ENO, PONDÉ, LEMOS, JORNAL, ÁFRICA E RIO

   Fotos antigas nas paredes. De Paris, de São Paulo nos anos 30, de NY. Uma pintura pós-moderna. Dois sofás: um deles desconstruído e o outro um tipo de coisa chique em estilo vitoriano. Livros. Belas edições de luxo. Poemas de Goethe, um estudo sobre o cinema japonês e uma imensa bio de Lacan. O morador, sem tempo ( ou vontade? ou interesse? ) jamais leu nenhum dos livros. Mas diz gostar deles. O quadro nem é muito olhado e as fotos espelham um passado que nunca lhe interessou.
   As almofadas estão sempre impecáveis.
   Pondé escreveu ontem sobre esse tipo de ser. O cara que mora em casas que têm montes de coisas que não servem para nada. O senhor da sala de visitas. Sala que nunca é usada. E livros que jamais são lidos. O cara tem uma cafeteira italiana, aparelhos de academia, máquina de sorvete, cursos de vinhos e queijos, e nada disso é usufruido. Porque tudo isso é trabalho inutil pra ele. E ele simplesmente nunca trabalha "á toa".  Nunca estuda. Nunca observa. Tudo o que ele faz é "pela carreira". Só estuda, trabalha e vê o que é "pela carreira". Brega. Sua casa faz parte da "carreira".
   Essas casas traem seu dono. São mortas. Tudo nelas é mais que morto, na verdade são não-nascidos. Os objetos não respiram, não envelhecem, não se sujam. Nessas casas não existe história.
   Pensei que só eu sentisse o tédio que essas casas dão. Eu as chamo de casas de "luzinhas amarelinhas". Ambientes assim abundam em filmes e séries de tv inteligentinhas. Completamente bregas. Tudo é sempre novo, limpinho e sem cheiro. A casa não é lugar pra se viver e trabalhar, é um tipo de vitrine, um tipo de cartão de acesso ao mundinho brega-novo rico. Laboratório onde se cria o tédio.
   No mesmo jornal Ronaldo Lemos fala sobre Eno no Rio.
   Brian Eno lançou um desafio ao Rio. Que ele assuma seu papel de Nova África. O que seria isso?
   Desde sempre Eno fala que o problema dos computadores é o de que eles têm pouca África. Nerds têm um componente africano muito baixo ( substitua africano por dionisíaco que talvez voce entenda ). Daí que o mundo da informática tem uma ausência de africanês. É frio, impessoal, previsível e sem calor. Cabe ao Brasil trazer esse componente africano ao mundo. Brasileiros criando uma nova Microsoft ou Apple.
   Ele fala mais. Por 50 anos a música foi central por ser uma forma de se receber a África.
   Vamos desenvolver essa frase. Por 50 anos. Não era antes? Não. Antes de 1950 a música ficava muito atrás da literatura, do teatro, do ballet, do cinema, e até da pintura. A transformação da música em coisa sempre presente se dá a partir da explosão do rock e da hiper-venda de discos, fitas, cds e agora i pods etc. O que Eno fala é que o mundo sentiu-se fascinado com a africanização. O mundo começou a rebolar, a se soltar, a improvisar, a colorir, a batucar, a gingar. ( Dionisio? ). Isso fez do século XX um século negro, radicalmente diferente de qualquer outro.
   Mas esse processo se esgota. E a música perde sua força. É preciso que o mundo receba algo de radicalmente novo. Que invada computadores, telas, a vida. Isso poderia ser o Brasil. Uma brasilização do mundo. A miscigenação radical. O improviso como dom e não como falha. O acaso. A hiper-africanização brasileira.
   Eno deu aparelhos para os cariocas onde eles criaram discos de Eno ao vivo.
   Lembro então que Eno e Bryan Ferry foram alunos de Richard Hamilton, o criador da POP ART. Todo o discurso de Eno é consequência da POP ART. O olhar sempre adiante, a busca pelo mais colorido, mais vivo, mais excitante. A celebração. Ferry uniu a isso o olhar romântico do cinema anos 40, a publicidade e a escultura. Eno caminhou para a tecnologia e o futurismo. O Roxy foi essa usina caleidoscópica que falava de Bogart, Jerry Hall e Calvin Klein, Greta Garbo, Elvis e TV, Tango, carros e Funk, tudo numa canção.
    Ando lendo Borges.
    Diz que a maior invenção grega foi a conversa. A conversa como arte e como prazer maior.
    Concordo. Mas digo também: a divisão de nossas forças entre Dionisio e Apolo foi genial. Casas apolineas ( sem o gênio de Apolo, um tipo de Apolo fake ), computadores sem Dionisio ( e o que são os hackers? Uma tentativa de dionisiar a máquina? ) Temos mais um momento decisivo, ou o mundo continua a reprimir o dionisiiismo ou tenta equilibrar a coisa....
     

