Visão de Aniversário com Fernanda Young ....SARTRE, SIMONE, SAINT EXUPERY E UMA BOINA



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AQUILO QUE ME MANTÉM DE PÉ. AQUILO QUE CREIO. REI ARTUR E SEUS CAVALEIROS- TOMAS MALORY, O NASCIMENTO DO HERÓI QUE CONHECEMOS

   Após mergulhar nessas teorias e crenças, mundo do diabo, mundo de anjos maus, homens-canibais, humanismo reduzido a pura questão celular, repenso e reavalio aquilo que creio e percebo em meio a tudo isso o que fica, firme, para mim.
   Se a matéria é feita por Mefisto, nossa alma não é. E sei que todo o mal nasce sempre quando as aparências tomam posse das certezas. Tudo o que nasce nas profundezas da alma é verdade. Tudo. Todo o resto é material perecível, mutável e sem valor.
   Se os homens são canibais e apenas a religião consegue reprimir esse impulso em nós, bem, que essa repressão se torne cada vez mais forte e que se transforme em magnífico delirio. Chamarei esse delirio de canção. Faz muito tempo que sei que a repressão às vezes é necessária. Mais que isso, nos define.
   Se todo humanismo irá um dia ser esquecido, e tudo irá se reduzir a um conjunto de células ( há uma lógica nisso pois a história é redução. De filhos de deuses nos tornamos filhos da evolução, de centro da criação somos hoje dejetos e acidente ), se o homem do futuro é simples ser-vivo em funcionamento, cabe a nosso tempo dar vida potente ao que resta do humanismo. Reafirmar os valores do homem. Homem fora da natureza e da biologia. Homem que cria e é cultura.
   Relendo Artur.
   A estupenda revolução que ocorreu nos séculos IX e X. O nascimento do homem como herói. Mas não mais o herói grego. Odisseu era vitima dos deuses. O novo herói é dono de seu caminho. Ele vai atrás das aventuras, elas não são ciladas. Seu objetivo não é o dinheiro, não é a posse de uma dama, não é o troféu. Seu objetivo é ser o mais perfeito cavaleiro. E o que é essa perfeição?
   Perfeição que dominará nossos sonhos por mil anos e que entrará em declinio só agora. Perfeição que vem do valor de nascença. O homem é o lugar onde ele nasce. Defenderá seu nome. Elegerá uma dama e fará dela a rainha de suas ações. Atenção: não existe o fim em casamento. Esse amor, que será cantado e chorado é puro ideal. O cavaleiro sabe que ele não deverá jamais se realizar. E nisso eles foram bem mais sábios que nós. Sabiam que sua realização, sua queda ao mundo real, seria seu fim. O amor é ideal.
   Um cavaleiro deveria ser sempre sincero e só combater quem fosse de sua altura. Defender os fracos e todas as mulheres, ser poeta e músico, saber caçar e viver sempre em movimento. Embrenhar-se em florestas, procurar oponentes, lutar. Manter a palavra, ser fiel, nunca se render.
   Desse modelo vieram todos os nossos heróis. Dos cowboys aos detetives, dos Batmans e Wolverines aos heróis do espaço e poetas estradeiros. Todos os nossos modelos, modelos que começam a morrer mais ou menos de 1970 pra cá, foram criados e nascidos nesse ciclo Bretão, mitos da Bretanha francesa.
   Lógico que poucos foram heróis na vida real. Não é esse seu valor. O que importa é a força que criou esse mito. Um mito heróico que é em tudo opósto ao nosso mito de hoje, que talvez seja o "homem bem sucedido". Poucos são bem sucedidos, mas é esse o modelo que ficará de nosso tempo. Os povos do futuro nos verão idealmente como "homem bem sucedido".
   Essas imagens, Lancelot apaixonado pela esposa do Rei e sofrendo calado; Tristão vivendo isolado e anônimo, enlouquecendo de amor e perdendo a memória; Merlin e sua magia, enterrado vivo numa rocha; Percival e sua inocência, puro de coração e de corpo, errando pelo mundo atrás do Santo Graal, são todas imagens que segundo Jung habitam o inconsciente ocidental, nos dão criação, medos, desejos, doenças e motivação de viver. Todos eles renascem em nossos sonhos, nos filmes que vemos, nas músicas que cantamos, nos livros que lemos. Morgana e seu ódio invejoso, Isolda e seu amor que foge, A Dama do Lago protegendo e inspirando Artur, Guinevere e o triângulo amoroso com Artur e Lancelot. Os gigantes, os combates, os torneios. O confronto dos campeões, as mortes honradas, o perdão.
   O melhor de nosso mundo está todo lá. Tudo o que vale a pena nasce nesse momento. E é nisso que acredito, é isso que me dá toda a força e a minha vida é reafirmação daquele mundo.
   Todo o resto não me interessa.

