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PRIMAL SCREAM E THE MOODY BLUES, O PROBLEMA DA CRÍTICA INGLESA

GIVE OUT BUT DON'T GIVE UP, disco do Primal Scream lançado após Screamadelica, comete o maior dos pecados, na visão de um crítico inglês: ele lembra os Rolling Stones. Talvez, para esses ditadores do gosto, só o Led Zeppelin pode ser mais pecaminoso que os Stones. Todo e qualquer disco que tiver um cheiro de Jagger e Richards será escutado com imensa má vontade. Na verdade eu imagino que eles nem escutam. Dão uma opinião a priori após dois minutos de riffs. ------------------ Screamadelica foi produzido por Jimmy Miller, produtor dos Stones entre 68-73. Só uma besta não percebia que Bobby Gillespie ama Jagger e etc. Tudo em Screamadelica recorda Beggars Banquet. Só que um bando de mixers deu um banho de beats e bytes na coisa e os críticos, tolinhos, amaram essa homenagem rave aos associados de Jimmy Miller. ----------------- Se voce quiser os favores da crítica inglesa, imite Kinks e Small Faces. Ou então mergulhe numa deprê pós Joy Division. Tudo que escapar desse canone será atacado. -------------- Give Out foi feito nos EUA, pior, no sul dos EUA e Bobby não é o primeiro inglês que ao ir aos EUA fica maluco com o que vê. U2 e Stones Roses são outro exemplo. A não ser que voce seja muito tapado, a América vai mudar sua vida. Até os Kinks sentiram a coisa e os Small Faces, após os EUA, viraram The Faces e Humble Pie. Bobby se juntou ao povo de Memphis-Tennessee, e fez um disco de rock que só não é ótimo porque ele não tem voz. Esse som, uma mistura de rock-gospel e soul exige grande voz. Van Morrison vem à cabeça ( Van é mais um que mudou nos EUA. Them era uma banda british, nos EUA ele virou quase um folk american singer ). ------------------- Se voce cresceu amando a música dos USA não tem como não desbundar ao ver Chicago, New Orleans e a casa do Elvis. Se o cara alugar um Cadillac e pegar a highway 61, bem, Cream era bem inglesa, Layla era puro USA. John Lennon foi morar em NY. Do you know what i mean? -------------------- DAYS OF FUTURE PASSED dos Moody Blues fez o caminho inverso. A banda até 1967 era um tipo de cover dos EUA, em 67 virou o molde do som made in England. É um poço de pretensão. Dizem que é o disco que inventou o prog rock. Observe, bandas prog, por mais que viagem aos EUA, nunca sofrem influência da América. Isso porque eles se acham artistas. Nesse sentido os Moody são avôs do prog. --------------------- Eles se trancaram no estúdio da Decca, e com uma orquestra gravaram esta coisa. É música erudita com banda de pop rock. Mas entenda, não é erudito tipo vanguarda, é orquestra tocando algo tipo trilha sonora de Spielberg ou desenho Disney. Xarope. Dá um choque porque é muito bobo. Em 1967 parecia estranho, hoje parece tolo. Então, depois da orquestra e até de um narrador, sotaque mega BBC, vem o melotorm. Um melotrom!!!!! O melotrom é o avô do synth. Uma coisa que usava fita para armazenar sons. Sempre que eu ouço um melotrom imagino um cara de gola rulê e óculos roxo. É um timbre doentio. ADORO!!!! Space Oddity tem melotrom. O album Satanic dos Stones é todo melotrom. Parece som de inferno em technicolor. --------------- As faixas POP sem orquestra são boas. Ótimas até. Mas pra chegar nelas voce tem de aguentar 15 minutos de xaropada. Ah sim, a crítica inglesa falou na época: Oh!!!!! Influência dos Beatles!!!! Nada disso! O disco é filho do Pet Sounds. Mais um.

HORA DE REESCUTAR OS ROLLING STONES

Fazia bastante tempo que eu não ouvia os primeiros discos dos Stones. Aqueles gravados entre 1964-1965. Coisa velha né. Pra voce pensar: estamos a 59 anos desses discos. Seria como se em 1964 um fã dos Stones ouvisse um disco de 1905! Os Stones fazendo shows hoje, em 2023, é o equivalente a um show em 1965 de um artista que começara em 1905. Nascido em 1885. Consigo pensar apenas em Stravinsky ou Ravel. ------------- Como foi ouvir essas velharias outra vez? Um prazer. Mas algo mais. A constatação, mais uma vez, de que em 1964 não havia nada nem remotamente parecido com os Stones. Para voce comparar: nos EUA era tempo de Beach Boys, Ventures e o Dylan folk. Na Inglaterra era Beatles, Kinks e Animals. ------------- Os Beatles gritavam também tinham seus momentos e barulho. Idem os Kinks. E os Animals, como os Stones, também tinham fixação pelo blues e pelo soul. Mas não há como comparar. -------------- Como eram então os Rolling Stones em 1964?--------------- Faça um exercício. Vamos a tal essência de Schopenhauer. Abstraia tudo que voce ouve hoje. Volta ao início. Lá em 1964. Mundo de Hermans Hermits, Dave Clark Five, Tom Jones e Shadows. Então coloque pra ouvir I'M A KING BEE. Pronto. Mick Jagger com um sotaque cockney absurdo. Sempre cantando mal. Mas estranhamente funcionando. E porque funciona? Porque ele é diferente de tudo que havia então. Ele não canta, ele performa. E o que ele traz é sexo. Explícito. E isso, fora do gueto da música negra, entre brancos, era inédito. E era muito perigoso. ------------ Mas há mais. Keith e Brian não são guitarristas tão bons como Clapton ou Beck, mas eles eram mais selvagens. O modo como eles cutucam, fazem zumbidos, persistem, criam riffs, instigam os quadris, complementa a voz de Mick. Seria impossível haver a mesma magia se o cantor de Keith e Brian fosse Lennon, Van Morrison ou Eric Burdon. E saiba que todos esses três cantam melhor que Mick Jagger. Mas não são Jagger. ----------- E no fundo há a sessão ritmica. Charlie e Bill. Voodoo. --------------- Sim, os primeiros discos são uma banda querendo apenas homenagear seus ídolos e ter namoradas. Jamais eles imaginaram ser o que são. Uma banda imortal. Mas são. E não há banda na história que deu mais certo. 60 fucking anos!!!!! E ainda rola. Um milagre.

