STEPPIN' OUT (1966) by John Mayall's Bluesbreakers



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BLUESBREAKERS, MAYALL, CLAPTON, MCVIE E FLINT.

   Clapton is God.
   Foi por causa deste disco que essa pichação virou mania na Londres de 1966. E se a gente lembrar em 2015, que na época guitarra era aquela de George Harrison, Roger McGuinn e Brian Jones, todos ótimos, mas todos com cara de 1965, este disco, de 1966, mostra o porque do choque que Eric causou. É o primeiro disco "de guitarra" da história do rock.
   Porque mesmo o Yardbirds de Eric, e então de Jeff Beck, era banda de vocal e de harmônica. A guitarra era uma segunda ou terceira voz, notada só pelos mais freaks. neste disco ela se torna o centro, a estrela.
  Quem leu o livro de Eric sabe que ele é um iluminado. Sua estrada pessoal começou aqui, homenageando os mestres. O cara-pálida inglês tenta ser um negro do Mississipi. Inventa outra coisa. O grande herói da guitarra. Na sua cola vem Peter Green no Fleetwood Mac original, e Jeff Beck no disco Thruth. ( Hendrix é americano, e a América nego, é outra lenda ).
  Seria bom ouvir os 3 discos juntos. O disco de Eric abrindo todos os timbres e escalas do blues rock. O baixo de John McVie e a voz e teclados de John Mayall levando a banda com generosidade. É dançável e tem um dos top de todo o rock: Have You Heard About my Baby. De chorar. O disco faz com Layla e 461 Ocean Boulevard, os três grandes discos de Clapton. ( E também vários singles do Cream ). Depois o primeiro disco do Fleetwood Mac desenvolvendo a linguagem com maior agressividade e punch. E o disco de Beck, a cristalização do estilo. Tudo pronto então para a irrupção do big rock dos guitarristas dos anos 70.
  Eric viraria as costas a tudo isso. Sua estrada o levaria ao mundo mais clean, menos egocêntrico do rock amigável de The Band e J J Cale.
  Os 3 discos se ouvem muito bem neste tempo de salada geral. Aqui nasce o primeiro ingrediente. A mistura América e Europa.

OS VESTÍGIOS DO DIA de KAZUO ISHIGURO, O preço de uma dignidade.

   Stevens serve sua excelência e se regozija ao tomar consciência de sua dignidade. Sua excelência, um grande Lord inglês, trava contato com vários políticos. Ele quer evitar a guerra. Mas Stevens sabe apenas vagamente do que lá acontece. O que lhe importa é deixar a prataria impecável. Para isso ele comanda uma equipe de 20 empregados. Bons tempos....ou não.
 O sistema de classes inglês foi bem tecido desde o século XV até o XX. Trabalhadores trabalham, líderes lideram. Quem deve pensar, pensa. O resto segue. Daí a admiração pela Índia. Os dois se viram em espelhos, um olhando para o outro.
 Ishiguro nasceu no Japão. Aos seis anos sua família foi para a Inglaterra e lá ficou. Ele é um autor inglês. Talvez. O narrador aqui é Stevens. Ele conta a história e vemos que ele conta aquilo que viu e sentiu: quase nada. Mas nós, que não somos Stevens, vemos mais. Muito mais. Pelas bordas da história escapam muitas coisas. E o leitor as sente. Esse é um modo japonês de contar. A maior parte fica de fora. Sugerida. Stevens é um samurai com espanador nas mãos. Rígido, chato, tolo, servil. Tenta aprender em livros a ser engraçado. Tenta aprender a ser humano. ( Seria esse o segredo do humor inglês...uma tentativa de se humanizar....)
 O livro, vencedor do Booker Prize de 1989, virou filme em 1992. Anthony Hopkins tem o papel de sua vida. Ishiguro é em 2015 o autor inglês central. O único que ficará clássico com certeza. ( Temos muitos outros ótimos. Mas Ishiguro é a aposta certa ).
 O mundo de Stevens começa a terminar em 1956, que é quando ele conta sua história. O sistema de classes termina e em seu lugar nasce o sistema americano, da competência. Um idiota com um grande nome é substituído por um espertalhão com dinheiro na mão. Stevens não sabe como servir a quem não liga para o brilho da prataria.
 Este livro é, com certeza, uma obra-prima.

