A CANÇÃO DE ROLANDO

Guerra e guerra. A CANÇÃO DE ROLANDO, texto que funda a literatura francesa, traz para nosso cínico mundo pós-moderno a lembrança de que nossa história é a história da guerra. O texto, escrito por volta de 1ooo anos atrás, discorre sobre a morte de Rolando, herói de França, e de seus onze companheiros, dentre os quais Olivier, mortos em batalha contra os árabes em terras de Espanha.
A guerra dói. Vísceras são expostas no livro. Intestinos e fígados escorrem pela barriga, miolos saem pelos ouvidos. Cada golpe de espada é um jorro de sangue. Cavalos são estropiados. E em meio a toda essa sujeira, todo esse horror, irrompe o riso de Rolando, primeiro herói francês. Que herói é esse? Rolando guerreia. E vemos que toda a arte, todo o engenho, toda a inteligência humana se realizam, então, na batalha. Eles avançam com júbilo e matam com prazer. Morrem em dores terríveis, porém, certos da glória. O livro nos choca. É mais imoral que a mais imoral das transgressoras peças de arte moderna. Matar e morrer são o ponto mais elevado da vida de um homem.
Na história real Carlos Magno e seus pares de França ( Rolando e Olivier ) foram pegos encurralados no país Basco. Quem os atacou foram os bascos e mais alguns espanhóis. No livro, escrito cerca de 300 anos após o fato, são os árabes que os atacam. Milhares de árabes matam 60 franceses. O modo como o ódio se manifesta sem culpa nos é hoje odioso. Os inimigos são bestas desprovidas de sentimento. Todo árabe é mentiroso, cruel e traiçoeiro. Uma raça de demônios dos infernos. Matá-los é ter lugar cativo no céu.
Amanhece e o sol brilha sobre relva verde e plana. De cada lado do campo, inimigos se ofendem e se preparam para avançar. Uniformes coloridos, brasões, bandeiras e tambores. Os inimigos avançam. ( Futebol ou Rugby? ). Nada é mais belo para a mente medieval que esse combate. O sangue manchando o verde da mata, cavalos relinchando e armaduras brilhando ao sol. Gritos de ataque. Avante!
Cem anos mais tarde a cavalaria seria tomada pela paixão à Virgem e a mulher ideal, e o amor menestrel se tornaria o centro de sua missão. Rolando celebra o mundo da guerra pré-mulher. Em tempos cínicos, onde fingimos ser tudo paz, a caçada e execução de Bin Laden ( para mim, um assassino indigno de julgamento ) nos mostra que nada mudou. A única diferença, imensa, é que hoje fingimos não ver e não ter nada com isso.

TEMPO E ESPAÇO: A TEOGONIA - HESÍODO

Cada deus que nasce é pai antes de nascer e filho antes de seu pai nascer. Confuso? Ler a Teogonia nos dá uma estranha sensação, em alguns versos voce tem o vislumbre de que o tempo lhe foge, se desvanece, mostra-se o que é: vão. Porque o tempo em que Hesíodo viveu desconhecia a contagem do tempo. Entenda-me, o tempo é uma criação da igreja medieval. Sua função era a de marcar as horas das obrigações cristãs. Por mais ateu que tu sejas, creia, sua vida diária é regida pela igreja ( mas não pela religião, que é atemporal ). Dezembro do Natal, e depois páscoa, corpus-christi, finados, e todos os santos, cada um com seu dia. Hora da primeira oração, da segunda, da terceira. Hora da Ave Maria. Dia de São Pedro, São João, São Lucas e Santa Genoveva. O capitalismo pegou o calendário já criado ( pelo papa ), nós vivemos enredados nessa invenção, tão artificial quanto uma catedral.
Porque no universo não se conta o tempo. As coisas acontecem cada uma em seu ritmo único. E se voce olhar à certa distãncia, todas acontecem ininterruptamente: é tudo agora e sempre agora. Hesíodo sabia disso. Homero sabia disso. Cada deus era dono de seu tempo. E cada vez em que era cantado tornava a nascer e procriar. O homem que eu sou é filho de meu pai e pai de meu filho desde que nasci. Ao nascer, meu filho nascia comigo, e quando meu pai nasceu eu nascia com ele. A morte de meu pai vive ao lado de sua vida que já era sua morte. E eu morri e nasci com ele. Meus descendentes moram comigo desde sempre. E mais: o momento em que estou é meu. Se estou nascendo, morrendo, crescendo ou decaindo independe de uma contagem. É meu mundo. O que fui aos 12 anos está presente e o que fui aos 35 pode estar distante. Então não é o que fui, sim o que é. Voce como uma acumulação de afirmações. OS DEUSES COMO A VONTADE DE SER. Zeus e Cronos querem ser, eles são.
O poema conta o nascimento dos deuses. Seres fecundando seres. Deuses nascendo. Idade do ouro, idade em que trabalho e morte não existem. Idade de Prometeu, aquele que logrou enganar Zeus. Ladrão do fogo, condenado a suportar a dor, a mulher ( fonte de dores ) e a insatisfação eterna. A criação do Hades, o nascimento de Zeus, o pênis do pai arrancado e de seu sêmem nascendo Afrodite, o amor. Guerra de Titãs, guerras e astúcias. Filhos castrando pais, pais comendo filhos. Hesíodo previu nossa era: era do ferro, tempo de ferrugem. Prata e bronze deixadas atrás, o ferro é a época de suor, esforço, velhice. Do trabalho sem fim. Era sem deuses.
O poema, escrito 2.700 anos atrás é forte, é selvagem, é vontade de poder ser. Ele é. Sempre é. O mais viril dos poemas, os mais astutos versos, vontade de nascer sempre.
A Grécia arcaica é a eterna juventude.

