PAPER MOON- PETER BOGDANOVICH, UMA CARTA DE AGRADECIMENTO.

   Caro Peter,
    Escrevo para agradecer pelo presente. Eu não merecia algo tão especial. E tudo que posso dar em troca é minha gratidão. Voce sabe o quanto seu filme é bom?
    Primeiro temos a história. Um malandro se vê obrigado a tomar conta de uma garotinha. Ela talvez seja filha dele. E o que voce nos dá é um road movie passado em 1935, filmado na grande época do cinema jovem americano, 1973. Ah Peter! Ano de American Graffiti, Mean Streets, O Exorcista e Golpe de Mestre. Serpico, Louca Escapada e O Dorminhoco. Banzé no Oeste! Voltando....Peter, voce sabia que todo mundo se apaixona pela menina? Que Tatum mereceu o Oscar ganho aos 9 anos de idade? Ela, enfezada, mal humorada e muito malandra, tem um olhar e uma voz rouca que conquistam. É inesquecível o modo como ela ri ! Mas Ryan, que é o pai dela na vida real, faz um malandro digno de Paul Newman. O golpe do troco e aquele da Biblia.... é incrível !
   Laszlo Kovacs fez uma fotografia em P/B do cacete! Tudo em foco todo o tempo. A gente vê todo o set. Bons tempos de cenários de verdade. O cenografista tinha orgulho em exibir seu trabalho. No caso é sua esposa, Polly Platt. Aliás me permita dizer, porque voce a trocou pela Cybill Shepperd? Ela acabou com sua carreira! Voce começou a fazer filmes para Cybill e nenhum deu certo!
   Well... Quero dizer que voce é um mestre do cinema. E nos extras do dvd voce dá uma bela dica: Filmes com muitos cortes deixam o espectador FORA do filme. Ele joga o público para fora da ação. Cenas sem cortes fazem com que a pessoa se acomode DENTRO da cena. Ela penetra o filme e é apresentada a ação. Pois bem, seu filme tem cenas sem cortes longas, cenas em que a câmera voa, flutua pelo set. E o fantástico é que eu não percebi isso enquanto via o filme. Ou seja, mágica cinematográfica! Cenas em cortes que não se percebe. O anti-exibicionismo.
   Peter, voce conseguiu fazer uma comédia que nunca é grossa, nunca apela, e que sempre parece de verdade. Um filme que é bonito e ao mesmo tempo é simples. E como era regra em 1973, um filme alegre e triste em doses iguais. Voce e sua geração cresceram estudando os grandes europeus. Dá pra notar no filme. Ele é amargo sem ser apelativo e alegre sem ser infantil. É lindo.
   Peter, porque não se fazem mais filmes assim?
   Do seu fã....Tony Roxy.
   PS: Volte a dirigir!

GIORGIO, WILDER E HAWKS EM SP

   Alice Brill morreu. Ela tem uma série de fotos sobre uma feira na Oscar Freire que é uma coisa linda. Consegue captar a alma de uma cidade que não mais existe. Se voce puder ver suas fotos, mire o rosto das pessoas.
   No jornal se fala também de Giorgio Moroder. Lembro da primeira vez em que o escutei. Foi no rádio, em 1977. FIRST HAND, meu primeiro contato com techno. Acho Giorgio melhor que Kraftwerk. Depois desse LP de 1977, FROM HERE TO ETERNITY nada mais foi como era. O que mais me deixou besta na época foi a percussão. Eu demorei a sacar que aquela bateria não era uma bateria. Falo pra voces uma história: Vivendo em Berlin na época, Eno liga para Bowie, que acabara de chegar a capital alemã. Diz Eno, Bowie, liga na rádio X....voce vai ouvir o futuro....Bowie liga e escuta I FEEL LOVE. Era o futuro sim. Que dura até agora.
   Mostra de Billy Wilder. Cuidado! Wilder tem filmes ruins. Tem até um muito ruim ( FEDORA ). Dica minha para voce: PACTO DE SANGUE, CREPÚSCULO DOS DEUSES, SABRINA, TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO, QUANTO MAIS QUENTE MELHOR e IRMA LA DOUCE. Meu favorito hoje é Testemunha. Um suspense tão bom que parece Hitchcock. Dos gênios clássicos do cinema americano, Billy é o que menos gosto. Mas talvez seja aquele que o povo hoje mais gosta.
   Muito maior é Howard Hawks. Esse é prova de bom gosto em cinema. Se voce ama Hawks voce está no grau mais alto. Não lembro de um filme ruim dele. E são mais de 40. SCARFACE, SUPREMA CONQUISTA, LEVADA DA BRECA, PARAÍSO INFERNAL, JEJUM DE AMOR...esses só nos anos 30 e 40. Ele tem mais um monte nos anos 50 e 60. Escolher meu favorito é impossível. Ford tinha inveja de RIO BRAVO, Tarantino idolatra Jejum de Amor, Godard amava RED RIVER. O segredo de Hawks? Ninguém sabe dizer. Mas um de meus mais queridos filmes, HATARI, me mostrou algo. Hatari fala de um grupo de amigos que caça animais na África. Para um zoo. O filme tem belas cenas de ação e ótimos atores. Trilha sonora de sucesso e linda fotografia. Mas, após reve-lo pela quinta vez, notei que a coisa mais importante não era a captura do rinoceronte ou o namoro dos dois atores centrais. O principal era o café da manhã. O modo como o grupo se sentava à mesa e se servia. As conversas com café e cigarros. O papo furado. Alí estava o coração de Hawks. Ele é o diretor dos "tempos mortos", das cenas banais, da vida simples. E como é dificil fazer isso!!!! Não importa em Rio Bravo o duelo final. Importa a amizade de Wayne e Dean Martin.
   Indicar um filme? Nenhum. Para entender a grandeza desse gênio voce tem de ver ao menos dez filmes. E perceber que ele nada tem de artista, de poeta ou de intelectual. Ele é O Cinema.
   

