BILLY WILDER/ GAINSBOURG/ FORD/ OSHIMA/ SIRK/ HELEN MIRREN

CUPIDO NÃO TEM BANDEIRA de Billy Wilder com James Cagney
De todos os clássicos diretores de Hollywood ( Ford, Hawks, Wyler, Stevens, MacCarey ) ninguém tem tantos filmes decepcionantes como Billy. Sim, ele é um cara genial, quando acerta, mas seus filmes fracos são mais irritantes que os filmes menos bons da turma citada acima. Este fala de executivo da Coca-Cola que trabalha em Berlin nos dias da construção do muro. É uma comédia boba. As piadas vêm e erram o alvo. O resultado é histérico. Nota 3.
A ÁRVORE de Julie Bertuccelli com Charlotte Gainsbourg
Fujam! Na Austrália morre um jovem pai em ataque cardíaco junto a árvore. Essa enorme e belíssima árvore é o centro e interesse único do filme. Pena que nada de interessante ocorra depois dessa tragédia. Quem quiser que encontre um sentido nesta coisa chata e lenta, se encontrar, esse sentido será acidental, o filme é tão cheio de "arte" que tudo pode ter um significado. Inclusive o significado da picaretagem. Nota 1 ( um ponto pela bela árvore ).
DONOVAN'S REEF de John Ford com John Wayne e Lee Marvin
A vida de um dono de boteco em ilha do Taiti. Acontece a visita de uma herdeira e mais nada. Ford, após cinquenta anos filmando. mostra sinais de cansaço. O filme é flácido, solto demais. Uma bela paisagem, atores gostáveis, mas nada mais que isso. Nota 3.
O MERCADOR DE ALMAS de Martin Ritt com Paul Newman, Joanne Woodward, Orson Welles, Anthony Franciosa
Belo exemplo de cinema adulto dos anos 50. Newman faz seu tipo mais habitual: o cara malandro, egoísta e carismático. Esse cara penetra em família do sul e acaba por se tornar herdeiro do "dono" de toda a cidade: Welles. Filhos que odeiam o pai, sensualidade reprimida, poder do dinheiro, homossexualismo, há de tudo um pouco. É uma diversão completa, um prato rico e gorduroso. Joanne está muito bem como uma solteirona. Nota 8.
O TÚMULO DO SOL de Nagisa Oshima
Em Osaka, anos 60, gente das ruas vende sangue para comer. Mais prostituição, drogas e Oshima, um diretor sempre violento. O filme é representante da Nouvelle Vague japonesa. Cores berrantes, câmera nervosa e cortes abruptos, incisivos. Oshima seria o centro desse movimento. O filme, um dos primeiros dele, é irregular, mas supreende sua modernidade. Nota 5.
TUDO QUE O CÉU PERMITE de Douglas Sirk com Jane Wyman e Rock Hudson
Muito melhor do que eu esperava. Sirk, dinamarquês rei do melodrama em Hollywood, faz aqui um dilacerante retrato da classe média da época ( terá mudado tanto assim desde 1955 ? ). Jane Wyman é uma viúva com dois filhos, cheia de amigos porém solitária. Ela se envolve com seu jardineiro, um jovem livre, que tenta seguir a filosofia de Thoreau. Ninguém aceita isso e os filhos ( quase adultos ) impedem o casamento. Só, ( e é chocante se observar como na época ver tv era considerado ato de perdedores, de gente sem vida social ), ela vê que caiu numa armadilha, os dois filhos seguem sua vida e ela fica à parte de tudo. Todo esse drama é conduzido de uma forma tão leve, fina, vibrante que é impossível resistir. Voce embarca na novelona. Fassbinder o refilmou na Alemanha e Almodovar sempre o cita ( além de Todd Haynes ). Rock Hudson era um canastrão, mas ninguém sabe ser mais tão galã. Nota 8.
MANON de Henri-Georges Clouzot com Cecile Aubry e Serge Reggianni
Clouzot é um dos maiores diretores que a França já teve. Fez pelo menos quatro obras-primas, mas este não é uma delas. Conta a história de mocinha muito "livre" que trai seu amor com vários homens de poder. O namorado sempre descobre, e sempre a perdoa. O final, hiper-romantico, é em deserto. O filme se vê com interesse, mas está muito abaixo do melhor Clouzot. Nota 5.
A RAINHA de Stephen Frears com Helen Mirren e Michael Sheen
Pra que ver este filme? Qual o interesse em se rever os dias da morte e do enterro de Lady Di? Tudo visto pelo ponto de vista de Tony Blair e da Rainha...pra que? Bem...o filme é estupendo, uma aula de direção e de interpretação. Stephen Frears, diretor da geração de Ridley Scott, mas que ao contrário de Scott, optou sempre pelo risco ( é dele a obra-prima Ligações Perigosas e ainda Minha Adorável Lavanderia, Alta Fidelidade, e mais uma infinidade de pequenos filmes instigantes ), dirige com uma eficiência que beira o milagre. Penetramos na mente de Elizabeth, conseguimos sentir o absurdo daquilo tudo, e melhor, não sabemos o que pensar. Ficamos desorientados. Mas há Mirren. Talvez seja este o desempenho feminino da década. Em personagem dificílimo, contido, frio, distante ( e tão cotidiano ) Helen cria uma alma, não imita. A rainha que ela nos mostra vai lentamente tomando consciência de sua derrota, do fim de uma ilusão. ( " Eu me recolho e nada declaro, sou sincera, enquanto isso essas pessoas que jamais a conheceram estão morrendo de dor, e eu é que sou a doida" ). Pois o filme é sobre isso: os súditos passam a querer lágrimas, frases pomposas, a exibição pornográfica de luto. Quando Di morre e a rainha se esconde, pois essa é a tradição, luto não é show, sentimentos devem ser contidos e discretos; o povo passa a odiá-la. O filme tem duas cenas de antologia: a hora em que ela lê as mensagens nas flores colocadas nos portões do palácio ( todas ofensivas a ela ) e a maravilhosa cena com o cervo, quando ela percebe a beleza que mora nele e o risco de ser caçado. Esse animal, que será morto lentamente e decapitado ( decapitação é o fim de todo rei deposto ) representa a bela elegância de uma época que morrera muito tempo antes, época que Elizabeth só então percebe ter chegado ao fim. De certa forma, Blair a salva dessa decapitação e ele acaba tomando seu partido. O filme então, feito pelo esquerdista Frears, tem a sabedoria de reconhecer que perante os novos tempos de midia e falta de respeito, ( são magnificas as cenas de telejornais da época, que mostram Lady Di tão falsa em sua "dor" e o povo deseperado com sua morte; e ainda vemos no enterro o absurdo de Elton John, Tom Cruise e Spielberg serem mais "gostados" que a familia de Di e de Charles ) a rainha ainda representa algo de decente, correto e de verdadeiramente real. O filme torna-se então imenso. Que admirável surpresa! Nota 9.
TERRA BRUTA de John Ford com James Stewart e Richard Widmark
Ford chamava este seu filme de "bela porcaria". Longe disso. Apesar de ele quase não ter história ( fala algo sobre brancos resgatados de Comanches ), o filme tem um ar de improviso, de alegre camaradagem, que acaba por encantar. Há quem o chame de obra-prima. Não é. Mas ele sem dúvida é invulgar. Nota 6.

