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HUSTON/ BOGART/ HITCHCOCK/ SAM SHEPARD/ POWELL/ DIETRICH/ HARRISON FORD

   UMA AVENTURA NA ÁFRICA ( THE AFRICAN QUEEN ) de John Huston com Kate Hepburn e Humphrey Bogart
Alguém não conhece a história? Na África alemã, em plena guerra, Kate, uma missionária, tem sua igreja destruída pelos germanos. Bogey é um grosseiro barqueiro que a tira de lá. Na viagem que os dois fazem pela África ( a African Queen é o nome da velha barcaça enferrujada ), vemos o encontro de dois tipos distantes: uma senhora bem comportada e rígida e um ingênuo beberrão das classes mais baixas. O filme deu o Oscar de ator a Bogey ( derrotando Brando em "Um Bonde..." ). Peter Viertel escreveu um livro sobre as filmagens. A equipe isolada na mata, insetos, água contaminada, caçadas, tribos hostis. Clint Eastwood fez um excelente filme sobre a feitura deste filme. Clint faz um ótimo John Huston. O filme é ingênuo, tem sabor de velhas matinês, de sessões de cinema com muita pipoca e poltronas de veludo. Os dois atores estão brilhantes, Kate dando um show fazendo um tipo de velha de igreja que aos poucos se encanta com a aventura e cai de amores por Bogey. Bogart domina o filme. Faz um tipo de grosseiro sujo de bom coração. É bonito ver como ele vai perdendo a vergonha e começa a encarar aquela senhora fria como uma mulher. Um clássico. Nota DEZ.
   PAVOR NOS BASTIDORES de Alfred Hitchcock com Jane Wyman e Marlene Dietrich
No livro de Scorsese ele tece imensos elogios a O Homem Errado, um dos filmes de Hitch menos conhecidos e dos melhores. Este também é pouco conhecido, mas não é dos melhores. Há uma falha da qual Hitch nunca se perdoou: um falso flash-back no começo. Nesta história em que devemos descobrir quem é o assassino falta um vilão mais forte, mais absorvente. Nota 6.
   AS 3 FACES DO MEDO de Mario Bava
No começo dos anos 60 houve uma voga de filmes italianos de horror. Filmes baratos, exagerados, cheios de clima. Bava foi um dos principais nomes desse momento. Aqui temos três histórias de medo  e de desespero. A primeira é fraca, mas as outras duas são muito boas. Há a história de uma aldeia assombrada por vampirismo. Um visual maravilhoso ( e cliché ) leva nossa atenção até o fim. Mas a terceira história é realmente assustadora. Fala da maldição sobre uma ladra de cadáver. Bava cria um horrendo clima de pesadelo. É quase uma obra-prima. Na média, nota 7.
   ASSALTO EM DOSE DUPLA de Rob Minkoff com Patrick Dempsey e Ashley Judd
Se voce desculpar a infantilidade das falas e a tolice da situação poderá até se divertir. É sobre um assalto duplo a banco. Um bando hiper modernoso e organizado, e uma dupla de caipiras fazem esses dois assaltos. Dempsey é um "esquisito" que estava lá e Judd a caixa do banco. É uma comédia. Ok dá pra passar uma sessão razoável no cinema. Pelo menos ele é curto e não tenta ser "de arte". Minkoff dirigiu 'Stuart Little". Judd, que sempre foi belíssima, está perdida no filme, seu papel é quase nada. Nota 5.
   BLACKTHORN de Mateo Gil com Sam Shepard, Stepehen Rea e Eduardo Noriega
Todo diretor sonha em fazer seu western. É uma questão de honra. Aqui temos um western espanhol com equipe americana. Duvido que passe nos cinemas daqui. Fala de Butch Cassidy. Mas não é um tipo de continuação do célebre filme com Paul Newman e Redford. Vemos Butch morando na Bolivia, velho. Ele resolve voltar aos EUA. Mas nessa tentativa de retorno se envolve com ladrão espanhol e tudo acaba dando errado. Porque todo western de hoje tem de ser triste? Pudor de fazer um simples faroeste escapista? Shepard dá dignidade ao papel. É um cara admirável. Autor de teatro, escreveu o roteiro de Paris Texas de Wenders e de Zabriskie Point de Antonioni. Foi o herói, perfeito, em The Right Stuff ( o Chuck Yeager que ele faz é inesquecível ), e se casou com Jessica Lange!!! Que cara!!! Mas este filme é meio flácido. Nota 5.
   CAVALGADA TRÁGICA de Budd Boetticher com Randolph Scott
Um cowboy leva mulher que fora raptada pelos indios de volta a seu marido. Um bando de tipos suspeitos o acompanha. Budd faz westerns simples, crús, como devem ser. Mas este dvd recém lançado tem um grave problema: péssima imagem!!! As paisagens se tornam pálidas, o filme perde todo seu visual. Sem nota.
   COWBOYS ALIENS de Jon Favreau com Harrison Ford e Daniel Craig
Mais uma turma que sonhava em fazer seu western. Mas isto é mesmo um filme do gênero? Tem cowboys, cavalos, poeira e tiros, mas não tem espirito, alma, vida. É apenas uma barafunda de socos, sangue, correrria e pulos no vazio. Craig é um ator que segue a cartilha Stallone de interpretação: cara de fodão e grunhidos de besta; e Harrison Ford, o nobre herói de tantos filmes não soube administrar sua carreira, chega a dar pena vê-lo fazer escada para Craig. Se voce abstrair que aquilo tenta ser um western e esquecer que Craig tenta ser um ator, pode até rir das cenas de ação e do visual falso. Nota 3.
   O DETETIVE DESASTRADO de Robert Moore com Peter Falk, Ann-Margret, e um vasto time de bons atores.
Ann-Margret foi uma das atrizes mais sensuais do cinema. Vulgar, ferina, tola, esperta, bonita, inebriante. E Falk um grande ator, um soberbo comediante, e o "Columbo" da Tv. Este filme satiriza filmes de Humphrey Bogart e tem roteiro de Neil Simon, escritor que foi um dia ( anos 60/70 ) um tipo de rei da Broadway. Com tudo isso, o filme não engrena. Voce ri muito de algumas cenas, mas em seguida o ritmo cai. Daí voce dá gargalhadas, e vem outra vez uma longa sequencia sem interesse. É um exemplo de filme mal dirigido. Nas mãos de um Mel Brooks seria delicioso. Uma pena... Falk faz um Bogey maravilhoso. Nota 4.
   OS CONTOS DE HOFFMAN de Michael Powell com Moira Shearer
Powell... que diretor ambicioso!!! O que dizer deste filme? É uma obra de arte? É um fiasco? É lindo? É vulgar? Trata-se de uma ópera, não tem um só diálogo. Dança ( tipo ballet ) e canto. Fala de amor todo o tempo, do poeta e seus três tipos de amor, o puro, o profano e o artificial. O filme, hiper-colorido, com aquele technicolor do qual Scorsese tanto sente falta, tem algumas cenas que são de jamais se esquecer. Há uma que mostra uma carruagem estilizada que chega perto do sublime. Por outro lado tem várias cenas dignas de carnaval. O filme é todo feito em estúdio, cheio de trucagens, de fantasia ( penso no que Powell faria com os efeitos digitais de hoje ). Se voce viu Moulin Rouge sabe do que falo, Luhrman é fã deste filme. O elenco tem alguns dos melhores bailarinos da época, e se Moira Shearer é responsável pela inspiração de várias meninas que se fizeram bailarinas, Ludmila Tcherina é tão bonita que chega a parecer um pecado. O filme, cansativo, produz um efeito de sonho, e causa uma surpresa: ao assisti-lo voce se irrita com seus defeitos e se entedia com seus momentos longos, mas dias depois voce sente desejo de o rever. Powell foi um gênio. Barroco, exagerado, sem medidas, mas brilhante e jamais comum. Sem nota.
  

