True Love. Grace and Bing. Full scene.



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TARANTINO/ GRACE KELLY/ COEN/ DONEN/ DE MILLE/ CUKOR

   DUAS SEMANAS DE PRAZER de Mark Sandrich com Bing Crosby e Fred Astaire
Dois partners de shows se separam, por causa de uma mulher. Crosby que é o bonachão, vai viver no campo, e lá monta um hotel-teatro, onde apresenta shows só nos feriados. Astaire acaba indo parar lá, e eles disputam outra garota. O filme, muito alto astral, tem White Christmas, o single fenômeno de Irving Berlin. E tem muito mais, tem diversão, boas canções e atores simpaticos. Sandrich dirige tudo com finesse. Exemplo do filme standard da velha Hollywood. Nota 7.
   FUNNY FACE de Stanley Donen com Audrey Hepburn, Fred Astaire e Kay Thompson
Crítica longa postada abaixo. Que mais dizer? É lindo. Audrey convence como a intelectual que se torna modelo e Fred faz o fotógrafo que a descobre. Vão à Paris e a cidade nunca foi tão bonita. A verdadeira cidade sempre sonhou em ser esta Paris da Paramount. O filme tem um visual brilhante, as cores parecem respirar. Em termos visuais é uma obra-prima. Relaxe e aproveite! Nota DEZ.
   KILL BILL VOLUME I  de Quentin Tarantino com Uma Thurman
Um absoluto prazer! Rever este filme agora é tão bom como em seu tempo de lançamento. Tarantino, talento superlativo, um cara que sabe tudo de cinema, esbanja talento. A ação é incessante e nunca cansa. Música e cor, corpos que se lançam no vazio, olhares coreográficos. Com os Shaw Bros, Tarantino aprendeu tudo e uniu essa arte às referências dos anos 70 que ele tanto adora. Uma festa para os olhos, para os nervos, para o coração. Esse diretor dá dignidade ao cinema atual, mostra que a grande tradição da ação, do cinema tipicamente americano, é viva. Bato palmas para todos os seus filmes. DEZ!!!!!
   KING KONG de John Guillermin com Jeff Bridges e Jessica Lange
Quem esperaria que Jessica se tornaria uma atriz com dois Oscars? Ela, modelo de sucesso, estréia aqui, e brilha em sua sensualidade e beleza inebriante. Mas o filme é tolo, sem porque. O Grande Lebowski é um tipo de cientista-explorador meio hippie. O macaco é cômico. Jessica é a melhor vítima do Kong que já houve. Um tipo de nova Grace Kelly em tempos sem realezas. Nota 2.
   MATADORES DE VELHINHAS de Irmãos Coen com Tom Hanks
Pra que refilmar um filme perfeito? O original é inglês, de MacKendrick e tem Peter Sellers. Este é ridiculo. Não tem graça nenhuma, é irritante, mal escrito, sem sentido. Talvez o pior filme dos muito talentosos irmãos. Tom Hanks está constrangedor. Nota ZERO.
  MEIAS DE SEDA de Rouben Mamoulian com Fred Astaire, Cyd Charisse e Peter Lorre
Não gosto muito deste filme. E deveria gostar, afinal todos os seus ingredientes são excelentes. Mas algo desandou, as canções funcionam mal, as danças são comuns e o diálogo não tem graça. Fala de agentes russos que se deixam seduzir por Paris. Cyd é a super-russa que vai até lá, ver o que aconteceu. É refilmagem de Ninotchka. Não deu certo. É dos últimos musicais de Astaire, ele merecia coisa melhor. É um filme "de luxo", há quem o adore, não é meu caso. Nota 3.
   MESTRE DOS MARES de  Peter Weir com Russell Crowe
Foi uma das grandes decepções que tive nos cinemas na época. Revisto agora é ainda mais insuportável. Um monte de cenas escuras, tédio constante, o filme não se decide entre a ação e a tal arte. Acaba por não fazer nem uma coisa e nem outra. Quem procurar aventura ficará frustrado, quem quiser reflexão nada encontrará. Crowe parece com sono. Nota 1.
   LEGIÃO DE HERÓIS de Cecil B. de Mille com Gary Cooper, Madeleine Carroll, Paulette Godard, Robert Preston e Preston Foster
O filme fala da rebelião no Canadá. A população mestiça se rebela contra a coroa inglesa e a policia montada é enviada para cessar a briga. Cooper é um texano que está por lá com uma missão. É um filme exemplar. Após uma apresentação precisa, a ação se desenrola sempre no tempo certo. O diretor dá tempo para que conheçamos os personagens e logo em seguida cria mais uma reviravolta e mais uma cena de movimento preciso. De Mille era um cozinheiro-mestre, sabia sempre o que adiconar, a dose certa, a temperatura exata. Gary Cooper, já foi dito, era o americano perfeito, aquilo que todos eles gostariam de ser. Pouca gente lembra, mas era ele a grande estrela do cinema da época ( ele estava acima de Gable, Grant, Bogart e Fonda ). Já vi vários filmes de Cecil B. de Mille, este é aquele que mais me satisfez. Diversão pop de primeira. Nota 9.
   LES GIRLS de George Cukor com Gene Kelly, Kay Kendall e Mitzi Gaynor
Uma ex-corista lança uma biografia. Ela é processada por difamação. Quando o filme começa já estamos no tribunal. Três depoimentos serão dados, os três conflitantes, qual a verdade? O filme tem um problema sério, a primeira parte tem Taina Elg como centro, e ela não consegue segurar o interesse. O filme melhora muito nas outras duas partes. Kay Kendall, comediante inglesa de primeira, na época esposa de Rex Harriosn, dá um show como uma atriz beberrona; e Gaynor está ótima como uma bailarina americana virgem. Gene Kelly é o sedutor-diretor das três mocinhas. Não há nenhum grande número para ele brilhar, mas o filme é elegante, colorido e dirigido naquele estilo vistoso de George Cukor. Cukor foi um dos grandes de Hollywood, seus filmes sempre brilham. Nota 7.
   HIGH SOCIETY de Charles Walters com Grace Kelly, Bing Crosby e Frank Sinatra
Sempre me lembro de um reveillon em que voltei bêbado pra casa ( e insone ). Lembrei então que ia passar este filme na TV, e que no jornal saíra uma página sobre ele. O chamavam de o "filme mais chic" já feito. Liguei a TV, deitei no tapete e o assisti. Me senti tão chic, que no dia seguinte comprei uma cigarreira de prata. E procurei a trilha sonora em disco até achar. Depois desse dia já o revi por duas vezes. Ontem foi a terceira. Ele é sobre nada. O que vemos é Grace ficar bêbada, dançar, flertar e afinal se casar com seu ex-marido. Crosby é esse marido. Paciente, tranquilo, cool. E Sinatra é um jornalista pobre. Louis Armstrong faz Louis Armstrong, ele toca alguns números no filme, todos ótimos. Os outros números musicais são todos maravilhosos ( Cole Porter ). Destaque para True Love, uma das mais belas canções de amor já feitas, e tem ainda Did You Evah?, em que Crosby e Sinatra se preparam para ir à uma festa. O filme é uma bobagem, uma tolice leve e ebuliente...assim como é também um doce delicioso, um souflé, uma calda de chocolate. Vicia e delicia. Grace Kelly está muito bem. Sua personagem, nada fácil, é frágil, arrogante e sedutora. Falam de Audrey, de Liz Taylor, de Sofia Loren.  Mas para mim ninguém foi mais bonita que Grace Kelly. Ela era perfeita, sexy, tinha uma voz educada e elevada, um olhar de promessa. Mesmo ao lado de dois mitos ( Sinatra e Crosby ), o filme é todo dela. Maravilhosa!!! Nota 9.