UMA PROMESSA ( WALK ON THE WILDE SIDE )

Eu tinha fugido da escola e estava ouvindo um disco. E naquela tarde de agosto, sol de bosta, prometi que nada em minha vida seria nunca jamais "nos conformes". Devo a Lou a primeira vez que tive orgulho de ser um merda.
Eu era jovem pra caramba então. E passei a gostar de pensar que havia a porra de uma maldição sobre mim. Bobagem eu sei, mas devo a Lou a primeira vez em que ser um pseudo-maldito não me pareceu ser um loser.
Nada mudou. Passou um monte de anos e não passou nada. O que me seduz ainda é aquilo que ninguém quer. Se voce gosta de azul eu vou amar o amarelo. Continuo sendo um espirito de porco.
Lou Reed pegou minha orelha com essa linha de baixo que é a melhor da história do universo ( Herbie Flowers ) essa voz que é a voz do cara merdinha das ruas e esse som límpido, safado, sexy. Tinha de haver um coro de black girls, tinha de ter um sax de bêbado. Há um clima aqui que é como cheiro de gim com sêmem jogado no azulejo. Mas a voz de Lou, o merdinha, jamais perde a elegãncia.
Naquela noite eu perdi minha virgindade. Ela tinha cabelo de fogo e peitos de porcelana. E cheirava a walk on the wilde side. Era elegante, mas era todo o pecado do mundo.
All right.

CORAGEM E REMÉDIOS. FIM DE ERA.

Cottardo Calligaris toca num assunto de raspão: toda civilização em estágio terminal torna-se covarde. Ele escreveu ontem sobre essa falta de coragem, essa medrosa reticência das elites de agora. Já não me lembro quem, mas alguém disse que o mundo do futuro seria um mix de spa com hospital. Desde crianças, nossa única fé seria em dietas e pílulas. Na mosca! Mas o buraco é mais profundo.
Toda civilização quando agoniza se torna covarde. Passam a temer o futuro, temer más vibrações, temer a morte. Vivem apenas para a preservação da própria vida ( parece a voce óbvio viver para continuar vivo? És filho de agora! ). O hedonismo surge como único consolo e gerações flácidas desistem de ter filhos e perdem todo vínculo com religião ( verdadeira, religião que obriga a deveres ) ou transcendencia. Viver se faz apenas "sobreviver". Foi assim com os romanos, persas, bizantinos e babilonios. Com aztecas e maoris. As elites dirigentes deixam de ser exemplos e pior, tornam-se patéticas. Seres assexuados, esquálidos, sem vontade ou desejos, histéricos e medrosos. Presas em potencial de corajosos bárbaros, presas de homens com coragem para morrer.
Calligaris fala de que poucas coisas hoje nos fazem correr riscos. Penso na patética segurança da fórmula um, no não-me-toques do futebol, e até penso na guerra moderna, sem vísceras, sangue e corpos mutilados ( veja, detesto a guerra e a violência. Escrevo com razão fria, não com meu coração delicado ). Viver é, para homens e animais, correr riscos, viver e morrer. Quando se foge apavorado de todo risco também se está fugindo de toda vida futura possível. Interrompe-se a corrente da luta. Penso em snowboarders se jogando de montanhas, isso sim, isso é coragem, risco real. Mas penso também em toda essa coragem usada apenas como exibição de coragem, sem um fim que não seja o próprio ato. É coragem verdadeira, bela, mas é um desperdício. Esses atletas correm esse risco porque o mundo não lhes oferece mais nenhuma chance de provação, de risco, de adrenalina natural.
Ah sim... o que me motiva a escrever isto é aquele patético casamento daqueles dois débeis herdeiros da casa real inglesa. Olhe para a cara deles. Herdeiros de reis que precisaram matar e morrer, gritar e sobreviver. Uma elite que era elite POR CORRER OS RISCOS. Ir lá e brigar ( mesmo que fosse uma briga em roubo ou trapaça ). O que eles são agora? Ovelhas de raça? Bonequinhos de porcelana? Triste piada a Inglaterra, país que jamais ousou matar seus nobres, que lhes paga para que continuem a lhes iludir. Grotescamente ridiculo.
Para finalizar, acabo de folhear a revista Caras. Estrelas de Hollywood que estão obviamente doentes, atores com rostos de nenês afeminados, sorrisos falsos. Esses são os modelos? Caraca! Que venha logo o golpe final !