O VICE REI DE UIDÁ- BRUCE CHATWIN

   Curto e objetivo. O estilo de Chatwin é assim, incisivo. Foi uma das maiores promessas dos anos 80, mas, que pena, morreu cedo. Ele corria mundo escrevendo. Seus livros são ambientados na Patagônia, no deserto da Austrália, na África...
   Ele veio ao Brasil para pesquisar a vida de um traficante de escravos de 1815. O livro começa por volta de 1940, enterro de um antepassado, povo africano que se acha brasileiro ( ser brasileiro é chic ). Se vêm como uma estirpe nobre, "quase branca". Herdeiros do grande vendedor de escravos.
   Então Chatwin narra a saga do tal "herói". Caboclo do sertão nordestino, duro, cruel, miserável, que acaba indo à "Ouida" ( Uidá ), na África, reino entre Nigéria e Costa do Marfim. Lá ele vende gente, mata, enriquece muito e morre de solidão. É acima de tudo um pária. Útil, mas sempre negado por portugueses, brasileiros e africanos.
   O livro revela em cenas cruas a crueldade mais abjeta. Todos são grandes tiranos, todos são assassinos sujos. O livro é feito de ironia, sangue e sexo. E morte, morte doentia.
   Lançado em 1980, abriu a melhor fase do jovem Bruce Chatwin. Sua obra-prima é no Rastro dos Cantos, mais ambicioso. Este chega perto em seu estilo rude e viril. Um belo livro.

Buffalo Springfield - For What It's Worth 1967



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BUFFALO SPRINGFIELD AGAIN

   Buffalo Springfield Again é o segundo disco da banda canadense e é bem melhor que o primeiro disco, de 1966. A química entre Stephen Stills e Neil Young começa a criar atritos aqui e esse atrito faz com que os dois se afastem ainda mais. Os sons de Young começam a ficar cada vez mais ácidos, tanto na voz como na guitarra, enquanto Stills desenvolve seu tipo de blues-folk-estradeiro-suave. Eles brigariam logo no próximo disco e estranhamente passariam toda a carreira em idas e voltas. O Crosby, Stills, Nash e Young é um eterno recomeço.
  Richie Furay é o outro ângulo do grupo, um talentoso autor Pop e uma voz linda. Depois ele formaria o Poco, a banda que criou o som de LA nos anos 70. Acreditem em mim, em 1967 esses canadenses faziam um som novo. Desenvolviam o que os Byrds haviam prometido e abriam o caminho para The Band. A linha evolutiva é essa: Byrds-Buffalo-Band-etc etc etc.....
   Vilões com guitarras, vozes em trio. E uma mixagem esperta, redonda. Eis o som.
   Mr. Soul abre o disco. Que é todo delicioso. Stills é um grande guitarrista e um ótimo compositor. E tem uma voz áspera e suave, rascante e soft. Aqui ele nos dá três grandes canções e mais algumas ótimas.
  Liga o carro, desce a Serra e bota esse cd pra rolar. Você vai gostar.

O PAI, A MÃE E A FILHA- ANA LUISA ESCOREL. LINDA.

   Há toda uma onda memorialista brasileira. Tempos ruins estes, nos sentimos desmotivados em relação ao aqui e agora. ( No mais o aqui e agora só pode ser experimentado por bichos e recém nascidos. Somos antecipação e lembrança. ) Nessa bagunça atordoante nada é melhor que o banho quente nas águas daquilo que agora pode ser visto com começo, meio e um quase fim. E brasileiro sabe ter saudade. Brasileiro sabe falar de parentes dando sabor à essas lembranças. E o cenário....
  A menina nasce e cresce entre Poços de Caldas, o bairro da Aclimação em SP e um sítio em Araraquara. Nasce em 1945 e suas lembranças são todas concentradas até 1951. Mas, melhor, ela resgata as histórias dos avôs, bisavôs, tataravôs. Dois ramos: paulistas e cariocas. Europeus e mineiros. Gente calada e elegante. Gente cheia de amigos e dandys. O pai é um contador de histórias. Professor de sociologia. A mãe também e´professora. E muito sociável. A casa na Aclimação é ponto de encontro de intelectuais e artistas. Mas o livro não trata deles. Trata da menina.
  E é uma delicia ver as ruas da cidade gentil. O sítio do avô esteta. A fazenda que faliu. Tias de glamour. A linguagem preciosa. O texto brilha.
  Ana Luisa Escorel é artista da imagem. Aqui ela escreve. E desenha. Linda.