RORTY E A DEFESA DA FICÇÃO

   Richard Rorty, filósofo morto em 2007, foi dos últimos a ter um pensamento corajoso. Pois em sua filosofia se encontra um dos mais intragáveis tabús para todo filósofo dito sério. Rorty defende o saber poético. Para ele, o mundo deveria ser regido pela imaginação e nunca pela razão. Ele explica.
   Toda a filosofia ocidental é filha de Platão. Na verdade, como se diz muito no atual século, toda a filosofia ocidental é apenas comentário de Platão. Ora, Platão tentou e não conseguiu ser um poeta. Viu todas as suas tentativas darem em nada e talvez venha daí a condenação total que ele faz a prática poética. ( Atenção, Rorty nunca foi poeta ). Rorty desconfia dessa opção filosófica. A razão jamais leva em conta tudo aquilo que possa ser subjetivo. Pior, todo filósofo tem apenas um objetivo, ser o dono da verdade, o homem que não pode ser contradito. Nada pode ser mais anti-democrático que um filósofo. A república de Platão é uma tirania onde apenas um pensamento pode existir, o platônico.
   O mundo do romancista é muito mais aberto. Ao escrever um texto ficcional, o autor se obriga a tomar contato com vários pontos de vista, várias vozes e várias situações. O verdadeiro ficcionista é quase proibido de ser um tirano. Traz dentro de si uma multidão de pensamentos que se contradizem.
   Isso passa para o leitor. O leitor de ficção será normalmente mais aberto e mais receptivo a novidades. Ele toma contato com pessoas e coisas que não são as suas. Ele se deixa ser habitado por personagens amáveis ou odiáveis. Deixa de ser si-mesmo e não se torna partidário do autor ( no máximo será seu amigo ou seu fã ).
   Já a filosofia exige atenção e submissão. Voce é enredado no pensamento do autor. Ouve sómente a ele, toma contato com uma única voz, uma única visão. Nada há de livre aqui, Voce o aceita ou o repele, não há meio termo.
   Torna-se fácil perceber então o aberto leitor de ficção e o fechado leitor de teses e de afirmações. Um escuta e dá voz, o outro afirma e julga.
   Richard Rorty foi diagnosticado com um câncer fatal. Disse ele, pouco antes de morrer, ter encontrado alivio ao desespero apenas na poesia. Religião ou filosofia de nada lhe valeram. Mas a poesia lhe deu um sentido para a morte. E era isso que ele sempre intuira:
   Se a filosofia cria homens cheios de si, e se a ficção do romance cria homens curiosos, a poesia cria a compreensão. Nesse terceiro estágio o homem passa a entrar em comunhão com as coisas, não em sentido religioso comunitário, mas em sentido pessoal e solitário. A poesia dá ao homem um entendimento do que seja a vida e a morte intuitivamente, algo que é completamente incompreensível pela via da razão filosófica. O poeta vai além do saber das coisas, ele passa a entender as coisas e a vivê-las plenamente.
   A filosofia será sempre parcial e excludente. A poesia é por natureza abrangente. Essa é a sua vantagem. Ela pode unir opostos e apostar em conflitos. Para a filosofia, presa em dogmas da razão, a abrangência é impossível.
   Richard Rorty por fim, dizia seguir o pensamento de Milan Kundera. Kundera dizia preferir pensar que o nascedouro dos tempos modernos se deu em Cervantes e não em Descartes.  O que explica o mundo são narrativas e nunca as teorias. Narrativas formam nossa auto-afirmação como seres privados e abertos. Teorias nos subjugam. O sonho de Rorty era uma sociedade regida por Walt Whitman ou por Homero e nunca por Kant e Platão.