LUMIERE E MIGUEL GOMES

   O último filme que assisti no Lumiere foi ruim. Melinda e Melinda, de Woody Allen em 2002. Faz tempo. Eu sempre adorei cinemas de rua. Estacionar o carro e andar na rua até a sala. Depois sair da sala escura e topar com a rua e sua realidade imediata. E o povo que ia aos cinemas de rua. Sempre os mesmos, gente do bairro, gente que se conhecia, familias inteiras. Era um público mais velho. Lembro de um bando de senhoras de meia-idade que riam a cada cena de Allen. E ainda sinto o cheiro de pipoca que entrava na sala. Assim como circo, o cinema de bairro acabou. Existiam salas em todo bairro. Basta dizer que o Caxingui tinha uma. A Vila Sônia outra. Era ponto de encontro dos moradores todo domingo de noite. E todo sábado havia a sessão das onze da manhã, desenhos para as crianças da vizinhança. Foi-se com o Circo.
   Miguel Gomes e Tabu. Vai ser o filme do ano. Para quem ama o cinema e o conhece. O Cahiers o elegeu o filme de 2012. Opinião do Cahiers nada significa pra mim. Mas opinião da Sight and Sound sim. E ela também o colocou nas alturas.
   Tabu é nome de filme de Murnau. E a personagem feminina se chama Aurora, nome do melhor filme de Murnau. Aliás, Aurora seria o melhor filme da história se não houvesse O Atalante.
   O filme de Miguel é em preto e branco suntuoso. E fala da colonização. Mas o que mais me interessou é a frase que ele falou na entrevista: " O público precisa voltar a crer no cinema." Crer no que vê. O público se comporta como velhos, descrentes, céticos, distanciados. Não se maravilham, não se deixam levar, não acreditam nas imagens. Perfeita a fala do Miguel.
   A quanto tempo voce não chora no cinema? Voce torce pelo herói acreditando no Homem de Ferro, ou se emociona sabendo todo o tempo que aquilo é um filme e que ele é um ator e nunca Tony Stark?
   Quando vejo Rastros de Ódio acredito todo o tempo que aquilo é real. Vivo horas no western. Aquele que vejo não é John Wayne, é Ethan. E John Ford não é nunca um cineasta, é um tipo de deus, o criador de um mundo que existe de fato. Essa é a fé no cinema. Olhar com olhos de criança. Se entregar a criação e ver nisso a verdade maior que a realidade.
   Meu pai adorava filmes. Filmes, não cinema. Ele conhecia e adorava John Wayne, Burt Lancaster e Gregory Peck. Mas vendo os filmes, e como ele se emocionava!!!!, ele se deixava levar não pela "arte" de Ford, Hawks ou Stevens, ele era levado pela história contada.  Aquela narrativa se fazia real, ele testemunhava a realidade criada. Sua emoção era por Shane, por Rick, por Ward, e não pelo ator.
   Essa uma visão que precisaria ser revivida e que eu acho ser irrecuperável.
   Pena.
   O filme de Miguel deve ser ótimo. Torço por isso.

Bob Fosse and Gwen Verdon in Damn Yankees - Who's Got the Pain



leia e escreva já!