DJANGO E TARANTINO E OS CINEMAS DE BAIRRO

   Bastardos Inglórios foi um filme italiano barato. Django foi um western italiano barato. E de grande sucesso. A trilha sonora, feita por Luis Bacalov, tem aquela melodia de guitarra e vozes que são a marca registrada desse tipo de fita. A cidade onde tudo se passa é pobre e fake: lama e barracos. O herói carrega um caixão, fala quase nada, e mata trinta bandidos com dois ou três tiros. Nada aqui é real. Os críticos da época ( 1966 ) odiaram o filme porque tudo nele é vazio ( aparentemente ). 1966 era o tempo auge do cinema dito moderno. Bergman, Fellini e Buñuel. Mensagem, desconstrução e simbolismo. Mas 1966 era também o tempo da pop-art, e assim como James Bond, Django era POP. 
    Se numa tela POP, Leonardo da Vinci está colado ao lado de um maço de Marlboro e de uma pin-up da Playboy, aqui temos um western que é feito na Espanha com atores italianos e um jeitão de filme de samurai de Kurosawa. Tudo vale. Tudo se mistura. Os atores têm cara de Giuseppe e não de James ou Joe. A trilha é rock com ópera. Os duelos são de HQ. Os diálogos lembram textos de comerciais de TV.  O herói é um Eastwood mais infantil. O filme é uma obra POP. Tem tudo a ver com Tarantino portanto.
   Não pense que é um grande filme. Seu objetivo era agradar o povão. E o povão amou esse filme. Na época em que não havia vhs, havia o filme-povão, que passava em salas de bairro, mais baratas. Nessas salas passavam os filmes que hoje iriam direto para dvd; filmes de karatê, pornochanchadas, comédias italianas, filmes de terror, e westerns spaguettis. Tarantino e os diretores POP vivem nesse mundo. Fosse brasileiro ele citaria ainda Os Trapalhões e Zé do Caixão. Frequentei muito essas salas. Na Fradique Coutinho eu via filmes eróticos italianos, no Largo de Pinheiros filmes de catástrofe e de terror, na Lacerda Franco vi aventuras espaciais e filmes de rock ( essas 3 salas de rua em Pinheiros ), na Vila Sônia eu via pornochanchadas brasileiras ( delicias com Helena Ramos e Aldine Muller ), no Itaim westerns spaguettis com Giuliano Gemma e Lee Van Cleef, em Santo Amaro os filmes de karatê. Ingessos a preço de ônibus. Uma maravilhosa salada POP. Pois na Paulista tinha Woody Allen, Hal Ashby, Robert Altman, Truffaut, Pasolini e Spielberg. Astor, Bristol, Gemini, Belas Artes e Paramount. EMBALOS DE SÁBADO À NOITE com SÉRPICO.
    Gosto de pensar que Quentin fez o mesmo que eu fazia. Ao mesmo tempo. ( Somos da mesma idade ). Gosto de imaginar que existe uma galerinha hoje que une, em seus dvds, Groucho Marx com Joel Coen, Bresson com Stephen Chow, Howard Hawks com Wall.E. O POP de se ler Peanuts e Kierkegaard. O sublime de Bugs Bunny e Ozu. Com a internet o POP pode ser Trans-POP. Esse é o cinema que vai sobreviver.
    