UM LIVRO ABERTO- JOHN HUSTON ( NO TEMPO EM QUE DIRETORES DE CINEMA ERAM HOMENS )

   No final da vida, que é quando este livro foi lançado, John Huston morou numa praia escondida, no México. E é lá que este delicioso livro começa. Huston faz parte de duas tradições. A primeira, daquele típico artista americano que detesta parecer "artista". São homens que apesar de lerem poesia, filosofia e amarem teatro, temperam isso com fartas doses de esportes, lutas, mulheres e silêncio. Não frequentam o mundinho intelectual e prezam uma feroz individualidade. A outra tradição de que Huston faz parte é a dos pioneiros do cinema ( pioneiro que ele não é. Sua carreira começa em 1941, longe do cinema silencioso ). Pioneiros que tinham o cinema como uma profissão acidental. Não cinéfilos, com currículos de atletas, gigolôs ou marujos. Gente como Hawks, Walsh e Fleming.
   Huston carrega também um feito que dificilmente será igualado. Dirigiu o filme que deu o Oscar a seu pai e quase quarenta anos depois, dirigiu um filme que deu um Oscar a sua filha.
   John Huston vem de uma familia aventureira. Gente que ganhou fábricas em mesas de poker e perdeu fortunas em casamentos ruins. Walter Huston, pai de John, foi uma lenda do teatro. É dele a versão que popularizou para sempre September Song de Kurt Weill. Walter fazia de tudo: Shakespeare e burlesco. Depois ficou famoso no cinema. John veio ao mundo nesse planeta de shows, trens e hotéis. Desejou ser pintor, mas não gostava de passar fome e se fez lutador profissional de boxe. Depois, cansado de quebrar o nariz, começou a escrever contos, foi convidado a ajudar a terminar roteiros e acabou como roteirista famoso. Veio então a estréia como diretor em "O FALCÃO MALTÊS" e o sucesso.
   Os melhores filmes de Huston têm um tema em comum: a luta de gente derrotada em conseguir ganhar alguma coisa na vida. E a derrota final dessas pessoas. Mas são homens que jamais se lamentam, têm a vida que escolheram. Os filmes de Huston são profundamente existenciais, não por acaso Sartre gostava deles.
   Cinema era coisa secundária para John. Ele preferia viver. Me assusta um pouco a avidez com que ele matava animais. Caçadas na África e na India. Mas depois ele diz que jamais voltaria a matar um animal, cometer tal pecado. Ao mesmo tempo ele ama os bichos e chegou a destruir um de seus casamentos por isso. Optou por um chimpanzé e largou uma esposa, ( essa história é hilária ). De qualquer modo, foram cinco casamentos e as mulheres são beeeem secundárias no livro.
   Os amigos são mais importantes. O melhor foi um jockey. Mas Huston tinha entre seus preferidos escritores, nobres europeus, caçadores, boxeurs, tenistas e Humphrey Bogart.
   Ele fala de como foram feitos seus filmes. Nenhum é mais divertido que THE AFRICAN QUEEN. Feito em locações precárias, numa Africa ainda sem contato com o "mundo civilizado". Bogart odiando aquilo tudo, e Kate Hepburn amando a aventura. Formigas vorazes, nuvens de mosquitos, desinteria, água imunda, ruídos na noite, elefantes e leões, macacos vivendo nos sets. Tempestades. Há um filme de Clint ( meu favorito de Eastwood ), que narra esses bastidores. O papel de Huston é feito por Clint...
   O pior foram os sets de FREUD. Montgomery Clift já corroído pela bebida, o roteiro impossível de Sartre e atores que se pensavam gênios. Um inferno! Os maiores elogios de John vão para atores não-estrelas, gente como Paul Newman, Gregory Peck, Clark Gable ou Sean Connery. Gente que sabia viver e que via o cinema como profissão, se arriscavam, tentavam mudar.
   Há longos capítulos sobre boxe, sobre a India e sobre a Irlanda. Todos são ótimos, mas o melhor fala sobre a arte da caça a raposa. Acredite, é muito bom. Huston nunca tenta ser simpático e está longe da era do politicamente correto. Ele é o que é, e é isso que seus filmes ensinam.
   Casou-se em impulso de uma noite, casoú-se com amiga, casou-se muito jovem e se casou com artista. E também com uma predadora. Errou em todos. Não chora por isso. Mulheres eram importantes, mas estavam longe de ser "tudo".  Amava mais às viagens, as bebedeiras, as apostas ( Huston era desse tipo que joga cara ou coroa pra ver se aceita um trabalho ou recusa ), os bichos, os filmes. Nessa ordem de preferência.
   Ele gostava de Bergman e Fellini, admirava essa coisa de se escrever sobre si-mesmo e fazer uma série de filmes "com estilo definido". Mas preferia fazer um filme diferente do outro, sobre temas exteriores a sua vida, pegar um livro e filmá-lo. Lia muito. Quatro por semana.
   Fez grandes filmes. Obras que dão um imenso prazer. O TESOURO DE SIERRA MADRE, O SEGREDO DAS JÓIAS, A GLÓRIA DE UM COVARDE, O DIABO RIU POR ÚLTIMO, O CÉU POR TESTEMUNHA, KEY LARGO, OS MORTOS...
   Nunca haverá outro diretor assim. Todos são/serão ratos de cineclube. Fãs que citam o que viram num filme e nunca aquilo que viveram ao vivo.
   Apesar de John Huston ter sido um ateu convicto, digo: Deus salve seus filmes! Um brinde a um grande Homem!
   PS: Consegui ver um de seus documentários sobre a segunda-guerra ( ele esteve lá ), é uma obra-prima. HAVERÁ LUZ foi censurado nos EUA por trinta anos. Mostra a vida dos soldados traumatizados em centros de reabilitação. O trabalho dos psiquiatras com esses farrapos humanos. É um filme de uma nobreza infinita. É puro Huston.

John Huston's The Dead - Finale



leia e escreva já!

SE EU TIVESSE DE NASCER DE NOVO, IA QUERER SER JOHN HUSTON.

   Durante dezoito anos de sua vida John Huston morou na Irlanda. E descreve em um dos capítulos de seu livro a sensação de acordar de manhã e ver pela janela éguas e potros passeando pela relva verde. A "casa" de Huston era um castelo com dezoito empregados. Os convidados, e sempre havia vários, geralmente escritores, se trocavam para jantar. Caçadas à raposa eram organizadas. Festas em pubs. O filme de Clint Eastwood ( tenho certeza que ele também iria querer ser John Huston ), Coração de Caçador, mostra esse castelo. Mas não pense que eu queria ser Huston por causa desse castelo ou de seu amor a Irlanda. Eu queria ser esse cara por causa da vida que ele teve, John Huston viveu. Viveu a vida como ela pode ser vivida. A desafiou todo o tempo.
  Ao contrário dos livros de Bergman, Scorsese, Hitch ou Woody Allen, livros que passam 90% do tempo falando sobre cinema ( o de Bergman 80%, 20% ele fala sobre depressão ), Huston fala 30% sobre cinema, nos outros 70% ele fala sobre caçadas, cavalos, apostas, jogo, viagens, boxe e amigos. Não há fofocas, não existem lamúrias, nada de pose de "artista". Huston se casou cinco vezes, segundo ele, com cinco mulheres completamente diferentes: uma atriz linda, uma lady, uma garotinha, uma intelectual e uma jararaca. Alguns filhos, mas é bacana notar, ele mal fala sobre elas. Mulheres estiveram sempre por perto, mas não eram centrais. Huston faz parte de uma geração em que ser homem significava viver livremente, e não obter o máximo de mulheres. Jogo, humor e arriscar-se eram importantes.
  Huston jogava todo o tempo. Seja caçando raposas ou leões, seja lutando boxe. Ao ver uma luta na tv, apostava com os amigos. Mas principalmente, cada filme era uma aposta. Já se falou muito que Huston filmava para poder viajar. Mais que isso, ele filmava só o que representava riscos. Elencos problemáticos ou roteiros dificeis, locações perigosas, fracassos irrecuperáveis. A partir de 1951, até 1985, todos os seus filmes foram apostas pesadas. Alguns perderam, alguns ganharam, todos foram excitantes.
   Huston mal fala dos filmes que gosta. E até os 28 anos não teve uma profissão definida. Lutava boxe profissionalmente. Ia ao México ver touradas. Caçava e se casava. Fato do livro: ele nunca tenta ser simpático. Não se faz de sensível ou de herói.
   Quer ser pintor, acaba sendo escritor e depois passa a dirigir filmes. A impressão que dá é que ele só levou o cinema a sério por oito anos. Depois outras coisas se tornaram centrais: viver e viajar. Cada filme era uma viagem, Japão, África, Paris, Itália, Irlanda. O filme de Clint refaz as filmagens na África de "The African Queen". É a melhor parte do livro. Uma África que não mais existe ( o livro é sobre um mundo recente que já se foi para sempre ). Rios fora do mapa, canibais, manadas de elefantes, zonas incomunicáveis, perigo constante. Um quase inferno/ um quase paraíso.
   Ele fala sobre seus amigos Heminguay, Truman Capote, Steinbeck, Ben Hecht, sobre seu pai Walter Huston, sobre nobres irlandeses ( falidos ), sobre Errol Flynn, Humphrey Bogart, Mitchum, Peck... Mas o centro é sobre aqueles amigos que ninguém conhece, caçadores de raposas, médicos, donos de bares, secretárias, guias africanos, instrutores de equitação. John Huston é o típico "artista americano", ele foge da intelectualidade. Como Heminguay, Faulkner ou Whitman, a vida lhe é importante, andar, conhecer, fazer. Ser um homem, jamais um pensador abstrato.
   Seria maravilhoso ler este livro aos 15 anos. Seria um guia, tipo "Como Ser Adulto e Homem". Eu o li, emprestado por um amigo, aos 24. O devolvi e passei 20 anos procurando-o em sebos. Sempre que entrava num, ia logo às biografias atrás dele. Acabei encontrando-o dois anos atrás, no sebo em que menos esperava o achar. Li-o então, e voltei a ele agora. Não conheço melhor livro para te fazer erguer a espinha e ajeitar os ombros. 
   Sem dúvida ele poderia ter se dedicado mais. Feito as coisas com mais cuidado. Mas aí ele não seria John Huston. Seria um diretor dos anos 1970/2010, da geração cinéfila. Desses que só conhecem a vida através dos filmes que viram e dos livros ( sobre cinema), que leram. Huston lia Joyce e Cervantes, fazia um filme por ano, e mesmo assim encontrava tempo para jogar com a vida. Um touro.
   O livro se chama: "Um Livro Aberto" e é da LPM. Mais que bom, vital. Um antídoto contra os bundões, fala ainda da sua participação na segunda-guerra, da sua visão da América MacCarthista, e de um monte de apuros passados em florestas, desertos, sets de filmagem e ruas de madrugada. 
   Quando Huston tinha 12 anos o médico disse que ele tinha um problema no coração e lhe receitou cama e dieta. Ele se submeteu por dois anos. Mas começou a pular a janela do quarto de casa e ir nadar de madrugada escondido, no frio. Isso salvou sua vida e lhe deu caráter. Pelo resto da vida ele fez isso, apostou contra os prognósticos. E venceu.
   Esse é o homem. 