CATHERINE KEENER/ HUGH LAURIE/ JANE FONDA/ MICHAEL CAINE/ BOB FOSSE/ BRANCA!!!!

   A FILHA DO MEU MELHOR AMIGO de Julian Farino com Hugh Laurie, Catherine Keener, Oliver Pratt e Leighton Meester
Tinha tudo pra dar muito errado. A história de duas familias amigas. Os pais fazem corrida juntos, as mães se visitam, tudo normal. Então a filha de uma dessas familias volta pra casa. E o pai de meia-idade da familia "amiga" começa a namorar com a garota. Vem a separação, o ostracismo, a pressão social. O filme começa mal, parece ser mais um filme gracinha e jovenzinho tipo Miss Sunshine. Mas não é. A forma como os dois ficam é muito simples e muito real. O casal funciona, parecem de verdade. O namoro dos dois faz com que tudo mude na vida de todos os envolvidos. A rotina das familias muda, eles têm de acordar. E me peguei torcendo para que o filme não brochasse, que fosse nessa linha, a mudança nascendo do inesperado. Mas não. No final, e vou contar, a menina sai perdendo. Ela não suporta a pressão e vai embora. Todos voltam ao normal, todos se dão bem, ela perde. O filme acaba sendo uma grande defesa do maior dos valores da América ( não, jamais foi a familia ), a amizade entre os homens. Os dois pais voltam a ser amigos, a camaradagem masculina vence. O filme tem atenuantes. A menina tem 24 anos, ou seja, longe da pedofilia. E o estilo é todo de "comédia familiar", apesar do tema é um filme doce. A atriz que faz a menina, Leighton Meester é apaixonante. Natural, linda, alegre. O elenco é todo ok, e o filme é bem melhor do que parece ( apesar dos defeitos aqui apontados ). Se o final fosse menos óbvio seria um filme bastante invulgar. Mas vale muito ver. Nota 7.
   PAZ, AMOR E MUITO MAIS de Bruce Beresford com Jane Fonda e Catherine Keener
Beresford não muda. Todos os seus filmes são assim: mais ou menos, legaizinhos, do bem, esquecíveis. Este é bem assim. O fim de um casamento. A mulher leva o casal de filhos para a casa da avó, para dar um tempo. Essa avó mora em Woodstock e é uma lenda lá. Hippie radical, ela vende maconha, pinta homens nús e namorou Leonard Cohen entre muitos outros. A filha odeia essa mãe doidona. Os netos são logo conquistados. Fumam, bebem, festejam. O filme tem de bom Jane Fonda, a beleza do lugar e o fato de nada ser tipo "hippie chic". A casa tem galinhas nos quartos e é de uma bagunça exemplar. Mas o roteiro é hiper-pobre. Nada acontece de errado. Não há atrito, não há erro. A gente sabe todo o tempo tudo o que vai ocorrer. Jane brinca de ser Jane Fonda. Alguém ainda lembra que em 1973 ela era uma Angelina Jolie perseguida pela CIA ? Famosíssima  e muito politizada, ela era odiada pela direita americana. Depois se casou, largou o cinema e passou a viver em função do marido ( que sonhava em ser presidente ). Toda uma geração a desconhece. Este filme serve apenas para quem já a conhece. Woodstock é uma cidade linda!!!  PS: que bela atriz é Catherine Keener! Nota 4.
   O PARCEIRO DE SATANÁS de Stanley Donen com Gwen Verdon, Tab Hunter e Ray Walston
O diabo vem a Terra e tenta um fã de beisebol. Se ele lhe vender a alma será rejuvenescido e se tornará o maior jogador da história do esporte. Ele aceita. O filme não é bom. Porque? Tab Hunter é um péssimo ator e o roteiro, baseado em show da Broadway, se perde. Fica chato até. Mas, quase ao final, um milagre acontece. Bob Fosse entra em cena e faz um número com Gwen Verdon. São três minutos da mais absoluta genialidade. É alegre, é sexy, é criativo, é esperto. Dá vontade de ver pra sempre. Grande Bob Fosse, um gênio! Fora isso, todo o resto é absolutamente falho. Bola fora do grande Stanley Donen. Nota 3.
   UM GOLPE PERFEITO de Michael Hoffman com Colin Firth, Cameron Diaz, Alan Rickman, Tom Courtney, Stanley Tucci.
Nos anos 60 era moda um tipo de filme que era chamado de "filme sofisticado pop". Falava de gente malandra, de gente bem vestida, mentirosa, cheia de tramóias e planos de roubos ou golpes mentirosos. Tinham trilha sonora chiquérrima, cenários vastos e atores bacanas e extra cool. Pois bem, todos esses filmes foram refilmados nos últimos quinze anos. Desde Charada até Get Carter, todos foram destruídos em refilmagens terrivelmente ruins. A única excessão foi Oceans Eleven, cuja versão de Soderbergh é muito superior a original. Michael Caine fez vários desses filmes "espertos" originais. Que eu me recorde, seis foram refilmados nos últimos dez anos. Michael Caine já foi reinterpretado por Jude Law, Matt Damon, Mathew McConaughey e agora por Colin Firth. O original deste filme é uma maravilhosa sacanagem. Cheio de humor, de malicia e muito chique. Tem ritmo, tem savoir faire, tem estilo. E faz rir. Esta versão, escrita pelos irmãos Coen, que devem adorar o original, foi malhada pela Folha. Esqueça a Folha! Apesar de estar a milhas do original, este filme faz rir, dá prazer e é uma gostosura. Firth está ótimo como um bobo que se acha infalível, Alan Rickman rouba o filme como a vítima e Courtney é um grande mito do palco inglês. Cameron está bem ( mas as mulheres realmente piraram....que corpo hiper malhado é esse??? ). O filme tem 3 ótimas cenas. E um final fraco. Vale ver. Nota 6.
   FOGO CONTRA FOGO de David Barrett com Josh Duhamel, Bruce Willis e Rosario Dawson
Sobre testemunha de crime que resolve matar o bandidão. Eis o tipo de aventura que odeio. Porque o estilo é "metido a arte". Tudo é escuro, sombrio, trêmulo, cheio de sons esquisitos. A gente nada vê, e acaba por nada mais querer ver. O filme é muito, muito ruim. Bruce Willis participa como um policial veterano. Nada faz no filme. ZERO!
   O EXPRESSO DE VON RYAN de Mark Robson com Frank Sinatra e Trevor Howard
Na Itália dominada pelos alemães, prisioneiros ingleses escapam de um trem que os levava para a Alemanha. O filme começa devagar, mas então ele acelera e não perde mais o rumo. É uma bela aventura de guerra, cheia de suspense e com boa produção. O final é amargo e pode desagradar. Eu gostei. Inclusive do final. A trilha sonora de Jerry Goldsmith é uma obra-prima. Feito em 1965, segundo a dupla francesa pop Air, este é o grande ano das trilhas de cinema. Ouça esta e entenda porque. Nota 7.
   BRANCALEONE NAS CRUZADAS de Mario Monicelli com Vittorio Gassman e Stefania Sandrelli
O primeiro Brancaleone é talvez a melhor das comédias de cinema. Este, feito cinco anos depois, não chega nem perto. Mas é um prazer rever Gassman nesse papel. Ele nunca teme o exagero, vai fundo na doidice inocente de Branca e exercita seu talento infinito. Amamos Brancaleone, mas agora não amamos o filme. A soberba criatividade do primeiro não se repete aqui. PS: a estrela Stefania Sandrelli... chega a doer de tão bela !!! Nota 5. 