TOP HAT, WHITE TIE AND TAILS- fred astaire



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THE IRVING BERLIN SONGBOOK- FRED ASTAIRE E OSCAR PETERSON, LIÇÃO DE ALEGRIA REGADA A CHAMPAGNE

   Para encerrar o ano com chave de diamante, nada pode ser melhor, feito a sós, que escutar Fred Astaire. Aqui, acompanhado por grupo de jazz comandado pelo piano de Oscar Peterson. Ou seja, nada de violinos. Bateria, baixo, guitarra e sax...uma delicia!
   Berlin, nascido na Russia, faz parte do big five da canção americana ( ele e mais Cole Porter, Gershwin, Jerome Kern e Richard Rodgers ). Não sei, e acho que ninguém se arrisca a dizer, quem era o maior. Como letrista, provávelmente Porter, como arranjador, Gershwin, mas e Berlin? Ele é o de maior sucesso popular e suas canções podem ser tão harmoniosas quanto as de Gershwin e tão espertas e maliciosas como as de Cole.
   Dificil saber também qual seria o melhor momento deste disco. Tem "Cheek to Cheek", e nessa canção, quando ouvimos Fred dizer : "Heaven...I'm in heaven...", bem, nós estamos in heaven too! É uma das raras canções felizes que faz com que toda a nossa felicidade se presentifique. Mais que uma música, é um dom compartilhado. Mas o disco tem também "Puttin' on the Ritz", e com essa voce se sente Gary Cooper... Dá vontade de beber champagne, de arrumar a gravata, de sair pra rua e olhar a vida rolar. Ouvi-la é se sentir very special.
   Seriam essas as duas melhores? Mas aí vem "Isn't this a lovely day" e ela é um amor que é feliz. Amor feliz, amor onde não se chora, não se lamenta, amor que é apreciado. Essa canção dá vontade de amar. Amar sorrindo, amar como um homem deve amar uma mulher. E vem "Change partners", outra que é sobre um amor, mas amor já triste, triste porém classudo, sem escândalos please. Linda melodia...
   Não seria a melhor "Top Hat" ? Essa eu poderia ficar escutando a vida inteira. Voce deseja saber o que é classe? Tá tudo aqui. E é impressionante como a voz de Astaire soa moderna. Ele canta pequeno, curto, e sem jamais perder a afinação. Modula o timbre, pronuncia claro ( os cantores como ele são facílimos de entender, pronunciam um inglês perfeito ), e acima de tudo ele tem ritmo, tem jazz. O estilo de Fred se casa com os músicos negros e o que sai é brilhante, exultante, esfuziante.
  "Steppin' Out" pode ser a mais perfeita... Ah, desisto! Como saber qual o mais perfeito pôr do sol? Qual o diamante que brilha mais?
  Uma historinha...
  Quando eu tinha 11 anos e começava minha coleção de discos de rock, meu pai, que nasceu em 1926, ficou muito surpreso. Ele me dizia: " Mas porque voce compra esses discos? Voce não vê que todos são "música caipira? Música de analfabetos?"
  Meu pai ouvia música de orquestras e Sinatra. Eu achava aquilo nojento e ria de meu pai achar que Beatles, Elton John e Bowie fossem caipiras. Mas agora eu entendo. O rock é filho do blues rural e do country.  Para quem tem familiaridade com a música verdadeiramente, e desde sempre, urbana, o rock sempre terá um jeito de cowboy, de jeans e violão. Urbanidade é Duke Ellington ou Thelonious Monk, lá nada há de rural. A ancestralidade caipira de todos nós está tão distante que nada nessas músicas lembra poeira ou cabanas de madeira. Nesse tipo de canção, mesmo quando o cara vai pro mato, ele leva rádio, cadeiras e talheres de prata. Para meu pai, cada acorde da guitarra de Harrison era uma lembrança de uma viola caipira, cada frase de Elton tinha o sotaque de um inglês querendo soar como se fosse do Kentucky e mesmo a sofisticação de Bowie lhe parecia um simples trejeito de adolescente suburbano.
   Eu sou um caipira e tenho orgulho disso. Mas eu adoro essa urbanidade "Quinta Avenida anos 40" de Astaire e do jazz. Vivo nessa confusão de tensões, que pode por outro lado ser chamada de visão abrangente. Mas o que eu sei é: Nada é mais Feliz que Fred Astaire cantando Top Hat....

