THE RUNAWAYS - FLORA SIGISMONDI ( MUITO MELHOR DO QUE FIZERAM VOCE PENSAR )

Quantas cabeças de criancinhas indefesas David Bowie literalmente "fodeu" nos anos 70 ? Eu estava lá e eu vi. E tem um monte de filmes sendo feitos agora sobre isso. Posso citar CRAZY, e também PLUTÃO de Jordan, e ainda ( bem mais velho ) VELVET de Haynes. Penso que na verdade o rock se divide em antes e depois de Bowie. ( Quem discordar depois eu explico porque ). E este filme, este surpreendente filme ( que nada tem de artístico ) tem uma cena linda : Dakota Fanning ( excelente atriz ) fazendo Cherie Lunghi ( vocalista das Runaways ) dublando Lady Grinning Soul num breguérrimo show de escola. Pintada de Bowie aos 13 anos. Uma criança perdida no mundo de Ziggy Stardust. No filme ela usa umas camisetas de David que eu daria minha coleção de dvds para as ter !!!!
Bem.... é preciso dizer, eu lembro meninos e meninas, de quando as Runaways surgiram. E eu recordo que ninguém as levou a sério. Foram, como os New York Dolls, o tipo de banda que se torna famosa antes de gravar e é esquecida após o fiasco do primeiro disco. ( Menos no Japão, que as adorava ). Elas nada mais eram que um tipo de Glitter made in USA. Suzi Quatro para yankees. Mas não dá pra negar, foram pioneiras num tipo de atitude que é dominante hoje, em 2010. Os olhos de Joan Jett e o cabelo de Cherie é moda entre adolescentes rocknroll com 15 anos em todo o planeta. Elas riram por último.
Se Cherie é uma comovente caipira americana tentando ser Bowie, Joan Jett é Iggy Pop. ( E quantos filmes usam música de Iggy nesta década ??? Um ziggylhão ??? ) Kristen Stewart também dá um show e tem cena em banheira que é atestado de boa atriz. Rebelde radical, perdida em sua agressividade, se torna um tipo de heroína rocker, uma Keith Richards com vagina.
Mas o filme ainda tem Michael Shannon fazendo Kim Fowley. Para os mocinhos nascidos recentemente cabe explicar: Fowley era uma estrela. Naquele tempo, auge de vendas de discos, produtores se tornaram estrelas. Tempo de Bob Ezrin, de Chris Thomas, Tony Visconti, Eno, Gus Dudgeon, Guy Stevens e de Kim Fowley, um tipo de flamboyant hiper pop com acentos rocker. O retrato dele é exato. Ego cruel e estranhamente amador. Era o tempo em que todos comiam na mão das gravadoras.
Mas eu testemunhei a ascenção ( que nunca houve ) e a queda ( melancólica ) das meninas. Sumiram sem deixar um só traço em meio aos punks, que cumpriram tudo o que elas insinuavam. E fui pego de surpresa com o sucesso de Joan Jett em 1981, ironicamente usando o caminho aberto por Chrissie Hynde. Eu vi crianças.... eu tava lá.
O filme não mente. As meninas são trituradas. E o balão bolado por Kim Fowley murcha antes de subir. O filme, excelente, respira pelas atuações irretocáveis e pelo retrato do aturdimento de vida ansiada e detestada. Para quem gosta de rock é obrigatório !
Estranho é ver as Runaways, hoje, como um tipo de grupo cult. Estaremos em fase tão ruim assim ?

O ROMANCE DO GRAAL - CHRÉTIEN DE TROYES ( O HOMEM DONO DA FELICIDADE )

