VOCE VAI FICAR OUVINDO O MESMO DISCO PARA SEMPRE? TALKING HEADS E O QUE SIGNIFICA REMAIN IN LIGHT

   Após trinta anos de cantores péssimos a voz de David Byrne não parece mais tão ruim. Em 1980 ela era um horror. Desafinada, ansiosa, toda errada. Well, muita coisa mudou e um fato é que o som dos Heads virou mainstream. Aliás a banda de Byrne, Jerry Harrison, Tyna Weymouth e Chris Frantz é das mais copiadas today. Como acontece com Jam, Costello, XTC ou Ultravox, o som dos Heads é o som de 2013. Esta geração não tem o seu "David Bowie". Parece que o rock vai para sempre ser preso nesse saudosismo que jamais irá cessar. Consequência da internet, Love, Fairport Convention ou Donovan Leitch serão influências forever...Novidade hoje? Só fora do rock.
   Quando os Heads cruzaram o caminho com Brian Eno, em 1978, eles já sentiam isso. Desde 1974 eles faziam parte da cena indie de New York. Ramones, Blondie, Television e Talking Heads, cada um em sua praia. Ramones o máximo do conservadorismo. Primal. Blondie o pop-chic. Television fazia o estilo Lou Reed, drugs e noite. E os Heads cuspiam no rock. Não queriam seguir a cartilha. Começaram a misturar coisas: música africana com arabismos, funk tipo George Clinton com bubble-gum tipo Archies. Na época era esquisito pacas! Não era punk, não era country, nem disco, soul, funk, heavy, folk ou blues.
   Remain in Light é de 1980 e é o quarto disco. Eno começou a tomar conta de tudo e por isso a banda começou a se desfazer. Hoje eles poderiam fazer uma reunião caça niqueis. Tocar em festivias do verão europeu e americano. Um monte de caras das bandas hype de 2013 adoraria tocar com eles. Mas não. Pra que?
   O disco tem a formação que até hoje é minha favorita: mais de doze músicos tocando juntos. Se faz uma cama de ritmo e sobre essa cama se espalham acordes desarmônicos por cima. É um som rico, cheio de detalhes, e ao mesmo tempo é dançante. Os quadris mandam. O ansioso David Byrne foi sempre um insatisfeito. O rock seria uma camisa de força para ele. Então ele se mandou e veio até mesmo ao Brasil. Seus ouvidos precisam sempre de novidades. Nisso ele é o oposto radical de Keith Richards ou John Lennon. A cartilha Chuck Berry foi jogada no lixo. Mais um filho de Bowie.
   Born Under Punches abre com pop esquisitinho. Inadaptação. O tom é dado: dançar sempre. Crosseyed and Painless dança a estranheza. Quadris mais cabeça. A banda é fantástica. Um monte de percussão. Tyna tem linhas de baixo do cacete. Aliás foi ela a primeira loura com baixo. Antes do Sonic Youth.  The Great Curve apresenta o solo cubista e esquizo de Adrian Belew. Uma obra-prima. Nona comaprece nos backing vocals e tem Eno fazendo ruídos e dando gritinhos. Once in a Lifetime foi usada em um monte de filmes de arte. Byrne dirigiu cinema. Todo o David Lynch está nesta música. Houses in Motion tem o trompete árabe de Jon Hassell. É hipnótica. Seen and Not Seen é minimalista, a mais Eno de todas. Listening Wind te joga no wind. Tem a sofisticação de Ferry. E Overload encerra em chave anti-pop. Tá lá.
   Lançaram e deram um tempo. 3 anos para o próximo disco. Hoje, 33 anos depois, o disco nos lembra de uma palavra: ambição. Falta ambição a nosso pobrezinho rock made in 2013. Não a ambição tola do tipo: Eu sou um gênio. Não a ambição babaca de Eu sou o mais sofrido. Falta a ambição de se ouvir mais, de se fazer mais, de se tentar mais. Falta ser mais irriquieto. Falta a surpresa.
   Morou?