BIG SUR BY HENRY MILER + ABBEY ROAD AND LET IT BLEED + UMA CONVERSA COM UM STALINISTA + RILKE

-------------------- Big Sur foi escrito por Miller nos anos 40 e não fala de sexo e nem de drogas bebida ou tudo aquilo que os leitores teen de Miller procuravam até os anos 90. Ele se mudou para o sul da cidade de San Francisco, o Big Sur, uma região selvagem e deserta então, e nos conta como é morar lá. O livro, muito bom, é um elogio da solidão, da percepção que nasce com a observação atenta da vida e das coisas. Não chega a ser ZEN, mas o que Miller diz me agrada porque eu vivi tudo aquilo que ele narra, então eu sei do que se trata. Mas não pense que seja um isolamento radical. Miller mora num barraco, feito por ele mesmo,com dois filhos, câes e tem vizinhos, vizinhos que moram longe, que também amam a solidão, mas que o encontram de vez em quando. Ele aprende a se virar, a construir uma fossa, um chuveiro, moveis, a viver sem eletricidade. Quanto aos vizinhos, o foco do livro é falar deles. ------------- São pessoas interessantes. Gente que largou tudo e foi viver por lá. Alguns são artistas, todos são diferentes, excêntricos talvez, mas jamais malucos. Miller descreve eles, relembra conversas e nos conta suas sensações ao observar o tempo, o mar, as montanhas, uma folha seca no chão. Quando não cai em seu emocionalismo, que eu odeio e por isso não leio os Trópicos, Miller escreve bem. Ele descreve, ele pensa, ele diz. Felizmente neste livro ele se perde em emoções adolescentes poucas vezes. É um adulto falando. E como tal ele conta coisas que interessam. ----------------- Miller já era cult então, por isso recebe visitas de fãs que o acham lá. Ele tenta fugir, mas não há como. Vão a procura do escritor louco cheio de sexo, encontram um quase monge solitário. Com os moradores do lugar ele é simpático. São conversas sobre o clima, sobre consertar uma porta, sobre a escrita, sobre pintura. São companheiros. ----------------- Quanto mais voce usa esse seu celular mais distante da ONDA DO MUNDO voce está. Explico. Miller crê que ninguém cria nada, que há um criador que cria através de nossa mente. Somos antenas. Para acessar essa criação é preciso alguma solidão, silêncio, quietude. Sacou? Uma geração, inclusive eu, que vive conectada não tem chance alguma de entrar nessa onda mental. Daí a pobreza vexatória de nossa arte hoje. São criações de carne e de nervos, não de alma. ------------------ Em 1977, ano em que provei a quase solidão total, ganhei os discos Let It Bleed e Abbey Road. Os escutei diariamente por meses. Como dizia Rilke, voce só entra numa obra de arte quando dorme-vive-é inteiramente dela. A somoridade cristalina de Abbey Road e sua mistura de tragicidade com alegria criativa marcaram minha alma para sempre. Assim como a rebelde sexualidade arrogante de Let It Bleed. Eu morei, sozinho, em cada sulco daquele vinil. Não foi uma experiência estética ou sensual, foi um degrau espiritual conquistado. Minha pergunta é: quem tem uma experiência musical assim no Spotify? -------------------- Rilke diz em certo momento que livros emprestados não lhe tocam como aqueles que são dele. Pois a leitura completa só se dá em livros que têm seu cheiro, suas marcas, convívio físico entre leitor e obra. É preciso que o livro faça parte de voce. -------------------- Reencontro um velho amigo. Mais um. Ele me leva à um café chique, caro, exagerado. Não nos víamos fazia mais de 10 anos, muita coisa para se dizer. Mas.... Ele começa me contando de uma amiga negra, modelo, que só consegue trabalho na Suiça, aqui não. " Porque o Brasil é racista não é?". Depois ele me fala de um amigo que transou com um travesti, e que por isso, está sofrendo a terrível culpa cristã. Então ele fala de sua esposa, que está ganhando muito menos do que merecia, porque o Brasil é machista. Nesse ponto já entendi que aquilo não era um reencontro, ele apenas queria saber meu "grau de direitismo", como eu reagia a esse quase interrogatório. Me corrigiu várias vezes, "Não diga favela, é ofensivo, não diga gay, é machismo..." Então ele pagou a conta, alta e injusta, e disse que eu sou O CARA. --------------------- Fiquei triste. Eu sabia que ele faz parte do mundo dos Liberais Chique, mas pra mim isso é só um rótulo, ele é muito mais. Ou era muito mais. ------------- Nada das conversas sobre livros e sol, nada de mulheres bonitas e saudades, nem uma frase sobre a alegria de se rever um amigo. Apenas os assuntos minúsculos, ensaiados, aprendidos em jornais podres. Ele me pareceu morto. Vazio. Um boneco que nada percebe. --------------- Minha namorada riu. Ela trabalha com moda e diz que uma negra estilosa arruma muito mais trabalho que uma loura bonita. Nascida na favela, ela ri ao dizer que todo mundo nela diz favela. Comunidade é coisa de classe média ou de negro na TV. ----------------------- Eu queria ter falado à esse amigo dos livros que li, das experiências que tive, das pessoas que conheci. Impossível. Eu me sentiria em prova todo o tempo, ele a espera da revelação de minha condição de extremista de direita. ------------------- Enquanto isso pouco me interessa se Henry Miller amava Lenine ou não. O que importa é o modo como ele vê um pássaro e o que ele fala sobre a cor. Posso dizer que ele, morto em 1980, é muito mais próximo de mim que esse amigo perdido. O tempo.... ele é relativo.

RAMONES, ROXY MUSIC, KEITH RICHARDS E OUTRAS COISAS. DROGAS INCLUSIVE.

Ouvindo os 3 primeiros discos dos Ramones. É incrível o fato de que até hoje eles influenciam, ou são copiados. É o rock mais primário possível, não há como ser mais simples e esse é o segredo. Depois dos Ramones sempre que voce pegar uma guitarra a tentação de soar como eles será grande. Porque é fácil de tocar e divertido de fazer. O primeiro disco é tão influente como é Velvet Undergorund and Nico. Na época zombavam deles. Entenda, em 1976 a norma era solos de bateria de meia hora. Exibição de técnica. Sex appeal explícito. Os Ramones eram amadores, não sabiam tocar, era isso que se dizia. "Como alguém grava algo tão amador"? A gente ouve e percebe que aquilo é The Stooges mais acelerado com imensas doses de rock dos anos 50. Os Ramones criaram um estilo. Imitado ao extremo. Inclusive no visual, não há capa de disco mais cool que a do primeiro disco. O "erro" deles foi terem durado demais. Tivessem acabado em 1980 seriam tão chique e míticos como Velvet e Stooges. O que acho do disco? É perfeito. Uma festa teen movida a amores frustrados, muita adrenalina e uma simplicidade comovente. -------------- Roxy Music faz excursão em comemoração aos 50 anos da banda. 1972 teve o lançamento de sua primeira obra prima. Voce deve achar que vou cantar loas ao Roxy né? Pois não vou. O show é triste de doer. É quase como ver Elvis no fim. O que era ousadia feliz morreu faz muito tempo ( em 1976 ), e o luxo chique dos anos 80 e 90 se tornou cansaço entediado. Bryan Ferry não passa convicção nenhuma. É burocrático. A voz acabou. A banda é ótima, mas até a banda de Robbie Willians é ótima. Pior é o público. Gente de 70 anos lembrando da música de seu casamento. Nada é mais triste que ver uma banda moderna se tornar karaokê. É o destino de 90% das bandas que um dia foram modernas: perder o tesão e virar uma caricatura de si mesmos. A sensação é de ver um bando de senhores imitando o Roxy Music. As cenas antigas nos telões deixam a coisa ainda mais esquisita. --------------- Os Ramones não passaram por isso. Nunca pareceram tristes. Por amar o Roxy eu sinto pena. O único que parece vivo é Phil Manzanera, o guitarrista soberbo e extra cool. As backing vocals são puro Elvis 1975. Well...o sonho de Bryan sempre foi ser Elvis. --------------------- Keith, o auto destruidor de sua própria lenda, falou bobagens de novo. Numa entrevista ele disse não ver nada de muito bom em Bowie, Prince, Led Zeppelin, Oasis, Metallica e Black Sabbath. A reação de quem odeia os Stones ( são muitos ) foi gigantesca. A mais leve diz que ele é o Ringo Starr da guitarra, um músico ok que teve sorte de estar numa banda famosa. ( Injusto. Keith é metade dos Stones, ele compõe, Ringo era menos que 25% dos Beatles ). De qualquer modo a verdade é que Keith é a muito tempo uma caricatura de si mesmo. Insiste em elogiar apenas reggae e blues antigo. Sua criatividade e curiosidade, enterradas sobre toneladas de drogas, deixaram de existir desde 1972. Keith Richards sem drogas teria criado arte magnífica nos últimos 50 anos. Mas ele meio que morreu. Desvalorizar Bowie, Prince ( como pode alguém desvalorizar Prince? Ele é inatacável caramba ), Led Zeppelin, soa a inveja. Imaginar Keith ouvindo Sabbath e Metallica é meio cômico. Os Stones perderam a chance de ter acabado em 1981. A excursão do disco Tattoo You é um marco. Depois foi ladeira abaixo. ----------------------------- Saber envelhecer é dificil, é doloroso e imagino que a adulação dos fãs torna isso ainda pior. Bryan Ferry, na carreira solo, envelhece bem, mas o Roxy hoje é um embuste, a banda foi tão especial que não pode ser revivida. Keith nunca soube envelhecer. Ele é um ser em formol. E os Ramones? Tiveram sorte de certo modo. Jamais foram estrelas, muito menos sex symbols. Optaram por jamais mudar e desse modo a cobrança era nenhuma. Modestos. Simples. Sem expectativas. Nesse ponto posso dizer: isso se chama sabedoria.