MÚSICA, AINDA IMPORTA?

Primeiro música a beira do fogo ou na caverna. Música como ritual, como frenesi, religião, preparação para a guerra, união de tribo.
Depois. Música em igrejas, em cerimônias de coroação, em casamentos, em natais e aniversários.
E então, ela habita os teatros, e os pianos de estudantes pautados. E as rodas folclóricas, fogo, dança e bebidas.
Mais tarde. Música no rádio, em noites ao redor do grande aparelho de madeira, com suas válvulas misteriosas. E em discos pesados, que quebravam se caíssem no chão. Que chiavam.
Em filmes nas salas imensas com tapetes felpudos e lanterninhas de uniforme. Melodias em bailes de gala e nas rodas de samba dos morros. Nos terreiros e nos bares dos sertanejos.
Música sempre em grupo, sempre unindo, coisa sagrada que é sempre hino.
Chega o vinil. Olhar com amor a capa colorida, ler o encarte ( isso após rasgar o celofane ), sentir o cheiro do papel impresso, do petróleo do disco. Pegar com DELICADEZA, colocar pra rodar, ver o disco girar e escutar. Todo ele, inteiro, na sua sala ou no seu quarto, sempre em seu lugar especial, sempre um ritual.
Hoje. Música no seu ouvido, apenas sua, toda sua, individualizada. Música no ônibus, no metrô, na rua, na escola, no banheiro, todo o dia, na cama. Fundo indistinto do ruído da vida, música ruído.
Música feita para a magia que se tornou música feita para a igreja que se fez música feita para o teatro que se mudou em música para o rádio. E ela se fez para o disco e daí para o cd. E agora é um impulso elétrico que é pensada como trilha que combina com todo lugar. Música ambiente incolor de ruas e conversas sem fim ( e onde nada se escuta "de verdade" ).
Em 1975 Brian Eno criou a Ambient Music. Era um conceito ( ridicularizado então ). Eno dizia que a música do futuro seria parte de um ambiente, como um quadro ou a cor de uma parede. Essa música não poderia pedir atenção do ouvinte e também não teria emoção alguma. Pois o ouvinte jamais poderia perder a atenção daquilo que fazia ( o trabalho ).
Eno lança MUSIC FOR AIRPORTS I e II, e ainda discos para elevador, trens e salas de espera. Em Berlin ele conhece David Bowie e juntos lançam 3 discos: Low, Heroes e Lodger. O conceito é: música abstrata, que não seja feliz ou triste, nem sobre dor ou sobre amor, sem raiva ou tédio. Controle absoluto e absoluta neutralidade.
Hoje e desde os anos 80, esse tipo de proposta se tornou dominante. Mas em 1975 isso era um absurdo. Música era emoção naquele tempo ( de Lennon à Elton John, de Marley à Neil Young, tudo era emoção exacerbada e exibicionista ). O que Eno e Bowie ( e o Kraftwerk ) pediam era o oposto: frieza, controle, distância.
Agora estamos no ponto máximo desse conceito. Não só a música como produto sob controle, sem o inesperado, como o OUVINTE em atitude de neutra e distraída apreciação. Sem nenhum ritual de ligação, sem nenhum delicado cuidado de preservação, e sem qualquer canto sagrado de dança ou escuta.
A música, a mais misteriosa e mágica das artes, se torna enfim, a banalidade total e absoluta.

MAPAS E LENDAS ( AINDA DÁ? )

Precisamos de espaço. Existem certas coisas que somos obrigados a engolir, e essas coisas deixam de ser comentadas, se transformam numa espécie de assunto esgotado ou caem ao limbo do esquecimento. Mas o fato é esse: um homem sem espaço é um vegetal. Se voce não tiver para onde expandir seu olhar, se voce não tiver onde fugir para escutar o silencio, se voce não puder andar e sentir a liberdade de não estar dentro mas sim fora de algum lugar, voce seca, morre, vegeta.
É triste admitir isso, mas é uma tristeza necessária: gente sem espaço é como frango de granja, vida movida a luz artificial e drogas para crescer ( produzir ). Penso em crianças nascendo e crescendo em apartamentos fechados, brincando em playgrounds cercados, indo a escolas SEM janelas e gastando a semana em sites e jogos. Essa criança vai crescer? A mente dela irá se expandir? Qual o tamanho de seus sonhos? O quanto de criatividade, de originalidade ela vai desenvolver?
Falo disso porque entrei num site onde os mapas de SP de hoje são comparados aos mapas de SP de 1958. É péssimo olhar para o mapa, e se voce tiver depressão evite. O rio Pinheiros com suas margens limpas, um monte de espaço, de terrenos abertos e sem muros, trilhas cortando os quarteirões.
Mas pra mim foi cruel. Cruel porque sempre pensei que as lembranças que tenho do meu bairro pudessem ser fantasia. Mas não, está lá na tela: riachos onde pesquei, lagos onde aprendi a nadar, matas onde eu acampava; tudo dentro de SP ( Morumbi em 1969/1971 ). Vejo que não é fantasia, defronte a casa de minha tia não havia nada, um descampado todo LIVRE para meu sonho. E é somente com esse espaço livre que se pode começar a ser feliz. Porque é preciso sentir o vento na cara, ver a chuva vindo de longe, ter onde olhar o sol nascendo, escutar passos distantes, vozes longinguas, poder correr, se perder completamente, ter onde deitar no chão e adormecer. Sem esse espaço, sem esse ir-se de si-mesmo, voce perde o dom de "viajar", de expandir-se, de ser um bicho. Vegeta. Franguinho de granja.
Choveu hoje no deserto da Arábia. Algum otimista estúpido vai continuar dizendo que tudo está nos conformes. Uma área do tamanho da França ficou alagada no deserto da Austrália..... Posso falar o que penso ( e talvez voce odeie ler isso, então pare agora ), fizemos tudo errado. Nós estamos aqui com uma única missão: cuidar deste jardim. Nossa única tarefa IMPRESCINDÍVEL e que daria toda a nobreza necessária a nossa existência: cuidar do mundo, equilibrar, preservar, ajudar a natureza. Nossa inteligência, nossas mãos, nosso olhar se justificariam assim. É o único trabalho sério e é um trabalho que apenas nós poderíamos ter feito.
Mas não. O rio Pinheiros é um testemunho. E o espaço para todos os jardins foi trocado por garagens para 3 carros e portões com câmeras. Que pena....