WYLER/ JACK NICHOLSON/ AL PACINO/ LUMET/ HAWKS/ RITT/ WOODY ALLEN/ HUSTON

   REBELIÃO NA INDIA de Henry King com Tyrone Power
Sobre um soldado mestiço, que na India inglesa tem de lutar contra seu irmão, irmão que organiza rebelião anti-colonial. Aventura de primeira. King foi um daqueles diretores pau-pra-toda-obra, um tipo de diretor que a partir da nouvelle vague deixou de existir. King mais de vinte sucessos, e mesmo assim continuou a fazer filmes como este: despretensiosos, bem feitos, inteligentes, eficientes. Nota 7.
   OS PINGUINS DO PAPAI de Mark Waters com Jim Carrey e Carla Gugino
Waters surgiu como promessa de bom diretor. Parece que já se perdeu. Carrey um dia teve ambição, já se foi. Eu sempre preferi o Jim Carrey sem pretensão, mas as comédias excelentes que ele fazia não existem mais. Os pinguins são simpáticos, mas o filme é um lixo. Chega a ser revoltante como um profissional pode escrever algo tão idiota. Nota ZERO.
   BEN-HUR de William Wyler com Charlton Heston
Houve um tempo que o filme tipo 'Avatar" era assim: uma aula de história com tinturas de ação e lição de moral. Caríssima produção, longuíssimo, imenso sucesso, montes de Oscars. Heston, apesar dos ataques de um certo idiota, foi um belo ator. Passa credibilidade a um papel muito dificil. A história todos sabem: os amigos que brigam: um é judeu, outro é romano. A ênfase não é na ação, é na lenda. Bonito. Nota 7.
   A HONRA DOS PODEROSO PRIZZI de John Huston com Jack Nicholson, Kathleen Turner, Anjelica Huston e William Hickey
Uma visão meio cômica/ meio trágica da máfia. Nicholson é um matador apadrinhado pela máfia. Ele se apaixona e se casa com uma matadora polonesa. Mas a vida é cheia de surpresas... O roteiro é brilhante, e Huston, aos setenta anos dirige como um garoto. O filme recuperou o sucesso para sua carreira, concorreu a vários Oscars e fez dinheiro. Nicholson está engraçado e melancólico, faz um ítalo-americano meio burro e muito bom profissional. Turner foi uma sex-symbol de verdade. No meio dos anos 80 ela era o máximo. Mas há ainda Anjelica, fazendo a ex-esposa vingativa e o absurdo Hickey, um velhíssimo chefão, numa caracterização irresistível. Fantástico vê-lo babar e gaguejar. Nota 8.
   SERPICO de Sidney Lumet com Al Pacino
Na suja NY dos anos 70, Pacino é Serpico, um cara que sempre sonhou em ser um policial. Mas, ao começar a trabalhar ele se depara com a corrupção no meio. Al Pacino em uma de suas grandes atuações. Serpico é um tira que usa barba, brinco, faz ballet e veste batas indianas. O filme começa como uma quase comédia ácida maravilhosa, mas Serpico vai pirando e Lumet quase se perde. No final o filme se reergue e seu fim é bastante amargo. Na sequencia Sidney Lumet faria Um Dia de Cão e a obra-prima Network. Que grande diretor ele foi ! Nota 7.
   DUELO NA CIDADE FANTASMA de John Sturges com Robert Taylor e Richard Widmark
Ótimo western. Fala de ex bandido, agora xerife, que é sequestrado por seu ex comparsa. A fotografia em cores de Robert Surtees é estupenda. As paisagens são de tirar o fôlego. Sturges teve quinze anos de sucesso, sabia fazer filmes de ação. Um western que indico para fâs e para aqueles que desejam aprender a gostar deste tipo de cinema viril e sincero. Nota 8.
   E AGORA BRILHA O SOL  de Henry King com Tyrone Power, Ava Gardner e Errol Flynn
Versão da Fox para O Sol Também se Levanta de Heminguay. É bacana o retrato da festiva Paris de 1926, a Espanha aparece cheia de sol, de touros e de fiestas, mas nada há no filme do senso de tragédia de Heminguay. Mesmo assim é um filme bom, fácil de ver e sempre interessante. Ava faz uma bela Lady Brett e Errol está ótimo como o escocês bêbado. Este filme seria a salvação de sua carreira se ele não tivesse morrido pouco depois. Nota 6.
   BOLA DE FOGO de Howard Hawks com Gary Cooper e Barbara Stanwyck
É um filme de Hawks que não se parece com Hawks. E é fácil saber porque: o roteiro é de Charles Brackett e de Billy Wilder. O filme tem muito mais o estilo grosso de Wilder que o modo fluido de Hawks. Fala de inocente linguista que se envolve com moça de boate e seu cafetão. O filme é ok, mas tem um ar de conto da carochinha para adultos que jamais funciona. Uma pena.... Nota 5.
   TESTA DE FERRO POR ACASO de Martin Ritt com Woody Allen e Zero Mostel
Na época do MacCathismo, um caixa de bar é convencido por seu amigo escritor -erseguido a ser seu testa de ferro. É a melhor interpretação da vida de Allen. O seu caixa de bar que vira "autor" em nada se parece com sua persona ( embora ele solte às vezes uma piada à Woody Allen ). Ritt era um famoso diretor do bem, seus filmes sempre falavam de injustiças. Foi perseguido pelo MacCarthismo na vida real, assim como vários componenetes deste filme. É uma obra desigual, tem bons momentos e outros fracos. O final é perfeito, ao ser interrogado pela comissão do senado Woody Allen lhes dá a única resposta cabível. Por essa cena vale o filme. Nota 5.
   O SEGREDO DAS JÓIAS de John Huston com Sterling Hayden, Sam Jaffe e Louis Calhern
Uma obra-prima. Há quem o considere o melhor filme de Huston. Não sei se é, mas é tão bom quanto Sierra Madre. Aula de ritmo, fotografia, posição de câmera, atuação. O filme termina e voce já sente vontade de o rever. Foi satirizado pela obra-prima da comédia italiana, Os Eternos Desconhecidos. Caso único de obra-prima satirizada por outra obra-prima. Deu cria ainda a ao menos um grande filme: Rififi de Jules Dassin. Sensacional. NOTA DEZ.

