RENDIÇÃO INCONDICIONAL- EVELYN WAUGH, O RIDICULO DA GUERRA ( E DA POLITICA )

   Adoro Waugh. Depois da brilhante geração dos anos 10/20, não há autor em inglês que eu aprecie mais. Tenho imensa admiração por Graham Greene, Saul Bellow, John Cheever, Wodehouse, Updike, Gore Vidal...Mas Evelyn Waugh é meu favorito. Questão de identificação. O modo como ele vê a vida é muito próximo do meu e ele escreve no estilo que eu adoraria ter. Se eu soubesse escrever, claro.
   Dentre os oito livros de Waugh que já li, este, terceira e última parte de sua trilogia sobre a segunda-guerra, é um dos melhores. E de certa forma, ele aqui resume toda sua brilhante carreira.
   Crouchback é um membro de antiga familia nobre. Divorciado, entediado, melancólico, ele entra na guerra como voluntário, de certo modo para ter alguma coisa que o "anime". Lá, ele acaba por conviver com seus velhos conhecidos ( mas não necessariamente amigos ). Uma turma de frequentadores de clubes, pseudo-intelectuais, esquerdistas, nobres alienados e patetas em geral. O que eles fazem na guerra? Basicamente sofrem de tédio. São treinados e transferidos, ganham patentes e são desmobilizados. Não nos esqueçamos, eles fazem parte da elite inglesa. Querem ação, querem honrar o nome nobre e guerreiro de seus antepassados, mas nada têm a fazer. A guerra, cruel e real, é para a plebe, jovem e saudável.
   Acaba por participar de duas batalhas em cinco anos. Uma delas é narrada no livro dois, e neste livro três há uma ridicula batalha farsesca na Iugoslávia. O que mais deixa Crouchback doido é a burocracia absurda, a letargia de gabinetes e sua própria indecisão.
   Waugh cria uma galeria de personagens magníficos. Tipos paranóicos, vaidosos, alienados, suicidas, todos cômicos em suas reações covardes. Não há glória nesta Inglaterra de Waugh. O que há é burrice, abjeta burrice. Evelyn Waugh esteve na guerra, sabe o que fala. Tem uma visão da guerra não-heróica, ele é desencantado.
   E vai mais longe. Já escrevi que dou muita risada com humor visual, livros cômicos são adoráveis mas não me fazem gargalhar. Waugh conseguiu me fazer gargalhar ao fim do livro. Numa patética cena de batalha em que um general aleijado avança sózinho contra os sérvios e é massacrado. A cena é tão absurda e tão tola que é impossível não rir. Rir com amargor.
   Há uma fala ao fim do livro que condensa o que pensa Waugh sobre essa guerra. Uma refugiada judia fala a Crouchback que a guerra não foi culpa só dos nazistas. Que os russos desejaram a guerra para assim invadir a Europa, que os judeus desejaram a guerra para ganhar Israel, e que os ingleses desejaram a guerra para afirmar a si-mesmos suas raízes guerreiras. Esse é o tom filosófico do livro: a guerra não tem apenas um vilão, todos são culpados por ela, todos a desejam sem o confessar. E nada há de inconsciente nisso, vão à guerra alegremente, confiantes e voltam aniquilados.
   Politicamente a guerra foi uma tragédia para a Inglaterra. Waugh culpa Churchill de falta de visão e culpa os comunistas ingleses ( e havia muitos ), de ingenuidade. A Inglaterra alimenta e arma os comunas iugoslavos e depois é expulsa do país de Tito. Oficiais ingleses, idealistas de esquerda, brindam os avanços de Stalin e depois são impedidos de entrar na Polônia e na Hungria.  Crouchback tenta salvar os judeus da Iugoslávia e é tratado como um tolo desocupado. Waugh entende o que é o humor: Nada neste livro é alegre, e tudo é engraçado. Os absurdos se acumulam sem parar, as coisas sempre saem erradas, acidentes sobre acidentes.
   Evelyn Waugh não era um niilista. Ele via uma saída. Viver. Crouchback acaba por se safar. E entende a filosofia de seu pai:  "Julgamentos Quantitativos não se aplicam".  A quantidade não importa. Um ato de bondade redime todo o mal. O que nos surpreende não é a existência do mal, mas sim a sobrevivência da bondade. Crouchback sobrevive por causa desse Bem. E afinal, sem que ele perceba, ele acaba por salvar seus judeus.
   Que delicia de livro!