SOBRE O LIVRO DE JOHNATHAN FRAZEN, LIDO

A LITHUANIA é privatizada. Voce pode ser dono de uma rua ou adotar meninas de 14 anos. O filho mais novo do casal de velhinhos, deste livro, vai pra lá. E Vê que a diferença entre Lithuania e EUA é mínima: nos EUA voce é anestesiado pelas drogas legais e ilegais, é condicionado a gostar apenas do que está ou se parece com a TV, e se distrai da vida com tecnologia futil e viciante. Teus vicios te dominam. Na Lithuania a coisa é mais honesta. Voce é dominado na porrada e no poder da grana. Sem hipocrisia.
Ele volta pra casa a tempo do natal. Pra descobrir que a familia não existe mais ( e que tudo o que ele queria era o amor do pai. Quando toma consciencia de que sempre o teve descobre então que não era isso....). A irmã está um caco. Seu único problema ( dela ) é a vida afetiva, mas esse problema é O Problema. E o irmão, rico, casado, pai, controla tudo: horários, sentimentos, eficiência, afetos. Covarde, está sempre aterrorizado com a sombra da depressão. Um ditador que é esmagado pela esposa, super bonita e super feliz quarentona, que morre de medo de ladrões.
O pai está demente. Antigo macho dominante, calado e frio, tornou-se um traste. No fim do livro pede que o filho o mate. Não matará. E há a mãe, que tenta crer na família e se vicia em antidepressivos ( porque não ser feliz? ). Quando tudo desaba é o único personagem que ainda crê na recuperação da vida ( aos 75 anos ).
Scott Fitzgerald dizia que a inteligência se manifesta em pessoas que conseguem manter duas idéias contrárias ao mesmo tempo. O livro tem essa citação ( que é a pura verdade. Todo burro tem certezas únicas ). Lendo Frazen nós nunca sabemos qual a opinião do autor, qual o personagem central e qual seria o fim daquilo tudo. São montes de personagens, montes de situações, uma montanha de informação.
Ele bate nessa coisa tão atual de médicos que só lêem sobre medicina, filósofos que só lêem filosofia e psicólogos que só lêem psicologia. E pessoas comuns, que só se interessam por seus umbigos. Mundo compartilhado em guetos, sites e wwws que Frazen chama de "branda demência social".
No mundo de Frazen ( o livro ganhou o Booker Prize de 2001 ) não há a menor chance de salvação, viver é descer ladeira abaixo. E fim.

QUANDO FREUD ERA REI : THE LONG, HOT SUMMER - MARTIN RITT

Na década de 50, em Hollywood tudo era freudiano. Cada fala e cada movimento de um personagem ( falo dos dramas dito sérios ) era calcado em edipianismo, repressão sexual, complexo de Electra, incesto, castrações e taras várias. Muita bobagem saiu desse caldo, pois todos estavam tão imersos nessa fé vienense que ignoravam que nem tudo que Sigmund ditava era verdade ( ou não pareceria ridículo com o tempo ).
Um dos melhores representantes deste estilo de cinema é THE LONG, HOT SUMMER, que no Brasil recebeu o nome inacreditável de O Mercador de Almas ( Freud explica? ).
O roteiro, perfeito, de Irving Ravetch e Harriet Frank Jr., condensa 6 contos de William Faulkner em duas horas. Milagrosamente dá certo. Quem dirigiu foi Martin Ritt, em seu terceiro filme, após triunfal carreira na TV.
Já se disse que se o sul tivesse vencido a guerra civil americana, os EUA seriam hoje o Brasil. Este filme mostra porque. Se passa na época contemporânea ( 1958 ) mas, feito no Tennessee, inspirado pelo muito sulista Faulkner, ele conta a história de um típico coronel ( que no Brasil seria um coroné do sertão ). Ele domina terras, comércio, politica e indústria de cidade. Gordo, falastrão, machista ( feito saborosamente por Orson Welles ), tudo o que ele deseja agora que está velho, é um neto. E para isso, como para tudo o mais, seu desejo é a única realidade. Na sua agressividade erótica, na sua sem-vergonhice, vemos o extremo amor a vida, o reino da libido pura. Esse coronel tem dois filhos. O filho-homem é um fraco. Seu único desejo é sexual, ele está enfeitiçado pela esposa, uma piranha sexy-jovem. O pai o despreza por isso e deixa isso claro. O filho se ressente, exibe seu sofrimento de filho não-amado e tentará matar o pai ( e ao fazer isso, readquire o respeito do pai. Sua cerimônia de entrada no mundo masculino é esse quase assassinato tabú ). A filha do coronel é uma insegura e auto-controlada professora idealista. Todo seu desejo, reprimido, é dirigido ao muito educado e calmo vizinho, um cavalheiro sulista a antiga, que irá se revelar gay. Nesse caldo de repressão, chega um homem que será o catalizador da quimica que irá fazer a coisa virar, a crise se instalar e a catarsis se tornar possível.
Ele é um desajustado, arrogante, frio e hiper-masculino matuto. Homem que vem em fuga, pois cometeu em outra cidade o pior dos crimes para aquela sociedade conservadora, ateou fogo a propriedade alheia. Ao pedir emprego ao coronel, ele irá penetrar no coração da familia. Ele e o coronel são dois iguais e reconhecem isso. O velho o adota como herdeiro e com esse ato ele destrói o filho de sangue e empurra o forasteiro para a cama da filha "certinha".
Essa história, que feita sem habilidade poderia se tornar pesada ou até ridicula, nas mãos desta equipe se faz leve, ágil e sempre interessante. Paul Newman consolida aqui seu tipo de mal caráter adorável. Ninguém soube como ele, fazer tantos tipos de péssimos costumes em filmes, e mesmo assim ser gostável. Com este papel ele venceu em Cannes como melhor ator. Joanne Woodward se casou com ele durante as filmagens ( duraria toda a vida ). A filha domina o filme. Joanne era uma atriz de gênio. Este papel, todo para dentro, é uma tour de force em seu modo de falar e na maneira como ela olha para ele. Anthony Franciosa é o filho sofredor. Ator do Actors Studio, sua intensidade é exata. Orson Welles sofreu muito neste papel. A maquiagem o asfixiava e os outros atores eram do estilo moderno de atuar ( o estilo que é o de hoje ), ou seja, buscavam dentro de si o âmago do personagem. Orson era da moda antiga, atuar era criar uma persona. Os choques foram dificeis. Além do que, Orson não perdia sua mania de querer roubar as cenas e dirigir o filme. Mas o patriarca que ele nos dá é fantástico. Um prazer vê-lo nesse papel.
Porque hoje não nos dão mais tanta fartura em um filme? Penso que se filmado agora ( o que seria dificil ) apenas um dos personagens seria mostrado. O diretor iria o dissecar lentamente, e todos os outros seriam coadjuvantes.
Se voce é daqueles caras que estão começando a descobrir que havia cinema antes de Tarantino, esse momento de renovação no cinema americano é um bom caminho de aprendizado. Os filmes feitos entre 1954/1965 de Ritt, Lumet, Frankenheimer, Penn, Schaffner, Nichols, Jewison, Mulligan e etc. É uma boa safra para se preparar para os pratos mais raros e de gormand..
Bom apetite!