UM FILME PERFEITO: O SEGREDO DAS JÓIAS de JOHN HUSTON. A ARTE DA VIRILIDADE.

   Existem filmes que são obras de gênio, mas são imperfeitos. Têm cenas inesquecíveis, fortes, originais, mas no todo passam uma impressão de imperfeição. E isso não lhes tira a beleza ou sua importância. Fellini, Bresson, Bunuel ou Hawks fizeram obras-primas imperfeitas. Mas suas imperfeições talvez aumentem ainda mais seu status, sua originalidade.
   John Huston está longe de ser um cineasta perfeccionista. Sua carreira tem vários filmes imperfeitos, alguns ruins e muitos bons filmes. Entre os imperfeitos existem alguns maravilhosos, filmes como The African Queen ou Beat The Devil ( talvez o mais "errado" dos grandes filmes ). Mas Huston tem dois filmes que além de geniais, ou seja, criativos e arrojados, têm a marca da perfeição absoluta: O Tesouro de Sierra Madre e este estupendo Segredo das Jóias.
   Porque perfeito? O que é um filme perfeito?
   Simples responder. O filme perfeito é aquele que não tem uma só cena errada. Mais, nada parece em excesso. Cada segundo de fita é exata, correta, e todo o tempo em sua exatidão nada transparece frieza. É uma perfeição quente, emocionada, cenas que pegam sua atenção e não largam mais seus olhos e ouvidos.
   Toda a parte técnica é perfeita. Temos a fotografia em P/B de Harold Rosson, as ruas com seu asfalto molhado, os brilhos sobre os carros negros, os ambientes sórdidos. Mas não é só isso que faz a perfeição deste filme. São os atores também. Todos com exatas expressões, e ao menos dois em atuações absolutas ( Sam Jaffe chega a ser mágico ). E há o roteiro, de Huston e WR Burnett. O primeiro filme da história do cinema a tratar de um assalto em seus detalhes, visto por dentro.
   Temos a tendência a achar que tudo no cinema existiu desde sempre.  Esquecemos que alguém criou aquilo que hoje parece natural. Houve o primeiro western, o primeiro filme de suspense, o primeiro gore e o primeiro filme de acidente. Até este filme não se mostrava o assalto como foco de um filme, se dava ênfase a fuga, a captura ou não do ladrão. Pois aqui nasce toda a linhagem de filmes que tratam de planos de roubo, de sua execução e das consequências desse assalto. De Missão Impossível aos filmes de Soderbergh, todos nasceram aqui. E devo dizer, este é ainda o melhor.
  Vemos o nascimento da ideia do roubo, a formação da equipe, o ato e o destino dos assaltantes. Tudo sem qualquer glamurização, sem nada de engraçadinho, sem facilidades. Há um ambiente de constante medo, de desconfiança, de vazio. Lugares sombrios, sórdidos, gente feia. Huston acerta em cada escolha, jamais nos deixa relaxar, tem tudo sob controle, se empenha e consegue fazer o que quer, o que planeja, faz gol atrás de gol. Da primeira até a última excelente cena, não há nada que desabone o filme. Eis a perfeição.
  Quanto a virilidade, coisa cada vez mais rara no cinema flácido que hoje se faz, é um filme muito sério sem qualquer cena de sofrimento ou de poesia forçada. As coisas acontecem, o destino castiga, e ninguém pode perder tempo em se lamentar. Eles jogam, falham, e seguem adiante. Não querem ser simpáticos, não almejam ser belos ou sofridos, são o que são, inteiros.
   São o que são... não há descrição melhor ao cinema de Huston. Seus filmes tratam de jogadores, de quem apostou, correu riscos e perdeu. Huston ama os derrotados, mas são derrotados que não se lamentam, que não culpam ninguém, derrotados que por não se lamentar acabam vencendo de certa forma, não desistem, avançam. Nada de heróico aqui, pensam apenas em si-mesmos, nada de bonitinho, a beleza mora no terrível da situação, nada de bondade, se ela existe deve ser encontrada em outro lugar.
  Nenhum diretor foi mais macho. Huston criou Eastwood e Peckimpah, Leone e Tarantino. E de certo modo, ele abriu meus olhos ao que é ser um homem. Não é pouca coisa. Foi o primeiro diretor que chamei de ídolo. E rever seus filmes ainda é um prazer visceral. Mais que um grande diretor. Foi um homem. Um grande homem.