OSCAR 2013

    O urso Ted foi melhor ator que Jennifer Lawrence. Sua interpretação no filme de David Russell é banal. Quem derrotou Riva foi Dujardim. Jamais Hollywood premiaria uma francesa após um francês. Como aconteceu com Gwyneth, Reese e René, Jennifer é a bola da vez da indústria.
    Hugh Jackman tinha minha torcida. Lewis de novo! É o Meryl Streep masculino. Falta concorrência? Lincoln é chato pacas! Ang Lee é o diretor mais interessante da América. Inquieto. A primeira hora de PI é deliciosa. Depois fica monótono e volta a melhorar no final.
    Shirley Bassey cantando Goldfinger foi o ponto alto da noite. Porque não levaram os ex-Bond ao palco? Para não humilhar o cara-de-burro Daniel Craig?
    Argo é bom. E foi produzido pelo cara mais querido de Hollywood: George Clooney. Tinha de vencer. Os grandes perdedores foram Lincoln e o filme do Bin Laden.
    Uma coisa boa aconteceu neste ano: O show foi menos MTV e mais cinema. Até musical teve! E os Caras estavam lá: Jack, Dustin, De Niro, Michael Douglas, Gere. Se Al Pacino e Clint Eastwood estivessem na sala todos os maiores do cinema americano estariam juntos.
    Quem não viu que veja, Anna Karenina é o filme do ano. Mas o Oscar resolveu que Joe Wright será premiado só após os cinquenta anos. Pena.

KEVIN AYERS EM IBIZA COM JOHN CALE E ANDY SUMMERS

   Maravilha! Especial da TV Espanhola de 1980 com a intimidade de Kevin. Sua vida em Ibiza, trechos de show pra TV....Viva a internet, Viva o Tube e que Kevin esteja cercado de champagne e canções onde esteja !

musical express 1980 especial kevin ayers blog am~tve



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Kevin Ayers - Falling In Love Again (1976)



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Milos Forman - Cerny Petr (1964) PEDRO, O NEGRO, SUBLIME.



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PEDRO MILOS FORMAN/ O MESTRE/ PRESTON STURGES/ STEVE MCQUEEN/ OSCAR 2013