Chrétien de Troyes escreveu este livro em 1180. França, região de Champagne. Trata-se de centro daquilo que podemos chamar de "REINO DE NOSSO INCONSCIENTE". Rico de símbolos, rico de ação, criatividade exuberante onde tudo pode acontecer e acontece, ler esse livro é experiência de estranhamento : lendo-o nos sentimos em sonho e ao mesmo tempo, aliás como acontece no sonho, tudo nos é magicamente conhecido, é como reencontrar uma verdade perdida. Tudo é surpresa, e tudo é familiar. E lemos como quem sonha e do sonho não deseja acordar.
Uma verdade perdida. É exatamente esse o legado da verdadeira idade média ( aquela que vai de 800 a 1250 ). Para muitos , única época histórica ( ou seja, após a criação da escrita, de 5000 a/c para diante ) em que o homem foi "verdadeiramente sí-mesmo" e portanto, feliz. Não me importa discutir se isso é verdade ou não. Jamais o saberemos. Tudo será imaginação otimista ou dúvida pessimista. O que é fato é que uma sociedade que cria relatos como este só pode ser chamada de saudável. Na época de Chrétien a neurose está ausente e não é dificil entender o porque.
Pouco se teme a morte. Quando hoje, descrentes e sem objetivos maiores, pensamos nas baixas médias de vida daquele tempo, imaginamos ser aquele povo medroso, fanático, triste e fatalista. Não. Para eles, morrer é terrível só se for morte em desgraça, morrer como covarde ou sem a absolvição da igreja. Para eles, suprema, e para nós irrecuperável felicidade, morrer é apenas mudar de condição, transformar-se. Eles temem o inferno, não o morrer.
Outro fato pouco neurótico: as emoções livres. Amigos se beijam ao se encontrar ( na boca ) várias vezes, e ao se abraçar rolam no chão rindo e cantando. Conversam de mãos dadas. Quando feliz, o homem desse tempo rí alto, gesticula, dança e pula. Toda emoção é LIVREMENTE EXPRESSA PELO CORPO QUE VIVE. E na tristeza eles choram, arrancam os cabelos, socam paredes, e desfalecem. Não existe o pensamento de se controlar uma emoção. O homem nobre é aquele que as vive, e quanto maiores elas forem, maior é seu coração.
E o coração é o centro da vida.
O amor é um compromisso conscientemente dado a um símbolo. A mulher é perfeita. É um anjo que dá ao homem o direito de se alçar ao céu. Então podemos pensar que se trata de amor casto. Mas me surpreendo ao ler a quantidade de vezes em que os amantes se cobrem de beijos, de caricias e quantas donzelas se dirigem ao leito do herói para lá dormir. O compromisso é o de se defender a dama, honrá-la de qualquer ofensa, cuidar de seu bem, ser seu CAVALEIRO E ELA SER SUA DAMA. E cabe a dama honrar esse campeão, sendo sua inspiração, o motivo de sua partida ( sim, ele parte por ela ), o objetivo de seu fim.
Mas antes vem a estrada. E toda aventura é uma estrada em que em cada bosque há um perigo ou uma sorte. O livro esgota todo o arsenal de aventuras que até hoje usamos. De damas traiçoeiras a poços sem fundo, de castelos prisão até encantamentos, de rivais mentirosos à reencontros com mães. E a estrada inaugura o tempo. É nesse período que se institue o tempo do ocidente. E esse tempo é uma estrada, um caminho. Adiante para sempre.
Jung bebeu tudo nesta fonte. Ele dizia que o caminho do homem, hoje e sempre, é o caminho da individuação. Tornarmo-nos nós mesmos. Nesta saga, Perceval começa como tolo jovem egoísta e após seu amadurecimento ele tem a "lembrança" de seu nome : SOU PERCEVAL ! Note : ele não ganha um nome, ele o recorda. Nos tornamos individuos não pela graça de outro, mas por nosso mérito. Recordamos aquilo que sempre fomos.
É AQUILO QUE UM DIA SUCEDERÁ AO PLANETA : LEMBRAREMOS O QUE NUNCA DEIXAMOS DE SER.
A aventura mais conhecida de Perceval ( e a que mais intrigava Jung ) era aquela em que ele adentra o reino do Rei Pescador. Rei ferido, aleijado, que não pode mais caçar. Carregado a beira de rio, ele usa anzol e pesca. O que significa cada peixe que ele pega ? Nesse reino há uma lança que sangra e o GRAAL, taça maravilhosa que dá vida e cria o homem. Perceval vê as duas passarem diante de seus olhos, mas se cala e não faz a pergunta que salvaria o Rei Pescador. Ele não pergunta o porque do sangue e para onde vai o graal.
Para vários artistas, psicólogos, poetas, essa imagem é o centro do simbolismo ocidental. A lança, a taça e o rei que pesca.
Perceval depois é hipnotizado por 3 gotas de sangue sobre a neve branca....
Eu poderia então escrever laudas e laudas sobre a riqueza de tudo isso. Mas a fé no símbolo se manifesta pela não explicação de sua força. Que cada um tire dele o que conseguir.
Cito ainda a divisa que norteia o que seria desejável num homem :
BELO, CORAJOSO, MODESTO, SEM AMBIÇÃO E LEAL. E o livro demonstra o quanto se valoriza a beleza física de homem e mulher. A do homem estando ligada a agilidade e rapidez e a beleza feminina a jóias e animais ( olhos de rubis, pele de pérola, corpo de gazela ). Estamos a séculos da valorização da ambição, esperteza e volubilidade. Para eles, ser ambicioso é ser mau, ser esperto é desonrar e ser volúvel é mentir. Não se mata um inimigo inutilmente ( e muitos se tornam amigos ), captura-se esse rival. E não se nega a palavra dada ( e tudo é palavra ). O que se diz ainda tem peso.
Chrétien de Troyes faz aqui a gênese da nobreza. O momento em que o mundo se abre como caminho que leva a aventura, e aventura que nada mais é, que o reconhecimento do símbolo. O recordar-se daquilo que sempre se soube. Perceval, tolo galês que se torna o mais adorado dos cavaleiros ( por ser corajoso, belo e puro ) demonstra a todos nós a via do homem, a saga da Europa e tudo o que perdemos desde então.
A influência deste livro é inescapável.