OS CANIBAIS SÃO O FUTURO

   Rodrigo Petronio é professor de filosofia e poeta. Na revista Filosofia Ciência e Vida, ele escreve texto hiper-pessimista sobre aquele que deverá ser o futuro do homem. Não darei minha opinião. Apenas cito-o. Vamos a ele:
   Como disse Villém Flusser, genial filósofo da linguagem e da tecnologia, o sentimento religioso em nosso tempo finalmente se tornou geral. Todos partilham a mesma fé, a absoluta crença no vazio. O nada se torna o valor dominante e geral. Religiosamente, cultivamos essa absoluta falta de sentido, de finalidade e de fundo. Tudo pode ser tentado, pois tudo é sem qualquer sentido.
   Estamos no porvir da era do pós-humano. Assim como aconteceu a transição do macaco ao humano, teremos a transição do humano ao pós-humano. Se um dia um macaco se olhou na água e criou uma consciência, o homem olhará a sequencia biológica e se tornará pós-humano. A nova espécie será aquela dos homens feitos biologicamente. Nosso modo de nascer, fecundação ao acaso, em que sorte e deuses dão seu veredito, será considerada arcaica, simiesca. O pós-humano nasce em laboratório, sem acasos, sem falhas, perfeito, sem fados e deuses. Após o mundo teológico, em que espirito e arte mandavam, e o mundo antropológico, do engenho e da cidade, teremos o mundo biológico, onde tudo será visto não na perspectiva de Deus ou do homem, mas na visão de células e proteínas.
   Nesse mundo pós-humano, o primeiro a ser sacrificado será o cristianismo. E logo a seguir a filosofia e a arte. Ora, é exatamente o cristianismo que operou a amputação de um dos mais fortes apetites humanos: o canibalismo. Se homens podem comer seus primos macacos, pós-humanos comerão homens. Eis nosso destino. Tudo o que for "humano" será risível, tolo, infantil. O pós-humano se verá como o cume da evolução: a ameba, o ser que não mais tem vontades, não mais tem dor e velhice, que se alimenta e se reproduz sem traumas. Ele romperá a história que nos liga a Homero e Platão. Será indiferente, passivo, produtivo e bonito. E muito envergonhado de seu passado humano.
  No mundo do século XX a morte foi a plena realização da inteligência. A guerra e o campo de extermínio foram o apogeu da razão e da eficiência. No mundo do século XXI a técnica e o progresso produzem a neurose de massa. A tecnologia de guerra já se fez obsoleta, ela hoje só traz prejuízos, mas a doença mental não, ela é necessária para mover o trabalho, o consumo, a produção. Escravos da neurose, como já fomos da guerra, obedecemos a sociedade na esperança de nos livrarmos do medo, da solidão e da dor. Não percebemos que ela é que nos dá essa doença. Se faz o círculo.
  No mundo pós-humano não haverá mais a produção de neurose. O que manterá a sociedade em movimento será o canibalismo. Amebas se alimentarão de homens. Único modo de salvar a vida na Terra. Os humanistas poderão se queixar...que humanistas? Na visão de um cientista a vida humana tem valor idêntico a qualquer outra vida.´Somos todos filhos do acaso evolutivo. Que mal pode haver no canibalismo?
   Tudo no mundo moderno nos prepara para esse futuro canibal. A partir do momento em que vemos o homem como mera máquina biológica, em que tiramos dele tudo o que possa existir de único, de transcendente e de "humano", abrimos as portas para um futuro em que o homem passa a ser menos que pós-humano, alimento, como são os macacos, os coelhos ou os bois.
   Afinal, o pensamento "religioso" atual nos diz que somos uma poeira na poeira da poeira....que mal pode haver em comer poeira?