BRANDO/ DONEN/ DELON/ MALICK/ WALSH/ ZURLINI/ MASTROIANNI/ HUSTON

   CANDY de Christian Marquand com Marlon Brando, Richard Burton, John Huston, Charles Aznavour, James Coburn, Walter Mathau, Ringo Starr, Anita Pallemberg e Ewa Aulin
Um dos mais famosos dos filmes "bem louco" dos anos 60. Não há uma cena de drogas, mas o filme é uma viagem. Do que fala? De uma menina meia ingênua, meia idealista, que zanza pela vida sendo perseguida por homens que desejam levá-la pra cama. Ewa Aulin é muito bonita, mas como atriz é um desastre. De qualquer modo, o filme é surpreendentemente bem feito, e tem alguns momentos divertidos. Burton faz um professor super-star, é uma das boas cenas. Brando aparece no fim, como um guru charlatão. Magro, e de peruca longa, é hilário ver o mito Brando tirando uma do movimento hippie. Ele finge levitar, diz bobagens new age e transa com a menina até se esgotar. É a melhor coisa do filme. Há ainda Aznavour em cena ruim, Coburn como cirurgião superstar ( o filme é cheio de críticas aos superstars ), Mathau faz um militar tarado ( é a pior cena do filme ), e Ringo é um jardineiro mexicano virgem. Como disse, é um filme doidão. Nota 4.
   O DIABO É MEU SÓCIO de Stanley Donen com Dudley Moore e Peter Cook
Cook e Moore se tornaram famosos na tv inglesa fazendo um tipo de humor à Monty Python antes dos Python. Cook escreveu este roteiro que fala de rapaz tímido que é ajudado pelo diabo em sua tentativa de conquistar o amor. O filme nunca teme o politicamente incorreto, Deus é objeto de humor crítico e tudo aquilo que o diabo diz tem a marca de alguém que sabe falar. Peter Cook é um filósofo. Mas trata-se de uma comédia, e é triste dizer, nada aqui tem graça. Os cenários são tristes, o ritmo é lento, e Dudley é péssimo!!! Stanley Donen começa aqui a rumar a sua aposentadoria. De bom, o estilo "dandy do rock psicodélico" de Cook. E a cena em que Dudley se torna um astro do pop. É pouco. Nota 2.
   BORSALINO de Jacques Deray com Jean-Paul Belmondo e Alain Delon
Um grande sucesso de bilheteria do cinema francês em 1970. Fala de dois pequenos malandros que se tornam amigos e passam a dividir suas tramóias. Bem.... os atores se divertem muito com seus socos, tapas, caretas e mulheres bonitas. As roupas anos 30 são charmosas, a trilha sonora de jazz é perfeita, os cenários são lindos, mas falta alguma coisa.... Talvez falte Paul Newman.... Delon é excelente para fazer tipos angustiados e frios, ou seja, tipos que são o oposto do humor; e Belmondo, bom ator em comédias, está aqui totalmente descontrolado. Vê-se o filme com indiferença. Nota 4.
   A ÁRVORE DA VIDA de Terrence Malick com Brad Pitt, Jessica Chastain
Crítica abaixo. Malick tenta ser Kubrick e se torna um sub-Tarkovski. O tema que ele escolhe é sublime, mas boas intenções não fazem um grande filme. Se tirarmos a soberba trilha sonora de Alexandre Desplat e a fotografia de Emmanuel Lubeski, o que sobra? Um diretor com boas ideias perdido em sua pretensão absurda. Me emocionou porque toca na minha vida, mas que efeito ele causaria em alguém diferente de mim? Esquecendo o que ele tenta falar, como cinema puro, o que ele é? Uma coleção de cenas que não se resolvem e um amálgama de conceitos que jamais se desenvolvem. Falho, mas jamais vulgar.  Nota 6.
   BLITZ de Elliot Lester com Jason Statham e Paddy Considini
Ah! Maravilhoso cinema.... indústria que vai da arte de Loach e Frears ( para falar dos caras de agora ) à pretensão fru-fru de Malick e Boyle. Da eficiência nobre de Eastwood e Scorsese á arrogância tipo novo-rico de Jackson e Bay.... Se o cinema fosse culinária, diria que o filme de Malick seria um souflé que murchou, excelentes ingredientes, excelente intenção, porém desandado. Aqui temos um belo pão com manteiga e média escura. Pão quente e café fresco, manteiga gordurosa, como deve ser. Gosto muito de Statham, como adorei em seu tempo Bruce Willis e Mel Gibson. Atores de ação com carisma são como dádivas das telas, nos dão prazer, prazer em estar, prazer em os reencontrar. O suflê é melhor, mas no dia a dia é a média que nos sustenta. Dá-lhe!!!!! Nota 6.
   GIGANTES EM LUTA de Raoul Walsh com Yvonne de Carlo e Rock Hudson
Walsh era um desses diretores-padeiros. Faziam a toda hora, por toda a vida, aqueles filmes pão-quente, filmes deliciosos, simples, leves, inesquecíveis. Ação, humor, romance e bons diálogos: isso é cinema puro. Este fala de espionagem em tempos de Napoleão. Rock Hudson era desses atores-prazer ( como eram Erroll Flynn, John Wayne, Steve McQueen, e agora Brad Pitt ou George Clooney ), atores que a gente sabe não serem tão bons assim, mas são rostos e vozes que adoramos reencontrar sempre. Nota 6.
   DOIS DESTINOS de Valerio Zurlini com Marcello Mastroianni e Jacques Perrin
Aqui a coisa pega. Um tristíssimo filme do delicado Zurlini, um dos melhores diretores da Itália. Fala de dois irmãos. O mais velho foi criado pela própria familia, o outro foi adotado por um tipo de nobre decadente inglês. Mas esse nobre se vai e o mais velho, que agora é um jornalista comunista muito pobre, vai ter de ajudar o mais novo a viver. Esse irmão, delicado, bom, indefeso, é feito com talento poético por Perrin, mas o amargo e contido comunista, feito por Mastroianni, é uma das maiores atuações da história. O jornalista procura se livrar do peso de ter de ajudar e proteger um irmão que lhe é estranho, mas acaba por se render quando esse irmão adoece e morre. É um dos mais trágicos filmes já feitos e nada nele nos alivia a dor. O filme nada tem de "belo", são os dois atores, quase sempre sós, falando e sofrendo sem parar. Sentimos a fome deles, vivemos em sua sujeira, ansiamos pelo que eles ansiam. As cenas no hospital se tornam quase insuportáveis. Voce nunca irá esquecer o rosto de Perrin. Marcello foi o maior ator da história do cinema como querem alguns? Porque não? Veja isto e tire suas conclusões. Nota 8.
   A GLÓRIA DE UM COVARDE de John Huston
Este é o filme fracasso de Huston. Ele não pode terminá-lo e o que ficou completo tem apenas uma hora de duração. Mas que filme!!!! Baseado no livro de Stephen Crane, fala de soldados na guerra de secessão americana. Há quem diga que nosso tempo nasceu nessa guerra, o filme pensa que sim. O absurdo impera. Poucos filmes têm uma fotografia tão bonita, rostos imensos em closes profundos, fumaça e gestos duros, olhos gigantes. Harold Rosson se superou. Huston, em seu estilo seco, acompanha um soldado covarde, que abandona a batalha, mas depois é tido como um tipo de herói. Ironia hustoniana pura. Não há uma cena menos que ótima, o filme é todo superlativo. É um prazer voltar a ver um filme de John Huston. Nota 8.

BILL MURRAY/ CLOONEY/ BOGART/ GRIFFITH/ LUBISTCH/ TYRONE POWER

TARDE DEMAIS de William Wyler com Olivia de Havilland, Montgomery Clift, Ralph Richardson e Miriam Hopkins
Perfeito. Atores de gênio, roteiro com diálogos soberbos e a direção sempre impecável de Wyler. Um exemplo de que é possível transformar um livro genial ( de Henry James ) em filme memorável. Mais cometários abaixo. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
DESEJOS PROIBIDOS de Max Ophuls com Charles Boyer, Danielle Darrieux e Vittorio de Sica
Talvez em termos visuais seja o filme mais refinado que já assisti. Um aula de estética e de gosto. A história exemplifica a perfeição a diferença em amor entre homens e mulheres. Elas têm mais coragem. Ophuls foi um dos grandes. Este é seu melhor filme. Nota DEZ!!!!!!!!!!!!!!!!!
UM DIA ESPECIAL de Michael Hoffmann com George Clooney e Michelle Pfeiffer
Um filme todo centrado no charme de dois atores. Para nossa alegria eles são realmente bons de se olhar. George Clooney ainda em seus tempos de ator leve e Michelle bela como sempre. O filme, sobre casal que se odeia e que passa a se amar, se deixa ver. É Sessão da Tarde clássica. 6.
RECRUTAS DA PESADA de Ivan Reitmann com Bill Murray, John Candy e Harold Ramis
Segundo filme de Murray e primeiro de Candy. Sobre dois caras que se alistam pensando ser a vida no quartel fácil. As comédias nos anos 80 viveram grande momento. É a época de Steve Martin, Eddie Murphy, Dan Ackroyd, Lily Tomlin, Martin Short, Leslie Nielsen, John Candy e ainda de Mel Brooks e Woody Allen. Mas, que surpresa, este filme não tem graça nenhuma!!!! Murray está especialmente ruim, exagerando seu tipo de malandro sonolento. Candy está ok mas aparece pouco. O diretor é o pai de Jason Reitmann e ficamos sabendo nos extras que este roteiro era para Cheech and Chong e que acabou com Bill e Harold. Tiraram as piadas sobre marijuana e a graça se foi. Uma chatice. Nota 3.
O FALCÃO MALTÊS de John Huston com Humphrey Bogart, Mary Astor, Peter Lorre
É o mais importante filme noir mas não é o melhor. Vemos aqui todo o nascimento de um gênero : música nervosa, imagens com sombras, mulher falsa, herói individualista e durão. O roteiro de Huston melhora o livro e Bogey está totalmente à vontade, ele nasceu para ser durão. Uma diversão de primeira e uma delicia para madrugadas frias e de chuva. Nota 9.
O FAVORITO DOS BÓRGIA de Henry King com Tyrone Power e Orson Welles
Filmado em palácios italianos, podemos ver a absurda beleza da renascença. O filme fala de tirania e de Tyrone como vassalo que muda de lado. King dirigia de tudo na Fox. Nunca foi genial, mas sabia fazer as coisas andarem. Tyrone era herói humano. O filme é ok. Nota 6.
INTOLERÂNCIA de David W. Griffith
Os Lumiere inventaram a imagem em movimento, Griffith inventou o cinema. Tudo o que pensamos ser "o cinema" foi idéia de Griffith : ação paralela, melodrama, correrias, cenários suntuosos ( aqui são gigantescos ), atores de carisma, movimento. Neste imenso filme ele conta várias histórias em várias épocas distintas, todas entrelaçadas. O filme ainda impressiona por sua inacreditável grandiosidade. Hoje ele seria impossívelmente caro. O cara era provávelmente louco. Ou não, seria o típico americano empreendedor do século XIX, o self-made man. Diversão que noventa e dois anos depois ainda se sustenta. Nota 7.
ENCONTROS E DESENCONTROS de Sofia Coppolla com Bill Murray e Scarlet Johansson
Revisto hoje após o burburinho da época o filme se mantém como modesto romance puritano. Nota-se algo de muito pudico em todo seu romantismo travado. É tristinho, engraçadinho, bobinho e bonitinho. Um belo raio x de uma geração toda "inha". Bill Murray faz bem Bill Murray no Japão. Scarlet está bonita e ruim. O filme é bacaninha. Nota 6.
MEU MELHOR COMPANHEIRO de Robert Stevenson com Dorothy McGuire e Fess Parker
Cachorro e família em fazenda texana do século XIX. Filme de cachorro de grande sucesso em seu tempo. Um dos clássicos da Disney. A diferença dos filmes de cachorro de hoje é que este cão é mais cachorro. Ele nada tem de criança, de humano, de tolinho. Briga com animais, foge, apronta e é absolutamente animalesco. Um bom filme. Nota 7.
EU NÃO QUERO SER UM HOMEM de Ernst Lubistch com Onny Oswalda
O instituto Goethe lança uma série de filmes mudos de Lubistch. Primeiro: é delicioso ver uma Alemanha em nada parecida com Lang ou Murnau. É um país muito alegre e de bem com a vida. O que pensamos da alegre Berlin dos anos 20 está aqui mostrado. A história, muito amoral, fala de moça que se veste de homem para poder sair a noite, e de dandy que se apaixona por esse "rapaz". O filme é hoje considerado um clássico gay. Lubistch faz tudo se parecer com champagne. O filme espuma e alegra. Nota 7.
GATINHA SELVAGEM de Ernst Lubistch com Pola Negri
Este vai mais longe. Soldados alegres, comandante bobão, batalhas de folia, rebeldes atrapalhados e muita malicia. Negri é a cara de Helena Bonham- Carter. Um detalhe histórico. Gente que é anti-americana gosta de dizer que foram os imigrantes do eixo Berlin-Vienna que fizeram Hollywood. Gente como Wyler, Wilder, Dieterle, Sirk, Lang, Murnau, Zinnemann, Preminger, e uma infinidade de roteiristas e fotógrafos. Dizem isso como se Ford, Buster Keaton, Vidor, Milestone, Fleming, Griffith, Wellman não estivessem lá desde sempre. O que se pode dizer é que os imigrantes trouxeram um tipo de filme mais urbano, mais ácido, mais sexy. Lubistch, que foi o imigrante de maior sucesso, se tornando um tipo de "dono" da Paramount, trouxe a comédia maliciosa, manhosa, vienense. Este filme, com sua leveza bem-humorada e seus cenários de bolo de noiva exemplifica todo seu glorioso talento. Nota 8.