O FILME MAIS IMPORTANTE DA MINHA VIDA

  Se Martin Scorsese diz que o filme que mudou sua vida foi THE RED SHOES de Powell, visto aos 9 anos; e se Woody Allen diz que o seu foi O SÉTIMO SELO visto aos 12; qual foi o meu?
  RASTROS DE ÓDIO de Ford salvou a minha vida, mas a questão não é essa. ALL THAT JAZZ me revigorou, A RODA DA FORTUNA destruiu meu preconceito...Mas qual filme entrou em minha alma e lá se instalou? Qual que modificou meu gosto, minha direção e expandiu assim minha existência?
   É certo e claro que quanto mais jovem, mais voce pode se impressionar. Se voce tiver a sorte de ser exposto a algo de realmente poderoso. Toda uma geração despertou com STAR WARS. E eu?
   Meu filme foi visto na TV, com péssima imagem e em clima de magia. A lembrança é tão antiga que eu pensei por muito tempo ter sido um sonho. Achei que o filme que vi não existia, que fosse algo que eu sonhara. Recordava de lagos, fadas dançando, um homem apaixonado que era enfeitiçado e virava bicho, lembrava desse homem chorando ao ver seu reflexo no lago. Lembrava de névoas, de um bosque e de um menino mau. E sabia ter visto essas imagens com o rosto quase encostado na TV, sózinho. Porque em casa acontecia uma festa, era Natal e os adultos comiam e falavam. Mas eu, enfeitiçado, me hipnotizava com aquelas imagens.
   Por décadas elas foram um enigma para minha alma. Era um filme? Um sonho? Eu tentava reviver aquela sensação. Fazâ-la presente em mim. Não deixar com que ela se fosse.
   Então em 2008 eu compro um DVD e lá está o filme! SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, do alemão Max Rheinhart, feito na Warner em 1933. Três horas de imagens deslumbrantes. As fadas, o lago, o menino mau...todos lá estão! O menino era Mickey Rooney! O homem que virava bicho era James Cagney! E a fada musa que para sempre me seduziu era uma lindíssima Anita Louise!.... Esse não é o melhor filme que já vi. Mas ele é o mais importante. Fez com que eu visse desde muito cedo aquilo que o cinema poderia ser. E me deu uma fascinação, para sempre, pela imagem. Mostrou ao muito jovem- eu que o sublime existia e que a imaginação é mais verdadeira que a solidez.
   Aos 15 anos eu vi O MENSAGEIRO e descobri minha sina. Mas essa é uma outra história...