CHAPLIN/ WES ANDERSON/ DJANGO/ GARY COOPER/ JERRY LEWIS/ PAULO JOSÉ/ AUDREY

   UMA CRUZ À BEIRA DO ABISMO de Fred Zinnemann com Audrey Hepburn
Mulher jovem, viúva, resolve ser freira. Acompanhamos, em registro sóbrio, seu aprendizado e afinal a realização de seu sonho: trabalhar no Congo. Lá ela conhece médico ateu. Qual o tamanho de sua vocação? Zinnemann foi um gigante, A Um Passo da Eternidade, Julia, Matar ou Morrer e vasto etc. A palavra que o define: Precisão. Nada em excesso, nada de menos. Por incrivel que pareça, com  tema tão árido, o filme funciona. Peter Finch está ótimo como o medico materialista e ainda há Peggy Ashcroft. Vida dura....Nota 7.
   OS QUATRO GUERREIROS de Gordon Chau
Filme chinês de 2012 sobre kung fu. Adoro kung fu, detestei este filme! Em cinco minutos eu já me desinteressara. Tenta ser tão ágil, tão esperto, que se faz uma bagunça. Fuja! Nota ZERO
   WAY DOWN EAST de David Wark Griffith com Lillian Gish
O inventor do que entendemos por cinema com a atriz de rosto mais expressivo da história. É um drama sobre a incocência. O rosto de Gish, linda e extremamente frágil, comove. Ver este filme é ver o século XIX em movimento. Griffith é um homem do tempo de Twain e Whitman. Nota 6.
   O PRINCIPE DO DESERTO de Jean-Jacques Annaud com Antonio Banderas
Muito tempo atrás Annaud foi um bom diretor. A Guerra do Fogo é um bom filme. Este, seu mais recente, deve ter sido escrito por um menino de 8 anos. É tão tolo, tão banal que chega a dar raiva. Fala do começo daquilo que conhecemos como Mundo Árabe, petróleo e rivalidades tribais. É o tema de Lawrence da Arábia. Comparar os dois é como comparar vinho com Q.Suco de uva. Nota ZERO
   MOONRISE KINGDOM de Wes Anderson com Bruce Wiilis e Frances McDormand
O filme serve para explicitar o porque de Wes ser um "cineasta" que sempre me pareceu incompleto. Ele não é um cineasta na verdade! É um artista plástico! Veja bem, suas imagens não contém movimento, os atores não interpretam, tudo é na verdade uma coleção de imagens pop-art à Rauschemberg ou Hamilton. O que vemos são quadros, poses que tentam contar uma história. O filme é como um monte de slides. "Olha a lata!"; "Olha a barraca!".... Poderia até ser interessante, afinal, Bresson fez mais ou menos isso num espírito modernista, mas Wes não tem bons slides! Cada vez mais penso que ele nasceu para fazer desenhos e não filmes...A animação do Raposo é seu melhor trabalho. De longe!!!! Nota 2.
   A DAMA E O GANGSTER de Claude Lelouch com Lino Ventura e Françoise Fabien
Acho que voces esqueceram, mas na época de Godard e Truffaut, o diretor francês mais famoso era Lelouch. Ele filmava tudo na mão e contava belas histórias de amor. Aqui temos um ladrão e seu plano de assaltar uma joalheria. Ao mesmo tempo ele se apaixona por uma vendedora de móveis históricos. O filme é contado em flash-back e Lino é tão feio que fica sendo original. O plano de roubo é bastante engenhoso. Bom passatempo. Nota 6.
   TODAS AS MULHERES DO MUNDO de Domingos de Oliveira com Paulo José, Leila Diniz e a turma de Ipanema