A DAMA DE OURO- LONGE DESTE INSENSATO MUNDO 2015- JASON SCHWARTZMAN- HUGH GRANT- HELEN MIRREN

   A DAMA DE OURO de Simon Curtis com Helen Mirren, Ryan Reynolds, Daniel Bruhl, Katie Holmes, Charles Dance e Johnathan Pryce.
Belíssimo! Contado com ritmo perfeito, temos a história, mais ou menos verídica, da herdeira do quadro de Klimt, Retrato de Miss Altmann. Morando em LA, ela parte com advogado novato, descendente de Schomberg, para Vienna, onde tentará reaver a obra e ajustar contas com sua história.
Nada neste filme é apelativo. Mesmo as cenas da perseguição aos judeus são suaves, exatas, e nunca exageradas, apelativas. Mas não pense que se suaviza para se evitar; antes a suavização é usada para avançar, para não se perder o foco. E ao final o efeito é glorioso: a cena da separação da família é antológica. Dói e dói muito. Vienna se apresenta como aquilo que ela é: uma detestável e velha viúva vaidosa. Seu pecado, irredimível, foi ter optado pelo pior. Era uma cidade que unia toda a Europa em suas ruas, judeus, eslavos, ciganos, alemães, católicos e latinos. Limpou essa mistura e se tornou múmia de uma pureza estéril. Vienna cheira a morte. Dizer que Helen está ótima é dizer o óbvio. Ela é brilhante. Mas todo o elenco tem sua parcela de brilho. Um belo filme que voa como pássaro e permanece como rocha. Nota 9.
   LONGE DESTE INSENSATO MUNDO de Thomas Vinterberg com Carey Mulligan, Mathias Schoenaerts. Michael Sheen e Tom Sturridge.
Adoro o filme de 1967, uma belíssima saga de John Schlesinger. E fico feliz em saber pela Net que tanta gente ama esse filme com Julie Christie. Bem, resolvi assistir esta refilmagem de 2015 porque o livro de Hardy pode comportar várias versões. Mas qual minha surpresa! O filme de 2015 é quase idêntico ao de 1967. Várias cenas são filmadas exatamente iguais! Mesmo angulo de câmera, mesma posição dos atores, tudo igual!!!! Com poucas e reveladoras diferenças. O final, que em 1967 é aberto, dúbio, quase triste, aqui é doce, redondo, certinho. O personagem do pastor de ovelhas em 1967 é frio, calado e nunca ri. Aqui ele é mais humano, fala mais e até mesmo sorri. A trilha sonora, que era uma releitura de folk inglês, aqui é apenas uma sinfonieta de temas românticos. E temos os atores....Carey Mulligan faz uma Bethsheba que nunca convence. Ela é pequena, fraca, bem vestida demais para ser uma camponesa. Michael Sheen é um vexame! Para azar dele, o soldado original era Terence Stamp, e Stamp era viril e delicado, ousado e louco, bonito e asqueroso. Sheen é apenas um rapazinho com roupas de soldado. Não há perigo nele. O capacete parece muito grande para sua minúscula cabeça. Quanto a Sturridge, que pegou o papel de Peter Finch....bem...ele super interpreta. Patético. Mathias se salva. Adoro Alan Bates, mas Mathias leva esse papel com dignidade. Quanto a fotografia é melhor não falar. Aqui ela é bonita. Muito bonita. Antes ela era grande, ampla, cheia de caráter. O dever da fotografia não é ser bonita, é criar o clima adequado ao filme. Em 1967 ela é dramática. Aqui temos verdes de cartão postal e azuis de edital de moda. Este filme é o exemplo daquilo que se chama mal caratismo. Um simples plágio empetecado. Um lixo.
   CALA A BOCA PHILIP de Alex Ross Perry com Jason Schwatzman e Johnathan Pryce.
Em certo momento, exausto de tédio, a gente olha o relógio e tem uma surpresa: passaram apenas 20 minutos de filme! E você tinha a certeza de que eram no mínimo 60. Imagine um filme feito por um fã da Nouvelle Vague. Um jovem de 2015 tentando reviver o tipo de filme que Rhomer e Godard faziam em 1968. Com personagens do século XXI, claro. É este filme. Fala de um escritor. Um agressivo,anti-social, chato, vaidoso, antipático e com cara de pedra. Vemos sua relação com um autor mais velho, editores, mulheres etc etc etc. Ou seja, são duas insuportáveis horas com um cara que seria melhor jamais ter nascido. Me pareceu que às vezes há uma tentativa de humor inteligente. Não é engraçado e muito menos inteligente. Mas no geral é aquilo mesmo: exibição de arte. Afetadíssimo! O filme mais chato do ano. E de vários anos. Nota Abaixo de Zero farenheit.
   VIRANDO A PÁGINA de Marc Lawrence com Hugh Grant, Marisa Tomei e J.K. Simmons
Gostei. Hugh Grant é sempre legal de se ver. Aqui ele é um escritor de um só sucesso ( sim, Hollywood adora fazer filmes sobre escritores. Parece cool.... ), que vai dar aulas para tentar ganhar algum dinheiro. Detesta o trabalho e dá péssimas aulas. Mas as coisas mudam...mas não muito. Marisa está ótima como uma aluna veterana que o atiça. E o roteiro sabe tirar o que pode de um plot simples. Bons atores, bons diálogos, um filme OK. Nota 6 quase 7.
   O ÚLTIMO ADEUS de Fred Schepisi com Michael Caine, Bob Hoskins, Helen Mirren, Tom Courtenay, David Hemmings
Amigos se reúnem num pub. Irão levar as cinzas de um amigo morto à praia. No trajeto eles discutem, recordam, brigam e bebem. Caine é o amigo que morreu. Um egoísta charmoso. Hoskins um apostador em cavalos. Hemmings um bêbado brigão. Mirren é a viúva que tem uma filha demente que Caine nunca aceitou. O roteiro é sobre um livro de Graham Swift. E, feito em 2001, ele é árduo, às vezes chato, triste, mas compensa. Os atores são mais que brilhantes e aquilo que se mostra é de uma verdade possível. Vida. Coisa tão rara no cinema deste século. Vida comum, pequena, estranha, vulgar. Um belo filme de um dos diretores da geração australiana de 1980. Sem nota.
  