The Red Shoes (ballet) 1948 part2 720p



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Secret Cinema presents The Red Shoes



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O CINEMA ROMÂNTICO DE VIGO, OPHULS, GONDRY, LUHRMAN, WRIGHT....

   Tenho uma preguiça enorme, assistir O Gatsby de Luhrman aumenta essa minha indolência. Detestei Moulin Rouge e achei Romeu e Julieta bacaninha. Mas admiro Luhrman mesmo assim. Como admiro Gondry, apesar de achar que nenhum de seus filmes tenha dado certo. Quero muito ver o novo, porque gosto de Boris Vian, um tipo de Serge Gainsbourg mais velho e menos pop. Luhrman, como Gondry, como Aronofski, é um romântico. Eles criam mundos dentro do cinema. Seus filmes não se preocupam com utilidade, verdade ou realismo, eles criam. E por desejarem criar, erram muito. Falam de sentimentos. Ou pelo menos tentam isso. E não se sentem censurados. Vão até a breguice extrema. E daí?
   O que lhes faz falta são melhores roteiros. Tiveram o azar de nascer num tempo que não lhes dá bom material para trabalhar em cima. Quando topam com bom roteiro, acertam; quando não, fazem apenas pastiche, ou looooongos video-clips. Em comum, todos são fãs do cinema hiper-romântico de Cocteau, Ophuls, Vigo e principalmente de Michael Powell. Todos esses mestres trabalharam com roteiristas de gênio. E todos criaram o apuro visual de Gondry e etc. Cocteau com cenários de sonho, Ophuls com seus movimentos de câmera à valsa vienense, Vigo com a poesia de seu mundo lunar e Powell na criação de universos irreais.
   O jornal The Guardian publica matéria sobre Powell. Diz que no cinema inglês, ele é o único que pode ser comparado a Hitchcock e a David Lean. O cinema de Powell não se interessa pela alma do personagem ( e nisso ele é o oposto de Bergman ), mas sim no mundo que cerca esse personagem. A contemporaniedade desse cinema se revela aí: o cinema de Powell, como o mais moderno cinema que hoje se faz, fala do meio e não do ser, do lugar e não do homem, da ação e nunca do pensamento. É cinema puro, visual, espetacular e muito romântico por ser uma busca pelo ser diferente.
   Um depoimento de Scorsese. Ele diz ter visto THE RED SHOES aos 9 anos. Uma cópia estragada. E diz Martin que esse filme mudou sua vida. THE RED SHOES fez na criança Marty a certeza de querer criar, de querer ser artista. Hoje, em 2013, Scorsese se dedica a restaurar todos os filmes de Powell. Todos.
   Em 1975 era Michael Powell o mais esquecido dos mestres. Na época do hiper-realismo, os filmes de Powell pareciam fake. Foi então que Scorsese foi se encontrar com Powell na Inglaterra e lhe contou sua história de amor a seus filmes. Não só ele. Spielberg, Coppolla, De Palma, Schrader, o diretor inglês ficou abobado ao saber que os jovens diretores dos EUA eram seus fãs. Coppolla lhe deu emprego, consultor de roteiros e Scorsese organizou uma mostra de seus filmes em NY. Quando os anos 80 começam, Michael Powell tem seu nome reabilitado. Para sempre.
   J.G.Ballard também conta que os filmes de Powell despertaram nele a vontade de escrever. E ainda se diz que T.S.Eliot, cujo filme favorito era o TRONO MANCHADO DE SANGUE de Kurosawa, amava os filmes de Michael Powell também. Eles são poesia, claro. Dizem tudo falando pouco. Sugerem. São pura música.
   Agora, 2013, época de cinema em crise, onde em vinte anos mal se produziram vinte filmes eternos e absolutos, os filmes de Powell, revistos e revistos, restaurados e estudados, analisados e copiados, dão, aos diretores que tentam ainda algo de diferente, a esperança de um dia acertar. Joe Wright tentou isso em ANNA KARENINA e foi terrivelmente mal entendido. A suntuosidade da forma em função do sentimento. Só que lhe faltou a coragem de ir mais longe no sentimento, erro que Powell nunca cometeu ( seus filmes são cheios de emoções ). É como se hoje se copiasse a forma e se tivesse medo do sentimento. Why?
   O motivo é claro: Não dá pra ser romântico e ser cool ao mesmo tempo. Cool é assistir os filmes de Vigo ou de Ophuls, cool é ter o visual rico e onírico de seus filmes, mas não seria cool crer, como eles, no amor ou nos sentimentos "quentes". Para salvar a imagem cool, se fica no meio do caminho.
   Interessante saber que O TOURO INDOMÁVEL foi feito com dicas visuais de Powell ( ele morreu em 1990, casado com a editora de Martin ), e que há um filme de Martin que é seu sonho de fazer um filme à Powell ( A ERA DA INOCÊNCIA ).
   Para finalizar, no festival de Cannes de 2009 foi exibido em grande gala, a cópia restaurada de THE RED SHOES. Para a crítica, foi a melhor coisa do festival.
   Novo, belíssimo, emocionante, enigmático. Romântico pois.
  