A alegria de se estar vivo. Paulo Jose´está adorável como um homem que não pode deixar de ter todas as mulheres do mundo. Mas ele se apaixona, se casa e daí nascem os problemas. O filme confirma um fato: o homem que se dá bem com as mulheres é aquele que ama essas mulheres. Há no rosto de Paulo a alegria, a felicidade de se desejar, de se amar, de se sentir fascinado pelas mulheres. Ele é como um garoto, uma criança cercada por lindos brinquedos. Domingos sabe o que faz, os atores falam obviedades, porque é de obviedades que a vida é feita. O romance de Paulo e Leila é desajeitado, comum, banal, encantador. O filme é feito livremente, solto, transpira felicidade. Serve ainda para vermos a Ipanema de então ( 1967 ), a turma de Domingos ( os personagens do livro de Ruy Castro comparecem como "atores" ), não é um filme perfeito, erra bastante, tem um som ruim, mas é vivo, solto, pleno. Junto com O Bandido da Luz Vermelha é a melhor coisa do cinema nacional. Nota 9.
   AS AVENTURAS DE MARCO POLO de Archie Mayo com Gary Cooper
Cooper de malha justa fazendo um italiano? Parece um cowboy fantasiado. O filme mostra o lado ruim do cinema clássico dos anos 30, tudo parece falso demais! Veneza é um set de papelão e a China fica no quintal de Samuel Goldwyn. Além dos chineses, todos americanos com rosto maquiado. Bem, tudo isso seria esquecido se o roteiro fosse bom, mas não é. Cooper vê a pólvora pela primeira vez, o macarrão, o carvão, e faz cara de quem encontrou uma moeda na rua. Chato. Nota 1
   LUZES DA CIDADE de Charles Chaplin
Uma obra-prima. Se voce quer começar a entender o cinema sem voz, eis seu filme. É absolutamente perfeito. Da primeira a última cena, é um filme que corre e acontece em tempo próprio, ele passa voando. Chaplin é o mendigo que se apaixona por florista cega, que salva milionário bêbado do suicidio e que entra numa luta de boxe. A luta é uma das cenas mais soberbas da história, uma obra-prima de ação e de enquadramento. Mas as cenas da festa, da dança e o final também são perfeitos. Nada piegas, mas bastante romântico, o filme é uma aula de cinema. Tudo se encaixa de modo tão correto, as coisas se encadeiam de maneira tão natural, que o assistir é entender o porque de certos filmes não fluirem e outros voarem. Chaplin era um gênio. O filme, seu melhor, ano a ano vem subindo nas eleições de melhores de todos os tempos. Não me surpreenderá se um dia for o melhor. Nota DOIS MILHÔES. PS: Só consigo lembrar de dois filmes com finais melhores que este: Nada de Novo no Front ( com a cena da borboleta ) e Os 7 Samurais (  a cena das espadas na cova ). O reconhecimento da florista é não só emocionante, é um final aberto e muito moderno.
   BANCANDO A AMA-SECA de Frank Tashlin com Jerry Lewis
Na Sessão da Tarde dos anos 70/80 só dava Jerry...e Elvis. Mas seus filmes, hoje, só podem funcionar como pura nostalgia. É um humorista, um grande humorista, que perdeu a graça. O tipo de humor que ele fazia era aquele que hoje é lei: um pastelão retardado careteiro e desenfreado, lembra Adam Sandler e Jim Carrey. O problema é que Adam e Jim foram ao limite, e homenageando Jerry Lewis eles destruíram Jerry Lewis. Peter Sellers por exemplo, sobreviveu melhor porque ninguém tentou o imitar. Jerry foi tão seguido que hoje se parece com um Jim Carrey piorado. Que injustiça!!! Jerry era uma fonte de ideias, de coragem e de multi-talentos. O tempo lhe foi cruel. Bem... se este texto parecer confuso é porque meus sentimentos em relação a Jerry são confusos....
   DJANGO de Sergio Corbucci com Franco Nero
Falarei mais deste filme acima...Tarantino está lançando um filme com este nome.... Nota 5.