KAZAN/ ZHANG YIMOU/ MICHAEL BAY/ PIETRO GERMI/ JACKIE CHAN

MEUS CAROS AMIGOS de Pietro Germi e Mario Monicelli com Ugo Tognazzi, Philippe Noiret, Gastone Moschin e Adolfo Celi
Germi faleceu em meio as filmagens e Mario o completou. Dá para perceber onde cada um deles trabalhou. A abordagem de Pietro é muito mais amarga, Monicelli é mais eufórico. Os dois são mestres. O filme fala de bando de amigos, cinquentões, que insistem em ser adolescentes. Vemos então suas "artes". Tumultuam hospital, entram de penetras em festa, envolvem otário em mentira mirabolante. Mas acima de tudo, vivem. Há uma frase que traduz a mensagem do filme. É quando o personagem de Moschin diz : " Estar entre homens é tão bom que é uma pena eu não ser um bruto de uma bicha! " Desculpem moças, mas esse é um honesto pensamento masculino. Somente gays adoram a companhia feminina "todo o tempo". O filme é ode à amizade viril. É machista, grosseiro, porco, idiota e ao mesmo tempo é poético e tem um final lindo. É no enterro, em que eles seguram o riso. O riso diante da tragédia. Meninos tenderão a odiar este filme. Ele nega TUDO o que esses flácidos querubins adoram. Além do que é uma comédia, uma comédia melancólica. O elenco é absurdamente bom. A cena na estação de trens é de uma estupidez hilária !!!! E é um filme que serve como aula sobre a alma do homem. Uma quase obra-prima. Nota 9.
BOOMERANG de Elia Kazan com Dana Andrews
Excelente policial. Um promotor deixa de acusar um réu, pois começa a ter dúvidas de sua culpa. Nós também queremos que ele não seja condenado. Mas dái vem a dúvida : ele é realmente inocente ? É um belo filme ! Kazan dirige com economia, urgência, fogo. Somos absorvidos. Daí para a frente, com Um Bonde e depois Sindicato de Ladrões, Elia Kazan dominaria a tela dos EUA nos anos 50. Nota 7.
CARGA EXPLOSIVA I de Cory Yuen com Jason Statham
O terceiro é o melhor. Mas é um bom filme de lutas ( Jason não é um novo Willis ou Stallone. Sua praia é a mesma de Jet Li, artes marciais. Willis tem o humor que ele não tem e Stallone a força estúpida e sem sutileza que Jason jamais usa. ) Nota 5.
THE BUCCANEER de Anthony Quinn com Yul Brynner, Charles Boyer, Claire Bloom
Fracasso. Única direção de Quinn, este filme de piratas dá todo errado. Apesar do ótimo elenco, o filme deixa de lado o que é básico em filmes de aventura : leveza. Ele jamais voa. Nota 2.
THE GOOD, THE BAD, THE WEIRD de Kim Jee-Woon
A cena no vagão do trem é uma obra-prima de técnica. O resto do filme é estonteante. Em termos de habilidade física e modernismo é supremo. A câmera flutua e tudo é velocidade. Há humor, a história surpreende e Kim homenageia Sergio Leone. Uma deliciosa aventura improvável que faz com que a esperança no cinema renasça. Se perdemos os gênios, que vivam os palhaços ! Nota 8.
UMA FILHA PARA O DIABO de Peter Sykes com Christopher Lee e Nastassja Kinski
Em tempos menos patrulhados, Nastassja, com 13 anos, aparece nua. Ela já demonstra a beleza hipnótica que desenvolveria. Mas o filme, sobre satanismo, é de uma obviedade atroz. Nota 2.
HERÓI de Zhang Yimou com Jet Li, Tony Leung, Maggie Cheung Zhang Zyi e Donnie Yen
Apenas os filmes de Kurosawa e de Bergman ( alguns ) têm visual mais belo. Fotograficamente é uma obra-prima. Mas ele é mais que imagem. A ação é espetacular, balé de movimentos impossíveis. A cena do duelo "de pensamentos" é sublime. O filme, o primeiro de ação feito por Yimou, é além de tudo, uma aula sobre a China. Disciplina e dualidade, força física e pensamento correto, ritual como filosofia. Jet Li nunca esteve tão bem e mesmo atores "não atletas" como Leung e Cheung se saem muito bem. Uma saga imensamente bela que realmente impressiona. É um dos grandes filmes dos anos 2000, sem dúvida. Nota DEZ.
TRANSFORMERS de Michael Bay com Shia LaBoeuf, Megan Fox, Tyrese e Jon Voigt
Vamos lá..... Existem dois tipos de filme de ação: aquele que mostra um homem contra um sistema e aquele que é um sistema contra um invasor. No primeiro caso temos a série Duro de Matar, Yojimbo, os Dirty Harry e afins. E é daí que costumam sair os bons filmes de ação. Por quê ? Porque eles trazem em seus genes a saga do cowboy solitário, o cara marcado pelo destino contra um meio que dele quer distãncia. Os filmes de Jason Statham, de Tarantino, de Jet Li seguem essa linha. E existem aventuras como este tal Transformers, as aventuras que glorificam o status quo, que são odes ao comodismo, ao exército, ao grupo organizado. Michael Bay faz sempre o mesmo filme: jatos decolando, armas modernas e telas de computadores. Soldados sarados e comandantes do bem. É de um fascismo intencional. Me dá nojo ! Tudo aqui é calculado para alucinar os adolescentes nerds ressentidos. Eles podem se ver no papel de Shia e sonhar em ter acesso àquele mundo de foguetes e computadores do Pentágono. Este filme podia ter sido dirigido por qualquer burocrata de lá. Nota ZERO farenheit.
CARGA EXPLOSIVA II de Louis Leterrier com Jason Statham
E aqui ele é um chauffeur que salva família vítima de terroristas/traficantes. Exemplo do que falei acima: é o herói contra o meio hostil. Por isso é simpático e podemos torcer sem culpa. Dos filmes da série é o pior, mas ainda diverte. Nota 5.
RESIDENT EVIL de Paul W S Anderson com Milla Jovic e Michelle Rodriguez
Video-game nas telas. É ruim demais ! Nada acontece, os caras ficam presos numa tal de colméia e tentam escapar dos zumbis. Mas nada tem suspense, clima ou humor. Nota ZERO.
O INCRÍVEL EXÉRCITO DE BRANCALEONE de Mario Monicelli com Vittorio Gassman, Gian Maria Volonté e Catherine Spaak
Fazem três dias que tudo que penso é : branca branca leone leone !!!! Uma comédia que nos deixa felizes. Dá muita pena quando o filme termina, queremos continuar na companhia daquela armada. Um grupo de maltrapilhos adoráveis. Por quê só os italianos conseguiam fazer comédias assim ? Uma obra-prima como cinema e talvez a melhor comédia já feita. Nota UM ZILHÂO!!!!!
OS ETERNOS DESCONHECIDOS de Mario Monicelli com Vittorio Gassman, Marcello Mastroianni, Renato Salvatori e Claudia Cardinale
Mas há este filme. Sobre pobretões que armam golpe perfeito. Totó participa, gênio ! Todos os personagens são magníficos, quando os recordamos, sorrimos de seus rostos. Os italianos tinham a voz e o rosto para a comédia, e quando esses rostos são de grandes atores... aí a coisa fica inigualável ! Este filme, admirado por Scorsese, Woody Allen e Soderbergh, é obra-prima de roteiro, de vitalidade, de realismo. Maravilhoso!!!! Nota UM BILHÃO !!!!!!!!
MR NICE GUY de Samo Hung com Jackie Chan
Nosso Buster Keaton em boa aventura australiana. Jackie tem carisma, é engraçado e tem agilidade inacreditável. Este filme marca a volta de sua parceria com Hung, um mito na China. Bela diversão pop. Nota 6.