PAISAGEM COM QUEDA DE ÍCARO E OUTROS POEMAS - WILLIAM CARLOS WILLIAMS ( PRA QUE SERVE A POESIA ? )

   William Carlos Williams era pediatra. Viveu até 1965. Da geração, soberba, de Eliot, Moore e Stevens. O que me faz pensar... em período tão pouco poético, tanta poesia de gênio. Parece que, como acontece com toda coisa do espírito, quanto mais voce bate mais forte ele fica.
  No livrinho que acabo de ler, há um poema que exemplifica não só o estilo de Williams, como mostra toda a necessidade de se viver a poesia. O poema é curto:
  De acordo com Brueghel
  Quando Ícaro caiu
  era primavera
  Um lavrador arava
  os seus campos
  todo o explendor
  do ano
  formigava ali
  à
  beira do mar
  consigo mesmo
  preocupado
  suando ao sol
  que derretia
  a cera das asas
  perto
  da costa
  houve
  uma pancada quase imperceptível
  era Ícaro
  que se afogava.

  O que é o poema? Ele é uma questão: Quantos Ícaros voaram ao nosso lado e distraídos pelo "trabalho" da vida não o percebemos? Para que serve a poesia? Para abrir nossos olhos a esse maravilhoso que não interrompe seu fluxo. O sol que derreteu as asas de Ícaro é o mesmo sol em que o homem labuta. Como formiga. É o olhar poético que nos eleva da condição de formiga.
  Tenho pena de quem vive formigamente e renega o viver poesia. Por todo o livro, Williams, de forma simples, ( não procure nele nada além do que lá está escrito ), mostra a poesia de árvores e de estações. Essa visão nada tem de secreta ou de mística, é apenas um olhar atento, dar uma chance a poesia. O segredo é o olho.
  Neste exato instante algum Ícaro pode ter voado e voce, distraído, não o viu. Neste exato momento uma experiência única pode ter sido oferecida a voce, e voce não a aceitou por não ter notado o convite.
  Poesia é só isso.

You're The Top - Anything Goes 1956



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COLE PORTER, UMA BIOGRAFIA- CHARLES SCHWARTZ ( EXEMPLO DE REFINAMENTO )