NO SHOW DE ROCK

O segredo do grande show de rock sempre foi a troca. O palco manda para a platéia um recado. A platéia recebe e o manda de volta ao palco. Essa troca se perpetua por duas horas ou mais. É uma ação muito parecida com o sexo. Voce dá e recebe. Recebe e dá. Ou, talvez, com uma cerimônia religiosa, onde o pastor invoca Deus e dá essa Presença aos fieis que ao serem tocados pela Graça irão retribuir dando sua Graça ao pastor. --------- Ao comparar o show de rock, o grande show de rock, ao sexo, deixo claro que para haver a troca é preciso existir a presença. O toque. O olho no olho. O ato impensado. O performer fará algo, algo esperado e ensaiado, mas ao receber essa mensagem o público sente algo de inefável naquele gesto. Um olhar do cantor, um acorde inesperado, um gesto, uma dança. Ao captar esse momento INESPERADO, o público reage e o artista sente essa reação. Imediatamente ele a capta e a devolve. Começa a troca. A aventura que é necessária ao melhor rock ( ou jazz ). ------------ Em palco imenso não há possibilidade nenhuma de olho no olho. Ou mesmo de gesto e grito, dança e resposta. O artista vê luzes e uma massa de pessoas no escuro. O público vê uma tela. ------------ Mas no rock de hoje, mesmo em palcos menores essa troca é difícil. Os motivos? -------------- Não se improvisa mais. 90% dos shows repetem exatamente aquilo que foi gravado. Se compararmos ao sexo, diremos que é sexo de prostituta. Sem a possibilidade do improviso, não há chance para a troca. As respostas estão dadas independentes da pergunta. ---------------------- Tecnologia. Celulares olham no lugar do olho. Voyeurismo. É como gravar uma cena de sexo a dois. Há uma parede entre voce e o outro: a lente. O artista deixa de esperar sua reação. Ele posa para as câmeras. Não pode errar. Não se arrisca. Qualquer titubeada será gravada. ----------------- Aparelhagem. Há uma centena de toneladas de caixas, retornos, fios, microfones, amplis. No tempo do Cream ou de Hendrix, entre o palco e o público nada havia. Hoje há uma fila de caixas de retorno, seguranças, pedais, pedestais, fosso, tudo isso mesmo em shows pequenos. -------------- Falta de raiz no blues ou no jazz. O que uma banda nova ouve hoje? Bandas de rock. Eles escutam as bandas anteriores a eles mesmos. Essas bandas são escutadas em discos ou videos. E copiadas. A coisa se engessa. Antes, gente como Jeff Beck ou Jimmy Page escutava blues e jazz. Aprendiam a improvisar. Buscavam a epifania. Claro que como tempo vinha o cansaço. Mas o molde não era uma banda pronta, um disco mítico ou repetir um hit do rádio exatamente como foi gravado. O que se buscava era uma prática, uma troca, a comunhão com seus fãs. -------------- Então o que vemos hoje é: Eu me apresento e faço tudo o que voce espera de mim. Voce se diverte e me aplaude. Temos um acordo. E a palavra a ser usada é novamente engessamento. Shows antigos, shows como eram os de Frank Sinatra ou Bing Crosby, sempre foram assim. Mas o rock era diferente. Ele trazia ao mundo pop o êxtase que havia no blues e a liberdade do jazz. Não se sabia o que iria acontecer em um show. Os Stones em 1970 poderiam ser um absoluto Kaos ou uma epifania. Uma decepção odiosa ou um caso de amor para sempre. -------- Hoje voce recebe o esperado. Como era um show de Dean Martin no Sands em 1965. Ou um show de Yves Montand no Olympia em 1970. Bom e óbvio. ----------------- Comparo então o Queen em 1980 e o Iron Maiden em 2022. Dois shows separados por 42 anos. No mesmo local com a mesma massa de pessoas ao redor. Em 1980 eu achava o Queen ok. Em 2022 acho o Iron ok. Mas há um abismo entre os dois shows. --------------- Sem telão e sem celular, Freddie e a banda tiveram de correr pelo palco, pular muito, rebolar, esticar solos, conversar com a platéia, puxar o coral, suar mares de esforço, par assim conseguir uma resposta. Ela veio. Forte. O povo, para surpresa geral, só depois se tornaria um padrão, começou a cantar com Freddie. Mesmo sem saber inglês!!!! O caso de sexo se tornava amor. Tateante no começo, Freddie sentia estar vencendo. O público, conquistado, dava tudo que tinha. Amor. Eu estava lá. Me apaixonei por eles. ---------------- Em 2022 o Iron faz um show perfeito. Bruce é dos poucos vocais do rock que melhorou com a idade. É muito mais dominante hoje, pula mais, se exibe melhor, é seguro, não erra, passeia pelo palco como nunca antes. O som é perfeito, não há um só erro. E não há como não gostar de um repertório como o deles. Number of The Beast me emociona muito. Mas......não há troca alguma. O artista e a platéia estão separados, cada um em seu lugar, cada um com sua função. Voce faz e eu olho. Voce me satisfaz e eu aplaudo. Um show perfeito. Mas sem amor. --------------- Em 1980, na saída do estádio, lembro até hoje de ver gente devastada. Lembro com clareza de duas meninas chorando na rua, um cara gritando sozinho na calçada e minha excitação tremenda pela banda. Durante dias eu só pensava no que havia visto. --------------- Em 2022 eu e minha acompanhante saímos do show e começamos a falar de outros assuntos enquanto bebemos. Não pense que a culpa é do Iron. Vi a mesma falta de paixão em shows de Clapton, Stones, Iggy Pop, Red Hot, Beyoncé, Sonic Youth ou Elton John. Amigos me dizem que é assim mesmo. Os shows são repetições daquilo que foi gravado. Não há improviso. Não há público que mude um show. E não há público que QUEIRA QUE O SHOW CORRA RISCOS. Tem de ser como na gravação. Exatamente igual. ------------- No último show que vi dos Stones houve um momento em que quase acreditei que Ronnie Wood se soltara. Ele fez um belíssimo e longo solo em Midnight Rambler. Uma das coisas mais bonitas que já ouvi. Mas então lembrei que ele não estava improvisando. Ele apenas recriava o solo de Mick Taylor no disco Get Yer Yas Yas Out. Não havia uma só nota fora do esperado. Nenhum erro. E rock sempre fora uma mistura de erros que acabavam virando acertos. Nesse momento Ronnie me pareceu Dean Martin. ---------------- Bandas novas já nascem fazendo aquilo que bandas com 40 anos fazem. Tocam como na gravação. -------------- Pena.