   Antes vou falar sobre o Oscar de amanhã. Bem, cada ano ele se torna mais irrelevante, mas não dá pra ignorar. Neste ano tem um monte de filmes "bacaninhas" e nenhum filme ótimo. Pelo menos não estamos em nivel tão baixo quanto 2011, quando uma série de filmes de arte-lixo-fake concorreu ( e foram derrotados, felizmente, pelo Discurso do Rei, excelente ). Infantil o prêmio se torna cada vez mais, mas ás vezes ele ainda acerta. O melhor filme em inglês do ano não concorre a melhor filme ou direção. Anna Karenina é um filme sofisticado demais para um prêmio que se faz teen. O diretor Joe Wright faz mais um grande filme e dessa vez nos dá o prazer de uma féerie de cores e de sons. Arte superior. Porcos não apreciam pérolas. Dos indicados deve dar Argo, filme que tenho preguiça de ver. Ben Affleck será melhor diretor. Hollywood ama atores que dirigem. Se unirá a Warren Beaty, Clint Eastwood, Mel Gibson, Kevin Costner. Day-Lewis vencerá melhor ator e Emmanuelle Riva a melhor atriz. Anne Hathaway será coadjuvante e Seymour Hoffman o masculino. Ou seja, vai ser tudo um tédio mortal. Dos indicados eu adoraria ver a vitória de Os Miseráveis. É o único indicado que me surpreendeu. Muito melhor do que eu esperava, nada tem de xaroposo. Diretor votaria em Tom Hooper. Assim ele seria o segundo inglês na história a ter dois Oscars ( o primeiro é David Lean ). Melhor ator Hugh Jackman, de longe o melhor. Atriz Helen Mirren em Hitchcock. Jamais daria o coadjuvante para Anne, seria Amanda Seyfried e ator coadjuvante Christoph Waltz. Tá bom? Vamos aos filmes que assisti na semana....
   O MESTRE de Paul Thomas Anderson com Joaquim Phoenix, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams
Anderson é um bom diretor mas ele precisa dar um tempo e viajar, descansar, se renovar. Seus filmes sempre foram chatos, mas em troca da chatice nos davam momentos de belo cinema. Ele criava. Ousava. Mas, ultimamente, seus filmes se tornam cada vez mais crispados, áridos, mal-humorados, solenes, quase mortos.  O cinema de Anderson sempre foi cristão. Todos os seus filmes falam sobre a perda do pai, a dor e a ressurreição. Às vezes de forma explícita, como em Magnólia, onde até a passagem bíblica da queda dos sapos comparece. Sangue Negro é o filme em que o diabo vence. Anderson entrega os pontos e admite, gnósticamente, que a partir de certo momento de nossa história Deus foi exilado. Puritano. O cinema de Anderson é hiper-puritano. Hawthorne e Melville são suas fontes. A ironia que dava a força vital a seus filmes vinha de Robert Altman, diretor que foi seu mestre. Boogie Nights e Magnólia são filmes à Altman feitos por um cara que nunca foi doidão. Com o tempo Anderson foi trocando a influência saudável de seu mentor hippie por um cinema mais clássico, um tipo de William Wyler intelectual. Não está dando certo. Mesmo admirando suas intenções, mesmo torcendo por ele, seus filmes são chatos, sempre chatos. Aqui, puritanamente, ele condena os falsos religiosos, os vendilhões do templo. Ótimas intenções, mas o tiro sai pela culatra. O único ser vivo em todo o filme é Seymour Hoffman. Ele parece ser humano e real. Todos os outros são tipos unilaterais, sofrem de sintomas, não são "ricos". Sem nota.
   AS TRÊS NOITES DE EVA de Preston Sturges com Henry Fonda e Barbara Stanwyck
O mundo inteiro não deve estar errado. Todos adoram esta comédia do mais valorizado dos diretores americanos. Mas eu não. Então concluo que o errado deva ser eu. Certo? Fonda faz seu tipo bom rapaz ingênuo, e Stanwyck é uma vigarista que o seduz. É um filme ok, mas não vi sua criatividade tão decantada. Nota 5.
   SHENANDOAH de Andrew V. McLaglen com James Stewart
Se voce suportar a carolice de seu começo, onde Stewart faz um pai de familia, viúvo, voce verá um bom filme de ação em sua parte final.  Ele, Stewart, tenta ser neutro na guerra de secessão, não consegue. A guerra invade sua vida e sua familia se despedaça. É filme da fase final da carreira de Stewart, ele atua no piloto automático, repete as falas como um Lincoln de segunda mão. Mas a parte final é boa, e tem uma bela fotografia. Nota 6.
   CROWN, O MAGNÍFICO de Norman Jewison com Steve McQueen e Faye Dunaway
Um dos filmes mais vaidosos e exibicionistas de todos os tempos. O ano é 1968. Steve McQueen era então O Cara. Uma mistura de Sean Connery com Paul Newmann. O inventor do cool, o feio atraente, o cara muito macho e muito sexy. Ele se exibe como um milionário que se torna fora da lei só para espantar o tédio. Faye vinha de Bonnie e Clyde. Era a atriz da moda. Faz uma sexy e elegante agente de seguros que tenta capturar McQueen. O fotógrafo do filme é Haskell Wexler, o mais moderninho de então. O filme é todo "esperto". A tela dividida em quadros, imagens fracionadas, ângulos arrojados. A trilha sonora é de Michel Legrand. Cheia de bossa, jazzistica, a trilha que hoje Soderbergh adora. E o diretor, Jewison, vinha de sucessos em série. Resultado de tudo isso? Um super-sucesso de box-office. Mas não é um grande filme. Tanta exibição faz dele uma coisa fria, distante, sem emoção. É como ver uma revista de moda, o filme é lindo, chic, gostosão, mas sem mais nada que essa casca. Nota 6.
   PEDRO, O NEGRO de Milos Forman
Uma obra-prima. Finalmente descubro uma obra-prima!!!! Há quanto tempo!!!!! Aleluia!!!!!!!!! Feito na libertária Tchecoslováquia de 1966, Milos Forman com este filme influenciou todo o novo cinema americano de então.  O filme parece documentário, parece reportagem. É jovem, é fresco, é vivo, é maravilhoso. Com câmera na mão e atores de rostos inesquecíveis. Pedro é um adolescente. Ele trabalha como vigia de mercado e tenta engatar namoro. Sempre calado, os enormes olhos em dúvida constante, Pedro é um dos mais perfeitos retratos de um adolescente já vistos em filme. Mas todos os outros também são ótimos. O pai, um durão que não o entende, a mãe, submissa, os amigos, feios, ansiosos, brigões, e as meninas. Há tanto amor pelos personagens que o filme chega a comover. E há humor, o humor tcheco, absurdo, ácido. A cena do Hóy ( quem assistir saberá do que falo ), é uma das mais hilárias que já vi. Creiam-me, é um filme obrigatório. Vendo-o voce entende o quão pouco é preciso para se fazer um grande filme. Voce percebe que arte e diversão podem andar juntas. Melhor que Estranho no Ninho ou que Amadeus, é o grande filme do grande Milos Forman. PS: Maravilhosas cenas nas ruas e nos mercados da Praga de então. Nota DEZ !!!!!!!
  

