.
    Digno de Dreyer, é um p/b de veludo. Digno de Vigo, é um filme lindo.
    O cinema ainda vive! Olé!

MASAYUKI SUO/ KATE WINSLET/ MICHAEL DOUGLAS/ LANG/ KEVIN KLINE

   ATRÁS DO CANDELABRO de Steven Soderbergh com Michael Douglas, Matt Damon, Debbie Reynolds e Rob Lowe
Soderbergh consegue algo muito dificil, pegar um tema "brega", exagerado, over, e fazer com que ele jamais caia na ironia, na comédia. Nem drama, nem comédia, jamais frio ou boring. Escrevi sobre o filme abaixo, Liberace foi um superstar queridinho da direita americana. O fato de seu público jamais suspeitar de sua homossexualidade é um mistério. Michael Douglas consegue ser Liberace sem parecer fake. Liberace já era uma caricatura natural, Douglas faz um milagre, consegue deixar Liberace humano sem deixar de ser "Liberace". Damon está ótimo. Natural, não forçado. Na verdade até Lowe está ótimo. Debbie Reynolds está de volta, a mítica estrela adorável de Cantando na Chuva, é a mãe de Liberace. Soderbergh diz que cansou de mendingar dinheiro a produtores idiotas. Será? Vale aqui um adendo: Produtores sempre brigaram com diretores. Ninguém gosta de perder dinheiro. A diferença é que Jack Warner ou Irving Thalberg adoravam filmes. Só sabiam viver de cinema, amavam salas de exibição, atrizes, roteiros, sets. Hoje os produtores mal viram um filme de Hitchcock. É gente que entra no ramo como forma de fazer dois bilhões. Pouco se importam com os filmes, têem outros investimentos, cinema é um entre muitos. Isso faz toda a diferença. São inacessíveis para quem não fala de capital e de dividendos. Mataram o filme médio. Investem em produções caras e jogam esmolas para filminhos minúsculos. O filme médio, aquele tipo de filme que era feito por Hitchcock ou Ford, esse morreu.... Quanto a Liberace, eis um bom filme médio. Nota 7.
   CASAMENTO PROIBIDO de Fritz Lang com Sylvia Sidney e George Raft
Raras vezes vi um filme tão esquisito. Lang diz numa entrevista que tentou fazer um filme educativo, como as peças de Brecht. Usou Kurt Weill neste filme. Fala de uma loja onde trabalham ex-presidiários. O filme fala de segunda chance. Daí vemos um casal que se ama e se casa. Mas ela esconde dele seu passado, foi uma detenta. O marido volta às más companhias e tenta assaltar a loja. Ela demonstra aos bandidos como roubar não dá lucros. Numa lousa ela mostra por a mais b que o lucro de um assalto é muito baixo. E o filme é isso: comédia? drama? lição? O que é? Nenhum diretor icônico errou tanto como o grande Fritz Lang. Morreu correndo riscos, sempre. Este é um de seus maiores erros. Nota 3.
   PARKER de Taylor Hackford com Jason Statham, Jennifer Lopez e Nick Nolte
Será que o veterano diretor de "Ray" consegue fazer um filme de ação? Este começa mal. Sangue demais e nenhum humor. Statham é um ladrão. Traído pelos comparsas ele parte para a vingança. O filme encontra seu tom quando Jennifer entra em cena. Aí ele cresce e se torna mais leve e mais esperto. Ela é uma corretora de imóveis que é envolvida sem querer. Bonita, Jennifer Lopez sofre a maldição das cantoras que querem ser atrizes, é subestimada. Não é pior que René Zellweger ou que Sandra Bullock, mas Sandra e René não cantam, são atrizes "de verdade". Ela traz humor ao filme. A ação melhora, Jason se humaniza. O filme, que era ruim, fica bom. Hackford é competente. Nota 5.
   OS CHACAIS DO OESTE de Burt Kennedy com John Wayne, Ann Margret, Rod Taylor
Wayne em fim de carreira e mais um de seus westerns humorísticos. Bom passatempo numa história que conta a busca por dinheiro roubado. Boa fotografia e quase nada de trama. Nota 5.
   RAÇA BRAVA de Andrew V. McLaglen com James Stewart, Maureen O'Hara, Brian Keith e Juliet Mills
Keith dá um show como um escocês criador de gado no Texas. O filme fala de um boi de raça inglesa, que uma viúva tenta implantar nos EUA. Parece um tema bobo, ele é. Mas levado com bom-humor se torna um gostoso e divertido filme. Stewart se diverte fazendo seu tipo padrão. O caipira bom de cintura. Nota 6.
   LIFE AS A HOUSE de Irwin Winkler com Kevin Kline, Kristin Scott Thomas, Jena Malone
Um homem a morte resolve antes de se ir construir a casa de seus sonhos. Sim, lembra "Viver!" a obra-prima de Kurosawa sobre a morte. E é claro que não chega perto. Mas não é ruim. Kline é sempre um bom ator e aqui ele faz uma bela composição. Seu personagem é um desajeitado, um perdedor, mas nunca chorão. O filme é meio frio. Winkler é um grande produtor veterano que às vezes resolve brincar de ser diretor. Nunca acertou um grande filme, mas também não comete asneiras. Nota 6.
   IRIS de Richard Eyre com Judi Dench, Jim Broadbent e Kate Winslet
Sim, ela é a grande Iris Murdoch, uma das melhores autoras inglesas. A vemos aqui em dois momentos: na velhice, com parkinson, e na faculdade, descobrindo a filosofia de sua vida. Nos dois estágios ela é sempre confiante, radiante e corajosa. Judi Dench brilha intensamente. Nunca sentimos pena de Iris. Ela tem tanta vida que vive a doença. Kate Winslet está muito bem. Sua Iris é uma egocêntrica sonhadora. Jim Broadbent está a altura de Judi. O filme na verdade é todo dele. Emocionante. Nota 7.
   HOLY SMOKE de Jane Campion com Kate Winslet e Harvey Keitel
O pior filme de Kate ( e ela tem muitos ruins ) e o pior de Harvey ( que tem toneladas de lixos ). Ela é uma doidona que é tratada pelo esquisito Keitel. Jane Campion dirige mais doida que os dois, o filme não faz sentido. Se voce quer ver Kate Winslet urinar de pé, este é seu filme. Nota ZERO.
   O SEGREDO DE ROAN INISH de John Sayles
Filmado na costa oeste da Irlanda, em meio aos pescadores, este filme lento fala de uma menina que visita seus avôs. Irá conhecer as lendas do lugar. Quase nada acontece. Mas é bom de ver. E tem uma linda trilha sonora. Nota 6.
   VEM DANÇAR COMIGO de Masayuki Suo
É considerado um dos melhores filmes japoneses dos anos 90. Eu o considero uma obra-prima. Simples, triste, leve, fala de um funcionário de escritório, casado e timido, que resolve ter aulas de dança de salão. Ele e a professora têm um flerte, mas que dá em nada. Ele continua com a esposa. Tudo isso contado de forma velada, secreta, emocionante. É uma obra sobre os amores reprimidos, sobre vidas não vividas, ou então sobre o espírito da beleza e a delicadeza dos sentimentos. No final, há um concurso de danças, momento hilário que casa com a delicadeza do resto. Voce vai se apaixonar pelo filme e pelos personagens. É um filme inesquecível !!!! Nota DEZ!!!!!!!!