Pop Art



leia e escreva já!

WHAMMM!....POP ART, BEM VINDO A NOSSO MUNDO!

   Quando no chatérrimo filme de Cronenberg o vampirinho fala sobre Mark Rothko desvenda-se a charada. É assim que Cronenberg se vê: Mark Rothko. Rothko fazia parte do expressionismo abstrato, a corrente mais chique da arte moderna dos anos 50. Pra quem não sabe, seus quadros eram misticos. Ele pintava duas faixas vermelhas sobre um fundo negro. E o cara tinha de ficar horas diante daquilo na esperança de entender e ter uma iluminação. Waaaaalllll....
   Enquanto Rothko era moda, um bando de ingleses estudava arte e descobria que tudo o que eles não queriam ser era Mark Rothko. Era a época da fome. A Inglaterra pós-guerra sofria o racionamento. Pouca comida, pouca energia. Em 1954 o racionamento acabou e o país viveu o maior surto de desenvolvimento da história humana. Imagine que voce vive numa Etiópia e de um dia pra outro voce cai numa Nova York. Qual sua reação? Euforia, otimismo, alegria e uma paixão doida por rótulos, por cores, por abundância, por juventude e sexo. Absoluta confiança no futuro. Eis a POP ART. O último momento alegre da arte.
   Foram apenas quatro anos de euforia. Mas que anos!!!! Entre 1960 e 1964 eles realmente celebraram o mundo. Uniram arte culta com quadrinhos, cinema, tv e propaganda. E atacaram todo o modernismo de Rothko, Pollock e De Kooning.
   Obra fundadora: O QUE TORNA OS LARES DE HOJE TÃO DIFERENTES E TÃO ATRAENTES? Richard Hamilton usa colagem. Um homem sarado, uma esposa sexy. Latas de comida, eletrodomésticos, cartazes, conforto, tv, revistas...a questão é: Pra que sair de casa? Pela primeira vez o mundo vem a sua casa. O melhor do mundo. O quadro é vivo, alegre, celebratório. Torna-se icone. Eduardo Paolozzi, Peter Blake, Pauline Boty. Suas obras são sexy, são jovens. Blake fará a capa de Sgt. Peppers e Hamilton uma série sobre as prisões dos Rolling Stones...Mas estou me antecipando. Quando em 1967 eles fazem esses trabalhos a alegria já se fora...Vamos a América.
   Sem conhecer a obra dos ingleses, ao mesmo tempo, surge a POP ART nos EUA. Com algumas diferenças. Ela já nasce crítica. Explicita desde o começo sua amarga nostalgia. Sim, eles celebram o consumo, o jovem, o mundo da comunicação, mas esse mundo é tingido com a nostalgia de sua infância. Esse traço logo aparece também na Inglaterra. Eles amam a juventude, mas essa juventude é a época já passada de seus 15, 17 anos. A POP ART passa a resgatar os objetos que deveriam ser esquecidos. Mas não o serão.
   Andy Warhol se torna o rei do movimento. Uma frase dele:  A POP ART É GOSTAR DAS COISAS. Pense bem. Parece uma frase boba. Mas pense. O que é ser POP? Amar as coisas. O que é ser Moderno? Odiar as coisas, desconstruir, ou, as ignorar. O POP ama os carros, as cidades, os supermercados, os objetos de consumo, a tv, o rock e os quadrinhos, as roupas, a moda, as revistas. O moderno abomina tudo isso. ( No mnndo de 2012, o moderno tenta unir as duas coisas e acaba no vazio. Ele ama e odeia tudo isso ao mesmo tempo. O POP hoje, gosta das coisas, mas não tem mais uma relação visceral com elas como tinha a POP ART ).
   Outra frase de Andy: NO FUTURO TODOS TERÃO 15 MINUTOS DE FAMA. Essa frase já é de sua fase critica. Todo idiota terá seus 15 minutos. Toda ideia absurda será lei por 15 minutos. Todo dogma durará 15 minutos....é um futuro de horror. Warhol anteviu o futuro/hoje. Postei uma entrevista em que ele e Edie comparecem no talk show de Merv Griffin em 1965. Edie era uma socialite que caiu nos braços da POP ART. Impressiona a atualidade dos dois. Enquanto Merv e etc parecem ser de 1965, Andy e Edie são de 2012. E que pessoas adoráveis eram os dois!!!!!
   E então. por volta de 1965 eles começaram a perceber que a tv trazia morte, guerra e dor para dentro dos lares. Que as drogas matavam. E que a revolução jovem e POP já era. É quando Andy faz sua série sobre a cadeira elétrica ( uma das obras mais assustadoras que já vi ) e Hamilton faz criticas so Vietnã em forma de cartoon. Jasper Johns, Tom Wesselman, David Hockney.... Todos passam a vender muito e a valer muito. Nenhum problema, desde o começo eles diziam em alto e bom som: Queremos vender! Queremos nos comunicar com o povo!!!
   Fato central: a POP ART quer a massa. Eles bradam que a arte do século XX perdeu conexão com a vida. Eles querem ser entendidos. O problema é que tudo aquilo se torna um maneirismo. Tudo passa a ser POP ART.
   Warhol funda a Fábrica, uma usina que fabricará ARTE. Arte é apenas um trabalho braçal. É lá que ele faz cinema ( cinema é só filmar ), faz música ( música é só tocar- Velvet Underground ) e happenings ( uma festa é arte ). Andy faz capas de rock: o da Banana do Velvet e Sticky Fingers dos Stones.
   O The Who usa as blusas de Jasper Johns. Aquele alvo no peito é uma invenção POP ART. Eu sou o alvo: compre-me.
   A POP ART fracassou? Se seu objetivo era o de celebrar, sim. Pois a festa durou apenas quatro anos e depois o que vimos foi uma melancólica repetição inconvincente. Mas eles foram vencedores em conseguir mostrar o quanto o modernismo se tornara velho, estático, morto. Escancararam as portas dos museus e das galerias e exibiram a vitalidade de novos tempos. Ao misturar ALTA ARTE com vulgaridades ( essas vulgaridades eram a tv, as revistas e o cinema ), deram a certidão de nascimento a tudo o que nasceria depois.
   Vejam o meu caso. Eu sofro de nostalgias de idade média e de era vitoriana. E ao mesmo tempo adoro cinema, tv, cartoons, HQ, dvd, internet, esportes, carros.... Moderno e infantil, conservador e além do agora, simbolista e imediatista, sonhador e pessimista...POP afinal.
   Tarantino, os Coen, Wes Anderson, todos são POP ART.
   Cronenberg, Paul Thomas Anderson, Lars, todos são Modernistas.
   O cinema dos POP é colorido. O cinema Modernista é preto e vermelho.
   Uns são elétricos, agitados, com mil ideias e com a vontade de se comunicar.
   O outro é solene, lento, fechado em si, cheio de simbolos e sentidos.
   POP e Moderno. Hamilton e Rothko. O velho embate.
   PS: Eastwood, Allen, Scorsese são clássicos. Todo esse papo pra eles é pura frescura.