CHÁ NAS MONTANHAS- PAUL BOWLES

Na introdução deste livro, Gore Vidal, que sabe tudo, tece elogios a Bowles. E diz que "os americanos, tanto leitores como críticos, tendem a só dar valor aos escritores que escrevem apenas sobre a América. Autores que vivem e pensam apenas o sonho ou o pesadelo americano". Desse modo, os melhores escritores dos Estados Unidos: Henry James, Edith Wharton e Vladimir Nabokov são sub-valorizados. Henry James por ter vivido sempre na Europa, Wharton por só se interessar pela alta-classe de New York e Nabokov por ser um emigrado russo. Para Gore Vidal, Bowles sofre dessa maldição, pois é um americano que vive e escreve sobre o Marrocos e o México. Waaaallll....
Penso que Henry James é com certeza o maior e melhor escritor que a América gerou. Mas não acho que ele é sub-valorizado. Basta ver a constante reedição de sua obra e a quantidade de filmes baseados em suas histórias. Edith Wharton é sua maior seguidora e não está esquecida. Quanto ao gênio Nabokov, ele só não tem maior reconhecimento pop pelo fato de vivermos em tempos moralistas e também por sua escrita ser muuuuuito refinada. Voltando a Paul Bowles....
Nos anos 80 era coisa de bom gosto fashion-chic ler Bowles. ( Como era ler Gore Vidal ). Paul Bowles tinha uma coisa de maldito, de inconformado e de decadente que muito atraía a geração Chet Baker- Basquiat. Mas isso passou. Os anos 90 enterraram os 80 e o que era chic em 1985 se tornou brega em 1995. Bertolucci ainda teve tempo de fazer um filme sobre Paul Bowles: O CÉU QUE NOS PROTEGE. Ninguém melhor que Malkovich para ser Bowles. O filme é lindo, aterrorizante e desagradável. Assim como a escrita de Bowles: simples, banal e estranhamente assustadora.
Há algo de latente em todos estes contos: a loucura. A gente lê esperando por muita violência, pela explosão de sangue, por decepações. O sexo também paira em cada linha. Sexo sempre não natural. Os contos se passam sempre no deserto, seja México seja Marrocos. E todos exibem americanos perdidos em meio a cultura incompreensível. Tudo pode acontecer nesses lugares, a lógica é abolida. E quase nada acaba por acontecer. Mas acontece... O tempo escorre e os personagens vagam aturdidos.
Não é agradável ler Paul Bowles. Há uma foto dele na contracapa. Rosto de gente ruim. Morreu nos anos 90, vida longa. Tudo o que ele fez ficou em segredo para ele mesmo. Correu mundo, casou com Jane, a genial Jane Bowles ( Debra Winger no filme, brilhante ) e escreveu muito. Mas Gore Vidal diz que o que Bowles queria ser era músico.... aquele tipo de músico erudito dos anos 30 na América, do tipo que botava uma turbina de avião no palco para "tocar" com a orquestra. Ou que escrevia concertos para serrote e piano ou furadeira e cello. Acabou na África, escritor. Bem... seus contos não deixam de ser uma furadeira em papel.

ZURLINI/ ALAIN DELON/ RICHARD BURTON/ KEVIN KLINE/ MALKOVICH/ MELVILLE/ HITCHCOCK/ MILOS FORMAN

O MANTO SAGRADO de Henry Koster com Richard Burton e Jean Simmons
Burton interpreta este soldado romano como se em ressaca. Não reage. O filme, pop épico cristão, é de uma chatice sem fim. Nota 2.
O REENCONTRO de Lawrence Kasdan com Kevin Kline, William Hurt, Glenn Close, Jeff Goldblum, Tom Berenger, Meg Tilly
É o segundo e o melhor filme de Kasdan ( roteirista de filmes de Lucas e Spielberg ). Fala de grupo de amigos que não se vê há mais de dez anos. Se reencontram no enterro de um deles, e esse amigo se matou sem que eles saibam o porque. Após o enterro, que nada tem de trágico, eles resolvem passar um fim de semana juntos. O filme é apenas isso, esse fim de semana, certas feridas reprimidas e relações mal resolvidas. Algumas cenas são bastante emocionantes, mas penso se essa emoção não é mérito apenas da trilha sonora ( é fácil emocionar com you can't always keep what you want ). De qualquer modo é um filme muito acima da média ( concorreu a Oscars em 1983, aliás, um belo ano para o prêmio ). Kline faz o alegre e bem sucedido pai de família, aquele que mais traiu os ideais hippies, Hurt é um ex soldado do Vietnã que ficou impotente, Goldblum é um jornalista cínico, mulherengo, Berenger um ator de tv e Meg Tilly a muito jovem ex-namorada do suicida. Ela é a ponte da geração hippie, que se tornou materialista, e a geração doidinha dos anos 80, que tenta reviver os ideais dos ex-inconformistas. Kevin Costner faz o defunto, todas as suas cenas em flash-back foram cortadas. Todo o elenco brilha, são todos atores adoráveis que teriam tido melhor sorte se tivessem vivido na era de De Niro e Pacino. Bons papéis começam a rarear exatamente a partir daqui, 1983. Para quem tem amigos antigos é um filme obrigatório. Nota 7.
KLIMT de Raul Ruiz com John Malkovich e Saffram Burrows
Picaretagem pura. Um lixo metido a grande arte, um pedante exercício de virtuosismo vazio. Aqui está a afetação máxima em cinema. Odiável! Malkovich está tão ruim quanto. Ah... o filme é sobre o pintor austríaco. Quem espera um retrato da brilhante Viena da épóca, fuja. Nota ZERO.
OS PROFISSIONAIS DO CRIME de Jean Pierre Melville com Lino Ventura
Será Melville o melhor diretor da história do cinema francês?....Quem sabe?...Clouzot, Clair, Bresson, Cocteau...Os filmes de Melville são filmes de quem ama Bogart. Mas são ainda mais viris que Bogart. E mais realistas. Bandidos passam a perna uns nos outros e a policia tenta entender o que se passa. Ventura é um ex-detento. E Melville faz tudo com cenas curtas e cortes muito secos. O filme foge do glamour, mas é cheio de jazz. Poucos entenderam tão bem o que é o jazz quanto este francês. Filme para Homens. Cigarros, carros sujos, botecos e armas pequenas. Eu adoro os filme deste cara!!!! Nota 8.
MURDER! de Alfred Hitchcock com Herbert Marshall
É o primeiro filme falado de Hitch. E é cheio de truques de imagem. Mas percebe-se sua origem teatral, algumas cenas são absolutamente estáticas. Longe das obras-primas do mestre, vale para se conhecer Herbert Marshall, um dos mais elegantes atores ingleses do século. Nota 5.
OS AMORES DE UMA LOURA de Milos Forman
Começa com uma menina tcheca cantando rock em tcheco. É 1965. Época de Kundera e Havel. Três anos antes do massacre. É o primeiro filme de Forman. E é dos seus melhores. Jovens tchecos tentam viver e amar e entre eles há uma moça loura. Quem amar? Os jovens são desajeitados e egoístas, os mais velhos são feios e casados. O estilo de Forman se revela aqui: ele ama rostos banais, gente feia, vulgar e estranhamente magnética. Os ambientes são grotescos, pobres, mesquinhos, mas eis o segredo: são nossos ambientes. É maravilhoso ver um filme com gente de verdade, com fedor, espinhas e roupas sujas. Nada de "mundo cão" falsificado, mas o mundo suburbano como ele de fato foi/é. Há uma cena em baile de soldados, em que as três meninas são paqueradas por três gordos de meia-idade, que é perfeita. A cena é muito cômica, ridícula, comovente e cheia de suspense. Milos Forman já surge sabendo tudo. Um toque: entre 1965/1968 o cinema tcheco era o mais amado por criticos e festivais ( e levaram dois Oscars, em 66/67 ), este filme mostra o porque. Com a invasão dos tanques russos tudo isso seria destruído. Nota 7.
A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE de Valerio Zurlini com Alain Delon, Sonia Petrova, Renato Salvatori e Gian Carlo Gianninni
Um poema melancólico. A história de um homem que vive sem raiz, sem ilusão, sem afeto. Tenta ser indiferente a vida. Mas se perde ao conhecer uma mulher. É dos mais perfeitos exemplos de uma alma delicada sendo dilacerada pelo mundo estúpido. Belo, implacávelmente belo, este é aquele tipo de cinema que dignifica a arte e em meio a tanta estupidez nos recorda o porque de tanto amarmos filmes. Zurlini era um poeta. NOTA DEZ!!!!!!!!! ( critica abaixo )
A MULHER DO SÉCULO de Morton da Costa com Rosalind Russell
Este filme serve como uma prova: a prova de que alguma coisa se perdeu na América. Porque? Veja: este filme, sofisticadérrimo, foi um sucesso em 1959. Hoje ele nem seria feito. Baseado em peça da Broadway, fala de garoto que é criado por tia triliardária e excêntrica. Ela o ensina a ser livre. O filme é documento de um certo tipo de snob americano da época, o americano novaiorquino que amava arte hindú, poetas russos doidos e professores franceses de arte grega. Rosalind Russell dá uma aula de humor, de elegância, de prazer em viver. Aliás, o filme é um maravilhoso anti-depressivo. Temos a defesa de mães solteiras, de judeus, da diversidade, das "portas que se abrem". Para a época é uma mensagem ousada. Mais que isso, o filme é uma festa, com seus cenários luxuosos, o diálogo sempre interessante, atores carismáticos e cores vibrantes. Assiste-se com esfuziante prazer. E não se emburrece, enobrece-se. Voce assiste e se sente feliz, que mais querer? Obrigatório!!!!! NOTA DEZ!