O ROMANTISMO POR CARPEAUX, AFINAL, ELE AINDA VIVE?

   Se eu tivesse de escrever uma obra sobre a musica pop teria dificuldades em ser imparcial ao relatar as fases 61-67, 83-88 e 2005-2012; porque são as épocas que Menos gosto. Os elogios pareceriam forçados, as críticas muito fortes. Carpeaux por mais que disfarça, não gosta do romantismo, daí que seus elogios parecem artificiais e suas críticas exageradas. Como apaixonado pela literatura do século XVII, Otto, lógico, não pode compreender completamente o romantismo. Não o aceita.
   Românticos são narcisos. Em tudo aquilo que colocam o olhar vêem um EU. Suas obras sempre falam de um Ego em luta contra o Mundo. Daí a imensa quantidade de heróis e de sofredores. Napoleão é o guia dessa geração. Napoleão é amado como o indivíduo contra o mundo, ou odiado como o vilão que vulgarizou o planeta. Nunca é ignorado. Otto Maria Carpeaux não aceita essa literatura. Daí passar o livro inteiro chamando os autores da época de "esquisitões", "neuróticos" ou "paranóicos". Ele cria diagnósticos e analisa pouco.
   É verdade, nunca houve tanto poeta suicida como nessa época, nunca aconteceu de tantos morrerem tão cedo ou acabarem como mendigos ou loucos internados. Mas ele deveria dizer como isso aconteceu e não se contentar com um veredito. O que levou tantos a esse caminho?
   Por volta de 1800 acaba a imagem do artista como "protegido dos nobres". Com a ascensão da classe média e o fim da nobreza como classe central-única, os artistas devem, pela primeira vez, lutar pelo sustento "se vendendo". Precisam agradar a burguesia, agradar aos jornalistas, produzir muito, adivinhar o que o público deseja. É aqui que surge o conceito de best-seller, um gênero criado inconscientemente por Walter Scott. Os artistas mais sensíveis, incapazes de se adaptar a esse mundo de fábricas, relógios e competição, sucumbem.
   Aviso que não sou um grande fã dos romanticos. Apesar de ser a época de Stendhal, Keats e Wordsworth, me incomoda essa obsessão pelas dores da vida, pelas injustiças. Estou muito mais perto de Montaigne ou de Sterne que de Hugo ou Byron. Mas tenho de admitir, eles foram grandes, muito grandes, e até agora ( mas já em franca decadência ), aquilo que entendemos por "artista" está muito próximo daquilo que foi Beethoven, Byron ou Victor Hugo. O indivíduo em luta contra o meio injusto. O anjo caido.
   Falar de tudo o que o livro diz é impossível. São milhares de autores. Destaco alguns, não necessariamente os maiores. Vejam Walter Scott. Ele é até hoje o mais best-seller dos best-sellers. Mais que Dumas, Verne ou Conan Doyle, Scott criou aquilo que chamamos ainda de "romance popular". Influenciou toda a Europa, vendeu aos milhões ( em 1815, em 1820 !!! ). Ele criou o romance medieval, o romance de viagens, o romance de aventuras histórico. Tudo o que vemos nas livrarias que traga algo de gótico, de romanesco, de "passadista" tem uma dívida com Walter Scott. Ele cria o romantismo de evasão, o livro que nos faz "ir embora para lugares miticos".
   Otto considera Kierkegaard o grande filósofo romântico. Seu mergulho no Eu chega ao paradoxo: negar o Eu. Kierkegaard chega a conclusão que o homem deve tomar uma decisão existencial, negar a Deus, e viver na animalidade absoluta do aqui e agora, ou aceitar Deus, negar o Eu, e viver no compromisso com o Outro. Schopenhauer e Hegel seriam os outros filósofos românticos, um com seu nada e o outro com sua dialética histórica.
   Em termos de história do período, Otto, que era austríaco, coloca neste período o fim da verdadeira Viena. A cidade barroca, católica, sensual, feliz, riquíssima, seria sufocada por Berlim e seu espírito gótico, luterano. Fato pouco lembrado e muito importante, Otto Maria Carpeaux une religião e arte, religião e filosofia, dessa forma, a arte do romantismo se liga a um renascimento católico, assim como o realismo é a confirmação do positivismo e nossa arte atual é filha de um "vale tudo" pseudo-religioso. Para quem acha que nosso tempo é o mais ateu dos tempos, esse foi o século XVIII. Século que culmina na Revolução.
   Stendhal é um dos que Otto salva. Isso porque, em estilo, ele é muito mais século XVIII que XIX. Sua alma é racionalista. Coisa admirável, Stendhal é tão inteligente que a psicologia de seus livros é válida até hoje. O que os personagens fazem, sentem, pensam, é aquilo que fazemos, pensamos e sentimos até hoje. É o maior dos psicólogos romancistas.
   Devo dizer ainda que Otto preserva de suas críticas o pré-romantismo, esse romantismo de 1790, de Wordsworth e Coleridge, a poesia dos lagos, a poesia daqueles que negam a vida moderna e se isolam nas matas, em contemplação, em adoração ao mundo natural. São os poetas que percebem um universo numa gota de chuva. E que falam de pobres agricultores como se fossem reis.
   Gogol, Hans Christian Andersen, Shelley, Heine, Thoreau, Emerson, uma linha infindável de nomes, grandes, pequenos, esquecidos, vivos. Um grande livro, mas da série de Carpeaux é o pior.