RONNIE VON, FERNANDA YOUNG, TELEVISÃO, BICHOS E ESTRELOS

   Ás vezes em meio a enorme quantidade de lixo-execrável a gente encontra alguma surpresa deliciosa na Tv. Fico zanzando por mais de 80 canais e percebo certas coisas. Em programas sobre bichos hoje a atração é o estrelo que apresenta a coisa e não o animal. E tome close da cara do bacana. Houve um tempo em que filmes apelativos e programas de Tv muito pop usavam melô pra pegar audiência. Era um tal de cenas bonitinhas e coisinhas gracinhas bem cor de rosa. Agora o que agrada é a violência. Todo filme tem de ter sangue e socos e tiros e explosões. Ou mesmo que nada disso apareça vai ter suicidio, gritos, doença terminal ou tapas na cara. Isso se reflete na Tv. Bichos comendo bichos. Todo o tempo. Nada mais de filhotes brincando ou belas cenas em paz. Como acontece até em programas de humor e novelas, violência vende. Então voce tem de ver o chato-estrelo se arriscando entre cobras e lobos...um saco.
   Outra coisa esquisita é a quantidade de programas que mostra gente trabalhando. Emocionantes cenas de corretores tentando vender casas, de machos arrumando encanamentos, policiais prendendo, mecânicos em ação e veterinários operando. Me parece que as pessoas estão num estado tão adiantado de domesticação para o trabalho, que agora até o lazer se faz em ver gente trabalhando. É como se fora do work nada mais importasse. Tem programas de culinária onde o cara tem de fazer 800 refeições em seis horas e um outro onde uma equipe tem de vencer outra equipe. O simples prazer de se ver um chef preparar um caprichoso prato já era. Culinária com competição, stress, pressa, sem frescura. Sem arte. O mundo está se tornando uma praça de alimentação.
   E passando en passant, vejo aquele monte de séries com imagens escuras bem pastel, falas ditas bem baixinho e closes em rostos sempre bonitinhos ( mas não muito ) vivendo seus draminhas tão chatinhos... E tome Ratinho gritando, e tome um traveco sendo analisado na La Gimenez. E o CQC posando de "inteligentes" mas sendo tão apelativos quanto tudo e tão frenéticos como um video clip onde a cantorinha vende seu corpo e nunca sua voz. O pior é esse futebol brasileiro, onde toda jogada acaba em cruzamento torto e tentativa de enganar o juiz.
   Mas em meio a toda essa coisa tem o programa do tio Ronnie. E Fernanda Young foi ontem o homenagear. Titio fazia anos. E digo pra voces que foi dos vinte minutos mais deliciosos em dias. Fernanda, que estava linda, tomou posse do programa e comandou a atração. Tentou ser fina como Ronnie e se perdeu, errou, atrapalhou-se, riu.  Fez-se o humor carinhoso, suave, sem querer. E ela, sempre esperta, deu o tom. Disse que o programa de Ronnie é anacrônico. Deliciosamente anacrônico. Todos sabemos Fernandinha. Tempo de lentidão onde não existe violência ou mundo cão ( que nunca é real na verdade ). Ronnie até lembrou de sua juventude em Niterói, quando posava de beatnik, cavanhaque e boina, apaixonado por Sartre e Simone. E é engraçado perceber que Fernanda é também sempre desse tempo chic e anárquico. Porque imediatamente antes do anglicismo de Beatles e Stones e do americanismo de Elvis e Dylan, houve o galicismo de Trenet, Gainsbourg e Vian. Tio Ronnie era um beatlemaníaco que ainda mantinha os acentos sofisticados da Rive Gauche.
   Depois na Tv Cultura passou um doc sobre Lacan. Mas quando começaram a tratar Lacan como um tipo de João Batista do deusinho Freud....Bien, eis o pior lado da França....O deslumbre com o dogma ( desde que pareça bem descartiano, n'est pas? ).
   Desliguei e fui pra cama. Titio Ronnie e a fada aflita Fernanda nos vingaram.
   Bons sonhos.