   Faça um teste,  quando foi a última vez em que voce ouviu ou leu um crítico, seja de música, cinema ou TV,  dizer que tal obra é "elegante" ?  As pessoas não esqueceram o que a palavra significa, o que acontece é que elegância deixou de ser relevante por ter se tornado miragem inalcansável. Existem palavras que deixam de ser usadas, elegância, assim como nobreza, são vocábulos congelados. Não fazem parte da lingua de nossa época.
   Mas existem nomes que ressoam dentro de nós como ecos desse tempo "elegante". São como cápsulas de tempo, recordações do que foi e pode, sejamos otimistas, um dia voltar a ser. Cole Porter é um dos nomes mais fortes.
   Houve um tempo em que as pessoas iam à Broadway para receberem lições de bom viver. Joie de Vivre, Savoir Faire. Viam musicais que eram compêndios de finesse, desde as letras ferinas e leves, até as roupas e cenários de bom gosto. Grosserias ou melô eram repudiados. E nesse mundo refinado, o principal eram as músicas. A canção popular americana vivia seu auge. Irving Berlin, Richard Rodgers, George Gershwin, Kurt Weill, Jerome Kern e Cole Porter. O que? Voce não os conhece? Que pena... Mas com certeza já ouviu suas melodias sem saber de quem era aquilo que te embalava. É moda, hoje, quendo um cantor ou cantora quer demonstrar classe superior, grava música de um deles. O desastre é sempre absoluto. ( Até mesmo Bryan Ferry se saiu mal ao gravar em 2002 um disco só com músicas desses autores ). Para cantar bem Cole Porter e etc é preciso ter vivido uma vida de jazz, de cabaret e de hotéis mais trens. Saber beber, saber comer, saber apreciar. Para se aproximar dessa turma é preciso ter vivido uma ou duas "histórias". Saber ler a vida. Não berrar, sussurrar.
   É surpreendente o fato de que as músicas de Cole, e ele tem mais de quarenta sucessos populares, nasciam sempre de cima para baixo. Explico. Suas canções estouravam primeiro entre as classes mais altas, tanto financeiras como intelectuais, e depois caíam no gosto da massa. Exatamente o contrário do que ocorre hoje, em que a música estoura entre o povão e depois é aceita pela elite ( ainda veremos funk nas universidades, pode esperar ). Voce pode dizer que isso significava um tipo de colonização da elite sobre a "plebe". Mas pode ser o contrário: um tipo de fé nas classes menos favorecidas. Elas ainda poderiam ascender culturalmente. Cole Porter lhes dava jóias, tesouros, sonhos de luxo e de classe. Elas não eram relegadas ao lixo dos lixos.
   Cole Porter nasceu muito, muito rico. Ao contrário dos outros grandes da canção clássica, ele não era filho de imigrante pobre. Sua vida foi aquela dos privilegiados. Cavalos, iates, viagens longas de navio, dezenas de empregados. Cole foi o tipo do cara que nunca soube o que é não ter um empregado ao lado, seja para lhe preparar o banho, seja para lhe chamar um táxi. Aliás, ele tinha sempre três, que levava com ele em viagens, hotéis e festas.
   Foi aluno em Yale e Harvard, mal aluno nas duas. Nelas, seu interesse era o futebol, ele fazia hinos para os times e também músicas para as peças das escolas. Desde sempre, seu interesse era viajar, se divertir. Cole ia a festas todos os dias, festas imensas, longas, inacabáveis. Ele logo começa a escrever musicas para peças profissionais, mas levará dez anos para ser aceito e ter seu primeiro sucesso. Enquanto isso, ele se divertia doidamente, todo o tempo. Era um dínamo, sempre fazendo piadas, truques, pregando peças, rindo sem parar. E gastando aos rodos, em jóias para amigos, em bailes e jantares, em roupas, em casas imponentes, em criadagem.