FREUD/ COCO CHANEL/ O CORVO/ SHANGHAI MARLENE

O CORVO de Henri-Georges Clouzot
Cartas são enviadas anonimamente e deixam pessoas muuuuito nervosas. Mestre Henri toca em ferida de franceses de 1944 : a delação. O filme, labirintico, envolvente, nervoso e maravilhosamente belo, é obra de diretor inesquecível. Clouzot domina toda a técnica mas vai além, tem muito o que falar. Não é seu melhor filme ( O SALARIO DO MEDO é imbatível ) mas fornece pistas do quanto ele é grande. Nota 8.
A ÚLTIMA MISSÃO de Hal Ashby com Jack Nicholson, Otis Young e Randy Quaid
No livro de Peter Biskind se fala muito deste filme. Exemplo do moderno filme americano da época : sem herói, sem grandes cenas, sem enfeites. Jack tem talvez seu melhor desempenho e a história fala de dois marinheiros que devem levar marujo, preso por ter roubado, de base naval até policia. Acabam desviando do caminho e se encantando pelo prisioneiro, um ingênuo caipirão. O filme tem a virtude de ser honesto, crú. Ashby foi mais um talento destruído pelo pó. Nota 7.
A GAIOLA DAS LOUCAS de Edouard Molinaro com Ugo Tognazzi e Michel Serrault
Perdeu a graça. Baseado numa peça de imenso sucesso de Jean Poiret, fala de casal gay que irá receber a visita da ultra-conservadora família da noiva do filho de um deles ( o filho foi concebido em noite de fraqueza ). Assisti este sucesso ( filmes europeus faziam sucesso popular nos anos 70/80 ) no cine Cal-Center. Achei hilário na época. Era um tempo em que assistir alguém desmunhecar era engraçado. Não sei se somos mais tristes ou menos ingênuos, mas esse tipo de humor não provoca nada hoje. Tognazzi está muito bem, Serrault nem tanto. A refilmagem de Nichols com Robin Willians não é melhor. Este vale como lembrança do luxo dos anos 70. Caraca ! Como as pessoas se vestiam com cuidado !!!! Nota 4.
O EXPRESSO DE SHANGHAI de Josef Von Sternberg com Marlene Dietrich e Anna May Wong
Cada close em Marlene é sonho de beleza ( e como ela está canastrona ! ). Sternberg era apaixonado por ela e fez sequencia de filmes só para a homenagear. Este é o mais famoso, mas não o melhor. O estilo das imagens ainda impressiona : barroquismo puro. Sternberg enche a tela de gente andando, de carroças, cavalos, carros, malas, véus e móveis. As estações de trem e o próprio veículo são completamente falsos, mas são ao mesmo tempo aquilo que sonhamos como certo. É o mundo como ele deveria ser, não como é. Cada escada e cada roupa é obra de mil detalhes. Sternberg era louco. O filme é velho como diamante. E ainda brilha. Nota 7.
COCO ANTES DE CHANEL de Anne Fontaine com Audrey Tautou
Lixo. Lindos cenários que nada significam em historinha boba sobre a vida de Chanel em seus começos. Chega a ser desagradável de tão vazio. Nota 1.
HOMEM DE FERRO II de Jon Favreau com Robert Downey e Mickey Rourke
Um filme tipo Amaury Junior. Voce olha um bando de celebridades se divertir ( eles riem, se exibem, brincam, são sexy ) enquanto voce baba fingindo se divertir também. Não dá pra dizer que o cinema está em crise de talento. Terminou. O que era lixo é hoje top, o que foi top é feito com vergonha e sensação de fracasso. A inteligência artística morreu, viva a esperteza bancária.
FREUD de John Huston com Montgomery Clift e Susannah York
Em seu livro Huston diz ter péssimas lembranças deste filme. Atores com estrelismo e sets tensos. Mas valeu a pena : o olhar de Clift é poder transcendente. Ele é Freud sem imitar Freud. Ele cria seu Freud, ou seja, interpreta. Penso que se refizessem este filme fariam de Freud um tipo de cheirador doidão. Aqui ele é um neurótico muito curioso, que enfrenta a descrença de seu meio. As cenas de sonho são inesquecíveis e todo o filme, fotografado em p/b por Douglas Slocombe, tem a irrealidade de fotos perdidas. Assisti pela primeira vez em 1978 na Globo. Foi paulada tão forte que não pude dormir. Revisto algumas vezes desde então ele mantém seu poder. É filme sério, sisudo até. Como Freud o foi. Huston dirige de seu modo rápido e sem frescura, funciona. Aqueles cenários de ruas enevoadas e os hospitais com seus loucos perdidos nos hipnotizam. Freud se perde dentro de si-mesmo e volta à tona com a chave do inconsciente. Se a sua descoberta é válida ou não, não importa. Ele mudou nosso modo de ver a vida. O filme é digno disso. Nota DEZ.

OS VIVOS E OS MORTOS- JOYCE E HUSTON

No começo da estrada a coisa veio como golpe de vento frio em meu rosto. Melhor, um tapa e uma palavra dura : - Acorda !
Após esse acordar eu olhei para todos os rostos e não mais pude vê-los em sua fantasia falível.
A vida me revelou sua jóia. Pedra gelada que queima as mãos de quem a acaricia.
Você vive e vê um milhão de finais...e aquilo que não parte, afundando em saúde e beleza, desfaz-se lento e macilento, na triste morte de coisas esquecidas.
Dia a dia a vida entrega-se aos finais. Se tudo é finito o que tem valor ?
No começo da estrada essa neve cai sobre minha cabeça e clareia a visão de meu futuro, se tudo parte e fenece, o que faz a vida valer ?
Melhor ser então o que morre logo, com ombros altos e brilho na face a se deixar roer pelas dores das manias e os ritos da senilidade. Pois não existe amor velho.
Se os outros soubessem... é impossível ambicionar perante a ruína e é grotesco pensar em glória ao se saber onde todas as glórias vão.
Livros e música e tudo o que permanece é a Lua que faz silêncio e o negro vazio do céu.
Meu amor permanece por ter sido morto jovem. Permanece como um cantor e como sua canção. Amor que não conheceu a secura de rugas e a tolice de papadas.
E desde aquele vento frio estourando em meu rosto nada tem valor perante a Lua.
Suas alegres conversas são rolhas voando e caindo no lixo. Esta festa tem a duração de um ronco. Mas o canto daquele amor falido, esse nos acompanha até o vazio.
Toda a rua tem sua morte e em todo dia há mortos esquecidos. Nada será amanhã belo como agora, a não ser o amor falecido...