A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE- VALERIO ZURLINI

Nós homens fazemos tudo por uma mulher bonita. A beleza de uma boca ou de um seio nos transforma em tolos, asnos ou em heróis e poetas. Mulheres são diferentes. Elas sabem zombar de bíceps ou de belos lábios masculinos. Elas sabem que atitudes são mais importantes que pernas bem feitas. Este maravilhoso filme de Zurlini TAMBÉM é sobre isso.
Existem filmes que são belos por seu argumento. Outros por suas imagens. Mas alguns poucos são belos por um personagem. É este o caso. Danielle, um homem melancólico, um perdedor consciente e proposital, feito com gênio por Alain Delon, é desses personagens que carregam um filme direto para nosso coração. Raras vezes se mostrou com tamanha beleza a saga de um homem sensível sendo massacrado pelo mundo moderno. O filme chega a provocar dor.
Delon é um homem que chega a Rimini. É um viajante, um ser calado, um estrangeiro em seu próprio país. Anda a esmo e vemos então que ele dará aulas num liceu. Estamos no auge do radicalismo italiano ( 1972 ) e de cara ele diz a classe que para ele "esquerda ou direita são iguais, talvez os fascistas sejam apenas mais estúpidos". Mas o filme não é politico ( ou é? ). Logo vemos que ele é casado e que sua esposa é infiel, fato que lhe provoca indiferença. Na aula ele sente atração por uma calada estudante, belíssima, e essa é sua perdição. Ela namora o playboy bad boy da cidade e é também uma prostituta. Delon/Daniele imaginará ser ela um tipo de alma para ser salva. Ele acabará encontrando aquilo que sempre desejou: a primeira noite de tranquilidade, o sono sem sonhos, a morte.
Nesse processo ele fará amizade com três malandros. A vida desses homens é carteado e prostitutas ( e penso em como o cinema americano é incapaz de exibir com naturalidade, sem crime ou neuras, essa vida tão masculina de bordéis e garotas de programa ). O filme tem cenas muito reais e bem feitas de boates e festinhas em apartamentos que mais se parecem com motéis. Nada é julgado e nada cai na chanchada, estamos longe do mundo de virgens de quarenta anos.
Ruas com chuva, um inverno que penetra a roupa, casas em demolição, pinturas e afrescos. Há uma cena chave em igreja onde existe uma pintura de Della Francesca. Delon, que é um professor de arte, descreve como aquela obra foi feita e o que ela significa. Na descrição da obra ( tão pequena, tão simples, tão sobre-humana ), vemos a descrição de Delon/Danielle, do que ele pensa ser a estudante/prostituta e mais: do próprio Valerio Zurlini, o mais delicado dos diretores da Itália. Uma cena perto do fim, em que ele e um amigo vão à casa abandonada é cena de antologia. A prova de que o cinema pode ser arte de nobreza viril.
Poucos filmes são tão tristes. Poucos são tão reais. Aqui a tristeza não é a tristeza da excessão. Não é o drama de junkies, de doentes terminais ou de bandidos de favela. É a tristeza de um homem que não possui conexões, que viveu e viajou demais, que descrê de tudo e que pensa, por um momento, ter encontrado uma fonte de vida nova. O que ele encontra é a tranquilidade. Para sempre. Eis um grande filme!