OS ETERNOS DESCONHECIDOS - MARIO MONICELLI

Lí o texto de André Barcinski sobre este filme e me deu vontade de o rever. Que belo presente de natal !
Filme amado por Woody Allen, Scorsese e por Soderbergh, narra a história de bando de miseráveis que armam um plano de assalto perfeito. O filme é então uma sátira aos milaborantes filmes de crime. Mas é muito mais. Porque não é nos erros que se faz o humor desta obra-prima, é no cotidiano desses tipos tão verdadeiros, nada excêntricos, e tão adoráveis.
Vittorio Gassman é o galã. Galo inflado, se vê como homem inteligente e belo. Marcello Mastroianni é um pai sensível, sempre às voltas com o bebe que chora. Renato Salvatori é um jovem malandro das ruas, apaixonado pela irmã de outro ladrão, a jovem Claudia Cardinale. O irmão, siciliano com rosto de eterna briga, um " tá olhando o que?" nos olhos, é hilário. Temos ainda as cenas na prisão, todas bufonas, italianadas, faiscantes.
Mais personagens surgem : o velhinho que passa o tempo a comer, e Totó, o grande gênio Totó, como o mestre de arrombamento de cofres, um pretensioso. Totó foi provávelmente o maior ator cômico do mundo ( e incluo Tati e Keaton nisso ). Seu rosto é obra de intuição de mestre.
Esse bando de perdedores faz o roubo e o que acontece então deixo para voces descobrirem. Basta que eu diga que o final é perfeito. Termina como devia terminar e termina em chave de surpresa.
Monicelli morreu aos 93 anos se jogando da janela do hospital. Riu por último. O mundo não terá outro igual. Para ele a vida era hilária por ser tosca, mal feita, sem razão.
Eu o chamo de mestre.