OS INGLESES SÃO POBRES E A MEMÓRIA NÃO MORRE

A geração inglesa que hoje tem entre 70-80 anos conheceu a fome em seus primeiros anos de vida. Eles têm memória da ração em lata ( spam ), do um ovo por semana, do leite em pó. Memórias felizes de quarteirões derrubados, espaços livres, vida na rua e centenas de milhares de crianças ( era o baby boom pós guerra ). Cresceram nas ruínas da guerra e jamais esquecem isso. Apaixonados pela comida farta da América, seus carros imensos, as casas grandes, a confiança na vida. O sol. Portanto, quando voce analisar um rock n roll star inglês dessa geração, tenha sempre isso em mente, ele foi pobre, muito pobre. E portanto, seu maior medo, eterno, é não só passar necessidade, como ver um dos seus em apuros. Eles festejam poder ter uma casa imensa, vários carros, mulheres ricas, joias e comida, muita comida. -------------- E apesar da boa educação da Inglaterra de então, são ex-suburbanos, ex-famintos, ex-moleques da rua. Para entender o que é sua história, tenha essa certeza: sua carreira é uma luta contra a carência. ---------------- Nenhum rock star inglês é realmente chique. Mesmo Bryan Ferry e David Bowie, os ícones do glamour, possuem uma breguice extrema. Ferry exagera tanto no chique, no ar de aristocrata, que trai sua insegurança. E Bowie sempre teve, principalmente em seus melhores momentos, algo do rapaz deslumbrado pela vida na cidade grande. Ele era exibicionista. Nada menos chique que isso. Isso que falo explica gente como Mick Jagger, que simplesmente não consegue parar de fazer dinheiro, que mesmo com tanto nos cofres ainda mantém um jeito brega de vestir e de ser. Não preciso falar de Elton John, Rod Stewart, Ozzy, Robert Plant, Ian Gillan e todo o resto. O próprio rock progressivo é uma tentativa de parecer culto e superior, atitude só prezada por quem se sente caipira e acossado por snobs. O rock inglês é filho de moleques famintos, crianças que ficaram ricas mais tarde. Nos EUA a história é completamente diferente. Toda esta minha conversa não faz sentido lá. -------------- O piano brega de Paul MacCartney, com um pano cheio de cores, é a lembrança do jovem faminto que ele foi. Assim como a carreira de Rod Stewart pós 1975, toda voltada para fazer dinheiro e ganhar mulheres. Mas não só eles. É brega Van Morrison com suas roupas ridículas, Pete Townshend e sua insegurança social, Ray Davies tentando parecer um dandy de 1910. Todos seguiram o mesmo caminho: um começo sincero e soberbo, confessional, ainda dentro do mundo duro e pobre da juventude inglesa de então, mas depois, quando a grana começa a chegar aos quilos e quilos, o desejo de não mais voltar a ser pobre toma conta e ser rico se torna mais importante que ser autêntico. -------------- Nada há aqui que os desabone. Eu sou como eles são. São humanos. Estão longe da estranha desumanidade mimada dos stars de 2021. -------------------- Há neles o orgulho de quem venceu. E isso é o mais importante. Em todos há o espírito do "VEJA MÃE! OLHA ONDE ESTOU!" Jeff Beck compra dúzias de carros antigos, aqueles que ele sonhava aos 12 anos e Jimmy Page mora em castelos, os que ele via no cinema e sonhava em morar. Não há muito espaço para compor um novo Immigrant Song quando seus dias são dedicados a usufruir seu novo status. ----------------- Rod Stewart foi um dos mais pobres, e por isso, seu deslumbre foi o maior. Quando se viu rico ele mergulhou na farra. O gênio, sim gênio, de seus primeiros discos morreu. Saiba que entre 1970-1974 era ele o artista mais nobre da ilha ( não, não era Bowie ). Pego aqui um CD do cara: GREAT ROCK CLASSICS OF OUR TIME. O Rod dos insuportáveis AMERICAN SONGBOOKS, caso voce não saiba ele vendeu toneladas da série de CDs que revivem as cançõea americanas clássicas, coisas que Sinatra e Fred Astaire cantavam. Esses Cds são de uma breguice soberba. Música para quem quer ser chique e não consegue ouvir os originais. Pois bem, aqui ele faz o mesmo com alguns rocks e pops. Um disco para vender mais alguns milhões. --------------------- Rod é o melhor cantor cover da história. Ao contrário de Bryan Ferry, outro cantor famoso por gravar covers, Rod não muda as canções radicalmente. Ferry as torna canções de Bryan Ferry, todas ficam parecendo composições dele mesmo. Rod não, ele canta dentro do formato imaginado pelo compositor. O diferencial é que ele canta sempre muito melhor que qualquer um. Por isso ele é o melhor intérprete de Bob Dylan da história. Ele dá à Dylan aquilo que Bob não tem: poder vocal para falar tudo que a canção pode dizer. IF NOT FOR YOU é o Dylan deste CD. Simples, alegre, confiante. Se com Dylan era ela uma linda canção, com Rod ela é perfeita. OH ROD!!!!! QUanta coisa maravilhosa voce não poderia ter feito!!!!! ---------------- O disco abre com Have you ever seen the rain, e não dá pra ser melhor que John Fogerty. Nem precisava ter gravado essa. Mas a gente sempre imaginou como seria Rod cantando Creedence, então okay. Depois vêm dois pontos baixos: Elvin Bishop e Chrissie Hynde. Fooled Around de Bishop é só uma cançãozinha boba, e I'll stand by you é daquelas coisas pavorosas que Chrissie fez depois que virou vegetariana e militante do bem. A Chrissie punk morreu em 1981. ------------------ Bob Seger é cantado com Still The Same, um linda canção e apesar de Bob ser um grande vocal, Rod a melhora. Profissional. Rod está ganhando dólares com dignidade. Mas às vezes não....cantar Its a Heartache, a horrenda música de Bonnie Tyler beira o apelativo. Rod canta uma peça de uma imitadora dele mesmo! Pra que? Por Caipirice.--------------- Day After Day é um dos amores da minha vida. Rod canta exatamente como na versão original. Não há um acorde diferente. A canção é uma obra prima, Rod a repete. Bem....em 1975 Rod Stewart nos deixou às lágrimas com uma versão mágica de First Cut is The Deepest, de Cat Stevens. Tantos anos depois ele revisita Stevens e canta Father and Son. Não é nem sobra do cantor de então, mas a composição de Cat é também menos genial. Então temos os Eagles e Best of My Love. Alguém disse que Rod canta com uma sedução maravilhosa, não houve cantor mais sedutor para as mulheres, sua voz as leva à cama. Aqui temos um cara que aos 70 anos ainda dá seus botes. E então vem If Not For You e a verdade se revela. É a única faixa onde Rod é ele mesmo. Um simples e ingênuo cantor. Vale todo o resto. ---------------- Não vou ouvir Love Hurts. Gram Parsons a gravou do modo perfeito e o Nazareth a destruiu para sempre. --------------- Na minha infância e adolescência, já disse isso, fomos educados a sofrer por amor. Os grandes sucessos, 80% deles, eram músicas feitas para chorar. Everything I Own é uma linda canção da mais chorosa das bandas, Bread. É uma canção tão linda que é impossível a estragar. Até Boy George ganhou dinheiro com ela. Rod nos dá um presente. ( Fico ainda mais tocado ao saber que a letra não é sobre uma mulher que deu tudo ao homem, é sobre o pai do autor, que havia morrido sem ver seu sucesso. David Gates, o compositor, agradece por tudo que o pai lhe deu ). Para fechar do CD, o óbvio: Van Morrison e mais uma de suas canções de motel. ----------------- A seleção diz muito sobre quem Rod é. Simples e direto. E fala mais sobre o que ele faz desde 1975: Produtos que vendem muito. Mas as faixas sobre Dylan, Bob Seger e o Bread mostram que ainda há um sopro de magia nele. E eu amo esse cara.