O DIA EM QUE JAMES BROWN SALVOU A AMÉRICA

A ROLLING STONE gringa ( não sei se saiu aqui ) conta uma saga que um dia há de virar filme.
Quando em 1968 Martin Luther King foi morto, toda a nação branca esperava pelo pior. Com os Black Panthers armados e todo aquele clima de sexo e anarquia, era certa a guerra civil entre brancos x negros. Foi aí que o milagre aconteceu.
No dia seguinte ao assassinato, James Brown começou a percorrer todas as estradas, a ir à todas as rádios e Tvs pedindo para que seus irmãos não fossem para a guerra. Que continuassem sua missão pela igualdade, mas que não partissem para o confronto ( seriam massacrados ).
I'm Black and I'm Proud começou a tocar direto nos rádios e o pior foi evitado. James Brown, The Godfather of Soul, salvou a barra. O que aconteceria se ele não tivesse corrido pra rua ? Centenas de mortos, toda a luta pelos direitos civis regredindo, ânimos acirrados e líderes maléficos se promovendo.
Não conheço ninguém no pop que tenha feito algo parecido.
Quanto mais eu conheço a história da música, mais eu compreendo o quanto Brown foi gigante.
O cara mandava prender e mandava soltar.

AS 600 MELHORES CANÇÕES DOS ÚLTIMOS 60 ANOS ( 1949/2009 )

Bem.... se voce quiser uma aula de pop dê uma olhada no YouTube. Digite o título acima que vai aparecer um vídeo com todas as canções, cinco segundos de cada uma em ordem alfabética.
A lista é discutível, como toda lista é. Mas dá pra perceber como o pop dos últimos dez anos caiu de nível. É um monte de rocks que repetem tudo o que foi feito em décadas passadas e r and b de proveta. Mas o mais discutível ( e que várias pessoas reclamam ) são as injustiças da lista. Nenhuma canção de Johnny Cash !!!! Essa é a maior reclamação dos leitores. Nem umazinha ? Pessoas ainda reclamam da ausência de Iggy Pop ( nem Lust for Life ) , de só haver uma de Eric Clapton ( uma !!!! ) e uma de Paul MacCartney ( botaram só Maybe I'm Amazed.... ); enquanto temos coisas como Styx, Yes e Judas Priest.
Eu acho também muito ridículo só ter 3 músicas de Bowie e uma de Lou Reed. Isso não reflete a imensa influência dos dois gênios do pop urbano. Mas....
A década com o maior número de faixas é a de 50 e os Beatles, com 9 músicas, são os mais citados. Depois vem Elvis e Dylan com 8 e os Stones e o Led Zeppelin com 7. Nada a reclamar. Mas é chato não ver Midnight Rambler ou Hurricane entre elas.
Para quem não sabe, após um desbunde pelo rock inglês nos anos 60, a América começou nos anos 70 a desconfiar de tudo que vinha da ilha. Nesse momento, coisas que eram hit absoluto em Londres mal eram conhecidos nos EUA. Slade, T.Rex, Suzi Quatro, Roxy Music, Mott the Hoople e até mesmo Bowie e Queen não eram nem sombra na América do que eram na Europa. E mesmo aquilo que era inglês, mas apesar da divulgação ruim, conseguia vender muito nos EUA ,era execrado pela crítica yankee, sendo o Led Zeppelin a maior vítima desse preconceito. Para os críticos da América, o Led era lixo. Isso só mudaria a partir dos anos 80, quando Clash, Police e Pretenders abririam novamente o mercado americano ( e a cabeça da crítica ) para o rock inglês. Então é um prazer ver o Led Zeppelin com sete músicas, enquanto os ídolos da critica americana, que eram Bruce Springsteen, Joni Mitchell e Paul Simon, com três, cada.
Elton John, sem preconceitos, vem com cinco faixas, mesmo número de Madonna, Prince e Michael Jackson. Elton é um gênio do pop e entre 1971/1976 sua produção de jóias aproximou-se daquela que os Beatles tinham ( com a diferença de que ele era só um ).
Ouvindo todos esses 600 momentos, fica a certeza de que a música negra dá de pau, e é preciso ser muito racista ( ou ruim de cintura ) para não perceber isso. Quando a audição começa a ficar chata, lá vem um hit black erguer o nível. As vozes de Otis Redding, de Sam Cooke e principalmente de Aretha Franklyn são insuperáveis. Chegam a humilhar todo o resto. E vem a sequencia de James Brown ( o mais inovador gênio da história do disco ) com seis gigantescos momentos de criatividade/feelin/groove, e aquela voz que é um aaaaaayeeeeeerrrrgh ! Good God!!!!
Sly Stone, a maior banda da história do groove tem cinco hits na lista ( quem fez teatro comigo vai lembrar de uma delas ) e Stevie Wonder outras cinco. Marvin Gaye, Wilson Pickett, Temptations... todos com cinco ou seis músicas. Muito legal ! War é lembrado com Low Rider, uma das minhas top ten e todo o bando inglês dos anos 60 ( inclusive os Bee Gees e os Dave Clark Five ) estão lá lembrados. E é ótimo ver os Kinks com 3 músicas ! Consertam os erros dos anos 70 lembrando do Mott The Hoople e do T.Rex e dão até uma faixa pro Roxy Music. ( Eles mereciam, no barato, três ). O Queen, plenamente revalorizado, vem com quatro músicas, mas só uma pro Kraftwerk ? E passaram em branco pelo punk. Dois Sex Pistols, dois Clash e dois Ramones e é só. Mais nada. Bom, o que dizer? Do Velvet botaram só Heroin !
Claro que há o problema do gosto pessoal, do espaço... mas tem até Rihanna e Usher ! Custava mais uma do Who ( só três ) e outra de Rod Stewart ( só Maggie May ) ?
De qualquer modo, se voce começa a ouvir música agora, entra lá.
PS: Como é uma lista pop, nada de J J Cale, nada de Kevin Ayers e nada de Gram Parsons ( aliás há uma terrível má vontade com o country ), mas apenas pela presença daqueles momentos absurdos de Otis, Aretha, James Brown e cia, já vale a conferida.
Instrua-se e se divirta!!!