Escrevo isto após assistir " os vivos e os mortos" de Huston e após reler "the dead" de Joyce.
Em meio ao tolo bla bla bla de uma noite, nasce a lembrança de uma paixão morta.
E nada vivo tem o peso desse amor falecido.
Conto e filme, tanta coisa e só isso.
Conto, tudo.
Filme, lindo.
Joyce também percebeu cedo que só a morte importa.
Huston desde sempre só flertou com ela. Esperou-a para fazer seu filme mais pessoal.
É só isso.
A Lua fria e o vazio do céu. E alguém que também percebeu...

CRAZY HEARTS/ VIRTUDE SELVAGEM/ HUSTON/ MASTROIANNI

PERGUNTE AO PÓ de Robert Towne com Colin Farrel, Salma Hayeck e Donald Sutherland
Muito fã de Fante sentiu vendo este filme o que senti vendo Alice de Tim Burton e o Sherlock. Espero que agora compreendam minha aversão. Se é pra ser tão infiel a obra original, porque não criar uma ficção completamente nova ? Muito simples : é mais fácil usar a griffe já estabelecida. Burton fazendo Alice causa um hype que não causaria Burton criando uma nova história. Towne, que foi grande roteirista ( Chinatown ) dirige sem qualquer tesão. O filme é banal. Mas ainda poderia se salvar se o ator fosse menos ruim. Bandini clama por um Montgomery Clift, um frágil/agressivo. O que temos é Farrel. Repare que ele interpreta como cartoon. Parece que sua fonte são as "ricas" expressões faciais do Spirit ou de Clark Kent. Existe algum filme com Hayek que valha a pena ? Acho que só os de Robert Rodriguez. Nota Zero.
CRIME EM PARIS de Henri Georges Clouzot com Bernard Blier e Suzy Delair
Que maravilha!!!! Totalmente restaurado, a fotografia em p/b cintila. É, óbvio, sobre um assassinato. Sabemos quem é o culpado, mas a polícia irá descobrir ? O policial é atuação soberba ! Aliás todo o elenco brilha. E é de surpreender o liberalismo do cinema frances da época. O policial tem filho negro adotado, há uma paixão lésbica e os tiras são todos sádicos. Isso num filme de 1947 !!!! Os críticos da nouvelle-vague odiavam Clouzot. Truffaut dizia ser ele o símbolo do cinema velho. Depois, quando passou a dirigir, François se arrependeu dessa opinião. Clouzot sabia tudo. Seus filmes, espécies de Hitchcocks mais falados, são sensacionais. O Salário do Medo é uma obra-prima e este não fica tão longe. Sujo, cheio de sombras, atemporal. Nota 8.
O MÉDICO E O CHARLATÃO de Mario Monicelli com Vittorio de Sica e Marcello Mastroianni
Jovem médico chega a aldeia do sul da Itália, lugar com 50 anos de atraso. Lá, ele sofre apuros para convencer o povo a largar o charlatão-curandeiro que os atende. Comédia de Monicelli. Alguém sabia fazer melhor ? Mastroianni faz o típico papel do começo de sua carreira : o bonitão tolo. Não fosse Fellini, que lhe deu outra estrada em Dolce Vita, ele seria desperdiçado para sempre nesse tipo de papel. Vittorio rouba o filme, o charlatão é criação de gênio, mentiroso, charmoso, frio, inteligente. "- Trouxeram sua fé ? Trouxeram sua crença ? Trouxeram seu amor à Deus ? Trouxeram 20 mil liras ? " O filme se passa na típica aldeia pobre dos filmes italianos da época, é um paraíso de gente cômica e mulheres bonitas. Um prazer. Nota 7.
CRAZY HEART de Scott Cooper com Jeff Bridges, Maggie Gyllenhall, Robert Duvall e Colin Farrel
O filme é apenas Bridges. Não é sua melhor atuação ( o Vendedor de Ilusões é seu grande papel ) mas lhe deu o oscar. Demorou. O filme não é nada parecido com o de Mickey Rourke, quem disse isso não viu este filme. As músicas são boas ( T Bone Burnette ) mas podiam não ter essa maldita mixagem anos 80, a bateria soando muito alta e tudo parecendo limpo e sem erro. Quanto ao filme, que fiz força para gostar, é uma banal história sobre alcoolismo e estrada. Com paisagens de western ele consegue ser chato. Fico pensando em como filmes como este e Up in the Air ou Guerra ao Terror conseguem tanto destaque. Não são ruins, são comuns. Nunca foi tão fácil conseguir chamar a atenção com tão poucas idéias. Desse jeito, Clint e Resnais vão filmar pra sempre.... Nota 3.
O SENHOR DA GUERRA de Franklyn Schaffner com Charlton Heston e Richard Boone
Muito reprisado na velha Record dos anos 80. A história, cheia de pseudo-exotismo, fala de nobre que toma posse de castelo miserável na Normandia em 1100. É sempre bom ver a idade média retratada sem muita produção, mas o filme se leva a sério demais. O texto, raso, tenta ser Shakespeare. Não dá ! Heston e Schaffner melhorariam muito dois anos depois com o excelente Planeta dos Macacos. Este é nota 4.
VIRTUDE SELVAGEM de Clarence Brown com Gregory Peck, Jane Wyman e Claude Jarman
Technicolor....eu cheguei a ver o technicolor no cinema. Minha mãe me levou para ver Cantando na Chuva ( uma reprise em 1975 ) e pirei com aqueles azuis e verdes. Mas um dia se criou outro sistema de cor, o Eastmancolor da Kodak, ( nos anos 60 ), sistema muito mais barato e o Technicolor deixou de ser utilizado. A diferença é que o Technicolor é muito mais brilhante, artificial, operístico. As cores gritam e ainda me lembro do assombro que era ver cores mais coloridas e vibrantes que as da vida "real". Estranho...com o technicolor a sensação era a mesma de se ter miopia e colocar óculos : voce olhava a tela e via a vida focada e colorida pela primeira vez. O eastman é como é, as cores da rua, mas o technicolor eram as cores do sonho...
Dito isto, este é um clássico do cinema technicolor. Foto de Charles Rosher premiada. É um filme museu. O mundo que ele exibe está completamente extinto. Acompanhamos a saga de um menino nas matas da Florida. O filme exibe sua transformação em adulto, seu rito de passagem. O filme é piegas, o menino ama tanto o pai que chega a dar enjôo, o bosque é belo ao excesso...e com tudo isso, o filme é maravilhoso. Se voce ainda tiver salvação, não for cínico terminal, irá penetrar naquele cotidiano de caça ao urso, refeições fartas, enchentes, colheitas e socos. Irá perceber que neste filme existe alguma coisa que perdemos, coisa que só se perde uma vez : inocência. Passe por cima do excesso de " hey pa " do garoto e mergulhe sem medo na emoção simplória deste filme sobre natureza, e principalmente, sobre a dor de se largar a infancia. O final, quando o menino "perdoa" os pais é perfeito. Ele é obrigado a ser homem, finge aceitar isso, mas na última tomada vemos que ele sonha com a infãncia, será sempre só.
O pai, aliás, repete isso várias vezes : crescer é ser só.
O filme tem ainda uma das mais belas cenas de infãncia do cinema : o garoto correndo pela floresta com bando de gamos. A simplicidade extrema falando tanto...
Foi imenso sucesso de público e crítica, premiado, e tem Peck, muito jovem, ensaiando seu mítico Attichus Finch, papel que lhe daria a eternidade no futuro.
Bem, é um filme piegas, simples e povão; mas macacos me mordam, como consegue ser tão bom ? Nota DEZ.
OS VIVOS E OS MORTOS de John Huston com Anjelica Huston e Donal MacCann
Em 1987, sabendo que ia morrer ( quem não vai ? ) Huston, usando máscara de oxigênio e em cadeira de rodas, dirigiu esta adaptação de um conto de James Joyce ( The Dead, talvez o melhor conto que já lí ). Fala de uma reunião de Natal em Dublin. Músicas, comidas, bebidas, danças e festa. E também inseguranças, dúvidas, ódios, dores e um segredo revelado. É só isso. A maestria de Joyce foi a de fazer com que uma sala e meia dúzia de pessoas comuns consigam nos fazer ver a transcendencia da vida. Huston quase chega lá. Seria impossível chegar.
Que belo caminho !!! Do Falcão Maltês até aqui.... O filme, que é só conversa e dois cenários, prende a atenção dos que conseguem ainda escutar palavras. Os atores estão ótimos e as cenas finais explodem em poesia triste. Huston se despede da vida falando de um amor que sobrevive a morte. De um falecido que continua a modificar a vida. Que belo Adeus......nota Dez.