   Cole se casa com Linda, uma multi-milionária e fica mais rico ainda. Detalhe, é um casamento sem sexo. Cole Porter era gay, um tipo dito "insaciável", e Linda o aceitou assim. Eram grandes amigos. Esse tipo de relação era comum naqueles tempos e vários amigos de Cole se casaram desse modo. O que não era o caso de Gerald e Sara Murphy, o casal americano que vivia na França e logo fez amizade com Cole. Picasso, Cocteau, Stravinsky, Heminguay ( se voce viu o filme de Woody Allen, os Murphy aparecem e Cole Porter é aquele cara ao piano ). Eles inventam a Riviera, lugar fora de moda na época, Cole compra uma imensa Villa em Antibes. A vida se torna um carnaval, bailes a fantasia, festas de circo. Depois Cole vai morar em Veneza. Drogas, orgias, mora num palazzo que tem um salão onde cabem 1000 pessoas. Pinturas de Tiepolo e de Ticiano, ouro nas paredes, cristal. Ele cria mitos: de que lutou na primeira guerra. E viaja: oriente, mares do sul, Caribe, África. E sempre levando um séquito de amigos, de amigas, de empregados. A VIDA COMO UMA DIVERSÃO AMALUCADA. A arte, a música de Cole Porter é reflexo dessa vida, desse universo, desse mundo. Essas músicas, tão refinadas, terem se tornado sucessos pop é um maravilhoso milagre. Ouví-las é adentrar essa diversão esnobe, maluca, genial.
   Cole é considerado até hoje ( e cada vez mais ), o melhor letrista popular da história. E na verdade comparar as letras de Cole com músicos pop de 1960 ou 2010 chega a ser grotesco. É como comparar uma peça de Wilde com um roteiro de chanchada. Mas não vou cuspir no que adoro. Letras em rock são completamente secundárias. Elas existem para serem facilmente decoradas, feitas em função do refrão. Elas são apenas mais um instrumento. Na música popular clássica, aquela de Cole e de Gershwin, as letras são tão importantes como a melodia e as palavras devem se casar com a linha harmônica. Mais que isso, elas precisam ter originalidade, têm de ser "elegantes" e cultas. E em termos de rimas originais, informação e fluidez, ninguém chegou perto de Cole Porter. O rei da letra cínica, jovial, humorística, de duplo sentido.
      The dragon flies, in the reeds, do it
      Sentimental centipedes, do it
      Let's do it, let's fall in love.
      Mosquitos, heaven forbid, do it
      So does every katydid, do it
      Let's do it, let's fall in love.
      The most refined ladybugs do it,
      When a gentleman calls,
      Moths in your rugs, do it,
      What's the use of moth balls?
      Locusts in trees do it, bees do it,
      Even highly educated fleas do it,
      Let's fall in love....
   Na pieguice do rockn roll ( com raras excessões ), onde tudo se resume a "I love you so " e "Don't let me down", nada se parece com isso.
    O livro descreve então a escalada de sucesso de Cole Porter. As estréias na Broadway, as críticas, o tempo em cartaz, as festas e festas. E os filmes feitos a partir de canções de Porter. Mas há tristezas também, ou ele não seria humano. Um acidente de cavalo marca os últimos trinta anos de Cole. Ele cai de um cavalo e o animal desaba sobre suas pernas esmagando as duas. O resto da vida é uma série de operações, dores e bengalas, até a amputação. Cole Porter, que sempre foi extremamente vaidoso, vê isso como humilhação. Mas mantém a classe, continua a produzir e seus maiores sucessos nascem após o acidente. Hollywood, fato raro, chega a produzir uma biografia sua em vida, totalmente fantasiosa. E quem Cole escolheu para ser Cole Porter? Cary Grant ( dizem que Kennedy queria que Grant fosse o ator a fazê-lo se um dia fizessem sua vida. Assim como o gangster Lucky Luciano. Ian Fleming pensou em Grant quando criou James Bond. O mundo queria ser interpretado por Cary Grant, inclusive o próprio Grant queria ser Cary Grant ). O que o filme não poderia contar era o prazer que Cole tinha em procurar seus amantes no baixo mundo. Caminhoneiros e marinheiros, Cole Porter tinha paixão apenas por homens rudes, durões e de baixa classe social. Teve sorte de não ser morto.
   KISS ME. KATE foi o último e o maior sucesso de Cole Porter. Cansado, ele faleceria no começo dos anos 60. Vaidoso, como sempre.
   Se voce quer começar a penetrar no mundo de Porter, aconselho o songbook de Ella Fitzgerald. Há quem considere este o melhor disco já gravado. Eu adoro, mas prefiro Cole Porter na voz de Frank Sinatra e principalmente na de Fred Astaire. Quem desejar saber TUDO sobre o que seja "prazer elegante" ou "refinamento feliz", basta ouvir Astaire cantar You're The Top ou Sinatra mandando I'Ve Got You Under My Skin ( que na verdade fala de heroína ). Não há modo mais classudo de se começar um novo ano.