O PRÍNCIPE DAS TREVAS OU MONSIEUR- LAWRENCE DURRELL

   Durrell foi um daqueles ingleses que odiavam a Inglaterra. E fugiam do país em busca de se encontrar. No caso dele, seus lugares eram Egito, Provence, India e Veneza. Amigo de Henry Miller, ele vai mais longe que Miller em seu texto cheio de palavras bem urdidas e gostos amargos. O que Durrell realmente pensava é dificil saber. O que podemos é imaginar o que ele não foi. Conformista.
   Este livro teria problemas se escrito hoje. Voce logo saberá porque.
   Um homem viaja num trem rumo à Avignon. Lá, ele tentará saber do porque do suicidio de seu amante, Piers. Piers tem uma irmã, Silvie, que está num hospício. Ela também é amante do narrador. Um triângulo feliz, apesar dos pesares. Então vamos na memória do narrador. Ele recorda uma viagem ao Egito. No deserto eles conhecem Akkad, mestre em gnosticismo. Navegam pelo Nilo. O livro dá um salto a Veneza e lá ficamos sabendo que agora quem narra é o verdadeiro autor, um muito solitário veterano cuja esposa o abandonou por uma mulher. Em mais um salto, vamos brevemente a Viena e depois de volta a Provence, onde quem narra é um autor de best-sellers. Bem...acredite-me, Durrell consegue orquestar todos esses pontos de vista sem nunca parecer confuso. Porque ele faz isso? Mero capricho? Não, a mudança de narrador, de estilo, de ponto de vista é o próprio livro, já que seu tema é a ilusão, o real e o irreal, o que somos e o que não somos.
   Aprendi em linguistica que na verdade todos os livros ( e filmes ) têm sempre o mesmo tema: vida e morte. Durrell tenta ter uma unidade, ele fala da morte e não da vida. O livro pode ser entendido como a tentativa de se entender o que seja morrer. Não há uma resposta. Ainda bem...mas várias tentativas se fazem, e todas são terríveis. ( Um adendo: eu juro que o livro é alegre ).
   Durrell teria problemas hoje por se arriscar a ser chamado de anti-semita. Akkad, o gnóstico, diz que Deus foi destronado e o mundo que conhecemos tem apenas um criador e mestre, o Diabo. Toda a realidade é obra dele e isso é fácil de perceber, pois a vida nada mais é que guerra, fome, dor e morte. E uma grande ilusão, as religiões. E a mais ilusória seria o judaísmo e tudo o que ela trouxe: catolicismo, protestantismo, islamismo, e até mesmo Marx e Freud que nada mais são que filhos da velha Biblia hebraica. Tudo isso sendo um mundo de materialismo, usura, ouro, falo, sede, repressão e dogmas.
   Confesso ser dificil ler essa parte. Principalmente quando Akkad diz que ir contra essa obra do mal é não obedecer a vida. Não ter filhos, não lutar por nada, e morrer com alegria e de forma consciente. Perceber a ilusão que há nessa vida criada pelo mal e só pelo mal. Weeelllll..... Depois o livro dá seu golpe de classe. Ele próprio vai contra tudo o que falou. O novo narrador não pode crer nessa, segundo ele, "besteirada", ( mas deixa uma dúvida no ar ) e foge dessas questões. O que ele expõe é o massacre ocorrido no dia 13 de novembro de 1345, em que 5000 gnósticos da Europa foram presos, julgados e queimados, por ordem de Filipe, o Belo. Porque?
   Apesar de tema tão dificil ( todas as cerimônias são cheias de drogas alucinógenas ), o livro é solar. Durrell descreve o mundo, nosso, condenado a destruição e dominado pelo mal absoluto, e ao mesmo tempo dá descrições soberbas da Lua, do Sol, dos animais e das estradas. O texto é belo, vitalista, há prazer em ler. Esse seu grande mérito, ele fala de coisas terríveis, mas jamais se faz um peso.
  Após a leitura ficamos confusos. Qual a verdade? Quem nos controla?  Deus, Jesus, os Santos...ilusões do mal? Ou Jesus seria alguém que tentou lutar contra as trevas ( sabendo serem elas invencíveis, e portanto sendo um gnóstico ao escolher sua morte ). Não há solução e nunca haverá. O que fica é a sensação do ridiculo da presunção científica ( respondem sem responder nada ) e um gosto de Matrix na boca, azedo.