A USP É O FIM

   Saindo da USP converso com um amigo de Minas Gerais. Decepcionado com a USP, ele fala de suas reclamações. Relato sua fala aqui. Ela é como a minha, como a de vários alunos com que falei e como a de alguns professores.
   A arquitetura da USP é um horror. Quadrados de concreto com avenidas onde correm carros. Isolada de tudo, quando voce sai da aula sua única opção é ir embora. Não há bares, lanchonetes, vida nas ruas. Tudo lá clama por pressa. Tudo se parece com uma estação, um escritório ou uma fábrica. O encontro fortuito é impensável e nada convida ao convívio.
   Aulas em lugares dispersos. Como não existe a turma 1A ou 1B, mas sim salas onde são dadas as aulas onde voce se inscreve, a sua turma nunca se forma. A menina que voce conversou hoje na aula de sintaxe, só será vista de novo na semana que vem, na mesma aula. O amigo do grego com quem voce começou uma amizade em abril, em agosto estará em outra turma, e voce não mais o verá. Isso faz com que mesmo no quinto ano tudo pareça estar "no começo", as amizades não se firmam.
   Professores dizem que isso é proposital. Se a USP causa algum barulho mesmo com essa solidão, imagine se existisse um clima mais propício a união e ao convívio.
   Meu amigo fala que SP inteira é assim. Tudo pede pela pressa, tudo é feito para a rapidez. Não há acaso ou encontro. Voce pode andar meses pelas ruas e não cruzar um só amigo.
   Eu tenho o espirito da USP. Vou com pressa e saio com pressa. Hoje conheci uma menina que estava lendo Wodehouse no corredor. Imagine! Wodehouse! O autor de Jeeves, o rei do humor inglês. Ela até já viu a série da BBC, com Hugh Laurie. Pois bem, quando a verei de novo? Provávelmente daqui a meses. E toda a relação terá de começar do quase zero, mais uma vez.
   Inexiste na USP o chato da sala que te acompanha por dois ou quatro anos, inexiste a menina da frente por quem voce fica caidão. Voce vê hoje a tal menina e só Deus sabe quando ela virá de novo.
   A USP exemplifica o iluminismo ao extremo: construção eficiente, tempo usado racionalmente, ambiente silencioso, nada de acaso ou de superficial. A coisa funciona para um dado fim.
   A USP é o fim.