JACQUES TATI/ JOHN WOO/ ARONOFSKI/ ALDRICH/ IRMÃOS COEN

O MATADOR de John Woo com Chow Yun Fat
Maravilhosas cenas de tiroteios ( coreografadas ) e uma insuportável trilha sonora. No meio dos anos 90 Woo era chamado de "a esperança" do cinema de ação. Depois do horroroso Windtalkers desapareceu. Mas o homem tem um talento imenso para o movimento. Nota 6.
AS FÉRIAS DO SR.HULOT de Jacques Tati
O paraíso. Vemos pessoas que se dirigem à praia. Lá, sem diálogos e com trilha sonora ( de jazz ) observamos o que acontece: banhos de sol, jantares e cafés, discos na vitrola, fogos de artificio, carro que quebra, sono e jogos de xadrez e cartas. Nada de diferente da vida banal. Mas o milagre é esse, mostrando a banalidade Tati se torna único. Um gênio? Com certeza, pois o genial é ver o sublime e o original na banalidade e conseguir transmitir aos outros essa visão única e especial. O filme é o mais "feliz" já feito. Se houvesse um paraíso seria aquela praia. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
CISNE NEGRO de Darren Aronofski com Natalie Portman, Vincent Cassel e Barbara Herschey
Darren andou assistindo Red Shoes de Michael Powell.... e o misturou com Roman Polanski ( aquele de Cul de Sac e de O Inquilino ). Este filme também pode ser visto como The Wrestler, versão feminina. A bailarina é tão terminal quanto o lutador de Rourke. E vemos seu corpo em processo de destruição, como no outro filme. Sangue, agulhas, lâminas, suor e loucura. Paranóia. É um filme de horror, de desgosto e de putrefação. Mas a questão é: isso interessa a alguém? Não sei responder....Quem tiver dúvidas do talento de Darren, basta prestar atenção nos cinco primeiros minutos e nos quinze finais. Darren Aronofski é amante do budismo e dá para se perceber isso. Sua visão da realidade do corpo e da forma é feita de dor e de sacrificio, é como se todo invólucro fosse uma prisão. Espero agora que ele prove ser grande, fugindo desse seu mundo que começa a parecer cliché. Natalie está bem. Barbara está ok. Winona está Winona. Nota 7.
O IMPERADOR DO NORTE de Robert Aldrich com Lee Marvin e Ernest Bognine
Na década de 30, em plena depressão, vagabundos tentam pegar carona em trem. Mas o vigia feroz não permite. O filme é só isso. Mas Aldrich sabe tudo sobre aventura e faz um filme muito correto. Com uma falha grave. A trilha sonora é um absurdo! Parece ser de uma comédia romântica! Isso destrói todo o clima miserável e fatalista do resto. Mas tem Lee Marvin e isso é muuuuuito bom. Nota 5.
BRAVURA INDÔMITA de Joel e Ethan Coen com Jeff Bridges, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper e Hailee Steinfeld
Não é uma HQ. E não é um filme com toques e estilo "muito louco". Não fala "umas verdades da vida" e não posa de "arte pessoal". Apenas um filme que conta uma história. Uma história de vingança. E que tem ótimos diálogos, excelente fotografia e atores dando o máximo. E com toda essa simplicidade, essa falta de afetação, é um sucesso de público e de crítica. Bem... ele atesta a maravilhosa versatilidade dos irmãos Coen. De Fargo a Lebowski, passando pelo melhor filme dos anos 2000 ( Onde Os Fracos Não Têm Vez ) e várias excelentes comédias, eles não se cansam de provar serem os diretores melhor dotados de sua geração. Aqui, finalmente fazendo western ( o nome Ethan Coen foi dado pelo pai em homenagem ao Ethan de John Wayne em Rastros de Ódio. Ethan Hawke também... ), este filme é um remake de True Grit, filme de Henry Hathaway que deu Oscar de ator em 1969 para Wayne ( batendo Dustin Hoffman em Perdidos Na Noite... sim, foi uma injustiça... mas John Wayne merecia um prêmio antes de morrer.... ). Jeff Bridges é sábio, ele faz um Rooster que não tenta se parecer com John Wayne. Continua sendo um velho beberrão e sujo, mas Wayne lhe dava uma autoridade moral que aqui é substituida por um humor mais assumido. Matt Damon mostra que poderia ser um novo cowboy se existissem papéis para cowboys hoje. De bigode e sujo, Damon perde todo seu jeito de bom moço e se torna um belo tipo. Mas o filme é de Hailee. Que atuação mágica! Ela vai da tristeza a alegria, da desconfiança ao afeto com firmeza e competência. Tem tudo para marcar sua geração. Atenção para a cena final de Bridges. Uma cavalgada noturna que é uma nobre e poética homenagem a vários westerns. Finalmente alguém consegue fazer um filme de cowboys "como nos velhos tempos". Nada saudosista, nada revisionista, nada satirico, sem filosofadas. Apenas um competente, sincero, sensível e emocionante faroeste. Quem precisa mais? O cinema está lotado de pretensos Bergmans, pequenos Godards e principalmente novos Antonionis. Aqui temos um bonito Anthony Mann.... Que alivio! Nota 9.