TEMPO PRA LER E TEMPO PRA ESCREVER

Que belo texto de Ignácio de Loyola Brandão sobre livros! Ele fala de suas tardes na biblioteca do interior, na adolescência,a edicão censurada de Dorian Gray que ele leu na época...A luz fraca da biblioteca, o luxo do prédio, das mesas, o prazer de viver imerso nesse tempo "fora do tempo""criado pelos livros.                    
   Também tive meu tempo de vida fora da vida. Também tive minha luz fraca e as sombras deliciosamente confortantes onde eu me acomodava e lia. lia. lia...Em um ano, como aconteceu com Inácio; descobri tudo. Foi Dickens, Balzac, Kafka, Voltaire, Hugo, Tolstoi, Jack London, Pushkin, Hardy, Emily Bronte e Sartre. Eu não vivia aqui e agora, meu tempo podia ser 1770 ou 1900, dependia do que eu lia. Noites lendo, o abajur coberto por um pano para escurecer o ambiente, para parecer que era 1800. me apaixonava pelas heroínas de Bronte e de Dickens, queria ser Heathcliff. O amor era pelos livros, mas eu ainda não sabia. Twain, Stendhal, Dostoievski, Flaubert, tudo conheci naquele ano.
   Depois também adentrei o luxo de uma biblioteca, a do Mackenzie, com seu cheiro velho, as estantes imensas e pesadas, os cantos escuros. Ainda será assim?
    Ao mesmo tempo leio que saiu agora mais uma bio de Jack London. E penso...London foi marinheiro, mineiro, andarilho, aventureiro, viajante. De origem muito pobre, se auto-educou, leu tudo, muito romance e muita filosofia. Adorava Marx e Nietzsche. Esteve no Alasca, na Califórnia, nos mares do sul, tudo atrás de dinheiro e depois de experiência. E, vivendo apenas 40 anos, ainda escreveu vinte livros, mais teatro e contos. Bem, o que pergunto é; onde ele achou tanto tempo?
   Não há como negar; o mundo tecnológico nos encurtou o tempo. Amigos meus adiam a mais de dez anos a leitura dos "grandes livros". Não há tempo para ler ou para escrever. Trabalhamos muito e ao voltar para casa somos abduzidos pela internet, pela TV ou pelo fone. Nada contra, mas voce não vai guardar grandes lembrancas de noites na TV ou de viagens na internet. Eu sinto isso, são vivências pobres. Tempo sem peso, sem grande significado. Tempo roubado.
   Lemos com pressa, escrevemos sem estilo, sem ambicão.