DO JEITO MAIS FÁCIL ( ATENDENDO AO PEDIDO DE UM CASAL DE AMIGOS )

   Se nossa alma tem dois impulsos conflitantes, e eu acho que tem, um nos dirige para o Maior, o Grande e o Incontrolável; enquanto outro nos empurra para o Seguro, o Certo e o Provado. Os dois dificilmente convivem juntos ao mesmo tempo e nossa vida é um jogo de cintura em que tentamos equilibrar a ambos dentro de nós e ao nosso redor. Como passei a maior parte de minha vida dentro do Seguro e admirando de longe o Maior, assustado com os riscos que o Descontrole significa ( antes isso se chamava Neurose, hoje não sei ), falar do mundo seguro é sempre entediante para mim. É como descrever um auto-retrato. Falar do mundo da insegurança, o mundo sem mapa de retorno, isso me excita.
   Desde sempre o Ocidente tem vivido fases de maior predominio de um ou de outro. No Oriente essa divisão é desconhecida. Lá, o Incontrolável mora dentro e fora dos Rituais Religiosos, Rituais que conseguem unir um extremo auto-controle com uma entrega absoluta ao Grande e Inclassificável. Mas não tema, não é de religião que falo aqui, embora deva dizer que nossas religiões ocidentais tendem sempre a um Materialismo Pobre e Vulgarizante. ( Atenção, o Judaísmo é puramente oriental ).
   Se o romantismo foi o grande momento da tomada de poder pelo Irracional, e se em suas consequências se encontram desde o surrealismo até os hippies, punks e terroristas ocidentais, devo falar com tristeza que hoje nossa acomodação é tamanha que tentamos conhecer o Absoluto do Sublime sem sair de casa. Possível sempre foi, alguns poetas conseguiam ter essa experiência com absinto ou com um poema lido no quarto. O problema é que agora se tenta experimentar o sublime sem nenhum tipo de risco. Sem risco a saúde, a mente ou a condição social. Sinto dizer, viver essa experiência sem a presença do Medo é impossível. Pois é o medo que quebra as portas e destrava as correntes e sem ele voce prova o sabor mas nada se modifica. Voce fuma mas não traga. Bebe e cospe. Goza fora.
   Meu jovem casal de amigos ( 16 anos ), pede que lhes fale do hippismo. Romanticamente eles acham que esses anos foram de bela revolução e que estão extintos, como fadas ou pássaros Dodos. Bem, o hippismo continua vivo e saudável. E saibam que na verdade nada havia de novo nele. Talvez houvesse só um fato novo, em 1966 a TV espalhou a coisa, antes não havia TV. Sex, drugs e rocknroll podia ser o lema de todo romântico desde sempre. Basta trocar rock por jazz ou ópera ou poesia.
   Claro meus jovens que havia hippies e hippies. Americanos eram filhos de Walt Whitman e Thoreau, os ingleses de William Blake e Shelley. Desse modo os americanos eram voltados a estrada, a comunhão entre os homens, a vida campestre, ao amor grupal e a drogas naturais. Os ingleses eram mais noturnos, cultuavam a magia, o satanismo e drogas alucinógenas. Eram mais fatalistas, o estilo visual era mais século XIX. Mas mesmo dentro desses dois grupos havia a divisão entre radiciais e otimistas, machistas e libertários, alucinados e politizados. A questão que importa hoje é: Onde vive esse espírito agora em 2013?
   Está diluído e domesticado em livros de espiritismo ou em horóscopo de jornal? Nos filmes "bem loucos" ou nos cantores sofridos com seus violões tristes? Claro que não! Isso tudo é pastiche, cliché, produto. E a regra número UM de todo movimento romântico é: FAÇA O NOVO. Compreende?
   A Microsoft nasce como utopia romântica assim como a Internet. O que elas vieram a ser não nega a força que as criou. Já o Facebook NUNCA teve nada de utópico ou de romântico, nasce como coisa prática, certa, sem riscos, sem fantasia. Coisa pensada para um fim, e tão somente para esse fim. Fim que é alcançado. O pensamento de Bill Gates e de Jobs sempre foi ingênuo. Genialmente ingênuo. Romântico.
   Portanto não procure hippismo ou romantismo numa banda que se parece com The Beatles ou com Bob Dylan. Esses caras serão anti-românticos por negarem risco e originalidade. Voce encontrará isso em alguma mistura ousada, algum experimentalismo arriscado, numa vaia ou num estranhamento. Tristeza também nunca foi garantia de romantismo. Todo romântico experimenta uma genuína alegria em criar.
   Colocar um poster de Jimi Hendrix na parede nada significa hoje. Adoro Hendrix e consigo ouvir o seu velho som COM OUVIDOS NOVOS. Mas ele significa o mesmo que Beyoncé ou Franz Ferdinand, mais do mesmo. Um ótimo MESMO, mas é um MESMO.
   A realidade engoliu Hendrix como engoliu Paul e Mick. E se ainda é emocionante ver Paul cantar ou ver o The Who pular, isso NÂO significa que eles ainda sejam sublimes. Tudo neles é conhecido, tudo neles foi explorado, estudado, analisado, divulgado, compreendido. O mistério se foi e sem mistério, magia, segredo, não existe romantismo.