MUNDO HOJE : AS CORREÇÕES, JOHNATHAN FRAZEN

Estou lendo AS CORREÇÕES de Johnathan Frazen. Infelizmente são apenas 600 páginas. Queria que fossem 1.000. Um prazer ler um livro escrito hoje ( é desta década ) de enorme sucesso ( o autor é considerado o melhor escritor americano jovem ), que não tem um só personagem que seja o alter-ego do autor. Nada de primeira pessoa, nada de confessional. Com Frazen estamos de volta ao mundo que nos deu Stendhal e Dickens, o mundo onde se fertilizam as páginas em branco. Frazen cria gente, cria diálogos, cria cenários e jamais tenta ser "original". Johnathan Frazen sabe escrever e escreve com imenso prazer, portanto, não precisa ser esquisito.
Seu livro vicia. E, obra-prima que é, mostra um painel apurado sobre o mundo de hoje. É indispensável para antropólogos, psicólogos e vários ologos mais. Exibe as feridas, não suaviza, e pasmem, diverte muito. ( Jamais sendo engraçadinho ).
Um casal de velhos do meio-oeste americano. Ele começa a ficar senil. Foi sempre um mandão bem sucedido. Ela ainda tenta acreditar que tudo vai bem. É uma hipócrita. Têm três filhos. A mais nova é uma chef de cuisine de sucesso que trabalha como uma escrava. Trintona bonita, racional, seca, secretamente insegura, divorciada. O filho do meio é um fracasso. Falha em vários projetos, ainda tenta parecer adolescente ( tem mais de trinta ) e se envolve com máfia da Lituânia. Seu maior problema é só pensar em sexo. E o mais velho, muito bem de vida, três filhos e linda esposa, mas que se afunda na sensação de que "algo que eu devia perceber não é percebido". Ele vê a vida como quimica, e está sempre pensando no equilibrio de seu cérebro. Tem pavor da depressão. Caroline, sua esposa, tem certeza de ser feliz. Excelente mãe, lê toneladas de livros de Phds em psicologia comportamental, e por ter tido sucesso na análise, vomita saúde mental para todos. Para ela, livros e filmes só se forem úteis.
O que esses livros dizem? Que sofrimento não é útil e que portanto sofrer é ser egoísta. Que todo adulto deve se guiar pelos jovens, pois eles são o futuro e o futuro será reino de felicidade. Que as crianças sabem tudo e têm muito a nos ensinar, pois elas já nascem fazendo parte desse maravilhoso mundo da informação.
Frazen nunca comenta nada. Ele narra. Confia em seus leitores. Não nos dirige, espera que tiremos nossas conclusões. Ainda estou na página 200, mas preciso dizer que se voce tiver de ler só um livro dos anos 2000 é este. ( Sebald é de 1995 ). E me faz pensar....
Há algo de Saul Bellow em sua abrangência. Mas a geração de Bellow era a geração da ansiedade. Eles queriam demais, e sofriam por não conseguir. Aqui estamos na geração da depressão. O prazer de hoje perde todo seu valor amanhã. Mas o buraco mostrado no livro é mais profundo.
Todos eles negam seus pais. Tudo o que eles desejam é ser o mais diferente possível daquilo que eles foram. Então evitam igreja, vizinhos, parentes, empregos comuns, casamentos longos, machismo, autoritarismo. Isso é consciente e é positivo. O problema é que não existe nada para se colocar no lugar. O que vemos é uma geração de homens com raiva das mulheres por se sentirem ameaçados pela força delas, e uma geração de mulheres rancorosas por acharem que os homens são inseguros. Não existe a menor comunicação entre eles. A vida de casado é mostrada como uma série de provas e provações e a vida de solteiro como uma longa fissura por sexo e companhia.
Os filhos, com idades entre 8 e 13 anos, são manobráveis. Um deles tem como grande objetivo montar um sistema de vigia em toda a casa. Câmeras na cozinha, salas, quartos.... E o pai só tem uma preocupação: estarei deprimido?
Mas a coisa vai mais fundo.
O mundo da ciência tem se tornado cada vez mais perfeito. Tudo é funcional, limpo, exato, sem falhas. Mas nós somos sujos, emotivos, inexatos, cheios de falhas e imprevisíveis. O problema geral é : TEMOS DE SER COMO MÁQUINAS: Perfeitos. Recauchutar, trocar, reciclar, realinhar, dar um brilho, acoplar mais potência...em nós mesmos!!!! Temos de FUNCIONAR. Daí, sabendo que nos tornamos supérfluos, tentamos a todo custo ser como um carro zero, um PC de último tipo: inteligentes, cheios de brilho, novos e úteis. Nesse mundo, todos os livros de auto-ajuda tentam fazer com que a pessoa funcione bem. Se adapte ao mecanismo geral. Mas veja:
Se as máquinas trabalham melhor, lutam melhor, planejam melhor e são mais rápidas e limpas, qual nosso papel na vida? Nos restou apenas um- fazer o dinheiro rodar. Máquinas ainda não compram. O homem saudável hoje é o consumidor. O deprimido deixa de comprar ( deixava, hoje compra remédios ), deixa de viajar, deixa de ir a baladas, deixa de fazer a única coisa que justifica a vida nestes nossos dias : SE DIVERTIR.
Porque se na geração dos pais dos personagens, tudo se justificava na tradição, na "boa" familia; hoje a única razão de viver é a diversão. Rir, estar sempre em movimento, fazer sem refletir e consumir muito e alegremente. Ser feliz confunde-se com se divertir ( tanto que muitos não sabem mais a diferença. É como se felicidade e diversão tivessem se tornado sinônimos ).
O livro exibe tudo isso sem perder a linha. Nada de panfletagem, nada de comentários do autor, nada de teses. A história corre, os diálogos se vão, a vida é exibida sem grandes exageros, e nós vamos, com horror e com satisfação, vendo a vida como ela ocorre agora.
Acreditem em mim, este livro é obrigatório.
Quando o terminar de ler conto mais.....