The Stolen Child - W.B. Yeats



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FAUSTO SOKUROV, O CINEMA DE ARTE É NOSSA SINA

   Toda forma de arte ao nascer e em toda sua fase mais pura não possui a divisão entre popular e artístico. Shakespeare era assistido por açougueiros e mestres de filosofia, e Haydn compunha para reis e ciganos. A divisão na literatura se dá por todo o século XIX e na música nos fins desse mesmo século. Mas isso aconteceu também com a pintura a dança e até com a culinária. No cinema, como com o jazz e o rock, isso aconteceu em poucos anos. O jazz dos anos 30 era uma coisa só. Duke Ellington ou Count Basie faziam arte ( em alto nível ) mas eram ao mesmo tempo populares. O be- bop faz a ruptura. No rock, Beatles ou Dylan foram simples e soberbos até 1967, e então se fizeram complicados e às vezes fascinantes. Com o cinema a coisa é bastante triste.
  Quando Fritz Lang ou Murnau faziam seus filmes eles não faziam filmes de arte. Eles faziam cinema. Renoir e Clair, Chaplin e Keaton, Dreyer e Ford não viviam em guetos separados com rótulos fixos. Eles navegavam entre o popular e o erudito. Agradavam, às vezes, o operário e o filósofo. Isso se manteve até os anos 60.
  Billy Wilder e Hitchcock jamais pensaram em fazer arte. Eles faziam filmes, aqueles que queriam fazer, e eram filmes "fáceis de ver" e ao mesmo tempo, cheios de sentidos, de pistas, de arte enfim. Mas esses dois campos foram se afastando por toda a década de 50. Essa culpa, se é que é uma culpa, pode ser creditada a Bergman. Mas também a Kurosawa e Buñuel. A crítica e os festivais começaram a tratar esses cineastas como a "realeza" do cinema. Os comparavam a Tolstoi e Proust e de repente, ser simplesmente um "cineasta" passou a parecer pouca coisa. Era preciso ser Bergman, um artista. E infelizmente, muitos diretores geniais como Hitchcock e Huston passaram a tentar ser "artistas". E se deram mal. Eles eram cineastas.
  Esses dois mundos se separaram cada vez mais, mas uma corda fina se esticou entre eles. Os artistas foram se tornando cada vez mais pedantes, os cineastas, cada vez mais cínicos. E alguns, os melhores, tentavam corajosamente, se equilibrar sobre essa corda que une os dois mundos. Fellini fazia isso, como fazia Truffaut, Coppolla e Malle. O que os artistas não percebiam é que Bergman sempre fez isso. E Kurosawa também. Por esse motivo eles são cineastas antes de serem artistas.
  Hoje a corda se transformou numa navalha. Cineastas artistas fazem filmes que não são mais cinema. São instalações, teses sociológicas, exibicionismos, experiências com imagens. E cineastas fazem filmes que procuram ser o mais cinemáticos possível, ou seja, ação e som que são apenas ação e som. O popular se faz hiper-popular, o artístico se faz como "filme de festival". Não se misturam. Claro, alguns poucos abnegados, que são inspirados pelo passado do cinema, tentam reatar os dois mundos. Tarantino, Soderbergh, Joel Coen, PT Anderson, Almodovar... procuram unir o popular e a arte. `As vezes acertam.
  Adoro A ARCA RUSSA de Sokurov. Fausto é um dos filmes mais chatos desta década de filmes chatos. Nem Von Trier consegue ser tão bocejante. O filme de Sokurov exala em cada fotograma uma afirmação: -Isto é ARTE. Se eu fosse Paulo Francis eu diria, "O mundo Jeca que nos deu Bjork e José Saramago chega à Russia".
  Tem até que ideias boas o tal filme. E não pense que o mundo do filme é o mundo de Goethe. É nosso mundo. Fausto em Goethe deseja o saber. Ele quer conhecer o segredo de tudo. Quer ser Deus. O Fausto de Sokurov, de 2012, quer ser feliz. Ele quer dormir, comer e amar. E ter dinheiro, poder. É um Fausto muito menos fascinante, sem coragem. O Fausto de Goethe foi o modelo para o homem moderno, um Titã à procura do saber. O Fausto 2012 é um deputado de Brasilia.
   O filme, como em Goethe, tem uma visão gnóstica do mundo. Deus existe e criou a vida, mas todo este universo é obra de Mefistófeles, o anjo negro. Se Sokurov não fosse tão artista, ele faria Mefisto como um sedutor. Mas ele pensou que isso seria pop, e fez dele um monstrengo fedido. Porque? A beleza é muito diabólica. Welllllll.....
   Há uma cena de beleza transcendente no filme ( que me levou às lágrimas ), é um longo close silencioso de Margarida. A luz a invade e ela se torna um anjo. Se Fausto pudesse ser salvo ele teria sua beatificação naquele momento, mas ele faz o contrário, estupra Margarida e faz dela uma puta. Em Goethe isso simboliza a destruição do bem pelo conhecimento, mas também pode ser a destruição da natureza pelo homem. Margarida é natural, Fausto é inatural.
  Mas de que adianta o filme ter um momento de tanta beleza se temos de caminhar horas de tédio até alcançar esse cume? Em A Arca Russa temos duas horas de incessante prazer, e o filme tem tanta profundidade quanto Fausto. Ou mais.
   Bem, de qualquer modo este filme tem uma bela função. Serve para que aqueles caras que odeiam e desprezam bons filmes pop ( westerns, comédias, romances ) sejam obrigados a passar por seu grande obstáculo: Hey, voce que se acha um intelectual só por ter adorado Clube da Luta ou Peixe Grande, saiba que aquilo é cinemão, popular como Homens de Preto ou Avatar. Isto é que é a tal arte para poucos. E então? Gostou? 
  Quanto mais entendo de cinema mais tenho a certeza de que nada foi melhor que o cinema dos anos 30.