O HERÓI COMO SER FELIZ, A ODISSÉIA- HOMERO

A melhor coisa que voce adquire ao ler é tomar a consciencia de que o modo como o mundo existe hoje não é o único possível. Mais que isso, já fomos completamente diferentes. O modo como pensamos, sentimos e vivemos é apenas uma etapa na história da vida. E veja bem, não estou dizendo o que pensamos, estou dizendo COMO pensamos. Falemos da Odisséia.
Obra da Grécia arcaica, ela não tem autor. Na verdade, a obra é uma coleção de canções, uma espécie de repente/rap que era passado de voz para ouvido por gerações. E sempre acompanhada por cítara, e talvez, dançada. Narra as aventuras de Odisseu, herói grego que tenta voltar para casa após a vitória sobre os troianos. Mas o deus Poseidon não quer que ele volte. Enquanto isso, em sua casa, Penélope, sua esposa, deve rechaçar pretendentes e seu filho Telêmaco tornar-se um homem. Esse é o tema contado muito superficialmente. Mas do que trata o épico e o que ele nos diz hoje?
Nos mostra um mundo tão distante do nosso que se torna quase incompreensível. Primeiro fato: A escrita já existe, mas ainda não é dominante. Ou seja, o que se fala ainda é mais importante. O pensamento, por ser falado e cantado e não escrito e lido, está livre, solto. Ele ainda não está preso a caracteres e a léxico. O que eles falavam era como água e não a rocha imutável que veio a ser.
Segundo: Tudo é exterior. A introversão não existe. O homem existe como ação e não como reflexão. Mais que isso, a vida interior ainda não foi inventada. É estranho dizer isso, porque cremos que vida interior é um atributo nato ao humano. Mas não, ela é criada pela cultura, a subjetividade não nasceu como nasceram o desejo ou a guerra. Os poetas líricos ainda não haviam se voltado para dentro de si-mesmos analisando os sentimentos, e o teatro ainda não fora criado, o homem ainda não se via como ator em drama vivo. O homem então era um ser aberto para fora, ele olhava a vida e reagia a ela. Interessante notar que mesmo a beleza física, tão valorizada nessa época, é vista pelo outro e nunca por si-mesmo. Ninguém fica se glorificando por sua beleza, são os outros que a idolatram.
Terceiro: Tudo tem um sentido. Em cada coisa que ele vê há uma razão, mesmo que essa razão lhe seja oculta. Nada é gratuito, tudo tem um fim. Deuses regem tudo o que acontece, e Deuses são como homens, vingativos, ciumentos, cruéis, impulsivos e sexuados. A noção de pecado não existe como a conhecemos, o que existe é a ofensa ao deus. E tudo pode ser um deus. O bicho na mata, o vento que sopra, o estranho na rua, cada coisa na vida pode ser manifestação de um deus. Portanto, para esse grego, tudo deve ser respeitado, homenageado, e mais: a cortesia é lei. Quem bate a sua porta deve ser abrigado, ele pode ser um deus lhe testando.
Quarto: A morte não é o fim, mas todos vão para o Hades, um tipo de inferno/purgatório. O que o grego mais deseja é uma morte honrosa e principalmente o não-esquecimento. Nada é mais desonroso que passar pela vida e não ser recordado após sua morte. Mas não a fama pela fama, e sim a lembrança da honra. Para o grego de então ( muito antes de Platão ), cada geração que nasce é a confirmação do brilho da geração original. Meu bisneto abrilhantará meu nome.
Nesse contexto temos a história de Odisseu. E a arquitetura de sua aventura é até hoje o caminho de toda aventura ocidental: o mar/estrada, a tentação, a queda, o amadurecimento e o retorno a casa. Herói feliz por ser herói que jamais se questiona, o mundo em que ele vive é seu mundo, ele é esse mundo, esse mundo é feito para ele. A mente ainda não tem a pretensão de crer que ela pode tudo entender e cada ação não tem preço ( questionamento ).
De certa forma, toda vez em que nos vemos desejando um mundo mais simples, sem complicações, estamos com a nostalgia dessa Grécia arcaica. Mundo que jamais voltará, pois expulsamos os deuses de nossa vida, desalojamos esse seres de seu Olimpo, tomamos para nós o peso da vida, criamos a subjetividade, a liberdade. Ler hoje A Odisséia é perceber que nossa mente, nosso mundo, nossa fé é apenas uma possibilidade, um modo de viver. Odisseu iria rir de nossos medos e ridicularizar nossa pretensão. Para ele todos nós seríamos quase bichos, porque se o que para nós define o humano ( razão e linguagem ) nos basta, para ele essa humanidade é definida por engenho, coragem e respeito aos deuses. E coragem, habilidade e respeito ao sagrado ( vida ) tem faltado em todos nós.