O MALDITO: ÀS AVESSAS, LIVRO DE J.K.HUYSMANS

Ciclos, todo tempo nega seu antecessor imediato. O garoto dos anos 80 odiava o doidão dos anos 70, e essa década, a de 1970, seria amada pelos anos 90. Toda arte é assim e em literatura isso é ainda mais flagrante.
Os românticos abominavam os livros do classicismo e os realistas/naturalistas negavam o romantismo. Mas em fins do século XIX vem o simbolismo recuperar o mito romântico. E nesse mundo de cores, impressões vagas e dandismo, nada é mais radical que este livro. Livro que também poderia ser chamado de DIÁRIO DE UMA NEUROSE.
O que move seu personagem, Des Esseintes, é o nojo, o desgosto e a náusea. O mundo que ele vê é um universo onde o comércio é rei. Tudo é dominado pelo lucro, pelo comum e banal, pela América de novos ricos e de vulgaridade histérica. Para lutar contra isso ( que é aliás a luta de todo simbolista. Os românticos odiavam a era industrial, os simbolistas radicalizam isso e odeiam tudo o que seja "comum" ), des Esseintes isola-se em palácio. Lá ele criará seu próprio mundo, mundo que será sua imagem, um tipo de espelho que remete a sí-mesmo. O livro, esquisito ao extremo, não tem ação, é a descrição desse palácio, desse cenário e dos sentimentos do personagem.
Salas com plantas carnívoras, salas com aquários gigantes e perfumes de areia e mar, salas londrinas e salas que são como infernos vermelhos. Des Esseintes cria ambientes, continentes, realidades virtuais. Se o mundo se tornou algo que o desgosta, ele criará seu próprio universo; e esse universo é ele-mesmo; fato de todo neurótico, ele é incapaz de sair de dentro de seu delirio, seu único interesse verdadeiro é seu próprio estado, ele ama obsessivamente seu sintoma.
Mas há mais. A virtualidade das células ilusórias de nosso mundo atual sem contatos de risco, já está antecipada aqui. Ele "viaja" a Londres comendo comida inglesa, sentindo cheiros londrinos e se cercando de um ambiente inglês. Em sua casa Londres é mais londrina que a Londres real. O livro me lembra muito certos filmes de Alain Resnais ( Marienbad principalmente ) com seu mundo fechado; é um livro "do mal", asfixiante.
Ficamos sabendo de seus gostos. Ele só admite aquilo que as massas não conhecem. Se um livro, um pintor ou um músico é um sucesso não poderá ter qualquer valor. É um fato: para todo simbolista a unaminidade é idiota. Assim, ele ama Moreau e Redon em pintura, Poe e Baudelaire em poesia, a filosofia de Schopenhauer e textos de vários escritores "malditos". Pois des Esseintes é atráido por tudo aquilo que desgosta o homem-comum, ele adora tudo o que é satânico, tudo o que é doentio, sujo, drogado, sexualmente mórbido, amoral e apodrecido. Seu extremado esnobismo é um dandismo que tende a doença e a morte, porque o homem vulgar teme acima de tudo aquilo que é podre, sifilitico, infernal. Ele provará drogas, ficará doente, terá alucinações, amores com mulheres masculinas, com mulheres doentes, com mocinhos frágeis, usará as pessoas e, terrível maldição, sentirá um tédio sem fim.
Pois nesse mundo auto-criado, o tédio é sempre o perigo. Tudo é provado por des Essientes, e tudo é jogado fora. As coisas se tornam sombras, perdem a urgência, o sabor. Chegando ao fim do livro ele se depara com a escolha : ou o revólver ou a cruz.
É fato, muitos simbolistas acabam se tornando católicos. Aquele tipo de católico que se veste de preto e faz preces em latim. O carola extremado, que condena todo pecado. Numa visão superficial, essa conversão pode parecer arrependimento pelos pecados passados, mas não é. No catolicismo o simbolista radical vê o mergulho definitivo no "mundo fora do planeta burguês", em terra que não faz parte de indústria/ciência e comércio, em plano simbólico que se alimenta de imaterialidade. E além de tudo, uma crença, que quando é radicalizada, se torna a mais esnobe e conservadora das fés, a crença católica, com seus bispos e cardeais, seus dogmas incompreensíveis e suas igrejas de ouro e de exorcismos. A aristocracia da fé.
Este livro, diabólico, hiperbólico, barroco, cansativo, perturbador e extremamente doentio, é uma chaga na literatura do século XIX. E de forma certeira, é uma antecipação de uma realidade que se aproxima. No pior futuro possível, todos nós seríamos des Essientes...e creia, muitos de nós já o são.

FÉRIAS NA TELA: AS FÉRIAS DE MONSIEUR HULOT- JACQUES TATI, UM ORIGINAL

Foi Roger Ebbert quem disse que assistir a esta jóia é como tirar férias. Voce relaxa observando aqueles seres na praia, sorri, sente-se feliz e passa por momento de tristeza quando é hora de voltar pra casa. Mas então voce o reassiste, e percebe que ver Hulot outra vez é ainda melhor. É como reencontrar lugar e pessoas queridas. Este filme é então UM LUGAR.
Para mim a descrição é perfeita, mas completo: se o paraíso existir, esta praia com estas pessoas são moradores desse céu. Nada é mais paradisíaco.
Não existe tempo neste filme. Nada acontece. Quero dizer, várias coisas ocorrem todo o tempo, geralmente no mesmo instante; mas não há uma história, nada de objetivos ou rivais, não existem vilões e também nenhum ensinamento explícito. O filme é uma paisagem, um quadro de bom viver, uma benção.
O som deste filme é antológico. Feche os olhos, deite-se e apenas escute... esta obra te dá a sensação de estar na praia. Isso porque é um filme sem diálogos. Algumas pessoas falam, mas o que elas falam não tem a menor importância. Suas vozes são abafadas pelos sons, suaves, do ambiente. O que escutamos são murmúrios distantes, o vento, as folhas, insetos e o mar. Um cão que late, o apito do trem, talheres à mesa, um carro que buzina. Tati nos diz que as palavras são ruidos, os sons ao nosso redor é que se fixam em nossa memória afetiva. Ele está errado ?
Ao vê-lo pela primeira vez tive uma pequena decepção. Não era uma comédia? As gags não me fazem rir. Mas então começou a nascer um AFETO pelo filme, por Hulot e por tudo aquilo que é mostrado. O calhambeque, o hotel, todos os hóspedes ( mesmo o garçom mal-humorado ), o sol sobre a areia.... E realmente voce sente um desejo de que o filme se eternize, de que ele jamais termine. Oásis.
Feito em 1953, este filme foi sucesso imediato. Hoje seria? Com certeza não. Para se usufruir desta obra-prima é preciso atenção ao detalhe, calma, mente absolutamente limpa e gosto por viver. Não combina com pipoca e Coca, seu complemento é uma champagne a beira-mar e um peixe assado em fogo lento.
Bom... Jacques Tati, o homem que em cinema mais se aproxima da palavra ANJO, nos deu este presente, esta graça, este filme de absoluta originalidade ( e ainda é original ). Usufruir deste prazer é um privilégio.
Obrigado Jacques !