UMA HOMENAGEM A KEVIN AYERS NO DIA DE SUA PARTIDA

Não vou falar sobre a biografia de Kevin; esse viajante exilado. Voce sabe, já escrevi sobre sua vida antes. Um rock star que nunca foi star e foi muito mais poeta que rock. Ele morreu e dizem que morreu dormindo. Morreu sonhando. Sua vida foi constelação de imagens e de coisas que se definem em indefinição. Estranha coincidência, eu cantara Strange in a Blue Suede Shoes ontem.
A morte sempre esteve perto de Ayers para mim. Isso porque descobri Kevin tarde na vida, apenas em 2008, um mês após a morte de meu pai. Assim como a poesia de WB Yeats, Kevin Ayers ajudou a superar a dor e a absurdês da morte daquele que me fez estar aqui. A música de Ayers, com sua irresponsabilidade perante tudo me aliviou e seu romantismo sem desespero, blasé e elegante, me fizeram ver a beleza na falta de sentido. Ele pegou minha mão e eu fui.
Posto dois videos e um deles foi posto no Tube recentemente. Um show no bar do Olympia em Paris. Ayers escolheu ser francês. Simbolismo, a evolução irônica do romantismo. No show dá pra ver sua imagem, um modo Shelley mais Wilde de ser. E o descompromisso com as razões e as direções. Solto e cercado por nuvens, assim viveu Kevin Ayers.
Para onde ele irá agora? Terá ido ao encontro final com a Lua em Junho ou a Criança de Gêmeos? Poderá enfim ver as cores que sempre sonhou? Ele tinha de morrer dormindo, afinal, há uma absoluta indiferença ao drama em sua música. Ele nunca posou de herói, daí seu não-sucesso no mundo do rock, esse mundinho cheio de heróis sofridos ou de heróis machões. Kevin Ayers escolheu ser um dandy. Dandy bêbado, dandy sonhador. E nesse sonho fez do mundo uma praia de caranguejos de nome Clarence e de Bananas filosóficas.
Eu amo Kevin Ayers e para mim, e alguns poucos, ele será sempre presente. Porque nunca o vi como um homem deste mundo. Ele sempre viveu no "outro". E lá continuará.