007/ LINCOLN/ COLE PORTER/ WILLIS/ TOM HANKS

   A VIAGEM de Tykwer e os Wanchowski com Tom Hanks, Halle Berry, Jim Broadbent, Hugh Grant
Em 1998 nada era mais excitante que Run Lola Run e Matrix. Em 2013 nada é mais cool que meter o pau nos diretores desses dois filmes ( Shyalaman é outro ex gênio daquela geração ). Este filme não tem pé nem cabeça! Faz uma mistureba de espiritismo, fisica, futurologia e termina como apenas uma ode óbvia a all you need is love. São três horas de profundo tédio. Tom Hanks se diverte em imitar Alec Guiness, faz um monte de personagens.  É a única diversão do filme, descobrir quem é quem debaixo daquela montanha de maquiagem. Nota 1.
   LINCOLN de Spielberg com DD Lewis e Tommy Lee Jones mais a grande Sally Field
Escrevi sobre ele abaixo. Como aula de história, vale. Como cinema é enfadonho. Lincoln fala e fala e murmura. Salas escuras e negociações. Lewis está ok. Tommy é o único que dá vida ao filme. Longe de ser um grande filme, não diverte e jamais emociona. Mas dá dignidade a profissão de politico. O que hoje é louvável. Cavalo de Guerra era bem melhor. Quem quiser saber mais sobre o presidente, veja o muito superior filme de John Ford. Nota 6.
   SKYFALL de Sam Mendes com Daniel Craig
Ó James Bond...então é esse o nosso Bond versão 2013? Craig não é mal ator de todo, ele apenas nada tem a ver com o personagem. Fleming sonhava em ver Cary Grant como Bond e ninguém é menos Cary Grant que Craig. Esse Bond tem cara de burro com suas orelhas de abano. Nada sedutor, ele parece sempre estar fingindo ser James Bond. Well...cada época tem o Bond que a reflete, Danny é um pseudo-Bond numa época de virtualidades. O filme tem ação banal, enredo pobre e nunca mostra aquela coisa divertida e sacana que fez a lenda de Bond. Alguns criticos o elogiaram. Com certeza são aqueles que nunca gostaram de 007. Nota 1
   E A VIDA CONTINUA  de George Stevens com Jean Arthur, Cary Grant e Ronald Colman
Este roteiro é muito esquisito. Começa como drama, vira comédia leve e termina como drama novamente. A impressão é a de que as 3 partes não se unem. Fala de um acusado de assassinato que foge e se esconde na casa de ex-namorada. Um famoso juiz se hospeda lá... Stevens foi um dos gigantes de Hollywood e o fato deste filme ser agradável, mesmo tendo roteiro tão confuso, mostra o quanto Stevens sabia dirigir. Ele começou como montador nos filmes de Laurel e Hardy, sabia dar ritmo aos filmes. Nos anos 50 Stevens faria clássicos como Giant, e Shane. Cary está meio fora de papel e Colman domina o filme com muito tato e humor. Agradável. Nota 6.
   ALTA SOCIEDADE de Charles Walters com Bing Crosby, Frank Sinatra e Grace Kelly
Um filme com Bing e Frank cantando ótimas canções de Cole Porter. O que mais se quer? Grace Kelly, bonita como uma deusa. E ainda tem Louis Armstrong fazendo Louis Armstrong. O filme, modelo de chique, fala de uma moça frigida que vai se casar. O ex-marido fica por perto e a perturba. O roteiro é uma simplificação da peça de Philip Barry que fez a glória de Kate Hepburn. Hollywood teve duas aristocratas atrizes: Kate e Grace, as duas fizeram este papel. O filme é alegre, leve, colorido, elegante, um exemplo do que antes se chamava de "diversão civilizada". As canções de Porter são sensacionais, saltitam. True Love foi um hit depois regravado por George Harrison. Grace brilha intensamente. Frank nunca esteve tão simpático. Nota 9.
   HUDSON HAWK de Michael Lehmann com Bruce Willis, Danny Aielo e Andie MacDowell
O filme que quase acabou com a carreira de Willis. Superprodução, foi um fracasso em 1991. É uma comédia sem graça que fala de plano para roubar pedras que formariam uma máquina de Leonardo da Vinci que transformaria chumbo em ouro. As piadas não têm graça, Willis está exagerado e a ação é confusa. De qualquer modo há a bela Itália e o estilo de Andie. Nota 4.
   ZOOLANDER de Ben Stiller com Stiller e Owen Wilson
Fuja! Nada aqui tem graça. Nota Zero.
  

JANE EYRE- CHARLOTTE BRONTE, UMA COMPARAÇÃO ENTRE ONTEM E AGORA

   Somos hoje todos nós, heróis. Me veio essa ideia ao ler este livro. Já falo dele, antes vou falar dessa ideia.
    Como é que conseguimos? Ter de ,a cada dia, pela vida toda, criar um sentido e um papel na vida? Criar enquanto se faz: Improvisar todo o tempo. Improvisar teorias, ambições, comportamentos. Como conseguimos suportar? Ser exposto a tanta coisa: vozes, imagens, desejos, mentiras, fatos, violências, risos. Tantos convites! Uff...Porque me veio isso? Por causa do livro, enquanto o lia.
    Jane é uma menina orfã que é desprezada pela tia. Alvo de torturas dos primos, vai viver em colégio interno. Lá passa fome e vê amigas morrerem em surto de tifo. Já adulta, é empregada como professora na casa de homem rico e taciturno. Claro, os dois se atraem, mas o livro, 500 páginas, reserva loucura, mistério e sofrimento aos borbotões.
    A vida narrada é sofrida, triste, escura. Comida e luz são luxos. Penso em como a vida era escura e no prazer que se sentia em se poder comer. As pessoas não-ricas, na Inglaterra mais de 90%, imagine aqui, passavam a vida sentindo fome. E vivendo longas noites no escuro, velas eram poucas. No inverno sentiam frio todo o tempo. O que dizer? A vida era pior que hoje? Em termos fisicos biológicos, sem dúvida. Mas o que me fez pensar é em como os cérebros deveriam ser pouco exigidos. A vida era mais que lenta, ela era previsível. Era silenciosa, discreta, com poucas coisas excitantes e desejos humildes. Conversava-se muito, se fazia pouco ruído. De nada se sabia. O que importava uma guerra na África ou um casamento em Boston?
   E então, a partir de fins do século XIX tudo muda. Eletricidade, luz, calor, fotos do mundo todo, jornais aos milhares, rádio e cinema. Nos eletrificamos e agora, em 2013, vivemos a obesidade, a fartura, o excesso de tudo. Todos somos tribunos romanos, nos entretendo em bancos preguiçosos. Mas em certo sentido heróis, heróis do tipo egoísta, auto-absorvidos, lutando para acreditar, para ter, para responder a altura aquilo que a vida nos exige. Improvisar!
   Isso cansa!
   Charlotte Bronte, uma das irmãs de Emilly, a mágica autora do sublime MORRO DOS VENTOS UIVANTES, morreu de tuberculose, como as irmãs. Seu livro é tão escuro e ruidoso como a obra-prima de Emilly. O cenário também tem função de personagem. Mas Jane Eyre é um pouco mais "novela", um pouco mais pé no chão que o romance de Emilly. E Jane Eyre, como personagem, não tem a estatura mítica de Heathcliff ou de Catherine. De qualquer modo, é um belo exemplo de romance vitoriano, onde na verdade é o dinheiro e não o amor que rege a vida dos personagens e seu destino. Jane é fria em suas decisões e não há como não ver Rochester como vitima de sua paixão. Ela joga.
   Boa tradução de Heloisa Seixas. Existem 3 ~traduções nas livrarias, vá atrás desta.