ALTMAN/ MARTIN RITT/ REX/ CHABROL/ DENZEL/ JOHN WOO/ THE FIGHTER

A FORTUNA DE COOKIE de Robert Altman com Julianne Moore, Glenn Close e Liv Tyler
Quem leu o livro de Biskin sabe que após o sucesso, Altman se dedicou a sempre ser surpreendente. E também a destruir suas chances de ser pop. Mash é uma obra-prima de anarquia, liberdade e humor; mas Altman nunca mais conseguiu chegar perto desse cume. McCabe e Mrs Miller é um maravilhoso western melancólico e junkie, Short Cuts é um dos melhores filmes dos anos 90 ( se não for o filme da década ), mas no geral, a carreira desse diretor de marca e toque tão original foi uma sucessão de filmes que quase chegaram lá. Neste filme, fora o ótimo elenco ( todos os filmes de Altman têm ótimos elencos ) sómente o clima de "deep south" pode manter o interesse do público. O filme é flácido. Nota 3.
PARIS BLUES de Martin Ritt com Paul Newman, Sidney Poitier e Joanne Woodward
Entre 1955/1963 vários filmes foram feitos sobre jazz. O estranho é que os filmes que melhor mostram o que era o jazz, são aqueles que não eram especificamente sobre o jazz, mas sim os que tinham o espírito, a alma da música negra. Filmes sobre assaltos, sobre a publicidade ou sobre tribunais. Este é sobre dois músicos de jazz morando em Paris. Eles se apaixonam por duas turistas americanas que tentam fazer com que ambos voltem para os EUA. Mas isso seria abrir mão de uma carreira. O filme é estranho. Tem 3 atores excelentes, mas nenhum deles brilha, porque seus personagens são muito superficiais. Mas em compensação, tem Paris no auge de sua beleza suja e boêmia. Olhar para aquela cidade cinza, feita de bares, becos e bancas de rua é um imenso prazer. A trilha sonora é de Duke Ellington e há uma cena de improviso com Louis Armstrong que consegue ir à raiz do que significa jazz. Nada mal, mas podia ser muito melhor. Martin Ritt foi um muito importante ( e pop ) diretor dos anos 50/60/70/80, um tipo de Sidney Pollack com consciencia social. Nota 6.
O ROLLS ROYCE AMARELO de Anthony Asquitt om Rex Harrison, Jeanne Moreau, Shirley MacLaine, Alain Delon, George C. Scott, Ingrid Bergman, Omar Shariff
Asquit, diretor inglês rei da finesse, dirige este caro projeto que acompanha a "vida" de Rolls amarelo. São 3 histórias: na primeira ( a melhor ) vemos um tipo de nobre inglês, que ao presentear a esposa com o carro, descobre que ela lhe é infiel. Harrison dá um show de sutileza como esse marido ferido. O momento em que ele diz ( à Jeanne Moreau ), "de agora em diante odiarei cada minuto da minha vida", é momento de alta arte. O segundo episódio, sobre gangster e prostituta em viagem a Itália, é bem mais fraco. No terceiro, vemos o Rolls já velho na segunda guerra. O valor do filme está em sua bela técnica e no excelente primeiro episódio. Nota 5.
THE CRIMINAL de Joseph Losey com Stanley Baker
Que ótimo diretor Losey foi. Americano, perseguido pelo MacCarthismo, reergueu sua carreira na Inglaterra. Seus filmes são sempre duras críticas a sociedade. Aqui, em mundo de gatunos vagabundos, acompanhamos Baker como um presidiário. Na prisão ele é rei. Ao sair, tenta um golpe, mas tudo acaba saindo de seu controle. O filme é sexy, seco, nada "simpático". Stanley Baker faz tudo aquilo que Clive Owen tenta; eis um ator que eu não conhecia e que me agradou bastante. Trilha sonora genial, fotografia de Oswald Morris, elenco inteiramente afiado. Um belo filme sobre o lado podre da Inglaterra da época. Nota 7.
AS CORÇAS de Claude Chabrol com Stephane Audran, Jacqueline Sassard e Jean-Louis Trintignant
Uma entediada "burguesa" seduz moça na rua. Leva-a para viver em sua casa do campo, onde vive um casal gay. Mas surge um amigo que desfaz essa falsa paz. Nouvelle Vague de 1968, ou seja, de sua segunda fase, muito mais radical e muito menos interessante. O filme é seco demais, árido, sem emoção. Essa falta de emoção é proposital, mas o que ganhamos em troca ? O filme acaba sendo apenas uma tese sociológica sem clima ou charme. Nota 3.
INCONTROLÁVEL de Tony Scott com Denzel Washington e Chris Pine
Quem foi o mala que inventou esse estilo de filmagem ? Essa coisa de não nos dar a menor chance de pensar, ou pior, de escolher o que olhar em cada take. Veja como é : se o cara fala e acende um cigarro, a câmera dá close no cara falando, desce ao cigarro e volta ao rosto. O que é isso ? É muito fácil interpretar assim, é muito fácil filmar assim; voce não precisa interagir com outro ator, voce não precisa compor a cena, arrumar um grupo de atores. É tudo feito um a um, pedaço por pedaço. Miséria estética absoluta. Closes, closes e mais closes. Quem inventou isso ? Tony Scott, por volta de 1985 com Top Gun, um filme sobre aviões que passava todo o tempo dando closes no rosto e no braço de Tom Cruise. Aqui vemos um trem descontrolado. E é só. Denzel, ator maravilhoso, nada tem a fazer, passa o filme todo sentado. Uma geração inteira está sendo deseducada. Além de não terem mais a paciência de assistir algo que não as esbofeteie todo o tempo, estão perdendo o dom de olhar. Nota 2.
ALVO DUPLO de John Woo com Chow Yun Fat e Leslie Cheung
Dois irmãos: um é policial, outro é bandido. O bandido tenta se redimir. Woo inventou o moderno tiroteio. Ele é o cara que criou essa coisa de várias pistolas se apontando ao mesmo tempo ( não foi Quentin ) e também a famosa cena da explosão às costas do herói que anda indiferente. Aqui há uma sinfonia de sangue, pulos, tiros, dor e carne estilhaçada. E ritmo. Apesar da péssima trilha sonora ( esse é o grande defeito dos filmes de Hong Kong ) é um absorvente filme policial. Quem me lê sabe: voces estão testemunhando um cara descobrir toda a riquesa de um continente de cinema. Nota 6.
THE FIGHTER de David O. Russel com Mark Wahlberg, Christian Bale, Melissa Leo e Amy Adams
Não é um filme sobre box. É sobre familia. Mas é daí ? Quero dizer, o que está acontecendo? Este filme é ok, mas é um filme de tv. ( Ou o que era antigamente um tipico filme de tv). As imagens são banais, a história muito "humana" e muito simples, e os atores fazem apenas seu feijão-com-arroz de sempre. ( E mesmo Bale, que voltou a Robertdeniromente tentar impressionar com sua transformação física, está apenas ok. Às vezes ele parece um cara interpretando e não um personagem ). Este filme, que é um Rocky I bem piorado ( Rocky I emociona ), não é ruim, não mesmo. Mas concorre a vários prêmios no Oscar. Bem... acho que essa coisa de Oscar já era. Ou o cinema já se foi... as lutas são especialmente mal filmadas. Este filme me deu uma vontade imensa de rever Mean Streets ( quem já teve a honra de ver essa obra-prima de Scorsese sabe do que falo. As cenas de Mark com Bale tentam se parecer com aquelas de Keitel com De Niro e jamais chegam perto ). Quem quer ver um grande filme de box, veja The Set Up de Robert Wise, e quem quiser ver um grande filme... fuja. Mas ele não é ruim, é mediocre. Nota 4.