MALLE/ BARDOT/ WOODY ALLEN/ DEMI MOORE/ PECKINPAH/ ANTONIONI/ LUMET

DAQUI A CEM ANOS de William Cameron Menzies com Ralph Richardson
Menzies é o grande nome da história do design em filmes. Mas como diretor ele faz belos cenários. O roteiro, baseado em HG Wells, fala de sociedade surgida pós-guerra, sociedade de militares. O filme não funciona. Sem ritmo, atores mal dirigidos. Nota 2.
VIVA MARIA!!!! de Louis Malle com Brigitte Bardot e Jeanne Moreau
Tenho sérios problemas com Moreau. Talvez seja a única atriz que eu deteste. Abomino seu rosto, sua voz, o jeito como os diretores se apaixonam por ela ( porque??? ). Méritos a Godard que nunca a amou!!! Malle faz aqui seu pior filme. Bardot está desperdiçada em papel sem graça. O filme é sobre duas francesas de cabaret que participam de revolução em ditadura sulamericana de araque. Tolo, com humor bobinho e sem qualquer criatividade. Nota 1.
A ÚLTIMA NOITE DE BORIS GRUSHENKO de Woody Allen com ele e Diane Keaton
O último filme da primeira fase de Woody. Uma homenagem a todos os clichés dos romances russos e a Bergman também. Exuberante é a palavra. Se existem cenas que não funcionam, em outras ele consegue provocar gargalhadas. A música de Prokofiev, maravilhosa, é usada com sensibilidade e Keaton é comediante perfeita: uma mistura de tolice e seriedade, pretensão e avacalhação, hilária! Os primeiros vinte minutos são das melhores coisas que ele já fez, mas o final, homenagem belíssima ao Sétimo Selo é emocionante. O filme fala de suicidio, morte, Deus e Dostoievski, sempre com leveza e humor. Saudades....Nota 8.
O PRIMEIRO ANO DO RESTO DE NOSSAS VIDAS de Joel Schumacher com Demi Moore, Emilio Estevez, Judd Nelson, Ally Sheedy, Rob Lowe, Kevin McCarthy, Andie MacDowell
Muito estranho ver esse filme hoje...foi o filme da moda de 1986. O "Crepúsculo" de então. Os atores eram ídolos teen, os mais bonitinhos ( fora Tom Cruise e Kim Basinger ). O estranho é que como tudo na década de 80, ele está velho demais!!!! Aqueles jovens tãaaao yuppies, tão arrumadinhos, tão tolos com suas carreiras e sua fé no american way of life....A década de 80 negou furiosamente o ideário hippie e deu no que deu: Reagan e Thatcher. Se voce quer saber o que é um filme yuppie eis sua chance. Demi Moore era absurdamente bonita... Mas jovens de paletó em aptos de vidro e neon....Socorro!!!!! Nota 3
TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA de Sam Peckinpah com Warren Oates
Já em estado de alcoolismo avançado, Peckinpah fez este, hoje cult, drama mexicano. É sobre milionário fazendeiro que oferece um milhão para quem trouxer a cabeça de Alfredo, que engravidou sua filha. Warren, em atuação de gênio, é um pianista americano de puteiro, que parte atrás da grana, consegue a cabeça, mas pira no fim e sai matando todo mundo. O filme tem a violência real de Peckinpah, mas não tem sua energia. É um filme anestesiado, alcoólico, flácido, que se perde em algumas cenas dispensáveis. Um fracasso em 1975, foi redescoberto nos anos 90 e hoje tem a cara do cinema atual. Filme muito feio, sujo, com cenas de sexo estúpidas e desagradavelmente tosco. Ato de coragem, mas longe da genialidade do louco Sam Peckinpah. Nota 6.
BLOW UP de Michelangelo Antonioni com David Hemmings, Vanessa Redgrave, Sarah Miles e Jane Birkin
Um fotógrafo famoso e rico deveria significar poder e potência. Mulheres a seus pés deveriam significar alegria e excitação. Mas na Londres de 1966, o fotógrafo sente que esses significados se embaralharam. Fama e poder significa tédio e impotência e sexo quer dizer fuga. Em 2011 os signos estão pós-embaralhados, estão vazios. Um corpo baleado no chão ou um carro cheio de crianças cantando nada querem dizer. O filme é uma obra-prima. Jamais acaba seu assunto. Nota DEZ!!!!!!!!!
ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCE ESTÁ MORTO de Sidney Lumet com Philip Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Albert Finney e Marisa Tomei
Lumet aos 80 anos dando um banho de juventude na molecada. Este filme é o que se pode ter de tragédia grega em nossos dias. O tema é aquele de sempre em Lumet: as cidades como produtoras de sofrimento e frustração terminal. Homens tentando fugir desse inferno. Um Dia De Cão e Rede de Intrigas são bem melhores, mas este é um filme que se feito na época certa teria uma acolhida muito mais calorosa. Deve ter sido um prazer para os atores encontrar papéis tão bons! Nota 7.