Andy Warhol & Edie Sedgwick Interview (Merv Griffin Show 1965)



leia e escreva já!

ESCRITORES SÃO SERES PERIGOSOS, PRINCIPALMENTE PARA AQUELES QUE LERAM POUCO

   Escritores são perigosos. Principalmente para quem leu ou lê pouco.
   Porque todo escritor tem a tendência a pensar que a sua visão de vida é a visão comum. Comum não no sentido de banal, e sim no sentido de "comum a todos". Escritores são solitários e escrevendo se comunicam, tentam sair do buraco. Quanto mais no buraco, mais perigoso.
   Quando o leitor lê pouco ele tende a pensar que aquele livro que o impressiona é coisa única. Tendo poucos autores para comparar, ele pensará que aquele autor, pobremente comparado, é o máximo. Principalmente se esse autor suprir uma carência do leitor.
   Não há exemplo mais perfeito que a Biblia. É o pai de todo livro que supre carências de leitores que leram pouco. Nada contra, todo homem tem direito a seu consolo. Desde que continue aberto a outras leituras, principalmente aquelas que vão contra seu "livro travesseiro".
   Todo escritor que deseja ser "biblico" ataca a Biblia. Suspeite sempre desse tipo de profeta. Se a Biblia o incomoda tanto é porque ele quer ser "biblico".
   O ideal seria ler muito, sempre criticando, ou ler nada. São os melhores caminhos para se tentar ser livre. Criticar não te impede de ter um autor favorito, um idolo. Mas ler muito te livra de panelinhas, seitas, dogmas, camisas de força.
   Um escritor triste gosta de pensar que o mundo é triste. Assim como um autor amargo pensa que todo homem é amargo. E que se não o for é porque mente. Houve até mesmo autor que ao desejar a mãe desejou crer que todo homem quer dormir com a mãe. Fica mais fácil assim. A culpa é dividida.  E há os que ao verem um anjo pensem que todo homem é angelical.
   Como disse, eles são solitários e querem criar companhia. Uma mistura de vaidade e impotência.
   Mas quem paga o pato é o leitor. Ao assumir a particularidade do autor e crer que a dor de Kafka é geral, ou que o niilismo de Nietzsche explica a vida. O tcheco fala de si-mesmo. O alemão também. O que os salva é a beleza da linguagem, não a doutrina.
   Desconfie de doutrinas. Um grupo de sábios pensando o mesmo pensamento é sempre um bando de cegos acreditando ter uma lanterna na mão. O pensamento livre existe conforme sua vida e seu lugar. Ninguém sente e pensa por voce.
   O padre é o primeiro homem do ocidente a pensar somente o que está no livro. E a traduzir esse livro para nós, os pobres ignorantes. Ele nos ouve em silêncio, e depois repete aquilo que está no livro. Toda a verdade, para ele, TEM e DEVE estar no livro.
   Marxistas e Freudianos fazem exatamente a mesma coisa. Repetem a crença e repelem hereges.
   Como já falei, todo homem precisa de uma fé para poder viver. As respeito.
   Mas me dá impaciência pensar só o que está num livro. Seguir um livro ( seja o Red Book de Mao Tsé-Tung ou A Critica da Razão Pura de Kant ou o que for ), é encolher o que seja o pensamento.
    Pensar é pensar todos os livros. E mesmo que eu concorde com 50% de Bergson ou 30% de Jung ( são números que refletem o que penso ), sempre haverá espaço para a crítica.
    Há muita coisa ridicula em Bergson e em Jung. E há coisas geniais.
    Mas há a verdade?
    Escritores são perigosos. Os melhores são aqueles que não se ocupam da verdade. Que falam de uma dúvida e nunca falam algo que se parece com A VERDADE. Quanto maior o número de verdades que um autor vomita maior o desejo desse autor em ser Biblico. Ele não escreve, ele prega.
    Há autores que abrem portas e mostram o espaço livre.
    Há outros que abrem portas e ditam o que devemos ver. Fuja desses.
    Todo homem precisa crer em consolos.
   