GRACE KELLY- ROBERT LACEY, A MAIS BELA

   Como namorou essa menina!!! Grace traçou todos os atores dos 11 filmes que fez. Desinibida, quando queria um homem ( seus favoritos eram bem mais velhos e seguros ), logo se jogava na cama e ia tirando a roupa. Mas seu fascínio, que fazia com que os homens a respeitassem, e mais que isso, ficassem loucos por ela, se devia ao fato de que por mais que ela se desse sem medo, havia algo nela que sempre parecia secreto, frio, não desvendado.
   O pai de Grace Kelly foi herói olímpico americano. Campeão em remo individual, milionário no ramo de construções, morando na Filadélfia, Jack Kelly, católico, foi um exemplo para a América dos anos 20. Belo, rico, musculoso, viril, sempre sorrindo. Ele teve cinco filhos. Um deles também ganhou ouro em olimpíada e as outra foram todas um retrato do pai. Menos Grace Kelly. Ela não se interessava por esportes. Era frágil, sonhadora, quieta e muito tímida. A mãe, alemã luterana, rigida, tinha um irmão, tio George, ganhador de um pulitzer como autor de teatro. Solteirão, alegre, cheio de histórias, é esse ramo que Grace irá puxar. Grace irá estudar teatro, aprimorar a voz ( onde cada consoante é pronunciada ) e começará a carreira na tv, em peças ao vivo. Sempre elegante, quieta, católica devota, ela era vista no meio como alguém que não parecia ser como eles eram. Não parecia boêmia. Grace nunca precisou passar pelos testes, pelos apuros que atores iniciantes passam. Se tornou modelo e logo no primeiro filme, Matar ou Morrer, obteve sucesso. Com Hitchcock ela se torna uma estrela e em 1954 ganha um imerecido Oscar de melhor atriz ( adoro Grace, mas foi uma das maiores injustiças da história ). Em meio a esses bons modos, às idas à igreja e as compras, Grace manteve vários casos. Ela jamais foi desleal com ninguém, nunca manteve duas relações ao mesmo tempo, mas era, segundo relatos, um vulcão absoluto. Ela amava sexo.
   O melhor filme de Grace, claro, é de Hitchcock : Janela Indiscreta. Onde ela está mais bonita, também é de Hitch: Disque M para Matar. Mas onde ela é mais ela-mesma, onde tudo é feito para ela: High Society.
   Em 1956 Grace Kelly larga o cinema no auge de seu sucesso. Tinha só 26 anos. Casa-se com Rainier, o principe de Mônaco. Seu novo papel é ser princesa. Dedica-se a causas sociais e tem 3 filhos, Albert, Caroline e Stephanie. Em 1982, eu lembro do dia, acabara de voltar da França, ela morre em acidente de carro em Mônaco. Num Land Rover que ela dirigia. Tinha 52.
   Grace Kelly, como James Dean, poderia ter passado como estrela pelo cinema dos anos 60. Em 1970 ela teria 40 anos, ou seja, estaria em seu apogeu ( ela nasceu no mesmo ano que Clint ). Poderia ter feito filmes chiques com Blake Edwards e Stanley Doner, ter participado da renovação com Lumet e Pollack. Ter contracenado com Steve McQueen ( outro nascido em 1930 ) e Paul Newman. Mas, se ela tivesse feito tudo isso não seria Grace Kelly. Na verdade o cinema lhe foi um acidente. Ela deu a ela a honra de sua presença, tão breve ( 1952/1956 ) e tão inesquecível.
   O livro não tem muito o que dizer. Na verdade ele é muito interessante enquanto fala da familia de Grace, os Kelly. Quando ela vai para Hollywood o livro cai, isso porque a vida de Grace foi simples, sem grandes dramas. Não há bebida, droga ou doença. Tudo se resume a sexo, roupas e filmes.
   Há uma cena em Janela Indiscreta em que Hitch dá um close em Grace. É logo em sua entrada em cena, a hora em que a vemos no filme. Amigos, eu vos digo, essa é a mais bela imagem de feminilidade que o cinema já mostrou. O rosto dela brilha de tal maneira, há tanta saúde e confiança naqueles olhos, que me sinto completamente subjugado ao rever a cena.
   Grace Kelly foi a imagem idealizada da América. Saúde, retidão e bons modos. Se Audrey foi um anjo, e se Ava era um diabinho, Grace foi a imagem da pura beleza. Ideal, inacessível, incorruptível. Sensacional.