SIGNO E SIGNIFICANTE= BLOW UP, UM FILME PARA A SIMBOLOGIA

Um grupo de clowns anda de Jeep pelas ruas desertas de Londres ( é 1966, Londres ainda é viva ). A balbúrdia desses jovens clowns ( hippies? ) nada significa. O fotógrafo está em meio aos sem-teto da cidade. Esses rostos de miseráveis dickensinianos parecem reais. Mas vemos então que o fotógrafo tem um Rolls Royce e que não é pobre. Ele fotografa uma famosa modelo ( Verushka. A primeira das anoréxicas ), ela está semi-nua, mas nada ali é sensual. Ele finge ter um orgasmo ao fotografá-la, mas assim que a sessão de fotos termina sua impassividade retorna. Groupies tentam ficar com ele ( Jane Birkin ), mas tanto elas como ele nada têm a dizer. Então ele visita um amigo pintor. Lá, a namorada desse artista ( Sarah Miles ) mostra nada sentir por seu companheiro, ela gosta do visitante. As pinturas são acidentes que esperam um significado ( são as palavras do pintor ). No studio do fotógrafo há um cofre que nada guarda, uma pedra rosa que nada tem de funcional. Ele vai a antiquário. Em meio a quinquilharias, ele compra uma "fantástica" hélice de madeira polida. Para que? Para decorar seu ambiente.....
Antonioni demonstra com maestria a dissociação do signo e do significado. Nada no filme, até então, está de acordo com a linguagem. Tudo parece ser, tudo nada é. As coisas e as pessoas estão fora de seu ambiente, perdem seu significado, tornam-se vazias. É como se a vida houvesse se tornado uma fotografia, um vídeo, a imagem de uma coisa simbolizando outra coisa. Virtualidade. O fotógrafo, que está sempre com a câmera à mão, mostra fotos artísticas para seu amigo escritor. Belas e significantes fotos de miseráveis. Ali poderia haver a comunhão de signo e significante, mas não, são fotos e ele não será jamais um deles. Fotos são fotos, não são a coisa.
Cena absolutamente perfeita em parque. ( O fotógrafo do filme é Carlo di Palma, Woody Allen que nunca foi bobo o usaria em seus melhores filmes ), verdes e mais verdes e o som do vento. Ele faz o que sabe fazer, tira fotos. Um casal se beija? ( Brian de Palma copiaria/homenagearia esta cena em Blow Out ), a moça ( Vanessa Redgrave, digna filha de Michael Redgrave ) tenta conseguir o negativo. Ela acaba o encontrando no studio. Famosa cena entre os dois. Ela pensa ter levado o negativo, ele amplia as fotos. Amplia as ampliações, busca algo naquela fotografia, acha um revólver, acha um corpo...Será???? Antonioni adorava Hitchcock, o clima de Blow Up é o mesmo de Vertigo. Impotência. O fotógrafo se agita, vai ao parque, frenesi. Há um corpo no gramado ( mas parece um manequim.... ) O fotógrafo procura o escritor, vai a show dos Yardbirds, pega guitarra quebrada e joga fora, no lixo ( o que significa um pedaço de guitarra? )encontra o amigo que está chapado de marijuana...
Afinal ele volta ao parque e não vê mais o corpo. Os clowns reaparecem com sua alegria fake e jogam partida de tênis em mímica. Ele se deixa ficar por lá, ASSISTE. A "bola" cai a seu lado, ele exita e a joga para os clowns. Se escuta então o som da bola quicando. FIM. O fotógrafo se entrega a virtualidade. Nada de simbolos nada de signos, tudo é mensagem sem valor.
Se a única forma de arte válida é aquela que pressupõe várias intepretações, este filme é ao lado de 2001 e Marienbad a mais complexa obra do cinema. ( E há quem diga que lhe falta ação!!!! ). Assito Blow Up com o raciocínio desperto, milhares de conexões vão se formando sem parar e nenhuma é COMPLETAMENTE VERDADEIRA. Eu jamais saberei o que Antonioni pretendia, e nem ele saberia dizer. Ele abre o filme e nos convida a entrar. Crise de significado? Pode ser. Tudo no filme é sem peso. Nada significa nada, a não ser aquilo que o fotógrafo pensa ter visto. Nesse momento ele encontra um sentido, mas esse sentido existe? Concretamente, houve um crime? ( Quem pensar em Deus como sentido/criação não está errado ).
Blow Up antecipa nossa época. Signos esvaziados de significação. Hélices fora de sua função, relações deslocadas, erotismo ensaiado, fetiches e tédio. Tudo parece arrumado, bonitinho, clean, e nada tem vida. David Hemmings, com suas roupas mod, é a imagem do que seria dali em diante cool. E é impressionante que quase 50 anos depois, o visual do filme ainda pareça fashion!!! Todos os que vemos nas ruas da Londres 1966 poderiam estar em editoriais de moda de qualquer revista bacana. O simulacro colocado como sentido. Significante se tornando signo.
Uma fofoca: Antonioni pediu a produção que convidasse a banda mais quente de Londres para uma cena. Chamaram os Yardbirds. Só na hora de filmar é que Antonioni pediu para eles quebrarem os instrumentos "como ele tinha visto na tv".... Antonioni havia visto o Who e esquecera o nome da banda. É por isso, que numa cena muuuito tola, Jeff Beck, constrangido, tem de quebrar sua guitarra. Penso no quanto seria fantástica a cena com o The Who.... ( apesar de que a banda mais quente de então era o Pink Floyd ).
O erro não foi só esse. Terence Stamp deveria ter sido o fotógrafo e seu rosto perverso acrescentaria muito ao papel. Mas por outro lado, o Who daria ao filme uma "verdade", um fogo que talvez desequilibrasse sua frieza, e Stamp traria maldade a um personagem que deve ser vazio. Dito isso.....
Quando vi Blow Up pela primeira vez, tv Manchete 1983, horário nobre, nada entendi. Mas gostei do visual fashion. Revi em 1999, e percebi que ele parecia um mistério que eu não queria/conseguia penetrar. Revisto ontem ele surge em toda sua magnifica complexidade. Um objeto de arte. Pedante, esnobe, para metidos a pensadores...e daí???? O filme é atemporal e um monumento a lógica. Divirta-se!!!!