TUDO O QUE VIRIA ESTAVA ESCRITO AQUI: LODGER, O MAIS ALTO CUME CRIATIVO DO MAIS CRIATIVO DOS ARTISTAS POP- DAVID BOWIE

   1979. Muita gente diz ser esse o ano mais crucial da história do pop. Quem me acompanha sabe que prefiro 1972. Mas é verdade que tudo aquilo que veio a ser dominante no pop estava sendo arquitetado em 79. Seja o rap, sejam as festas funk, o rock mais acelerado, o pop tipo Lady Gaga ou as elucubrações cabeçudas, tudo estava vivo em 79.  Seja Donna Summer, Joy Division, Clash, Madness, Grandmaster Flash, Talking Heads, Television, Prince, Kid Creole, Blondie, Jam, Tubeway Army, Police, Chic, Japan, Siouxssie, Cure, Black Uhuru, Beat, Patti Smith, Bruce Springsteen, Pil, Kurtis Blow, Grace Jones, Ultravox, Gang of Four... todas as futuras correntes sonoras já aqui representadas. E Bowie é central nesse momento.
   Quem me acompanha também sabe que sou muito mais Roxy Music que Bowie, assim como sou mais Stones que Beatles. Mas tenho de admitir que no pop nada demonstra maior evolução, seja de qualidade, seja de estilo, que Beatles nos anos 60 e Bowie nos 70. Comparar Love me Do com o famoso lado B do Abbey Road é viajar do mundo simples e risonho de 1962 ao universo conturbado e amargo de 1969. O mesmo ocorre com Bowie ( e nesse nivel de mutabilidade, com mais ninguém ). O Ziggy Stardust de 1972 é completamente diferente do Bowie de 1979. São apenas 7 anos, mas em termos musicais, são séculos.
   Primeiro ele foi uma espécie de Donovan Leitch melhorado e muito mais culto. Depois um glitter teatral ao extremo. Já em 1972 ele criava um conceito que seria dominante para sempre: o auto-controle. Até então, só existiam dois tipos de artista pop: o apaixonado confessional ( Lennon, Van Morrison, Pete Townshend, Jim Morrison ) e o cínico observador,( Jagger, Ray Davies, Rod Stewart ). David Bowie, influenciado por Lou Reed, que por sua vez pegou essa postura de Dylan, usa o distanciamento, a frieza, o controle absoluto. Nada de entrega a seu público, nada de indiferença a esse público. O que Bowie traz é o direcionamento desse grupo de fãs àquilo que ele deseja. Shows deixam de ser acidentes ruins ou cerimônias maravilhosas, shows se tornam teatro. Ele cria não apenas músicas, ele cria sua carreira, sua imagem. E no processo, cria seus seguidores. Mas aí vem a grande sacada: seguir Bowie não seria ser algo como Bowie, seguir Bowie seria criar seu próprio Bowie pessoal. Daí a enorme quantidade de bandas, fotógrafos e cineastas nascidos da influência de Bowie.
   E ele levou seus fãs década afora com ele. Do folk espacial à loucura bissexual, do soul americano à eletrônica de Berlin. Foram nove discos entre 1972 e 1979, e nenhum deles se parece um com o outro. Hunky Dory é uma linda viagem sentimental, Ziggy Stardust é uma sinfonia para jovens sem rumo, Alladin Sane é um kaos sexy, Diamond Dogs uma obra-prima incompreendida de riqueza sem fim, Young Americans um luxo, Station To Station é um enigma esquizóide, Low é talvez o disco mais fascinante feito por qualquer artista pop, Heroes um caleidoscópio de confusão e finalmente veio Lodger.
   Lodger encerra a fase de Berlin de Bowie ( em 1977 ele se mudou para Berlin aconselhado por Eno. Em 1975 Bowie se mudara para New York e caindo no mundo fashion se viciara em heroína. Eno o aconselha a fugir de tudo e morar em Berlin. Lá eles gravam 3 discos, Low, Heroes e Lodger, de certa forma eles salvaram a vida de Bowie ).
   Fantastic Voyage. Começa a viagem. E já vem a estranheza. Todas as faixas darão a sensação de serem vinhetas, curtas demais, rascunhos. Toscas até. Bowie aqui trabalha com a concisão, com o objetivo. As faixas vão direto para o alvo, não se perdem em arranjos. E são ao mesmo tempo muito complexas, ricas. Voyage flue como um barco em rio, ela é linda, fluida, parece levantar vôo. E termina cedo demais.
   African Night Flight é puro Brian Eno. Se voce nunca a escutou vai se surpreender. Muito veloz, vocais que são como luzes de flash. Uma percussão tribal, vários ruídos eletrônicos. Imagine escutá-la em 1979, na época de Queen e Supertramp, foi um choque. Mudou minha vida.
   Move On é mais uma porrada. Uma profissão de fé, uma tomada de posição, mudar sempre. Os vocais de fundo hipnotizam, " ah iá...ah ió...ah iá...ah ió...", o que posso dizer é que escutar isto é ouvir um gênio em sua potência plena. A música termina cedo, é mais um polaroide desse disco veloz e faiscante.
   Yassassin me assustou em 79. Os vocais de Bowie parecem errados. Ela é muito pop e muito torta. Dá até pra dançar!
   Red Sails é uma das maiores obras-primas de Bowie. Tem tanta riqueza, é tão complexa, diz tanto em tão pouco tempo que chega a parecer um tipo de milagre. Adrian Belew, guitarrista maníaco, destrói a guitarra com seus ruídos do além. Acachapante.
   D.J. é a menos boa do disco. É o pop que confundiria Bowie por toda a década de 80. Os anos 80 foram anos de cocaína, de exagero, de ruído sem porque. Bowie se perdeu nesse pó.
   Look Back in Anger volta ao nível do disco: mais uma obra-prima. Dramática, corrida, a voz de David raras vezes esteve tão maravilhosa. Tem um solo de guitarra de chorar de tão bom e ela passa através de nós como miragem. Aliás o disco inteiro tem esse modo de miragem, um sabor árabe e às vezes dá uma guinada até o Japão.
   Boys Keep Swingin' é a mais rock do disco. Uma homenagem aos boys, uma delicia de canção, a perfeição.
   Repetition é descaralhante. Ainda hoje extremamente original, gruda na cabeça como obsessão. Doentia e linda. Rica em sons de fundo, fico sem palavras para a descrever.
   Red Money. O disco termina em alto estilo. Repare na rica tessitura dos sons dos instrumentos. No timbre da bateria, da guitarra. Em como tudo soa diferente...
   Eis dentre tantas outras, a grande lição de LODGER que seria seguida desde então: o segredo é o timbre. O grande lance da música pop NÃO seria mais a harmonia ou o riff, seria o RITMO e o TIMBRE dos instrumentos. O grande músico, o super instrumentista, seria aquele capaz de manipular o timbre do som, fazer um simples acorde soar DIFERENTE.
   LODGER chega a dar medo de tão rico. Um disco como este merece toda a admiração de um homem. David Bowie atingiu níveis de excelência raros. Ouvir seus melhores discos é um soberbo PRIVILÉGIO.