O RIDICULO NA BENEDITO CALIXTO

   Podem me chamar de chato, mas eu acho deprimente um certo aspecto dessas feirinhas de coisinhas, tipo a da Benedito Calixto. As antiguidades me incomodam. Acho aquilo tudo bastante ridiculo. Tá bom, vou explicar essa minha sensação...
   Comprar a bolacha do Dr Feelgood que te falta, tudo bem. Delirar com um casaco de aviador da Segunda-Guerra, lindo. Assim como é sinal de bom gosto ( e gosto existe e se discute ) um vaso de Murano ou uma porcelana de Sévres. Isso porque depois de comprar voce vai ouvir Dr Feelgood, vestir o casaco e apreciar o cristal e a porcelana. Então onde o ridiculo? Nesses casos, nenhum.
   Anéis de ouro e pedras "de familia", brinquedos quebrados vintage, cartões postáis antigos e com mensagens escritas, discos semi-destruídos, livros infantis ilegíveis, tudo isso é patético. E então chegamos ao absurdo: Velhas fotos de familia. Veja, fotos de familia dos anos 30, 40, familia que não é aquela do comprador. O que há de ridiculo? O desejo, tolo e vulgar, de se construir uma tradição histórica que não existe.
   A pessoa que compra essas fotos não possui fotos de sua familia, assim como não guardou seus brinquedos ou seus velhos gibis. Jogou no lixo os vinis do Kiss e agora compra todos outra vez. Ansiosamente ela compra o velho triciclo de lata "parecido com o do meu pai", e coleciona isqueiros de ouro "que lembram aqueles das velhas familias de Higienópolis". É tudo virtual !!! A familia do cara nunca fumou e o triciclo não é o dele. É uma simulação, um teatrinho que ele faz pra si-mesmo.
   Quem leu o deslumbre que tive ao reencontrar meu primeiro livro, uma velha edição do Renard, que encontrei afinal, deve ter percebido que mais que o ato de reavivar lembranças, o que me emocionou foi poder LER Renard outra vez. Objetos devem ser usados, mesmo os de coleção, e esse uso deve dar prazer. Não a compra, o uso. O prazer maior é usar.
   Duvido que o cara ande no triciclo ou o dê de presente a algum filho. Duvido que use o isqueiro de ouro.
   Patético ver aquelas pessoas comprando coisas que "contam história". Uma pinóia! Os velhos objetos contavam narrativas para aqueles que viveram ao lado deles. Para quem os compra agora eles nada podem contar. São tão mortos como uma embalagem de Big Mac.
   Objetos são sagrados. Ou não. Se voce jogou os seus fora, não venha agora comprar os ossos do vizinho e achar que eles trarão de volta o sentido de história e de permanência à sua vida vulgar. Narre a história da ausência de seus objetos perdidos. Mas não venha alucinar com as lembranças de quem voce não conhece.

A MAIOR BANDA DA HISTÓRIA DO ROCK-CELEBRATION DAY, LED ZEPPELIN

   É muito impressionante. A primeira imagem é de uma reportagem de 1973, onde se anuncia que o Led Zeppelin, em tour pelos USA, andava quebrando todos os recordes dos Beatles em shows. Daí se vê o palco escuro. De repente a explosão de um riff. Voce sabe, aquele tipo de riff que apenas Jimi Page consegue tocar. Mais que isso, o som metálico, sinfônico da Gibson, o som de puro volume, de estridência semi-indisciplinada, o som do Led Zeppelin. Eles estão no palco, um palco pequeno, sem frescuras, porque a banda sempre se garantiu pelo som. E a gente sabe, estamos lá para ver os caras.
   A vida inteira tenho repetido que minha banda favorita se chama Rolling Stones. Mas o Led Zeppelin é como uma familia para mim. E os caras só me lembram bons momentos. Sério, nunca tive um momento ruim ouvindo Led Zeppelin, e que coisa mágica, recordo a primeira vez em que escutei cada um dos discos deles. Sim, desde o primeiro que comprei, o Led II, até o último, In Through The Outdoor. Lembro com detalhes do lugar onde ouvi, o que senti, quem estava comigo, como estava o tempo, que horas eram. Isso só acontece com eles. Dos Stones só me recordo da primeira vez em que ouvi It'Only Rocknroll, do Roxy só de Avalon. Dizem que esse tipo de memória significa amor. Well, foi o que senti ontem. A segunda música do show foi Ramble On e nessa hora meus olhos ficaram molhados.
   Todo show de veterano tem muito de prestação de tributo. Voce aplaude e se emociona com aquilo que eles representam em sua vida e não com aquilo que eles fazem ali, naquele segundo. O Led Zeppelin me surpreendeu, é um grande show! Jimi Page continua se arriscando. As músicas da banda são muito dificeis de tocar ao vivo, todas são obras de estúdio, e Jimi se vira como só ele pode. Sola, dá riffs, harmoniza. Erra muito, acerta muito, alucina. O ataque que ele executa é único. Mesmo coroa, ele faz muito barulho, solta ruídos, piruetas. O slide em In My Time of Dying é divino. E além de tudo lá está John Paul Jones, o gênio. Ele manda bala com seu dedo. Toca baixo com um dedo esticado e fica inquieto, é essa uma das melhores coisas do show, JP Jones fica tenso, há ali, ainda, um certo receio, no rosto do contrabaixista se percebe uma dúvida: será que Jimi vai se perder? Jones é um maestro, o melhor baixo da história do rock.
   Cada música é um desafio. Assisti o show com um músico ao lado e ele me conta como é dificil tocar aquele repertório. As músicas mudam de andamento todo o tempo, há paradas e retornos, voltas e sinuosidades, riscos constantes. São músicas que convidam ao erro, a anarquia, armadilhas. Eles não se perdem.
   Robert Plant é o cara boa-gente. Perdeu o sex-appeal, perdeu parte da voz. Compensa com inteligência. Coloca a voz no ponto exato e sabe poupar. Fica no palco como um dos fãs. Se diverte e jamais passa a impressão de estar com o ego inflado. Poderia. Ele tem esse direito. ( E falo aqui de Jason. Ele tocou como seu pai. Sem o peso do old John Bonham, mas fez justiça ao pai. )
   Misty Montain Hop foi o auge do show. Puro fun.
   O público esteve em transe. Há algo de sublime naquela audiência. Sei o que é: a consciência de se estar num momento histórico. É um dos melhores shows já vistos. Espertamente eles não farão outro. Seria um anticlimax.
   O Led Zeppelin sempre foi uma banda muito bem dirigida. Se expunham pouco. Não lançavam singles, não apareciam na TV, pararam quando Bonham morreu. Quem quiser saber o que eles significam para minha geração basta ver QUASE FAMOSOS. Tá tudo lá.
   Recentemente os Stones fizeram um bom show de 50 anos da banda. Foi bacana, mas não foi emocionante. Eles são tão cool, tão blasé, que a emoção sempre é a de se estar numa festa e apenas isso.
   No show do Led Zeppelin vi muito mais que isso. Risco, celebração, reencontro com amigos, amor, muita, muita emoção. É a maior banda da história do rock. E o mais lindo é que desde o começo, lá nos idos de 1968, Jimi, John, Plant e Bonham sabiam disso. Eles entraram no rock como arrogantes deuses gregos de falo ereto. E saem como senhores muito relax, que sabem fazer e sabem dar, possuem fé em si-mesmos e tem a plena convicção de que após tantos anos e tantas bandas, Clash, Oasis, Aerosmith, Queen, Metallica, U2, são eles ainda o Led Zeppelin, os originais, os machos, os donos da coisa, o modelo a ser seguido ou a ser negado. A maior das bandas. Amo esses caras. Valeu.