O INCRÍVEL EXÉRCITO DE BRANCALEONE - MARIO MONICELLI

BRANCA BRANCA...LEONE LEONE !
Carlos Rustichelli fez a maravilhosa trilha sonora. A música já instaura o riso. Voce nunca mais deixará de sorrir quando dela se recordar. A fotografia é de Carlo di Palma e o visual de Piero Gherardi. A Itália, em passado distante, teve os melhores técnicos do mundo.
Estamos na idade média, e em sua primeira cena o filme mostra o que era a violência ( covarde ) dos tais cavaleiros. Dois maltrapilhos ficam com documento de posse de feudo e encontram Brancaleone para ir com eles administrar essas terras. A aventura se faz. O filme, imensamente criativo, narra dúzias de peripécias, todas hilárias, todas encantadoras. É uma comédia, talvez a melhor já feita, mas é também uma das maiores aventuras filmadas. A grandeza da comédia de gênio é essa : fazer rir, mas acima de tudo, narrar uma história.
Vittorio Gassman, um gênio, cria esse bufão nobre. Seu Brancaleone é uma das maiores criações da história do cinema. Após dois minutos em cena já estamos apaixonados por ele. Brancaleone é idealista, sonhador, galante e muuuuito tolo. A voz que Gassman usa, a expressão do rosto, tudo traduz um ator de gênio em ação. Mas há mais...
Nada no filme força o humor. Monicelli não faz seus atores irem ao puro circo, ao absurdo. Ele não vende sua história por um riso. Sua meta é fazer um filme cômico, o riso virá com o filme e nunca às custas dele. Monicelli não humilha os atores, ele os ama, e ele ama seus brilhantes personagens.
Houve um tempo em que os melhores atores do mundo eram italianos. Personagens como o do velhinho judeu com sua arca são obras de ourivesaria. Não são só hilários, são reais.
Age, Scarpelli e Monicelli criaram esse roteiro que não pára nunca de surpreender. As aparições do monge fanático são das coisas mais brilhantes já escritas. Crítica à igreja com humor e com verdade. Peste, sarracenos, duelos, virgens, bizantinos, cruzadas, todo o universo medieval é aqui representado. E, susrpresa, com honestidade. O mundo que aqui vemos é de verdade, é a idade média real. Como disse, Monicelli não trai a arte pelo riso.
Em sua cena final, mágica, sentimos tristeza por termos de sair da companhia da Armada Brancaleone. E percebemos alí a função do humor : os personagens, absolutos párias, insistem em crer na vida, riem da desgraça, avançam rumo a aventura. E nós, pobres testemunhas, percebemos o que significa dançar e rir diante da morte. Monicelli era um gênio. Brancaleone é a maior comédia da história do cinema.

A CASA DAS BELAS ADORMECIDAS - KAWABATA

Um senhor muito respeitável. Visita casa onde adolescentes dormem com seus clientes. Dormem e oferecem seu corpo como templo de adoração. Sim, templo. O senhor, confuso em seu desejo soberbo, adora cada centimetro da pele explorada. O sexo se revela ato de beleza, de transcendencia, de veneração.
Esse homem jamais é analisado pelo autor. Nada o condena e nada o absolve. Estamos em universo que desconhece dogmas, sejam cristãos ou sejam freudianos. Ele deseja e adora religiosamente. O mundo se torna uma menina que dorme.
Sim, pois ela dorme. O que ele quer é um corpo inconsciente, objeto que se torna cosmo e portanto eterno. Sua relação não se dá entre velho e menina, é um contato de consciência que se sabe em seu final e pele jovem, clara, saudável, macia. Há muito de vampirismo.
Kawabata ganhou o Nobel de 1968. Sua escrita é nipônica em tudo. Cada palavra é um acorde de koto. Há delicadeza e ritual, mas há também a violência latente. Sexo e morte, seu mundo é apenas isso, sexo e morte ( apenas ? ).
Milagre : ele faz com que sintamos o que aquele senhor sente. Livro de sensualidade hipnótica. A pele da menina se torna o papel do livro. O cheiro dela é transportado em cada linha. Preto sobre branco, tinta e papel. Nós também a tocamos.
O livro explicita a diferença, imensa, entre erótico e pornográfico. Uma pequena jóia da escrita.
PS : Em mundo de imagem digital e de imediatismo urgente, só a pornografia é possível. Sem o toque do papel e a escrita feita com tinta sobre página clara, o sensualismo morre e a objetividade da pornografia impera.

HERÓI - ZHANG YIMOU

E eles dançam diante da morte. Apuradamente eles se preparam para matar ou morrer. Cada gesto é refinamento de um pensamento perfeito. E o filme, obra-prima do cinema chinês, consegue ser aventura do corpo e saga de almas em busca dessa dança ao abismo.
Não falarei o óbvio: que o apuro visual remete a RAN de Kurosawa ( Ran é o mais belo filme colorido já feito ) ou que a luta marcial chinesa é hoje o único equivalente à maestria estética do grande musical americano de Astaire e Gene Kelly ( mas não só os dois ). E que o fato de que o musical vinha envolto em ingenuidade e comédia e o filme marcial vir envolto em sangue e morte exemplifica muito as diferenças entre as duas épocas.
Prefiro falar da saga desses heróis que se aprumam para morrer de modo estético e ético e que na cultura oriental ética e estética caminham sempre entrelaçadas.
Direi que o sonho está sempre presente e que sim, houve tempo em que um grande herói podia voar. Nós aprendemos a descrer disso e em ditadura da ciência é risivel levar a sério o heroísmo. Teorias sociológicas explicam grandes homens e seu ato se vê desmistificado. Mas o herói é diferente de nós, por mais que digam sermos todos iguais. Ele ousa onde eu recuo. Ele crê onde duvido. Ele segue firme onde me recolho.
Mira a morte. É o tigre na floresta.
Todas as cenas são de deslumbre para a vista e de concentração para a mente. Mas a luta de pensamentos em preto e branco humilha toda tentativa que outros filmes fazem de nos impactar com aviões, tiros e explosões. Tudo é de absoluta sutileza.
Há uma trilha sonora que é obra-prima de ritmo e de criação e somos absorvidos pelo andar filosófico deste gigantesco e muito simples espetáculo. Porque aqui chegamos ao coração da aventura : se dar a uma paixão e arriscar tudo por essa meta. Quando vemos um espadachim se exercitar na caligrafia estamos observando a alma afiar-se na antecipação do embate.
Terreno fértil para heróis é a terra que acredita naquilo que eles fazem/fizeram.
Agora tudo pede pelo tímido comodismo de quem pega tudo pronto. Mas os heróis nos aguardam, sua volta acontecerá, a urgência do trágico será recuperada um dia ( por poucos ) e a vida valerá aquilo que a faz ser nobre : o riso ao abismo. O salto dançarino à espada fria.