O PRELÚDIO, WILLIAM WORDSWORTH....SEM PALAVRAS...

   Abre os olhos e vê a luz invadir o quarto. Imediatamente o som dos pássaros toma seus ouvidos e voce pensa: - Eu não conheço esses pássaros! Sim, hoje, homem adulto, voce pensaria, se os notasse, -São Pardais, tão só vulgares Pardais! Mas então, naqueles tempos idos, voce saberia sem "o saber", que cada um dos Pardais é um Novo Pardal, completamente único e original. Daí seu interesse por todos eles. E lá fora, naquela manhã Única, voce os batiza. Confirma cada um deles como um Ele.
   O café sobre a mesa é mais um café. E enquanto se é servido voce brinca com a colher. Ela agora é uma catapulta e voce lança bolas de pão, em Fogo. à muralha da Mantegueira. Exércitos de invasores fazem aquilo que sabem fazer, Saqueiam a manteiga. Quando sua mãe impede a nova Bola de Fogo de ser lançada, bem, voce e seu irmão começam a tomar café como se agora fossem Dois Piratas. Migalhas são jogadas ao chão por Barba-Negra, que se serve de imensas canecas de Rum e engole nacos de Carneiro como se fossem Bolinhos de Chuva.
   Mas é lá fora que se faz a coisa.
   Todas as pessoas na rua são conhecidas e possuem um nome, mesmo que João seja para voce "O Menino da Bicicleta" ou que Lucinha seja agora "A Mais Linda com as Pernas Nuas". Todas as ruas levam ao Novo, e todas as Ruas lhe são conhecidas. Porque voce conhece a eterna Transformação que é a condição da Vida Bem Vivida. E ninguém te ensinou isso, voce Sabe. ( Um dia, terrível dia, vão te dizer que a vida é uma fórmula, que a morte é um destino e que tudo é como é... ). Mas voce Sabe, naqueles Tempos, que tudo o que os Homens Grandes pensam é Confusão Pra Passar o Tempo. E gente como Voce, Pequena, Sente que a Vida é Mais.
   As Nuvens Falam e a Tempestade tem um Caráter. Cada Pedra na Estrada de Terra tem uma fala em seu Teatro. Sua Mente Cria sem parar para pensar. O Medo, absoluto e imenso, toma todo o Universo quando voce olha uma ratazana morta no meio do lixo. E esse Pavor se transforma em esquecimento ao olhar uma Pipa que se solta da linha e voa a esmo por entre os Eucaliptos que não a capturam. Um bando de moleques corre pela Pipa e voce se lembra de Tom e Huck.
   Voce ainda não aprendeu o Tempo e essa Manhã lhe parece pra Sempre.
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   Walt Whitman pegou muito de Wordsworth. Ambos se soltam na estrada e vivem o olhar sobre as coisas. Ambos nos deixam um gosto de felicidade na alma quando descrevem as coisas. Agradecemos ao Mundo por ter dado luz aos dois Gigantes. A diferença é que o americano é voltado ao futuro, o inglês ao passado. Whitman de nada tem saudade, ele crê na vida que virá. Wordsworth lamenta o que se perdeu, ele vive feliz por poder recordar.
   Os lagos, as montanhas, so bosques. Wordsworth procura a solidão para lá se enamorar das sensações que a natureza lhe dá. Ele consegue ter instantes de Sublime por poder ainda acessar sua infância. Infância que não é inocência, é criação e conhecimento. O poeta procura a Surpresa e procura mais que isso AQUILO QUE NÃO PODE SER DITO POIS ESTÁ FORA DA LINGUAGEM. Para isso ele caminha: sobe morros, rema em lagos, adormece em relvados, fala com camponeses, se perde na neve. Anda por toda a Grã-Bretanha, mas também pela França, pela Alemanha, sempre a pé. E é feliz.
   Tempos finais, as fronteiras começavam a se fechar. Wordsworth se aterroriza com Londres: "Como podemos viver onde não sabemos os nomes de nossos vizinhos? Isso é impossível!!!" Bem-vindo à modernidade Wordsworth...
   O poema, longo, escrito na parte final de sua vida de 80 anos, narra sua vida. Infância, Oxford, viagens a pé. É uma obra-prima e é um prazer. Poema solto, sem rima e sem metro, quase prosa. Caça ao Sublime, acerta o alvo várias vezes.
   Tem de ler.