  

Simon and Garfunkel - Bookends



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Simon & Garfunkel - Scarborough Fair (Full Version) Lyrics



leia e escreva já!

BONITO, BONITO, BONITO...O SOM DOS ANOS INCRÍVEIS

   Simon and Garfunkel já foram tão famosos quanto Lennon e MacCartney. Juro que é verdade. Isso até mais ou menos 1980. Paul Simon chegou a participar de Annie Hall de Woody Allen como ele mesmo. Gostar dele era muito In. E Art Garfunkel foi ator de filmes de Mike Nichols. Ator protagonista. Mas eles foram perdendo popularidade por dois motivos: primeiro suas letras, hiper-intelectualizadas deixaram de fazer sentido para uma geração, a minha, que procurava no rock algo mais direto. E segundo, os dois puxaram o freio de mão, pararam de produzir, cansaram. Afinal, eles trabalhavam com música desde crianças. Nos anos 50 eles já eram profissionais. Detalhe: os dois são mais jovens que Lennon ou Jagger.
   O auge da dupla foi em 1967, com a trilha do filme A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM, o big hit de Mike Nichols que fez de Dustin Hoffman uma estrela. Esse foi o primeiro filme a usar canções pop como trilha sonora. Vendeu pacas!!! Mas antes, em 1965, eles já eram stars. Essa fase teria seu auge em 1970, com o sucesso absurdo de BRIDGE OVER TROUBLED WATER. Então veio o fim do duo e a brilhante carreria solo de Paul Simon.
   A música dos dois é sempre "bela". Voce não vai encontrar nada de torto, de mal feito neles. Até os Beatles ao lado dos dois parecem pouco polidos. A dupla procura a beleza todo o tempo, e felizmente, a atingem várias vezes. Canções como Scarborough Fair ou Bookends são das coisas mais lindas já feitas na história do rock, e The Boxer é uma maravilha de amargor-belo. Eles são tristes, delicados, suaves. Sim, parece que descrevo os artistinhas sensiveis de agora; bem, eles adorariam ser Simon ou Garfunkel.
   A série, histórica e sublime, ANOS INCRÍVEIS, usou muito de Simon e Garfunkel. Algumas das cenas inesquecíveis foram ao som dos dois. E o som da dupla é exatamente tudo aquilo que Kevin Arnold era e seria se adulto. Amores timidos, amores idealistas, liberdade, familia, sair de casa, tudo com citações de Pollock, Gertrude Stein, Norman Mailer e Lloyd-Wright. As músicas são cultas, informadas e informativas. É, com Joni Mitchell e o Steely Dan, aquilo que nos anos 70 se tornaria conhecido como "som universitário-adulto".
   Fazia muito tempo que não os ouvia. Talvez vinte anos. Reouvi hoje. E me lembrou dores de amores juvenis. E me surpreendeu a beleza das vozes e a criatividade dos arranjos.
   Posto alguns videos. Aproveite. E cantarole junto. É bonito bonito bonito....