AMY WINEHOUSE e LUIZ FELIPE PONDÉ

Cito texto da revista Serafina de domingo: ( escrito por Luiz Felipe Pondé )
E Amy não faz ridiculo de boazinha, coisa rara na cultura dominada pela breguice.
...haja saco para roqueiros que cantam em nome de um mundo melhor.
A imagem de astros pop morrendo de overdose nos anos 60/70 fazia parte da ética contra o sistema. De lá para cá a caretice de se preocupar com o corpo tomou conta do mundo. E artista bonzinho é artista fraquinho.
Não é que se morrer de overdose voce é talentoso. Pode ser apenas mais um idiota da fila.
A virtude básica da tragédia é a coragem de viver sabendo-se amaldiçoado pela finitude e pela falha trágica, ou seja, a desmedida ( hybris, em grego antigo ). A desmedida é o passo que leva o herói a maldição, o exagero passional, a revolta diante do destino.
Estamos todos condenados a gargalhada da morte. A DIFERENÇA É QUEM RI DE VOLTA PRA ELA, DANÇANDO OU QUEM CHORA DE MEDO.
Por isso Nietzsche dizia que o que move a vida da maioria é o RESSENTIMENTO DIANTE DA GARGALHADA DA MORTE QUE NOS HUMILHA.
Aristóteles já dizia que o terror trágico ( a desmedida, o desespero, a morte ) que toma conta dos heróis nas tragédias gregas, nos contamina e nos ENLOUQUECE DE PAIXÃO ( pathos ) por eles. Mas por que ?
SIMPLESMENTE PORQUE ELES NÃO PARECEM TER MEDO COMO NÓS.

Magnífico e simples este texto.
Escrevi sómente alguns trechos. O que acrescentar ?
Poderia dizer que o herói vive por nós aquilo que ansiamos mas tememos viver. Poderia ainda acrescentar que a morte nos humilha por sempre vencer no final, ela está invicta nessa competição.
Pois até Cristo teve de se submeter a ela ( e vencer na prorrogação ).
A desmedida é a medida do herói. E penso que o grande talento sem a desmedida poderá ser genial, mas jamais um herói. É a diferença entre Henry James e Tolstoi. Entre Shelley e Wordsworth.
Rir de volta e dançar diante da morte. Equilibrar-se no abismo. É essa a imagem dos melhores westerns. Brincar com o terror, bailar diante dos tiros, sorrir ao inimigo.
Nada define melhor a condição humana : o que dança ( Zorba ) e o que assustado e acovardado empurra canetas, digita besteiras, ou muito pior, ri daquele que ousa o desmedido.
Fica claro então que aquele que zomba do herói trágico, do apaixonado radical, do dançarino no abismo, aquele que zomba por medo, por rancor, por covarde despeito, esse se coloca ao lado da morte, no time do cinza sem vida, e é irônico que por covardia diante da morte esse tolo bunda mole opte por ser um semeador de coisas mortas.
Nada define melhor para onde caminhamos.
PS: Tão necessário quanto ouvir Amy Winehouse é ler a bio de Patti Smith. Tudo o que faz da vida ato de desafio está lá escrito.

THE JEAN GENNIE - DO CARA MAIS INFLUENTE DE TODO O ROCK

Vamos e venhamos, para um cara do Brasil, de 11 anos de idade, que estava acostumado a Beatles, Monkees e Elton John, ver Bowie na tela cantando Jean Gennie foi uma coisa decisiva.
Nelson Motta apresentou a nova sensação inglesa "bem louca, bicho", um tal de David Bowie e suas Aranhas de Marte. E tava lá, na tela ( e tudo o que veio depois, de Sex Pistols a Boy George, de Lady Gaga a Freddie Mercury, de Johnny Greenwood a Damon Albarn e Paul Weller bebe na fonte pinky de Bowie ), tava lá na tela aquele rosto maquiado com unhas pintadas de preto e aquele cabelo orange com calças de prata e botas plataforma.
Mas não era tudo jeans e cabelão sujo ???????
Mas não era tudo radicalismo politico ( Lennon, Dylan ) ou pop fofo ( Elton, Paul ) ?
Esse tal de Bowie não era nada disso. Não era de esquerda e não era pop. Ele era um "artista". Bowie pegava ( foi o primeiro a fazer isso ) um monte de coisas que não eram rock ( pintura, dadaismo, fotografia, existencialismo ) e misturava no pop/rock.
Ele era tudo menos roqueiro. Foi pioneiro nisso. Com ele morre o blue jeans.
Mas na época eu não sabia nem o que era homossexual, o que era glitter ou o que fosse distanciamento brechtiniano. O que eu sabia é que o cara era muito diferente de tudo, novo, divertido, que Mick Ronson tocava uma guitarra do caraca e que o clip, com cenas de Angie Bowie na rua me enfeitiçava.
Me apaixonei por ela. ( Angie era bonita então ). O diretor do video era Mick Rock.
Depois disso nada nunca mais foi como era antes.
( E eu estava a anos luz de saber que a tal de Jean Gennie era Iggy Pop ! )
Bowie é o cara.