MIKE NICHOLS/ MOULIN ROUGE/ O SEGUNDO ROSTO/ ALEC GUINESS

QUINTETO DA MORTE de Alexander MacKendrick com Alec Guiness, Peter Sellers e Herbert Lom
Os irmãos Coen refilmaram este filme usando Tom Hanks. Foi um fiasco ! Este é o original. A velhinha é deliciosa. È dela esta comédia muito inglesa em que grupo de ladrões se enrola para eliminar sua senhoria. O filme não é a genialidade que eu esperava. Sua fama é exagerada. Mas tem um show de todo o elenco e um roteiro que vai num crescendo até seu impagável fim. Not 7.
INOCENTE SELVAGEM de Nicholas Ray com Anthony Quinn, Yoko Tani e Peter O'Toole.
Assiti este filme vinte anos atrás, na tv Manchete, de madrugada. Na época o considerei genial. Mostrando como o gosto muda ( no meu caso, com o dvd aumentei muito minha exigência ) revendo-o agora fiquei abestado com sua tolice. Tudo é constrangedor. Quinn faz um esquimó ( o filme é história sobre cotidiano esquimó ) muito mexicano e toda a trama é pobre e previsível. Uma besteira. Nota 1.
ARDIL 22 de Mike Nichols com Alan Arkin, Anthony Perkins, Martin Sheen, Jon Voight, Orson Welles, Art Garfunkel.
Primeiro foi um best-seller com conteúdo, de Joseph Heller. Uma impiedosa sátira à guerra e as corporações. O livro previa a transformação da guerra em negócio privado. O filme, super-produção, num tempo em que se faziam super-produções de "arte", foi gigantesco fracasso de público e de crítica. Por dois motivos : o principal, ele teve o azar de ser lançado com MASH, que é muito melhor e muito diferente. Segundo, é um filme hiper azedo. Tudo nele é desesperança, as cenas são muito cruéis e ele caminha para um final negro e vazio. Mas é um grande filme. Tem uma das mais fantásticas fotografias da história ( de David Watkins ) toda feita às 14 horas ( sim meus caros, podia-se dar ao luxo de filmar toda a película às 14 horas de cada dia ) o que fez do filme um pesadelo "onde todo dia é 14 horas do mesmo dia ". Os atores começam interpretando como em farsa, depois vão se transformando em realistas e terminam num estilo quase documental. Nunca se filmaram aviões tão potentes, pilotos tão perdidos, lideranças tão maldosas. Cenas fortes se sucedem e ele, sem música, sem extras ( parte do clima de pesadelo é obtido pelo quartel sem extras, vazio, só com oficiais ) vai pegando seu interesse, sua atenção. É um filme invulgar, muito ambicioso, corajoso e louco. Atenção aos extras do dvd. Mike Nichols e Steven Soderbergh comentam todo o filme, cena a cena. Soderbergh, fã da fita, confessa já ter visto incontáveis vezes este gigantesco paquiderme, cheio de erros, e com acertos magníficos. Ardil 22 é belíssimo !!!! Nota 9.
CRAZY de Jean Marc Valée
Escreví crítica abaixo. É um filme que me derrubou visceralmente. Mostra com bela sinceridade a fase mais cruel da vida : a adolescência. Voce se apaixona por toda aquela família, principalmente os pais. Filme canadense, com colorida estética anos glitter. Nota 9.
MOULIN ROUGE de John Huston com José Ferrer e Zsa Zsa Gabor
Oswald Morris cria bela fotografia. O filme se parece com tela de Toulouse-Lautrec. E é o que acompanhamos, a vida de Henri de Toulouse-Lautrec. Belos cenários, belas roupas, belas cores. Péssimo roteiro. Huston dirigiu o filme sem interesse ( na maioria de seus filmes ele pouco se interessava ). É um enfadonho e raso novelão sobre um deficiente físico. Nota 2.
O SEGUNDO ROSTO de John Frankenheimer com Rock Hudson
Que bela geração essa americana de 55/65. Lumet, Nichols, Arthur Penn, Peckimpah, Mulligan, Roy Hill, Schaffner, Pollack, Cassavettes e este viril Frankenheimer. Este filme, que tem uma fotografia em p/b do mestre James Wong Howe, fotografia de um modernismo ainda não igualado, é o mais asfixiante pesadelo que já assisti filmado. Conta a história de uma empresa que faz "renascimentos". Voce paga uma quantia e tem seu rosto redesenhado, sua voz remodelada, e novo nome, profissão, endereço, biografia. Todo seu passado é jogado fora e voce recomeça do zero. Mas o filme mostra isso, hoje um sonho mais desejado que em 1966, época do filme, como um pesadelo kafkiano. Nada faz sentido, a vida se torna vazia e sem objetivo, tudo se esvai. Rock Hudson, em atuação perfeita, se rebela e tenta voltar atrás. È impossível, ele pertence à corporação. Seu grito na cena final é momento de horror cósmico. Trata-se de um filme desagradável, corajoso, viril sem respiro. E tem uma cena de cerimônia dionisíaca com pré-hippies muito boa. Nota 8.
REVELAÇÕES de Robert Benton com Anthony Hopkins, Nicole Kidman, Ed Harris, Gary Sinise
O texto é baseado em Philip Roth. O elenco é excelente ( com excessão de Nicole. E houve época em que se achava ser ela grande atriz.....) mas o filme, dirigido pelo flácido e molenga Benton, é uma bomba. Pensar que este diretor já foi roteirista de gênio. E ainda possui um Oscar de direção por Kramer versus Kramer.... Boas idéias são todas desperdiçadas e o filme tem alguns momentos de inacreditável ruindade. Nada convence. E ainda é cheio daquele jeito meio deprê e escuro de filminho de arte anos 2000, diálogos ditos baixinho, momentos de silêncio, violência em surdina... dá um tempo!!!!!!! Que saco! Nota Zero!!!!!

KEY LARGO ( PARA TUCORI )

Key Largo, de Huston. O cinema viril de Huston. A história vem direta, sem frescuras. Ele liga a câmera e conta o que se tem para ser dito.
Key Largo, roteiro de Maxwell Anderson. Autor sério, liberal, que fez música com Kurt Weill ( a melhor canção da história- September Song-é da dupla ). Neste roteiro, Anderrson cria uma mini-américa. Num hotel, cercado de vazio. O gangster ( que representa aquilo que a nação se tornou ), um velho aleijado ( o bom cidadão, impotente ), e o existencialista ( Bogart ). E um bando de índios, perdidos e sem lugar, levando a culpa de tudo e jogados ao vento.
Key Largo, com Edward G. Robinson, ator perseguido por ser judeu, perseguido por ser de esquerda, mas que sempre recebeu apoio de Huston, Bogey, Mankiewicz. Aqui ele domina o filme. Rouba as cenas de Bogey. Brilha em sua maldade perversa.
E Humphrey, fazendo aquilo que tanto encantou os franceses ( Sartre, Goddard, Truffaut, Genet ), um homem sem endereço, sem família, sem ilusões, sem futuro. Bogart nos exibindo o homem de hoje e de amanhã, livre- perdido- sem se comprometer, mas obrigado a agir.
Key Largo, com fotografia do genial Karl Freund ( de Lang, de Murnau, e a América sempre foi esperta em acolher os " sem endereço " úteis ).
Um filme direto, simples, de texto, de testosterona-adulta, de furacão ( e exemplar na cena em que Robinson teme a chuva " pois não póde a dominar"- sina de todo super-homem ).
Único ponto fraco: a trilha sonora de Max Steiner, que quase põe tudo abaixo com sua melosidade fútil.