bob dylan subterranean homesick blues. A ALMA BEAT- BEATITUDE



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BEATS E BEATITUDES

Segundo Roberto Muggiati, Beat surgiu em "I Am Beat", Tou Ferrado. Mas a verdade é que o lance veio de BEATITUDE. O que eles queriam era alcançar um estado de beatitude via droga, sexo e jazz. Beat é também a batida do be bop de Charlie Parker, Bud Powell e Dizzy. Escrever palavras na velocidade supersônica do sax de Bird e do piano de Bud. Improvisar como um cara do jazz. Mas, surprise!, o autor favorito de Kerouac era Marcel Proust. E Proust nada improvisava. Mas ele era o mais Beatitude dos escribas.
Ler ON THE ROAD aos 17 anos. Quem não leu nessa idade não viveu. Eu andava na Paulista, fim de tarde de maio, com o livro na mão. A angústia do livro passava pra mim. Ele me fazia mal. Mas depois desse mal vinha a epifania-beatitude. Com o coração apertado eu via a luz na janela da mansão ( que foi derrubada a muito ) e sentia um anjo tocar minha boca. Nas escadas do Objetivo faziam ponto centenas de anjos.
Jack Kerouac ficou famoso entre os hippies dez anos depois de publicar seu livro. Mas ele não gostava de hippies. Então era amado por gente que ele desprezava. Jack era conservador. Morava com a mãe. E se mandava de casa por seis meses, pé na estrada, excessos e epifanias, e depois voltava pro sofá da mãe. Ele era como um cachorro no cio.
Eles eram apaixonados por Neal. Todos eles. O filme deve ter errado. Porque mulher em On The Road é nota de rodapé. Mas o velho produtor deve ter exigido: Bota a Kristen aí. Botou. O livro é fortemente gay. Sujo e fedido. Tosco e mal escrito. Se o filme for bem feito e clean...errou.
Na verdade o grande filme beat já foi feito. Foi NÃO ESTOU LÁ, a obra-prima sobre Bod Dylan. Roberto diz, e todo mundo sabe, que o herdeiro dos beats é Dylan. E Patti Smith, Lou Reed, Leonard Cohen. O Velvet Underground é uma banda beat.
Allen Ginsberg era o melhor deles, UIVO é bom. Ginsberg amava Dylan. Ele aparece ao fundo, de cajado e barba, no clip que postei. Será que Dylan dormiu com Allen? Bob é melhor que todos eles juntos. Lou também. Deviam dar o Nobel pra Dylan. Já foi cogitado. Faltou coragem. O poeta de uma era. Esta.
Walt Whitman foi o primeiro beat. E depois veio Rimbaud. CANTO A MIM MESMO....epifania. Eu devo ser um beat e não sei. Porque? porque escrevo tudo automaticamente, nunca releio, não faço um plano, improviso. E minha vida tem um único sentido, a busca incessante de momentos de beatitude. Seja em filmes, sons, memórias, livros, sonhos, caminhadas, contatos, o que busco e o que justifica minha vida é isso, epifanias.
Nada mais fora de moda. Não pode haver beatitude em frente a um PC. Ou não?
Eu pulava a janela de meu amigo Fernando e lá a gente desenhava e escrevia poesia. Depois ia pegar carona pra ir pra longe. E virava garrafas de vinho barato. Não havia um só plano de futuro. Não tínhamos um tostão. E nunca sabíamos ser felizes. A felicidade não era uma meta, era a liberdade.
Quem disse que ser feliz é o máximo da vida? O máximo é ser livre baby. E ser livre NÂO é uma felicidade. É uma beatitude.
Falei.