INXS-KICK. O DISCO QUE NÃO DEVERIA TER EXISTIDO. ( E ALGO SOBRE OS ROLLING STONES TAMBÉM )

No fim de 1987 os australianos do INXS vinham numa corrente ascendente. Cada disco vendia mais que o anterior. Então eles resolveram gravar um LP e só depois de pronto o mostrar para a gravadora. Era KICK. O que voce não sabe: Os executivos odiaram e queriam jogar tudo no lixo. --------- O veredito foi: Não presta. Ninguém vai ouvir. Não é rock e assim não será comprado pelos rockers. Não é POP como Madonna e George Michael. Será um fiasco. Façam outro disco. Mas eles tinham um produtor de gênio. Com nome na indústria e ele bateu pé. O disco vendeu 7 milhões. -------------- O produtor era Chris Thomas. Um cara que produziu ROXY MUSIC entre 1973-1976. Depois fez o disco dos SEX PISTOLS. Gravou os dois primeiros dos PRETENDERS. Sabia o que fazia. Entendia de sonoridade. Deu ao ROXY um som redondo e refinado, aos PISTOLS o denso volume das guitarras cheias de peso, e aos PRETENDERS o modo meio ácido e pseudo tosco de seus dois discos iniciais ( os únicos que valem a pena ). ------------- Para o INXS ele deu percussão. Tudo é percussivo. E deu certo. Ouvi o disco tanto em sua época que não há como o comentar hoje. Ouvi outra vez, após anos, e entendo seu valor. Não há mais como me emocionar, mas compreendo o porque de sua força. É o POP na perfeição. Dá pra dançar, dá pra ouvir quieto. É profissional. Não parece plágio de nada. Mas não assusta por ousadias. É jovem em sua confiança. E o principal: Michael Hutchiense era ótimo cantor. Da escola Jim Morrison de barítonos leves, tinha distanciamento exato, controlava a voz, dicção ótima, senso de melodia. Não há bom POP sem uma boa voz. Ele era excelente. ( Morreu de modo idiota. Fazendo estrangulamento durante o sexo. Coisa que hoje qualquer teen sabe fazer ). ------------ Ouvindo-o penso que KICK é exatamente, sem tirar nem por, o disco que os STONES adorariam ter feito e nunca, desde 1981, conseguiram fazer. Daí lembro que quando Keith Richards lançou seu primeiro solo em 1988, ele falou que o INXS era uma ótima banda ( e a crítica caiu de pau dizendo que ele estava por fora, que o quente era Bad Brains e The X ). Keith disse o lógico: KICK era o disco dos Stones que os Stones fariam se tivessem 25 anos de idade. Sexy, bem feito e cheio de groove. ------------- Em tempo: o maior erro da vida dos Stones foi terem não mais aceito, desde 1973, trabalhar com produtores fortes. Quando o fizeram, em 1994, e só em 94, conseguiram um album legal. A dinâmica entre banda e produtor é a coisa mais mágica na música. E pouca gente percebe isso.

SUPERMAN, BROWN SUGAR, JAMES BOND E O ARTIGO

Theodore Dalrymple fala que o Politicamente Correto é o refúgio dos idiotas. O mentalmente inepto odeia pensar, pois para ele isso denota trabalho, e assim ele AMA frases feitas. A ordem, o slogan, o "é porque é" lhe dá a garantia de estar certo. O imbecil adere. Obedece. Sem jamais questionar. Falo isso porque nos shows dos Stones, sim, eles estão na estrada mais uma vez, BROWN SUGAR saiu da set list. É a primeira vez desde 1971. A letra fala da escravidão de uma forma "sem sofrimento", safada, e isso é inadmissível. Um branco só está autorizado a tocar no assunto se for para pedir perdão. Como carneirinhos bem alimentados, Jagger e Richards se submeteram. Dylan disse que os Stones são a última banda de rock ativa. Não são mais. Não me surpreenderia se Under My Thumb e Star Star fossem riscadas de vinis novos. ------------- A DC Comics aposentou Clark Kent e agora o Super Homem é seu filho. Um menino de 17 anos. Bissexual, claro. Problema nenhum nisso se não estivesse ocorrendo um fato muito perverso. Observo que minhas alunas de 11 e 12 anos já estão crescendo com a certeza de que "um ser humano normal" TEM de fazer sexo com homens e mulheres. Se voce não for bissexual voce não é normal. Ou seja, se repete agora o mesmo erro do século XIX, com sinal invertido. Se antes um jovem gay era anormal, agora um hetero-hetero "não pode ser real". Então eu vejo meninas ficando com meninas porque isso é o certo. É uma forma de opressão, claro, se seu impulso íntimo não for esse. --------------------- James Bond será agora uma mulher negra. Não haveria problema algum em se criar uma espiã negra. Mas emascular James Bond faz parte da coisa. Na verdade é se aproveitar de uma marca de sucesso, mas eles não irão admitir seu interesse financeiro, então "faz de conta" que é uma evolução. Penso que a "Jamie Bond" não irá matar negros ou chineses. Os vilões serão todos brancos e heteros. ---------------- Farei um ato revolucionário: Irei assistir Goldfinger com Tom e Jerry. -------------------- Há um novo filme inglês onde a rainha Ana é negra. O mundo virou uma brincadeira de kids mimados. No futuro acharão que a água que a gente bebia tinha LSD. ------ Uma mestra em linguística diz o óbvio: em português não existe gênero, nunca houve. Só imbecis acham que o final em A revela palavra feminina e em O masculina. O que define é o ARTIGO. A couve. O tomate. Mas isso é pedir demais para os Kids. ------------- Para uma coisa o BOZO serviu: escancarou que 80% dos artistinhas brasileiros viviam do meu e do seu imposto. Eu não ligo de financiar uma sinfônica ou um museu, a herança cultural não vive sem ajuda, ela morre, mas eu abomino ter de dar dinheiro, na marra, para filmes da Globo ou o novo show do Zeca Baleiro. Não há relatividade aqui. Arte popular vive do público que tem. Se Zeca Baleiro arrecada apenas 100 reais que faça um show de 100 reais. Isso explica a existência abastada de nulidades como....bem....voce sabe quem. ----------------- Galvão Bueno tinha um salário de 5 milhões de reais. Se voce não acha isso ofensivo, em país que mata gente na fila de hospitiais, então voce é uma besta.

NOSSA! QUE INCRÍVEL! BOB DYLAN ESCOLHE A BANDA MAIS IMPORTANTE DA HISTÓRIA E VOCE VAI FICAR MUITO SURPRESO COM SUA ESCOLHA!