FIN DU SIÉCLE- OTTO MARIA CARPEAUX

   Decadentes. O mundo como lugar de decadência, anuncios do fim do homem como ser de cultura.
   Esteticismo. A beleza e a arte como um tipo de nova religião. A palavra como um simbolo, magia capaz de dar vitalidade àquilo que decai. Eis o Simbolismo.
   Estranho: O mundo vivia a última era de otimismo ( até agora foi a última ). Progresso e fim das guerras. Entre 1870 e 1914 a Europa viveu inéditos 44 anos de paz. Aviões, cinema, carros, prédios, filosofia positivista, pragmatismo, tudo apontava para a felicidade final. Burgueses podiam atingir o poder, livros eram editados às toneladas, dandys nas ruas. Mas os artistas se isolavam, levavam os ideais dos romanticos de 1790 ao limite. Porque?
    Sentiam-se excluídos dessa festa. Artistas eram considerados inuteis pelos burgueses, vagabundos, loucos. Ao contrário dos aristocratas que os compreendiam, o novo poder não os tolerava. A vulgaridade tomava as rédeas do mundo. Como reagir? Tornando a arte incompreensível para essa ralé espiritual. Ou denunciando a falta de gosto, de beleza nesse novo mundo. Ou usar essa burguesia tosca.
    Carpeaux nos situa nesse mundo. Momento, segundo ele, em que a literatura atinge seu apogeu. Nunca tantos autores interessantes escreveram ao mesmo tempo. Lia-se muita coisa boa, havia espaço para as coisas mais esquisitas. A nova classe dirigente logo foi seduzida pelos novos artistas. A busca da beleza se torna uma febre mundial ( menos nos EUA ). E estranhamente, nas entrelinhas, tudo anunciava o desastre que logo aconteceria. A destruição da "Europa Feliz" nas guerras de 14 e de 39. Impossível  compreendermos o que era essa outra Europa. Nascemos já com a terrível marca do medo, da desconfiança, da falta de fé no futuro e no poder. Não era assim. E estranhamente, os simbolistas fizeram isso todo o tempo: avisar sobre o iminente desastre.
    Claro que existiam excessões! Se Baudelaire é o primeiro simbolista, temos de dizer que ele amava a cidade grande e o progresso. Mas Rimbaud, Mallarmé e Verlaine não. Esses três, e Laforgue com eles, são os verdadeiros pais do simbolismo. Negam o mundo otimista de então, criam uma linguagem própria, procuram revivificar a vida, revitalizar o mundo. Está nascido o mundo do símbolo, poetas se jogam às mais perturbadoras experiências. Ansiam pelo estranho, pelo exótico, pelo inusitado, é um novo romantismo. Dessa vez, um romantismo não-satanico, eles trocam o culto ao anjo caído pelo culto a beleza decadente. São todos tristes, mas é uma tristeza orgulhosa, corajosa, dandy.
   Carpeaux fala de mais de 500 autores. Holandeses, noruegueses, romenos...Literaturas que mal conhecemos e que descobrimos com ele. E também as estrelas da época. Desses, Carpeaux critica Oscar Wilde. Diz que suas peças serão esquecidas. E também não morre de amores por Shaw. Os maiores elogios do livro vão para William Butler Yeats, Paul Valéry, Joseph Conrad e Marcel Proust. Mas há tanto mais! D'Annuzzio, Tchekov, Benavente, Forster, Rilke, Mann, Kipling, Wells, Henri Bergson, Nietzsche, Anatole France, Verne, Blok... e centenas de outros.
   Ele dá uma geral na história, na filosofia da época e deduz do porque das transformações. Disseca as diferenças entre as nações, a Espanha humilhada e se reerguendo, a Inglaterra que começa a perder seu dominio mas não sua pose, a Alemanha e suas ambições coloniais, a Itália pobre e atrasada... e a França, que volta a se sentir centro do mundo. Nos EUA a coisa é diferente. Eles não tiveram simbolismo, foram sempre realistas. A literatura que produzem nesse período é aquela "da fronteira", da aventura de se construir um país.
   Vou citar uma das histórias do livro, história que demonstra o espirito simbolista alemão, espirito que anuncia o nazismo e que ao mesmo tempo foi morto após a tomada de poder por Hitler. Stefan George, poeta central, tinha um namorado adolescente que morreu. Arrasado, George muda seu estilo e começa a escrever sobre seu namorado morto. Para o poeta ele se torna uma encarnação de um deus, um objeto de culto sagrado e exotérico. Pois bem, forma-se ao redor de George um círculo de seguidores. Todos passam a cultuar esse "deus", criam-se dogmas, regras rigidas e uma hierarquia. Quem não as seguir é banido do circulo. Para Carpeaux, esse é um fenômeno tipicamente alemão. Na Inglaterra, desconfiada, cinica, essa idolatria é impensável. Mas a Alemanha, seja por Wagner, por Goethe, por Marx, tem essa tradição de cultos, de sociedades fechadas em dogma, de mestre e seguidores fiéis. Após o desastre hitlerista esse aspecto do caráter alemão foi suspenso, mas desde sempre houve essa fé em lideres e em messias. Conto essa história para mostrar a linha mais interessante do livro, Carpeaux exibe a sociologia da literatura, a relaciona com o momento histórico e com o espirito da época. Não é mera exibição de autores e obras, é História.
   Quem me lê sabe que esse é meu tempo. Dandys nas ruas, decoração de Beardsley, a dubiedade da sexualidade, sentimentos estranhos, inusitados, a busca por algo mais, por revelações, por êxtases, pela verdade da vida. Eles experimentavam: religiões, linguas, drogas, sexo, isolamentos. As aventuras eram todas "para dentro", o espirito era dissecado, revirado, desafiado. Divino momento onde os mais terríveis e os mais sublimes escreveram.
   Fácil de ler, didático, profundo e direto. Deve ser lido e relido por todo leitor sério.