ORGULHO E PRECONCEITO- JANE AUSTEN ( O QUE QUEREM AS MULHERES? )

O romance inglês foi criado por homens, mas o best-seller tal como o entendemos até hoje, foi criação de Jane Austen ( Entendendo que os ingleses de 1800 criaram as bases do mundo que cá está ). Críticos dizem que Austen demonstra que o dinheiro é tudo em nossa vida, outros falam que ela consegue demonstrar tudo o secretamente move nossa vida e nosso desejo. Na verdade ela é mais que isso. Dinheiro é tudo para seus personagens, mas amor e familia também. Tudo vem abraçado, mesclado, e os homens e mulheres que vivem em suas páginas respiram em meio a essa ópera de suaves sentimentos. Há pudor em Austen. As pessoas não falam tudo o que querem e deveriam falar. Elas se guardam, têm medo, são tímidas. E esse é o primeiro motivo que torna Austen básica para nosso dias: ela resgata nossa timidez, esse maravilhoso sentimento em extinção. Mas há muito mais. Uma personagem como Mr.Darcy nos revela muito do que significa ser um homem heróico em época industrial. Não mais o soldado, não mais o desbravador. O herói é o homem que resolve problemas de forma discreta, eficiente, com sabedoria e ação certa. Até agora, 2011, esse é o tipo ideal de 99% das mulheres, o elegante discreto, de fala correta e segura, que resolve problemas, que sabe o que fazer quando as coisas parecem perdidas. Ele nada tem de poético, de apaixonado, não se arrisca inutilmente, ele é prático. A heroína é Elizabeth Bennet. Inteligente, viva, dura, ela não é uma flor e nem um objeto sexual. Ela pensa. E pensa e pensa. O que faz com que ela se apaixone por Darcy? Esse é o centro e o momento mais genial de Austen. Elizabeth, que via Darcy como um orgulhoso snob, se apaixona ( sem drama algum ), ao conhecer sua nobreza, sua bondade, mas ao mesmo tempo ao conhecer o palácio em que ele vive. Há um perfeito equilibrio entre amor à pessoa e amor ao que ela tem. Desejo pelo homem e necessidade de segurança. Jane Austen nos revela o amor da mulher. E ela também mostra que quando o amor feminino é apenas desejo fisico, ele se faz capricho. Elizabeth tem uma irmã que se encanta apenas por belos soldados, por roupas bonitas e por bela conversa. Futil, ela vive para comprar coisas, ir a festas e namorar bonitos rapagões. É uma baladeira de hoje. Seu destino é um casamento tonto, sem substância alguma a não ser dar mais festas e comprar mais vestidos. Jane Austen tem um estilo que nada revela de visual. Ela não descreve nada. Não sabemos como os personagens se parecem, como se vestem, como são suas casas. Ela apenas diz o básico, fala que as casas são imensas e que eles são jovens. Austen se concentra nos diálogos e nisso ela é fantástica. Não há um único diálogo desinteressante. Eles conseguem ser brilhantes e sempre naturais, não parecem forçados. É um prazer ouvir o que todos eles têm a dizer. É em suas falas que eles se revelam, mesmo passando todo o tempo imersos em timidez. Jane Austen é desde sempre adorada pelo nosso tempo e pelo cinema. Seus livros têm tudo o que nos interessa: dinheiro, amor, desejo, humor e elegancia discreta. Vivemos na era mais anti-Jane Austen possível, e é exatamente por isso que a amamos. Ela foi uma deusa do entendimento e da compreensão. Ler seus livros nos faz muito mais sábios e felizes.

O IRRACIONAL ( AMOR E BICHOS )

Respeitar um animal NÃO significa imaginar que ele seja como nós. Eles não são fofos nenês amorosos, eles são irracionais, bichos, feras em potencial, mistérios. Seus pensamentos, se os há, são "não verbais", e portanto, inatingiveis, inimagináveis por nossa razão. Mas eles têm sentimentos, sentem medo, dor, fome, solidão. Gostar dos bichos, como eu gosto, é respeitar sua animalidade tola, sua irracionalidade estúpida, sua vulnerabilidade. Portanto tenho pena de quem os veste como dondocas, tinge seus pelos ou lhes obriga a viver em bolsas Chanel. Cães são cachorros, todos ansiam por ser como vira-latas bem nutridos. Amo meus cães por serem eles-mesmos. AMO OS BICHOS POR SEREM COMPLETAMENTE DIFERENTES DE EU-MESMO. É esse o amor desinteressado de que fala Milan Kundera ao final da INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER. O amor de um homem por um cão é desinteressado porque o homem sabe, todo o tempo, que seu amor jamais será retribuido. E mesmo assim, ele ama. Nietzsche teve como ato inaugural de sua loucura o abraço choroso que deu em cavalo, nas ruas de Turim. O filósofo pedia perdão, aos prantos, pelo mal feito a todos os animais. Após essa cena, sim, patética, ele passou cinco anos trancado. Mas o que ele fez ( em alucinação ) nós devemos fazer, conscientemente. Se ainda há algo de digno no homem, se ainda podemos pensar numa trajetória de alguma nobresa em nosso caminho, devemos necessariamente passar pela reavaliação do animal no planeta e do irracional em nós. Se nosso caminho veio das trevas do medo e da intolerância, do racismo e do ódio ao diferente, chegando à aceitação do vizinho e do não-igual, chegará, necessariamente, o momento de começarmos a considerar os direitos do bicho como coisa séria, e NÃO COMO EXCENTRICIDADE DE PESSOAS BOBAS. Pois quando chegarmos nesse momento de ajuste de contas, e é isso que assusta muitos homens risonhos, teremos de sofrer a consciencia do mal perpetuado. Perceber o bicho como ser digno e existente, como um ser existente, trará uma série de insights, de concientizações, de preços a se pagar, o maior deles sendo o remorso. Não confio em pessoas que desgostam de animais. Principalmente daqueles que dizem que deveríamos nos preocupar mais com as crianças ( como se uma coisa excluisse a outra ). O homem que só consegue amar outros humanos tem sempre algo de narcísico em si. Seu amor é dado, com regular sobriedade, a apenas quem lhe é parecido. Um amor domesticado. Amo muito mais aos humanos. Mas amo, e muito, a todos os bichos. Um não exclui o outro, antes o refina, o sensibiliza, lhe dá liberdade.