Kevin Ayers - Taverne De L'Olympia, May 1970 - Part 1



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KEVIN AYERS & THE WHOLE WORLD - May I? (1972)



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BYRONISMO HOJE ( rock e romantismo )

   O byronismo não é um estilo, é uma atmosfera, uma mentalidade, uma atitude em face da vida e da morte. Fala-se em Mal du siécle ou Weltschmerz. Ninguém ou quase ninguém pensava em imitar o estilo poético de Byron, todos só pensavam em imitar-lhe o gesto, a fronte pálida reclinada à mão, o olhar para longe onde há mulheres a amar e a corromper, povos a libertar. Foi esse tipo que conquistou o mundo.
   Transcrevi esse parágrafo de Otto Maria Carpeaux em O Romantismo. Se voce tem por volta de 30 anos ou menos, não faz muita ideia do que seja a tal ATITUDE BYRONISTA perante a vida. Eu, infelizmente, não conheci outra coisa. Arte é para mim sempre byronismo, e o mundo, pena,  é hoje materialista e comercialista. Enfim....
   Como acontece com Oscar Wilde, se conhece muito o homem Byron, pouco se lê seus livros. Mas não foi sempre assim. Quando Byron surge, começos do século XIX, sua poesia torna-se sensação. O romantismo se confunde com seu nome. Porém, em 20 anos seu nome se faz maior que sua obra, ele passa a ser um tipo de Homem-Arte, celebridade. Odeia-se Byron, muito, ama-se Byron, muito mais. Por 150 anos ser artista é ser byronista.
   Lord Byron, nobre decaído. Ser artista é ter esse ar de nobre que perdeu tudo, de alguém que nasceu na hora errada, no lugar errado. Muito tarde, muito cedo, seu tempo nunca é o tempo certo. Inadaptado, angustiado, excitado pela raiva e pela melancolia, ele se debate, sonha com outros mundos, viaja. Creia-me, antes de Byron esse não era o modelo do Artista. Um escritor, um pintor podia e geralmente era, completamente "de seu tempo e de seu lugar". Com pés firmes no chão, ligado a realidade, gênios como Cervantes ou Moliére nada possuem de "sentir-se de outras eras". Byron não. Ele, solitário radical, porém cercado de amantes, nunca está aqui. Vive sempre lá.
   Místico, mesmo sendo cético, Byron populariza o satanismo. Flerta com o anjo caído, o anjo negro da noite e do pecado. Byron ousa. Inaugura isso também, o artista como pecador. Byron se droga, dorme com a irmã, blasfema, peca. E goza. É o homem mais famoso da Europa. Bate em popularidade Goethe e Beethoven. É um tempo de titãs.
   Byron parte, viaja. Mete-se em revoluções, ajuda anarquistas. Onde houver ação, ele lá estará. Mas suas causas devem ser as perdidas. Byron perde sempre. E morre nas trincheiras, na Grécia amada, lutando pela independência do país. Um fim digno de sua vida. Um fim artístico.
   Pois bem, por 150 anos esse será o modelo. De DH Lawrence a Heminguay, de Jean Cocteau a Joyce, todos serão em algum aspecto byronistas. Gauguin, Modigliani, Lorca... a ansiedade, a vida como obra, a obra como tentativa de inovação, a criação de um mito, a crença em outros caminhos, a inadaptabilidade ao tempo. Mas, claro, esse byronismo vai se tornando cada vez mais "fake", de segunda e terceira mão, cada vez mais impossível.
   Quando o rock explode os mais espertos logo surrupiaram o modo Byron de ser. Mick Jagger passa dez anos em poses de Lord Byron. Satânico, pecador, dúbio, entediado. Com ele vem toda uma leva de byronistas do rock, entre eles os mais ingênuos morreram ( Jim Morrison, Brian Jones, Nick Drake, Ian Curtis ), os mais espertos se tornaram cínicos ( o próprio Jagger, Bowie, Kevin Ayers ) ou trocaram Byron por Shelley ( Van Morrison, Bryan Ferry ). Quase todos ingleses, nos EUA o rock é folclore, todo rock star americano desde sempre é whitmaniano, ( com alguns anjos de Allan Poe como Lou Reed e Patti Smith ). Weeellll....
   Penso então que é por isso que tenho imensa dificuldade de levar o rock de agora a sério. A ênfase em Byron se foi. Uns poucos ainda bebem na fonte de Shelley ou de Wilde, mas quase todos são filhos da era naturalista, arte para eles é apenas "observação acurada da vida". Sempre vou pensar que isso não é arte. É jornalismo.