THE GOOD, THE BAD, THE WEIRD- KIM JEE-WOON

1967.
Como diz Keith Richards em sua hilariante biografia, foi em 67 que tudo se definiu. Os moldes se criaram. E em 1967 todo cinéfilo se dividiu entre WEEK-END de Godard e BONNIE E CLYDE de Arthur Penn. E ainda havia Mike Nichols com A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM e Antonioni com BLOW-UP. Filmes que criaram os nichos onde os diretores pretensiosos se instalam até agora. Godard e Antonioni criando o filme "não entendi nada", Nichols dando ao mundo o primeiro filme de "adolescente nerd gracinha" e Penn o filme de "ação com cérebro".
Pouca gente em 1967 notou que o grande sucesso popular daquele ano, THE GOOD THE BAD THE UGLY de Sergio Leone, era possivelmente o melhor filme. Não só o melhor, mas sim o mais atemporal.
2008.
Toda uma geração de cinéfilos jovens cultua o filme de Leone. A obra desse italiano genial é estudada, copiada, citada, amada, divulgada. E cria-se uma certeza, a de que existem dois tipos de cinéfilos : os que amam Leone e os que apenas adoram Leone.
2010.
Cineastas, muitos, principalmente na América, continuam a estudar Godard. E Penn, Nichols, mas não Antonioni, que continua restrito a Europa. Mas eles copiam principalmente Leone.
E Leone idolatrava Kurosawa.
Fecha-se o circuito. O oriente olha para a obra do italiano. E vem esta homenagem. Este filme coreano, este espetáculo.
A corrida atrás de um mapa. Sangue e algum humor. Kim Jee-Woon não tem o dom de poesia que Leone tinha. Mas este não é um século poético. Este filme chupa o sangue do filme de 67, mas é um filme absolutamente de hoje, de agora, já!
O cinema americano está cansado. Mesmo quando surge um grande filme, há uma sensação geral de que ele pode ser o último, ou pior, a de que foi um acaso. A linha histórica de grandes obras e grandes mestres foi desfeita. O cinema ocidental não requer mais grandes cérebros originais. Ele pede grandes comunicadores. O que é beeeem diferente. O que importa é vender seu produto, mesmo que ele pareça anti-comercial ( só pareça ).
No oriente existe a vitalidade. Lá ainda se crê na festa que o cinema é. Ainda se tem a sensação de que HÁ MUITO POR SE FAZER. Os roteiros não têm medo. Vão fundo no ridiculo, na farsa, no pastiche e em outro extremo, no hermético. Seja China, Japão, Coréia, Irã ou Tailandia, o cinema do oriente corre riscos, propõe exageros, vai além da pasmaceira. Tem cor, ainda.
Este filme é uma festa. Deixaria o Spielberg de 1981, deixaria o Tarantino de agora, extasiados. Seu único defeito é a trilha sonora terrível. Mas ele tem tanta ação, criatividade, suspense, cor, ritmo, inteligencia, arrojo, que nos sentimos como em festa, festa de cinema.
Vejo que ele faz parte do livro 1001 FILMES PARA SE VER ANTES DE MORRER. E foi enorme sucesso na Europa e Ásia. Kim Jee-Woon. Guarde esse nome. O cara sabe tudo....

QUANTO EU DEVO A BLAKE EDWARDS....