NIETZSCHE E O QUE IMPORTA NELE

   A Alemanha começou a crescer muito por volta de 1880. De repente burgueses exibiam nas ruas suas posses. Vaidosos, posavam otimistas, eram arautos do futuro. Militares mandavam em tudo. Era um regime militarista, prussiano. E os artistas, até então centro da vida alemã, se viram jogados ao canto, longe do poder, longe do centro. Goethe e Wagner não eram mais os heróis da nação, esses heróis eram a familia Krupp e Bismarck. Reis da indústria e o militar que arquitetou a Alemanha.
   Nietzsche surge nesse meio. Cheio de ressentimento. Filósofo sem sistema, jamais pode ser comparado a Kant ou a Hegel, ele está muito mais próximo de Pascal ou de Platão. Poeta-filósofo.
   Ele era um saudosista. Queria fazer da Alemanha uma nova Grécia. Via em Wagner o deus que traria á Alemanha a vitalidade do Mediterrâneo. Nietzsche ansiava por vitalidade. Via a seu redor uma nação em queda. Não percebeu que quem caía era ele. A Alemanha se erguia industrialmente, os artistas se perdiam, aturdidos pela nova pátria ambiciosa,  imperialista e materialista.
   Nietzsche foi um gênio do aforismo. Mas há aí um perigo, seus aforismos servem para tudo. Um orientalista verá neles a confirmação de sua crença, e assim será com um ateu, um simbolista, um fascista, um anarquista, um liberal. Eles parecem servir a tudo e a todos. O que devemos ter em mente é o que na verdade eles eram.
   Ele começa como pessimista, na escola de Schoppenhauer e ao final se torna um otimista, um cantor da alegria da carne e do fogo da vida. O que se manteve foi seu amor a beleza, ele sempre foi um esteta. Nietzsche idolatrava a beleza fisica do Mediterrâneo, a saúde dos corpos latinos, o sol. Ele via no cristianismo a negação de tudo isso, o culto a tristeza e a morte. Como diz Carpeaux, Nietzsche foi incapaz de compreender a humildade, via nela  ressentimento. Mas tudo no alemão aponta por um desejo absoluto por fé, por religião. Ele a encontra numa espécie de retorno ao paganismo, ao primitivismo. Ressentido com a nova nação, Nietzsche sente nostalgia do barbarismo.
   O ponto mais fraco de Nietzsche é aquele que ele considerava o mais forte, o Super-Homem. Esse ser seria para ele a salvação da Europa, a volta do europeu vital, da força do engenho e da vida. Engano que Burkhart logo percebeu e não aceitou ( Nietzsche era fã de Burkhart, o intelectual mais forte na Alemanha da época ), Burkhart viu que o Super-Homem seria o fim da Europa, um tipo de hiper-individualista que destruiria qualquer chance de união entre os homens.
   Fato estranho passa a ocorrer com Nietzsche após sua morte. Ele passa a ser, principalmente na França, um tipo de advogado para o hedonismo. Mal entendido, uma casta de burgueses privilegiados passa a viver à beira mar uma existência "nietzschiana", ou seja, sem regras, sem culpas e sem deveres. O poeta alemão ficaria chocado ao ver a leviandade com que sua filosofia de negação se torna para essa gente um tipo de álibi para o "bom-viver". Tudo pode e Tudo sem Culpa, esses se tornam os slogans de Nietzsche, slogans que ele jamais assinaria em baixo.
   Um grande poeta. Herdeiro de Holderlin, que ele adorava, último representante do humanismo puro na Alemanha, Nietzsche exerceu uma influência imensa sobre 90% da literatura feita entre 1900/1920. Genial criador de imagens, de frases, de efeitos, vivesse mais dez anos, se livre da loucura, ele teria encontrado o que? Em que alturas ele planaria?
   Nietzsche, como Jesus, Tolstoi ou Darwin, não tem culpa do que fizeram com sua herança. O tempo lhe deu sentidos postiços e distorceu o que ele desejava.
   Para ser entendido, deve ser lido sempre como um poeta. Poeta-filósofo, como o foi Platão. Poeta a procura da verdade. Em construção. Criança que descobre e pergunta, que nega e afirma, que se perde. Visto assim, ele foi imenso.