FOLHA, 1995, AGOSTO E SETEMBRO

Está havendo uma limpeza na biblioteca da escola. Em meio a revistas rasgadas e muito pó encontro três exemplares da Folha de São Paulo. São de 1995,  agosto e setembro.  O que será que Paulo Francis disse nesse dia? Os textos seriam tão maiores quanto eu me lembro? Ou será que minha mente os esticou?
Especial de Domingo, dia 10. Um bando de intelectuais escreve sobre aquilo "Que não sabemos". Quanto texto!!! Letras miúdas, a página era mais larga. Cada folha de jornal tem o conteúdo de duas páginas de livro, em média. Nesse especial temos um antropólogo falando sobre o que Não Sabemos sobre a origem do homem ( muuuuuita coisa, na verdade tudo o que sabemos são hipóteses ), um virologista fala o que Não Sabemos sobre um virus e ainda temos um astrofisico, um médico, geofisico, literato, linguista e um imenso etc. Um biólogo que fala sobre a reprodução, Jacques Testard, é o que mais me surpreende. Ele confessa nada saber sobre a reprodução, não entende o porque de todo o processo. Ele ocorre, mas não sabe o que o faz acontecer. São seis vastas páginas.
Colunistas da Folha de Domingo: Verissimo e João Ubaldo Ribeiro. Que luxo!
No cinema passava Apollo 13, Coração Valente, Sábado, Rápida e Mortal. Dom Juan de Marco, A Morte e a Donzela, O Padre, Pocahontas. Maré Vermelha.
O Madredeus ia tocar de graça no Ibirapuera.
Uma crônica de Antonio Bivar sobre o Rio.
Matéria sobre um novo Kundera.
E uma imensa página de Paulo Francis. Falando sobre a cinemateca de New York, um novo livro sobre Kennedy, drogas, pena de morte, a China, ópera ( Puccini ), Truman Capote, Laurence Olivier. Caramba! Como era/é bom ler tudo isso! É como conversar com aquele tio culto-engraçado-viajado que todo mundo deveria ter e ninguém tem. Ele escrevia como esse tio falaria. Esse tio à mesa, já meio alto, discorrendo comentários sobre qualquer coisa que lhe viesse á mente.
Abro outro jornal. Agosto de 1995. Os 50 anos do final da guerra.
É um caderno especial. Uma edição que TODO MUNDO deveria ler. Abre com Francis falando sobre Winston Churchill. Ele fala com emoção. Voce percebe que ali Francis não escreve só com cérebro e bilis. Ele reverencia Churchill. Diz que ele venceu a guerra sózinho. E ainda mereceu o Nobel de literatura que ganhou. Suas memórias são uma das obras-primas do século.
Ao longo do caderno textos soberbos. O front russo, a guerra do Pacífico, Berlim em 1945.
Minha memória não mentiu. A Folha foi grande, foi cheia de coisas para se ler, preenchia uma manhã.
Saio de casa e vou comprar um livro escrito por Churchill. Acho num sebo as memórias de infância. Tradução de Carlos Lacerda. Capa de couro, edição original de 1961. Tá comprado.
Quase vinte anos depois, Francis ainda me educa.

A LINGUAGEM DE SHAKESPEARE- FRANK KERMODE

   Com tradução de Barbara Heliodora, Kermode se propõe a dissecar as peças de William Shakespeare utilizando para isso a análise da palavra, da escrita do dramaturgo. Nada aqui vem de fora do texto. O livro se torna então muito interessante para quem estuda ou se interessa por linguística e filologia.
   Frank Kermode é um critico e professor inglês. Um desses intelectuais à moda antiga, mestre em Cambridge. Não idolatra Shakespeare. Aponta quais suas peças problemáticas, trechos enfadonhos; e também nos diz quais as peças escritas em colaboração. Mas Kermode não é um ressentido, ele sabe conhecer o valor da obra. Para ele Hamlet é o primeiro herói moderno da história. Assim como Lear é a obra mais trágica de nossa tradição.
   Kermode faz a contagem de palavras. Cada peça tem uma ênfase em dadas imagens e sons. Desse modo, ele nos diz quantas vezes a palavra olho/olhar é usada em Lear, ou as palavras gêmeas que abundam em Hamlet. Detalhista, aplicado, sério e jamais deslumbrado, Frank Kermode avança em seu texto, iluminando as fontes de cada peça, as edições usadas, os erros de impressão possíveis. Prova o fato de que Shakespeare cria forma e conteúdo ao mesmo tempo, usa a linguagem em função de seu tema e o tema nasce da linguagem, da arte da escrita. Cuidadoso, incansável, obstinado, perfeccionista, Shakespeare amava a escrita e derramava em seu trabalho a luz de suas criações. Mais que inventor de enredos ou de personagens, ele foi um mago do texto, do estilo.
   Editado pela Record em 2006, recomendo-o para aqueles que se cansaram dos exageros de elogios de Harold Bloom, mas que ao mesmo tempo sabem que Shakespeare é o maior enigma, maravilhoso e delicioso enigma, da história das letras.