Meu título é irônico. Aliás, ironia é um dom que está em vias de extinção. Leio uma entrevista com Bob Dylan onde o escriba diz que a escolha que Dylan faz, a maior banda da história, é surpreendente. Dylan escolhe os Stones. E eu percebo a burrice do tal escriba. O que há com o jornalismo? O que há? Formados na net, é a primeira geração net, eles leram pouco e leram mal. Foram consumidores de tweets. Não pensam. Lançam afirmações. O mundo deles não é da análise do texto. É do slogan. O escriba imaginou que Dylan escolheria as bandas que lideram as listas de melhores discos de todos os tempos. Beatles. Beach Boys. Radiohead. Velvet Underground. -------------- Dylan diz que os Stones inauguram a era das bandas de rock. TODAS as bandas devem algo a eles. Desde a performance do cantor no palco, até o estilo de se usar uma guitarra, da mistura de música negra e country, do sexo como centro da coisa. Mais importante, Dylan diz que eles fizeram nascer e ao mesmo tempo são a última banda de rock. ------------ Há aí uma licença poética, mas é claro que o rock deixou a 20 anos de ser relevante. Tanto em termos de mercado, como em termos comportamentais. Nesse aspecto os Stones são sim aqueles que enterram uma era. A era deles mesmos. Dentro dela viveram desde Doors e Led Zeppelin, até Franz Ferdinand e Artic Monkeys. ---------------- Falar tudo isso é óbvio. O que penso é que um dos fatores do fim dessa era foi a morte da mídia física. Roqueiros, assim como o povo do jazz e do erudito, colecionam coisas. O público da música pop de hoje não. O rock vivia do colecionismo, do disco raro, do desejo não satisfeito. Quando isso é assassinado, e com ele a loja de discos, o rock perde, como dizia Benjamin, sua "aura". Despe a roupa de coisa especial e fica nú. Passa a ser consumido como água ou eletricidade. Se torna anônimo. O album perde sua vez. Uma faixa rumo ao esquecimento. --------------- Isso que falei é apenas um dos fatores. Quanto aos Stones....sim, concordo com Dylan. Na média eles são o centro da coisa. Inclusive por terem inventado o show moderno, em 1981, eu tava lá, foi a primeira vez que uma excursão deu lucro ANTES DE COMEÇAR, porque foi a primeira a ter patrocínio. Na época acharam isso esquisito, uma banda com patrocínio cheirava a prostituição. Tempos bobos né....a excursão de 1981 acabou sendo a melhor da história dos caras e talvez o começo do fim. Pela primeira vez palcos imensos, dinheiro para centenas de roadies, chamadas na TV etc etc etc.... --------------------- O escriba ficar surpreso com essa escolha é coisa de idiota. Pronto, escrevi agora como eles escrevem: curto, grosso e bobo. FIM.

The Rolling Stones – Little Red Rooster (1964) [High Quality Sound, Subt...

NO DIA EM QUE CHARLIE WATTS MORREU

Eu nunca terei como pagar aquilo que os Rolling Stones me deram de graça. Postei um vídeo abaixo, Silver Train, 1973. Quando Mick grita OH YEAH eu me recordo, imediatamente, do prazer sexual que me dava gritar o mesmo OH YEAH com ele enquanto ouvia esse disco, dançando com ele, em meio aos piores dias da minha vida. Esse foi talvez o primeiro video que vi da banda. Eu tinha 10 anos e ainda achava que Mick Taylor era Keith e que Keith era Taylor. Não fui com a cara daquele cara de dentes estragados, mas me apaixonei por Mick Jagger. Ele era o cara que eu queria ser. E que sabia jamais seria. Então eu dançava. ------------ Hoje morreu Charlie Watts e eu não senti nada. Até ver esse clip, agora. Os Stones são uma coisa tão funda dentro de mim que já moram em meu inconsciente. Vendo esse clip eu choro e não é por Watts. Eu choro por Jagger e Keith. Por eles estarem velhos. Isso não é justo. Eu não aceito isso, não mesmo! -------------- Porque aqueles caras são eles! Esses caras de 1973 são eles! Para sempre são eles. E eles só podem ser aqueles. Sim, eu ia falar de Charlie. Ia dizer que em 1973 eu também não fui com a cara daquele senhor velho que parecia não gostar da banda em que tocava. ( kkkkkkkkkkkkkkkk ). Hoje eu sei que Charlie era a nota de ironia dentro da banda. O cara que parecia pensar: cresce Mick! Cresce!.....Charlie teve uma vida foda, de sorte, de plena realização. Não há porque lamentar sua partida. Eu lamento os Stones. Lamento sua idade e a minha idade e a nossa idade. É isso que doi. O tempo. O miserável tempo. Pois esse Keith que vejo hoje, barrigudo, não é o Keith. E esse Jagger não é o Mick. Mas Charlie...ele sempre foi o Charlie! Ele soube envelhecer porque aos 30 anos ele já era um velho. Sábio. ----------------- Não dá mais Mick. Chega. Sem Bill a gente ainda engoliu porque ele pediu pra sair. Sem Brian já foi um bode para quem tinha 20 anos na época. Sem Charlie...com um cara naquele lugar, um Steve Jordan da vida...tocando mais alto, solando, tocando mais rápido...NÃO façam isso! Façam como o Led. Não se substitui um fundador tão fundamental. Saibam partir com graça. --------------- Ouço o Get Yer e noto, mais uma vez, em Midnight Rambler, o ritmo aburdo que ele tinha. Charlie era foda! Então faz uma coisa Mick, convence Ringo Starr a sentar na batera e faz a loucura de juntar Beatles e Stones no último show de rock da história ( Hey....Paul pode pegar o baixo....parece que os deuses querem assim ). Porque fora isso, fora uma doideira dessas, ninguém mais.

The Rolling Stones - Silver Train - OFFICIAL PROMO

UMA DAS PIORES PRAGAS DOS ANOS 70

   Em sites atuais, gente da minha geração, e de gerações bem mais novas também, tecem loas ao disco ao vivo. Tem até rankings, vários, que vão da Rolling Stone à All Music. Da BBC ao Times. Gostam de falar que bandas mais recentes não lançavam e não lançam discos ao vivo porque em shows não criam nada, apenas repetem o que foi já gravado. Acho que não. Penso que pararam de lançar Live In Concert a partir dos anos 90 simplesmente porque o DVD com o show se popularizou. Tão simples isso...
  Nos anos 70 TODA banda e todo cantor lançava pelo menos um disco ao vivo. Ás vezes a cada 4 anos. 90% era um lixo. Lixo mesmo! E o motivo era simples: cocaína. A maioria desses discos são ego trips movida a pó. Músicas de 3 minutos viram exibicionismos de 15 ou mais minutos insuportáveis. Nem na época, com 12 anos de idade, eu suportava isso.
  Tudo começou, claro, nos anos 60. E a culpa é de Eric Clapton. Cream foi a primeira banda a pegar uma musiquinha linda, pop, perfeita, e no palco esticar essa canção em até meia hora de "viagem cara, viagem"... Em alguns blues, como Crossroads, a coisa até fica legal, mas quando eles fazem Toad durar vinte minutos...aí o saco explode. Grateful Dead veio logo na cola. Há quem pense que foi a banda de Jerry Garcia quem inventou o ego trip. Mas não. Jerry pegou de Eric. O Dead explodiu ainda mais, tinha canção ao vivo que durava duas horas. Sim baby, duas malditas horas de improviso sem fim. Tem um disco deles, LIVE DEAD, com o pior solo de bateria já gravado. Há quem adore.
  Ando ouvindo tudo que tenho, e hoje tentei ouvir dois discos que estão sempre entre os 10 mais citados entre os melhores ao vivo da história. LIVE AT FILLMORE EAST, dos Allman Brothers é geralmente o número um para os críticos, e MADE IN JAPAN, voce sabe de quem, é o mais citado como number one para o povo da Harley e barriga. O disco do Allman consegui escutar quase todo inteiro. O outro...só a primeira faixa. Deep Purple toca 7 músicas em um disco duplo, sendo que Starstrucker, que é uma ótima faixa, dura aqui 20 minutos e se torna insuportável. Um lado de vinyl inteiro. Pra quê??? Ego trip pura. The Mule tem um solo de bateria de uns 10 minutos. Ian Paice é jazzy, é excelente, e eu amo bateria. Mas o limite são 3 minutos. No máximo 3, por favor. Não há baterista, nem Buddy Rich, que mantenha o nosso interesse ligado solando por mais de 3 minutos.
  O disco dos Allman Brothers, de 1971, é super amado. Por que??? Sim, é uma delicia o som da banda. Duane Allman é um mito e Derek Trucks, o outro guitarrista, é tão bom quanto. Greg Allman canta de verdade, tem voz, mas caramba!!!!! Pra que essa mania de parar tudo e ficar uma guitarra tocando solo à procura de um riff??? Whipping Post é mágica, mas não em 15 minutos!!!!!! De qualquer modo, ele é infinitamente melhor que Made in Japan.
  Ah ! Ouvi também o disco ao vivo de Bob Dylan de 1976, Hard Rain. Postei video do show. Olhe.
  Pior disco ao vivo dos anos 70? O do Led, claro. THE SONG REMAINS THE SAME é o mais ego dos egos. Eles não fazem música, apenas se exibem. O disco triplo dos Wings, de 1977 também é um horror. Mas que tal falar dos melhores?
  ITS ALIVE! dos Ramones, 1977. Tem 28 faixas. 2 minutos cada uma. Talvez o melhor ao vivo de todos os tempos.
  Viva! do Roxy Music. De 1976. Sem solos longos. Todas as faixas estão melhores que as originais.
  Rory Gallagher, Irish Live! de 1974. Muito amado em listas de melhores. É realmente ótimo.
  The Who live at Leeds, de 1970. Tem muito bla bla bla entre as faixas. Mas tem energia pra caramba. A versão de my generation é muito longa, mas não por causa de solos, são arranjos enfiados no meio da música. Funciona.
  Wellcome to the Canteen, do Traffic. De 1971. Muito bom.
  Tem ainda discos legais ao vivo do Robin Trower, The Band com Bob Dylan, um grupo com Eno e Manzanera, o do Bob Marley é ok. MC5, ótimo. Foghat ao vivo, muito bom.
   Ah!!!! Fuja de David Bowie. Os dois ao vivo da década são muito ruins. O ao vivo dos Faces é das coisas mais nada a ver já gravadas. E é óbvio que estou ignorando as bandas progressivas. Nunca ouvi. Nem vou. Lou Reed também lançou dois ao vivo nesse tempo. Ruins. E tem Metallic KO do Iggy, que apesar do nome ótimo, é insuportável.   E chega que este solo já deu né não?
  PS: pode ouvir GET YER YAS YAS OUT. A versão de Midnight Rambler vale o disco. Mas que diabos Mick!!!! Pra que tanto disco ao vivo na carreira??