LINCOLN

   Leio hoje que o século XX não mereceu o século XIX. Eu jamais havia pensado isso. Que o século XIX preparou o mundo para ser um lugar muito melhor. Que o ano de 1900 prometia paz, progresso e cada vez mais justiça. O século XIX desenvolveu a ciência, trouxe a ideia de democracia de volta às mentes, popularizou as artes, e acabou com a escravidão. Mas meu século, o XX, destruiu quase todas essas ideias. Tudo o que os sonhadores do século anterior sonharam, o XX desfez.
  Lincoln não é um grande filme. Spielberg depois de velho resolveu ser John Ford. Mas ele não pode ser Ford porque o mundo onde Ford foi formado foi o idealista mundo do século XIX. Mas Spielberg tenta e devo dizer que pelo menos nesta época de cinismo e de negativismo blasé, Spielberg insiste em nos oferecer humanismo. O filme é digno, solene, seco e não faz concessões. Fala do tempo em que os homens faziam politica.
   Politica...Voce pode não acreditar mas a politica já foi a coisa mais importante da vida. Hoje ela não existe. Não se faz politica, se administra um banco. A economia tomou seu lugar. Porque politica não é pensar em termos de lucro e divida. Politica é ter projetos, pensar o futuro, acreditar em ideologias e saber fazer aliados e calar inimigos. Não há um só lider nacional que pense em termos politicos hoje. Pensam em conseguir lucros e assim garantir mandatos. São gerentes de bancos.
   Lincoln nos mostra a politica. E recordo de outra coincidência. Não faz mais de dois dias que li que o sexo tomou o lugar da politica na vida dos jovens. Nenhum jovem pensa em politica e isso é bom para quem odeia a politica mas ama o poder. Pois Lincoln amava a politica.
   Cheguei a acompanhar o último politico grande vivo: Maggie Thatcher foi pura politica. Uma raposa, uma gênial mistura de crueldade e de visão a longo prazo. Depois dela...vácuo.
   Terá a geração teen a consciência da importância histórica do que lá é recordado? De que enquanto nós aqui pagávamos o mico de ter uma familia real de sangue europeu, os EUA, na vanguarda, continuavam a construir seu projeto de nação? ( Que foi traído no século XX ). Podemos odiar os yankees, mas é a verdade, os EUA do século XIX são um projeto racional, duro, teimoso de nação. O filme mostra isso. Se Lincoln errasse o país negaria seu destino, ele não errou. O erro viria em 1898 com o começo do imperialismo nas Filipinas e Porto Rico. Como dizia Gore Vidal, a partir daí os militares passariam a ser o poder do país. No tempo de Lincoln não. Há o projeto civil, republicano e representativo. Um projeto que ousa, em 1864, dar a liberdade aos negros africanos.
   Spielberg apenas filma, nada inventa. O filme não tem uma grande cena. Daniel Day-Lewis está pegando todos os grandes papéis. Além de ser grande ator, tem concorrentes fracos. Quem mais poderia ser Lincoln? Sean Penn? Não temos mais Gregory Peck, Gary Cooper ou Henry Fonda. Esse tipo de ator, digno, viril, elegante, de voz poderosa, ponderado, desapareceu. Então quando precisamos desse tipo de ator temos Daniel. E Daniel. Ele está muito bem. Assim como Sally Field, melhor que ele, menos composta, mais quente que o inglês. E o grande Tommy Lee, cada vez melhor ator, que na verdade é o que mais me agradou, fazendo uma interpretação natural, matreira, cheia de nuances.
   Não é um grande filme. Longe disso. Espertamente Spielberg fez o filme certo na hora certa. O tema é muito bom. ( O roteiro é de Tony Kutchner. É aquele Tony, de Angels in America? ).
   Na verdade Cavalo de Guerra, como filme, me agradou bem mais. Mas todos devem ver este filme. Nem que seja para saber que um dia se fez politica no mundo. Que ela não é apenas isso que agora vemos, a administração de dinheiro e de negócios. Foi uma ideia, um plano e uma visão.
   Tá dito.

David Bowie - Fashion



leia e escreva já!