Eu devo a ele minha comédia favorita. Sei que não é a melhor ( a melhor é Levada da Breca, de Hawks ) mas é o filme que mais me fez rir. Essa comédia é UM TIRO NO ESCURO, que balançou a crença que eu tinha aos 18 anos de que filme "bom" era filme dificil. Arte só podia existir em Antonioni, Bunuel, Bergman e que tais. Mas numa noite de sábado, deprimido, assisto a Peter Sellers criar um personagem eternamente vivo, ouço Henri Mancini com sua trilha sonora de gênio e vejo Edwards orquestrar tudo isso. Foi uma madrugada que jamais esqueci. Minha visão de cinema começou a mudar e me coloquei uma questão que coloco até hoje : o que Blake Edwards tem de menos que John Cassavettes ou que Fassbinder ? Pretensão talvez.
Mas o mundo não mudou. Hoje continua a se pensar que genial é aquilo que se parece com aula ou com museu. Na Itália da época se cultuava Elio Petri, Mauro Bolognini e Francesco Rossi. Mas Monicelli era "apenas" um diretor de comédias. Nos USA se cultuava Martin Ritt, Franklyn Schaffner e Arthur Penn, mas não Blake Edwards. Porque amamos tanto quem nos faz rir, mas só damos valor intelectual a quem nos faz sofrer ? A quem parece sério e só fala de temas sérios com sisudez ? Não é muito mais nobre rir da seriedade ? Arrancar risos da tragédia, sem negá-la ?
Blake fez vários filmes ruins. E até alguns muito ruins. Mas tem seis grandes filmes. E desses, os que mais gosto, além do Tiro no Escuro, são O CONVIDADO BEM TRAPALHÃO, VITOR OU VITÓRIA ( um dos melhores filmes dos anos 80 ) e BREAKFAT AT TIFFANYS, o filme mais lembrado do ícone Audrey Hepburn.
Ele tinha classe, tinha gosto e sabia ser ácido. Se une a Keaton, Chaplin, Hawks, Mel Brooks, Chuck Jones, John Landis, Steve Martin, como aqueles caras que deveriam ter tido muuuuuito mais reconhecimento por Oscars, Cannes, Veneza e etc.
Ou talvez não. Talvez ninguém seja mais reconhecido que Chaplin, Groucho, Eddie Murphy, Tati ou René Clair. Talvez os prêmios sejam apenas consolo para aqueles que não conseguem ter o amor popular que gente como Jerry Lewis ou os Monty Python sempre tiveram/têm.
Pois por mais que eu admire Ingmar Bergman e Godard, é para atores/diretores que me fizeram rir que dirijo meu afeto. Para aqueles que consolaram minhas deprês, que aliviaram minha dor e que restauraram a minha fé na vida.
E para gente como essa, todo o amor lhes é devido.

ASSIM FALOU ZARATUSTRA - NIETZSCHE

Viver na corda sobre o abismo, como um bailarino, e ser odiado por ser só. Obedecer ao corpo e só ao seu corpo. E viver na pura verdade, a verdade da vontade. Eu sou meu corpo e é só com ele que vivo.
Nietzsche prega no deserto. Não sei se ele foi um dia entendido. Penso que ele não o queria.
Na ponta da corda, o animal, na outra ponta, o super-homem, fora da corda e longe do abismo, o rebanho, o homem sem individualidade.
Volta a Terra. O segredo do filósofo-poeta : o homem como ser-Terra. A vida é carne, a vida acontece agora, a vida é o sol. Quanto mais distantes da Terra/Mãe mais distantes da vida. Daí o fato de se ser só : desenvolver a individualidade ao máximo.
Igreja e Politica, as forças que fazem do homem apenas mais um, um fraco em meio a seus senhores. Igreja e Politica, véus que disfarçam as cores reais da vida.
( Para Nietzsche seria cômico um bando de ateus se unirem e fazer propaganda de seu ateísmo. Ser ateu é ter a coragem de ser só, de não precisar de companheiros de rebanho. Unir ateus em "fé" ao ateísmo é criar nova igreja. )
Como ele pensaria em Marxismo, Freudianismo, Darwinismo, Jungismo, existencialismo, como novas igrejas, com seus dogmas e seus fiéis dizendo amém.
A corda sobre o abismo. Colocar-se em prova. O SuperMan.
O homem precisa ir além, o homem precisa despir-se de toda ilusão, o homem precisa caminhar ao deserto. Para Nietzsche não existe a comunhão e esse foi seu grande erro : a vida acontece na Terra, sim, mas o SuperMan se completa no outro. O ódio de Nietzsche ao cristianismo fez com que ele ignorasse a suprema originalidade da fé cristã : amor. O filósofo alemão é incapaz de entender o amor.
Mas ele é muito atual ao dizer que o homem fraco abomina a Terra. Para esse ser, tudo o que é natural lhe é intolerável. A própria visão da corda sobre o abismo lhe é insuportável. Então, esse subHomem, pequeno e rancoroso, fará a sabotagem da vida, tentará negar a vida e destruirá a Terra. Fugirá da força titânica que é o fogo e o sangue da vida.
Há em Nietzsche a terrível nostalgia do paganismo. Nascido no mais racional dos séculos ( XIX ) houvesse nascido 40 anos depois, seria Friedrich colega de Hesse, Lawrence e Huxley, percorreria mais livremente o caminho do paganismo, provávelmente teria experiências alucinógenas e talvez vivesse bem mais. Mas no meio do século em que viveu, pensar na força pagã, em Dionisio, era viver sempre só.
O livro é poema que aspira a filsofia. E é filsofia que é poema. Biblia do século que nasceria com sua morte.
Continuamos sobre o abismo. E ele diz : Não olhe para baixo e nem para trás. Não anteveja o futuro. Caminhe rumo ao UberMann, o Homem sobre-humano, o ser que é todo Terra, que é todo de verdade, sem ilusão, de olhos claros e de gestos firmes. Não se lamenta, faz. Dono da alegria soberba de se saber vivo.
Ler este livro aos 15 anos é detestar para sempre tudo o que signifique "ser parte de um rebanho".
Ps: agora sim Laerte. Sua última opinião é ok.