JIM MORRISON E AS CALÇAS DE COURO

   Jim Morrison é o mesmo caso psico que acometeu Kurt Cobain, um rapaz talentoso e idealista que se viu subitamente transformado em algo que ele jamais quis ou imaginou poder ser. No caso de Kurt, ele tinha ideais punk. Já Jim era filho de seu tempo, ele tinha os ideais beatniks.
   Morrison era bonito, era sexy e era muito cool. E coroando tudo isso, ele tinha voz. Morrison é a melhor voz branca do rock. Ele grita como um cantor de heavy metal e é suave como um astro pop. Sua dicção é perfeita e o timbre jamais falseia. Quanto a presença de palco, é ele quem cria o performer de palco realmente perigoso, sexy, ofensivo. É o inventor de Iggy Pop e de David Bowie.
   Mick Jagger poderia ter esse posto, mas além de cantar menos, Jagger é irônico. Ele mesmo não se leva a sério e de certo modo foi isso que salvou sua sanidade. Jagger sempre parece rir de si mesmo, ele macaqueia. Jim era absolutamente sério e esse era seu ponto fraco. Jim Morrison se achava um poeta. Ele era solene. Chato às vezes. Incapaz de rir das besteiras que fazia ocasionalmente. Suas letras são ótimas para uma banda de rock de LA, mas como poesia simbolista, são infantis. Jagger sabia disso e ria. Morrison não queria saber e sofria por não ser levado a sério. Todo astro pop se afunda ao se levar a sério. De Lennon à George Michael, não há um só que não tenha afundado em auto piedade ou hostilidade burra ao não aceitar o fato de que seu trabalho é dirigido a semi analfabetos ou a jovens estudantes idealistas e ingênuos. Quando eles começam a se ver como novos William Blakes ou Nietzsches revividos a coisa entra em curto.
   O primeiro disco dos Doors é muito bom. Ele sacoleja e é um prazer ouvir o teclado de Ray rodopiar pelo balanço jazz de Robby e John. A voz de Jim é brilhante. E tudo o que ela transmite é a angústia pura do desejo sexual. É apenas isso. E isso é fantástico. No segundo disco, ainda melhor, eles acrescentam o medo como tempero. É um disco sobre o pesadelo do desejo sem objeto. Strange Days é um album perfeito. Mas então o ingênuo Jim Morrison começou a brigar com seu status pop. Queria ser artista. Queria ser Rimbaud. E como não tinha o dom para tanto, jogou o que tinha no lixo.
   Falei em Iggy e em Bowie.
   Iggy, que é um grande leitor, sempre soube que rock é primitivismo. E foi realista o bastante para dar ao rock o que ele quer: sangue. Inteligente ao extremo esse Iggy. Já Bowie foi o artista que Jim quis ser e não pode. Bowie criou um artista pop. Uniu o pop mais pré fabricado à arte possível em meio tão simplório. Nunca houve cara mais astuto.
   As pessoas gostam de dizer que Morrison teve sorte ao morrer. Que gordo e careca ele seria patético. Bem....Van Morrison é gordo e careca e não é patético. Talvez Jim fosse feliz ao saber que sua voz era o que o mantinha e não sua aparência. Talvez.
   De todo modo, era preciso ser muito homem para usar calças de couro em 1966.

O DIA EM QUE STALIN REEDUCOU OS ROLLING STONES

   Amigos queridos e desqueridos, o mar não tá pra peixe. Acabo de ser testemunha de um dia inteiro de ofensas de esquerdistas e ditadores eugenistas de araque. Explico:
   Faço parte do facebook de um grupo de fãs dos Rolling Stones. Pois bem, esse grupo foi tomado por um bando de homens brancos esquerdistas que se auto proclamam donos da verdade e guardiães da alma pura da maior banda de rock do mundo. E sendo assim, se sentem no dever de humilhar e expulsar quem não seguir as normas stalinistas que eles imaginam ser a única verdade.
   Seria cômico, mas é bobo apenas.
  Desse modo, eles intuem que por eu ser de direita não compreendo a banda, não sei do que se trata e pior, NÃO TENHO O DIREITO DE FALAR DA BANDA. Sou um ignorante a priori. O objetivo deles é claro: fazer com que eu saia ou pior, peça desculpas por ser quem eu sou. A tara por expurgos do comunismo mais retrógrado chegou ao rocknroll.
   Quem quiser saber como é minha relação com a banda basta digitar Rolling Stones neste blog. São dezenas de escritos. Analiso meus discos favoritos. Musicalmente e filosoficamente. Mas para esses eugenistas isso pouco importa. Sou conservador e quem é conservador está proibido de ouvir Stones.
   Há neles algo de muito primitivo e perigoso, o desejo de pureza. O sonho deles é que todos na comunidade sejam idênticos. Mesmos gostos e mesmas fés. É um tipo de fascismo. Mais que estético, o fascismo que não suporta fazer parte de um grupo que tenha quem pensa diferente. Tive de ler aulas sobre o Banquete dos Mendigos! O que ele é e o que significa. Teses que provariam o petismo dos Stones. Traduções de letras que deixariam claro o amor de Mick Jagger pela luta do proletariado. Sim, é engraçado. E bastante ridículo. O rei do jet set mais snob como paladino da justiça social. Um idiota chega a dizer que eles são a segunda banda mais politizada do mundo ( hahahahahahahahah ). Estariam os Stones à frente de Clash e Gang of Four? Seriam mais à esquerda que Bob Dylan e Robert Wyatt? Pra eles sim. My God! O que o fanatismo não faz....
   Ah sim, a mais politizada para ele é Rage Against...isso mostra o que ele anda desouvindo.
   Mick Jagger é contra a queimada da floresta. Eu sou e voce é. Qualquer um que não seja uma besta será. E Mick não só é inteligente como tem um filme para vender. Os stalinistas pegam essa declaração óbvia e criam todo um discurso sobre o ódio de Mick à Moro. Pois é.....as aulas de leitura de texto andam bem mais fracas do que eu pensei.
   Para terminar, um delirante patrulheiro maoísta diz que Sweet Black Angel prova o esquerdismo radical de Mick. Angela Davis era uma comuna guerrilheira e Mick a homenageia. Não ocorre ao ser babante e baboso que Mick fala do absurdo de a terem prendido. E também não lhe ocorre que Mick se alinha assim ao Partido Democrata Americano, aquele de Kennedy e Roosevelt. ( Mick transou com Angela, mas isso não importa...ou importa? ).
   Reducionistas dos mais infantis, eles me recordam a idiotice dos patrulheiros ideológicos de 1979, que cobravam de cada artista brasileiro um claro e inequívoco compromisso com a esquerda. Ou voce é como nós ou será um pária social.
  Questão final: Mas não era apenas rocknroll?