A VOLTA DA DECADÊNCIA

Alvíssaras! Vivas! Manés Manés! Parem de olhar o umbigo do vizinho, encerrem as divagações realísticas! O último representante da decadência voltou ! O derradeiro símbolo da inefabilidade temporal volta a nos guiar ! David Bowie manda sinais de vida e nós, súditos de fidelidade absoluta, respondemos.
Agora nossas camisas de seda estão menos solitárias e as noites roxy são mais plenas. Bowie é vivo !
Ecos de Walter Pater podem ser respondidos e olhares bovinos de Wilde têem novamente um objeto. A aposentadoria de seus suspiros terminou: Bowie está vivo !
2013 já se justifica e este mês não mais padece de ardor. As dores derretem-se e a noite se molda, o cara está vivo !
Tudo volta a ter sentido. A decadência ainda existe em frases de falsidade sincera. Relaxe baby, nem tudo se perdeu. Os óbvios da mortal certeza podem miar, Bowie nunca deu a mínima pra eles. Os babaquinhas continuam se indo sem saudades no rastro.
David Bowie continua a nos decair. Pretty Things forever.
Ele não cabe no mundo, porém, simbolista que é, estar fora lhe é um prazer rude. Sabe Bowie que sua pose é sombra que reaviva o mundo.
Alvíssaras! Vivas! Manés!

2010-1910- fin du siécle

   Estou lendo FIN DU SIÉCLE, o volume 8 da História da Literatura de Otto Maria Carpeaux. Dificil escolher, fico em dúvida na livraria se compro aquele sobre o barroco, o outro sobre o romantismo...escolho este ( já li a Idade Média ). Afinal, 1880/1914 é meu período favorito.
   Acabo de ler uma afirmação de Otto que preciso dividir com voces ( o que escrevo é um ato de amor, ou voces nunca perceberam isso? ), ele diz que os anos 1900-1914 são os mais ricos de toda a história da literatura. Prova disso ( Otto escreveu em 1965 ), são as constantes reedições dos livros daquele tempo. Mais que isso, o leitor médio, aquele que não é um intelectual, mas que sabe alguma coisa sobre literatura, procura em sebos e em bibliotecas livros desse tempo. Os autores que vêem imediatamente antes são clássicos, intimidam leitores médios ( Balzac, Stendhal, Dostoievski, Tolstoi, Dickens ), mas os autores de 1900 parecem contemporâneos, não-escolares, e ao mesmo tempo são "artísticos", ousados, profundos, originais. Weeellll...posso dizer que em 2012 nada mudou. Ou mudou sim, certos autores do período estão mais vivos que em 1965.
   Otto fala que a época é tão rica por motivos históricos. Um salto na economia, otimismo, e principalmente a democracia. Em 1900, pela primeira vez, todos podem ser "um autor". É a hora da explosão da literatura como um todo, sem modas. Proletários, snobs, mulheres, países periféricos, poetas loucos, nobres, homens de negócios, comunistas, fascistas, crianças...Há uma quantidade imensa de gêneros e de escritores. Não há rádio, tv, cinema, nada. O mundo é do livro, do jornal e do teatro. E, diz Otto, quase tudo que se escreve nesse período tem valor, tem interesse, merece sobreviver.
   Falar de autores? Otto cita-os. Seu livro é imenso. Vou citar apenas uma meia dúzia: Nietzsche, Machado de Assis, Joseph Conrad, Henri Bergson, Henry James, Freud, Yeats e Wilde. Só alguns pegos ao acaso, a lista é infindável.
   1910. Futebol. Cinema começando. Rádio e avião. Carros. Picasso, Matisse, Chagall, Klee, Kandinsky. Stravinsky, Ravel, Strauss, Bartok. O jazz e o blues. Otimismo. Viagens aos polos.
   2010. Guerra ao terror. Esgotamento do cinema. Da música popular, do teatro. Internet, código genético, câmeras onipresentes. Pessimismo. Desencanto com a democracia, com as ideologias. Monetização da vida. E as artes? E os livros? Proust em tablets. Ótimo. Mas Proust é 1910. Autores: Larsson, De Lillo, Roth, Martell, Couto, Coelho, Rowling, Lobo, Llosa...Este momento não lembra em nada 1910, lembra 1870, época do naturalismo, de medo, de insegurança. Precisamos de uma nova geração romãntica, de novos simbolistas, de outros profetas irreais.
   Mas na verdade é tudo em vão. Sinto em mim que escrever não tem mais porque, pra que ou como. Então sei o que sou, um simbolista. Assim como essa geração de 1880, há em mim a sensação de que no mundo de poderosos e de miseráveis, para mim não há lugar. Não sou um dos chefes e não me identifico com um dos "simples". Onde fico? O que posso escrever a ninguém irá interessar, o que se escreve pouco me interessa. Quem me escuta? Ao mesmo tempo tenho a vaidade de não fazer parte da sujeira. Não sujo as mãos com o poder vulgar e nem com as parcas ambições dos simples. Será isso? Um simbolista, eu?
   Mas onde o pessimismo? Simbolistas cultuam a morte e o desregramento. Sou comedido e vejo vida em tudo. Simbolistas são muito mais, sem que o saibam, certos amigos que tenho. Então vejo no livro de Otto, talvez eu seja um dos pós-simbolistas, aqueles que perceberam a alegria após a dor. Os que conseguiram criar um mundo parte do mundo. Os que se desembaraçaram do eu e olharam ao redor. Bá....
   Vejo então que sou um tipico homem de 2012, e que escolho um rótulo como quem escolhe em paletó. Procuro na vitrine de estilos aquele que me convém. Esqueça. Sou mais um blogueiro. Apenas isso. Exibo vaidade. Só isso.
   O interessante, é que eu, como todos os outros leitores médios, procura, ainda, em 1910 seus modelos, seus produtos, seus paletós.
   Otto acertou.