PAULO FRANCIS

   A esposa de Paulo Francis lê uma carta. Essa carta foi escrita por Paulo a um amigo quando soube que sua gata, Alzira, estava morrendo. Francis não foi uma criança com bichos. Ele aprendeu a amar os animais com a idade. O documentário mostra então várias fotos de Paulo com Alzira. A esposa chora enquanto lê.
   O filme é assim. Não foge da emoção, mas também não foge da polêmica. Ele foi sempre desse jeito. Chamava os nordestinos de preguiçosos e ao mesmo tempo sabia de cabeça dezenas de canções de Caymmi. Odiava Lula e também os milicos da revolução. Penso que ele era inteiro, conseguia ser si-mesmo na midia, o que hoje é impossível.
   Paulo Francis começou a ser perseguido pela Folha quando a Folha se acovardou. Ansiosa para ser a número um, ela não podia aceitar alguém que batia tanto em tanta gente. Francis espirrou de lá. E a Folha virou esse balcão de RP que é hoje.
   Então Paulo foi fazer o melhor programa de humor da história do Brasil, Manhattan Connection. Ele era Groucho Marx, os outros quatro eram Zeppo Marx. Ele cantava ópera, avacalhava todos os filmes ( "Não vi, não vou ver, e detesto"), citava filmes antigos, dava ataques azedos ao Brasil, indicava restaurantes em New York, se exibia. Caio era chamado de idiota, Nelsinho de menino ingênuo e o mediador de irrelevante. Quando Francis se foi o programa perdeu a alma e o porque.
   Foi num desses domingos que Francis se "matou". Disse que os diretores da Petrobrás eram ladrões e tinham milhôes na Suiça. A empresa o processou. Com nosso dinheiro Francis foi processado em New York. Ele ficou apavorado e morreu do coração. Essa história simboliza a mudança do Brasil. O politicamente correto e o rabo preso.
   Seria impossível ele ser publicado hoje. Se voce acha Mainardi ou Pondé incorretos, Francis foi bem mais. Ele falava em alto e bom som, sem nada de filosófico ou atenuante: a democracia é a ditadura dos medíocres, o nordeste mata o Brasil, Lula é uma besta, as universidades acabaram quando as mulheres puderam estudar, o rock é música feita por caipiras iletrados para jecas incivilizados, jazz só é suportável e faz sentido com whisky, vicio em drogas não existe, é mito, todo drogado quer se matar e passa a vida tentando.
   A história mais engraçada é aquela do LSD. Paulo provou todas as drogas ( inclusive heroína ) e queria provar o ácido. Mas tinha medo de pirar e fazer merda. Então foi a seu médico, fechou a porta, deitou na maca e engoliu um ácido. Então falou ao médico: "-Agora tome conta de mim".
   Francis odiava os democratas americanos, Tinha saudades dos velhos republicanos, povo que fez a fortuna da América. Mas odiava Bush. Para ele o governo ideal seria um tipo de monarquia meritória. Os melhores governando. Ele dizia que a democracia era a ditadura da ralé. Os melhores tendo de puxar o saco dos pulhas bons de voto. Votar era como escolher quem merecia ser seu feitor. O dono da fazenda jamais mudava.
   Devorei Paulo Francis em todos os meus anos formativos. Me deu tanto que às vezes penso ser um mero continuador, mais pobre e muito menos corajoso, dele. 
    Adoraria vê-lo escrever hoje. Sobre Bin Laden, Obama, Lady Gaga e o mensalão. Chavez e Kirchner, Big Brother e Irã.... quer saber? Se Paulo se sentia um zumbi, num mundo sem classe e conforto, em 1995, acho que foi bem melhor pra ele ter partido antes do imbecilizante século XXI.
   Procurem e assistam.