The Rolling Stones ~ 08. Stray Cat Blues



leia e escreva já!

TIMBRES E AMBIENTES SONOROS

   Como Brian Eno diz, o que há de melhor no Pop, no Rock ou nas vertentes black, é o timbre, o tom original que se pode tirar de cada instrumento. A riqueza possível em cada gravação, no trabalho de produtor, engenheiro de som e músicos. Aponto mais quatro exemplos que marcaram muito meu gosto musical.
   Baby, I Love You - Andy Kim.
Produção de Phil Spector com todas as marcas do louco produtor: A união de montes de instrumentos tocando juntos como se fossem um só. Aqui estão guitarras, flautas, trombones, órgãos, pianos, baterias, xilofones, chocalhos, e mais um coro de vinte vozes. A canção começa com uma batida na caixa que logo abre espaço para a massa sonora que desaba como um trem em andamento. O som avança, grosso, forte, impetuoso, e a grande surpresa é: ela consegue ser intimista mesmo com tanto som. É um trabalho de time: Spector, Jeff Barry e Jack Nitzsche. Histórico.
   SOS - Abba.
As lições de Spector e de Brian Wilson renascem nos anos 70 neste grupo sueco de imenso sucesso. O estilo é o mesmo: massa sonora unida em acordes grudentos que se espalham como toques de tinta em tela pequena. Curto, grosso e absolutamente perfeito. Tenha calma e repare: as linhas de piano e de synth são sinuosas, simples, claras e irresistíveis. E as guitarras e bateria surgem como percussão, marcam ritmo e marcam evolução musical. Por cima de tudo, os vocais. A menina triste em solo, o coro dando apoio à dor e erguendo a canção. Agnetha é uma voz como nenhum outra, sua tristeza é sempre a nossa. 3 minutos que mudam uma vida.
   Breaking the glass - David Bowie
Tudo já foi dito sobre as gravações de Low. Desde o som da caixa, gravada à parte por Conny Plank, até os sons alienados dos teclados de Eno ( tive a honra de ver a maleta-teclado, o synth usado nas gravações de Low em exposição no BR em 2015 ). O baixo de George Murray parece feito de chicotes de aço. E há o timbre da voz de David: uivos de um coiote perdido em Berlin.
   Stray Cat Blues - Rolling Stones.
Durante décadas foi meu timbre fetiche. Como se conseguiu um som tão metálico neste disco absurdo? Ouça os primeiros acordes: A guitarra de Keith é de lata, uma lata amassada e enferrujada que corta nossos ouvidos. A voz de Mick é afogada em ruído ácido e a bateria tem o timbre de latões de lixo. E no refrão: um kaos de magnífico ruído, a guitarra como vidro caindo sobre rochas. No final, swing, sexo, sangue. Jimmy Miller produziu.

NO QUARTER - PAGE E PLANT OU A CULPA É DO KEITH RICHARDS.

   Só uma mentalidade muito preconceituosa faria com que alguém em 1993 não amasse o disco de Plant e Page. E em 1993 eu era preconceituoso. Foi uma de minhas fases moderninhas, estava deslumbrado pelos sons coloridos das raves e tudo que não queria ouvir era som de hippies velhos. ( Ironia, hoje sou mais velho que eles eram então ). Uma pena. Eu adoraria o disco naquele tempo e o adoro hoje.
   Robert Plant é o único cara da história do rock que virou estrela sem jamais deixar de ser quem ele sempre foi. Pode ser visto andando de bike em Londres. Podia ser visto em shows de punk rock em 1978. Envelheceu sem disfarçar uma só ruga. E fiel aos preceitos hippies, nunca usou o nome do Led Zeppelin para fazer dinheiro. A banda poderia bater todos os recordes de bilheteria hoje. Ele não liga. Conseguiriam juntar um milhão de pessoas nas areias do Rio. Pra que?
   Neste disco eles fazem uma coisa mágica. Pegam canções do Led e conseguem torna-las novas sem deixar de serem as mesmas. Cavam fundo naquilo que elas sempre foram e expõe ao mundo suas origens celtas e árabes. Medievais. É música da idade média. E é música de sempre. Os arranjos, ciganos, druidas, junguianos, trazem a atemporalidade e o sonho ao universo do agora. Tolkien, ídolo de Plant casado com Muddy Waters. Funciona. O disco escutado hoje continua de amanhã.
  Keith Richards continua para sempre congelado nos acordes de 1968. A única ousadia é misturar reggae ou James Brown à Brown Sugar. Não há e nem jamais haverá a menor chance de que ele modifique suas músicas. Elas são pedras. Ainda rolam, mas estão mortas. Seria lindo ver Satanic refeito no palco. Com indianismo, marroquismo e xamanismo. Ou o Banquete dos Mendigos com doses de punk e de eletro. Mas não. Keith não deixa. Ele é um negro do blues e vai morrer sendo isso e só isso. Ok.
  Mas este No Quarter...

ATÉ OS DEUSES MORREM UMA VEZ.

   Quando meu pai se foi, quase nove anos atrás, passei meses com uma sensação de "janela aberta". Foi como se toda as coisas adquirissem outra cor, como se meu coração estivesse exposto. Minha intuição ficou muito mais antenada, minhas emoções se suavizaram. Eu estava triste, mas era uma tristeza fértil. Um tipo de melancolia sensitiva.
   Lembro que no dia seguinte ao enterro, não me pergunte por que, peguei um livro de Yeats é o reli pela quarta ou quinta vez. Imediatamente me senti dentro daquele universo. A morte ali fazia sentido. A vida se abria.
   Escrevo isto porque dia 13 de junho, dia de Santo Antonio, foi aniversário do nascimento de William Butler Yeats. O descobri num artigo de jornal em 1988 e comprei meu primeiro livro escrito por ele em 1991. Ele é mais que meu poeta favorito. Ele foi o homem que me fez perder o medo daquilo que eu mais temia: o invisível. Yeats me fez aceitar os fantasmas, os encantos, o milagre, os maus olhados, as maldições. Minha aceitação da religião, pois eu a oprimira em mim desde os 10 anos, começa com as peças de Yeats. Ele foi um pagão, um celta, mas trouxe para mim a alegria do reencontro com meus mitos.
   Nesse dia 13 morre Anita Pallemberg também. E de Anita posso dizer que ela foi minha mais durável musa. Ex-esposa de Keith Richards, ex-namorada de Brian Jones, atriz de Vadim e de Ferreri, Anita foi uma das mulheres mais perigosas do seu tempo. Ela era junk, era felina, era linda e era mais forte que o aço. Passei anos procurando a minha Anita e jamais a achei. ( Cheguei perto, mas ela não me quis ). Sua morte não me comove porque ela viveu bem, viveu muito e morreu velhinha. Todo mundo morre uma vez. Depois, nunca mais.
   Fica a alegria por ter amado uma mulher que na verdade nunca conheci. E por ter conhecido um poeta irlandês que me conhece muito bem. A vida é muito maior que a morte.