Brideshead Revisited (1981) - theme



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BRIDESHEAD REVISITED, UM LIVRO DO GRANDE EVELYN WAUGH

   As letras britânicas nos anos 30,40... Auden, Greene, Lewis, Spender, Huxley, Wodehouse e o grande Waugh. Uma brilhante geração, feita de individualismo mordaz, de dúvidas, de bom gosto, de britanismo. Últimos suspiros de uma civilização que agonizava.
   Evelyn Waugh escreveu sátiras ferinas sobre o que seria "ser inglês" nesse mundo em transição. Todos os seis livros que li são maravilhosos, e Brideshead com certeza não é um dos melhores. "Furo!" leva essa honraria. O texto de Waugh em todos esses seus livros é saltitante, vivo, elétrico. Ele cria personagens que voce adora, adora seu ridículo que nada tem de sublime. São pessoas lamentáveis, e frágeis, muito ´vulneráveis. Padecem da ilusão da importância. Se imaginam "Ingleses", mal percebendo que ser um "Inglês" é ser uma farsa.
   Brideshead Revisited é o livro problema de Waugh. Não é engraçado. É sério. Chega a ser solene. É meio auto-biográfico, e isso travou a veia mordaz de Evelyn. Mas é um livro de estranho fascínio. Lê-lo é como visitar um album de fotografias vivas. Beber chá com estátuas de cera.
   Charles Ryder é um capitão estacionado na Inglaterra durante a segunda-guerra. Seu pelotão se acomoda em palácio de antiga familia nobre, os Flyte. Por coincidência, Charles conhece aquele casarão, mais que isso, ele fora hóspede lá. O livro conta esse passado.
   Charles é amigo de Sebastian, o alcoólatra, jovem e dandy herdeiro dos Flyte, e se apaixona pela irmã de Sebastian, Julia. O romance não dará certo, e um dos motivos, talvez o principal, é o catolicismo culposo da familia Flyte. Acompanhar essa história é como visitar a casa de um amor perdido. Melancolia plena.
   Muitos perceberam que o amor de Charles por Julia pode ser o amor-gay de Charles por Sebastian. Basta dizer que ele tem prazer em perceber que "Julia é idêntica a Sebastian". Waugh era homossexual, mas esse não é o foco do livro. A questão do tempo, da memória e da religião são muito mais importantes. Evelyn faz retratos maravilhosos dos parentes chatos, dos pais de Julia, dos jantares formais ( um empregado para cada convidado ).  O fim do apogeu de um império marcado pelos "bons modos".
   Em 1981, a Granada Tv de Londres, produziu uma minissérie em 24 capítulos sobre o livro. Jeremy Irons fez Charles Ryder e no elenco ainda havia Claire Bloom, Laurence Olivier e John Gielgud. Na série, o homossexualismo era enfatizado e a produção se esmerava em bela fotografia e uma trilha sonora de primeira. Por incrível que pareça, o sucesso foi tanto que houve uma "febre Sebastian Flyte" na Inglaterra. Os jovens conservadores, anti-punks, anti-trabalhistas, copiavam as roupas e o corte de cabelo de Sebastian. Bandas de "direita", que eram odiadas pelos punks, tipo Spandau Ballet e Ultravox, faziam parte da onda. David Bowie em seu tempo "Let's Dance" era a imagem-calculada em xerox de Sebastian Flyte. Em 1988 a série chegou ao Brasil via Tv Cultura, e era moda as pessoas se reunirem nas casas uns dos outros e beberem chá com scotch para ver a série. Eu me vesti o ano inteiro de Sebastian Flyte, calça branca, camisa clara, sapatos de duas cores e blusa de lã- fina jogada com displicência sobre os ombros. Mas o principal era a atitude: uma expressão de melancolia divertida, de humor saudosista. Eu pirei com a série.
   Bem..não vou comentar a estranheza de uma série de Tv que se torna hit, tendo como tema um casal gay em Oxford e a crise religiosa de uma família esnobe. Hoje esse tema não daria audiência nem como filme de arte. Coisas dos anos 80....
   Fiz essa digressão para exemplificar a importância de Evelyn Waugh. A posição central que ele ocupa na vida intelectual do século XX. É um autor que deveria ser muito mais lido aqui nos Brasis. Principalmente porque temos um imenso potencial para a criação de personagens ridículos, sem noção, grotescos. Mas talvez fosse esse um problema, o humor de um Waugh brasileiro teria de ser obrigatoriamente muito mais grosso, explícito, agressivo.
   Certamente existem livros mais perfeitos de Waugh, e volto a citar "FURO!" como sua obra-prima. Mas Brideshead tem uma beleza que não se esquece.

T Rex Children of the revolution



leia e escreva já!

E TODO MUNDO OUVIA O T.REX ( MENOS OS INTELIGENTINHOS )

   Marc Bolan ( que nome ótimo para um rock star ), não teve sorte. Em fins de 1970 ele ( e o produtor Tony Visconti ), criaram o glitter rock, mas em 1972 o ladrão David Bowie lançou Ziggy Stardust e ficou com a fama. David Bowie É um ladrão, isso todo mundo sabe. Ele roubou o som e o visual de Bolan. Porém, Bowie, gênio que é, melhorou a coisa, amplificou, enriqueceu. Mas o papo agora é sobre T.Rex...
   Entre 1971/1974, apesar de Floyd, Led, Elton, Wings e Rod, entre a molecada inglesa, o que vendia era T.Rex. Tanto que na época se falava da T.Rexmania, se dizia que Bolan poderia bater os Beatles...sózinho. Mas era um sucesso ( ele botou seis singles em primeiro lugar nesses anos ), local. Ao contrário dos nomes citados acima, que vendiam bem no mundo todo e vendiam MUITO na América, o T.Rex vendia apenas na Grã-Bretanha, o que deixava Marc Bolan cada vez mais frustrado. Ele não entendia o porque... ( Hoje sabemos o motivo. Nada de sexualmente dúbio vendia nos EUA da época. Tanto que Bowie só virou POP por lá depois da fase Ziggy ).
   A crítica foi cruel com Bolan. Todo o tempo. Atacavam suas letras, seus riffs, seu visual, sua alienação. A molecada de 12 anos o adorava. E é legal constatar, de Duran Duran a Jesus and Mary Chain, de Human League a Blur, todos foram fâs de Marc Bolan. Toda essa galera, que hoje tem entre 35/50 anos cresceu ao som de seus discos e odiando aquilo que a crítica da época endeusava ( King Crimsom, Gentle Giant e Yes ). O que fascinava a molecada é o fato de que Bolan não parecia real, ele lembrava um cartoon, uma brincadeira, um ET. E seu som, simples e complexo ao mesmo tempo, se comunicava com a ansiedade pré-adolescente, era um som redondo, convidativo, sensual.
   Em sua origem o T.Rex se chamava Tyranossaurus Rex e fazia folk-psicodélico. Quando Marc Bolan conheceu Tony Visconti, um muito afetado e muito ambicioso produtor de discos obscuros, a coisa pegou. Visconti colocou eletricidade no som, percussão e vocais de fundo "glamurosos". Nascia a febre made in England.
   Interessante observar que o timbre da guitarra de Bolan é um dos segredos do som. Ela é cheia, sinfônica, cada acorde simples repercutindo e ocupando todo o espaço. Na engenharia de som de Tony Visconti trabalhavam dois futuros produtores de sucesso: Roy Thomas Baker que criaria o som do Queen, e Martin Rushent, que seria o rei do techno-pop anos 80. Ah sim....em 1974 Bowie roubaria Tony Visconti, que seria seu produtor entre 74/80, sua melhor fase...
   Vamos ao disco. THE SLIDER, meu disco favorito da banda.
   A capa tem foto de Marc Bolan tirada pelo fotógrafo...Ringo Starr...Sim, na época Marc, Ringo e Elton John eram inseparáveis. Vai saber...
   Ele abre com Metal Guru, faixa que literalmente arromba o barraco. Tem clima de anos 50 e logo se percebe a beleza original dos backing vocals. Esses vocais de fundo, marca registrada do som T.Rex, são feitos pelos ex-componentes da banda Turtles e também pelos próprios Visconti, Baker e Rushent. Eles gemem, gritam, cantam, sibilam e harmonizam, sempre "glamurosamente"...
   Mystic Lady é uma faixa linda e estranhamente "silenciosa". O baixo decola e tem um arranjo de cordas pensativo. Marc divaga sobre seu tema favorito, o misticismo espacial ( era isso o que mais irritava os inteligentinhos da época ).
   Rock On exibe o riff perfeito. Riff da guitarra de Marc Bolan. Ele criou em toda a vida dois riffs, e tudo o que compunha era variação sobre esses dois. Mas e daí? Esse riff justifica toda uma carreira. Rock On é pop perfeito.
   Chega a hora de The Slider, faixa que dá nome ao album. E eu penso: -Qual é o mistério da tensão que há nessa canção? Tensão que vicia, música perfeita. O riff quase se desfaz, quase nada de voz,  e ela se esparrama no ar, cristalina, diáfana, sedutora. É um dos mais sublimes momentos de todo o pop inglês.
   Baby Boomerang ( os nomes das faixas são deliciosos ), é totalmente milk-shake, vocais festivos e dança discreta. Alegre.
   Spaceball Ricochet é outra meditação de Bolan. Ele divaga e canta com sua voz mínima.
   Entra então Buick MacKane, um kaos. Uma sinfonia de rocknroll. Gritos, muita percussão e um riff absoluto. Impossível não ser tocado na alma por essa celebração ao rock mais genuíno. Sanguinea.
   Telegram Sam, eis o riff que Marc criou em sua mais completa simplicidade. Os ooooooohs de fundo são o supra-sumo da afetação gay. Lindo.
   Rabbit Fighter é insinuante, sensual. O timbre da guitarra é trabalhado até a saturação.
   Baby Strange tem cordas exatas. O riff é insistente. A colisão das cordas e da eletricidade da guitarra faz da canção um doce envenenado.
   Ballrooms of Mars. Clima de fim de festa, pensamentos soltos, dispersão.
   Chariots Choogle tem backing vocals muito agudos, um riff sublime e cordas graves, urgentes. É um dos pontos mais altos do disco.
   Por fim, Main Man, uma absurda canção triste. Ah sim...em 1974 quando Bowie lançou sua editora musical a batizou de Main Man....
   Em 1974, dois anos após este disco, Marc Bolan destruiu sua carreira. Primeiro se casou com Gloria Jones, uma cantora americana...negra. Seu público estranhou, não exatamente por ela ser negra, mas por ela NÃO ser glamurosa. Logo em seguida ele muda seu som. Bolan passa a fazer canções dançantes, soul music, negras. E se muda para a América, em busca do sucesso que por lá nunca veio. Em 1977 ele morreria em acidente de carro.
   Ah sim...em 1975 David Bowie lança seu disco dançante, Young Americans e se muda para New York...mas aí é maldade dizer que essa guinada de Bowie foi roubo sobre Bolan. Na verdade nessa altura Bowie seguia os discos solo de Bryan Ferry, soul de plástico bem produzido. Logo depois David iria para Berlin, roubar ideias de Eno e do Kraut Rock.
  Marc Bolan foi um rei durante apenas três anos. Mas foram grandes anos. Num momento de pop brilhante, de fortíssima concorrência, ele conseguiu se destacar fazendo tudo da forma mais simples. Mas o tempo mostrou que era um simples sofisticado, polido, sábio. Quando a fórmula se esgotou, ele tentou outro caminho. Seus discos dançantes são ruins. Bolan não tinha o talento da reinvenção ( talento que sobrava em seus rivais, Bowie e Ferry ).
  Odiado pelos hippies, vaiado pelos cabeças, ele foi idolatrado pelos moleques que se tornariam no futuro punks e new waves. Marc Bolan é um dos belos segredos do pop.
  PS: foi a partir de 1972 que o rock inglês começou a se distanciar dos EUA. Se nos anos 60 quase tudo que estourava na Inglaterra vendia nos EUA ( as excessões foram Kinks e Small Faces ), a partir de 72 bandas como Slade, Status Quo e Roxy Music, grandes vendedores na GB, eram desconhecidas na América. Os campeões americanos continuaram e continuam a vender na Inglaterra, mas o contrário deixou de ser verdadeiro.