TERRA D'ÁGUA- GRAHAM SWIFT. UM DOS MAIORES LIVROS DOS ÚLTIMOS 40 ANOS.

   A invulgaridade do cenário: o leste da Inglaterra, uma região plana e alagadiça, esquecida por todos. Canais artificiais que tentam e nunca conseguem vencer as enchentes. Os personagens: um professor de história que luta com seus alunos. Ele tenta demonstrar a importância de se saber o passado. Os alunos não acreditam no futuro e por isso desconfiam do passado. A trama: o professor entra em crise e conta aos alunos a história de seus antepassados, das guerras mundiais, da revolução francesa, das enguias, da água. Mistura tudo: incesto, riqueza, cerveja, decadência, amores, estupros, doenças, muitas mortes. E o cenário, a natureza guiando a história sem que percebamos isso.
  Diante do mar, da lama e das enguias, o que é nossa história, essa dos livros: um nada arbitrário e inventado.
  Swift escreveu esta obra-prima em 1983, ganhou prêmios e se fez um dos grandes autores ingleses de sua geração ( nasceu em 1949 ). O domínio que ele tem da língua, da ação e das cenas é perfeito. O livro seduz e ao mesmo tempo incomoda. Swift crê no que narra, cria sem parar, observa o realismo, mas se torna quase fantástico. Fica no fio de uma lâmina, quase vê o inefável. Sua terra é aquela do que não se vê.
  Seria tudo invenção do professor...ou não....
  Na figura de um retardado mora toda a moral do livro. E um fracasso é seu ato de heroísmo. O que pode se deduzir é que Swift não crê na história, ele percebe que nada muda na verdade. Que toda revolução leva a mais do mesmo. O surgimento de um pai. De um novo rei. Do líder.
  Eis o mote de um grande livro.

GEMMA BOVERY- JOHN BOORMAN- WES- BOWIE-ROEG- NOIR

   GEMMA BOVERY de Anne Fontaine com Fabrice Luchini, Gemma Arterton
Um padeiro, ex editor, conhece novos vizinhos. Um casal inglês. Os dois fazem com que ele se recorde de Charles e Ema Bovary. E por aí vai... Este é um filme de uma banalidade exasperante. Tudo nele é óbvio. Cada cena "sexy", cada reviravolta, tudo tem o carimbo de "já visto antes". É o velho problema do cinema francês "pop", perde o apuro do cinema gaulês tradicional e não consegue a rapidez colorida do bom cinema popular saxão. O livro de Flaubert, uma obra-prima tão forte que chega a nos deixar doentes, nada tem a ver com este souflé murcho. ZERO.
   O HOMEM QUE CAIU NA TERRA de Nicolas Roeg com David Bowie e Candy Clark
Roeg foi um diretor de fotografia genial. Dentre vários trabalhos é ele o responsável pelo visual de sonho de "Longe Deste Insensato Mundo", a obra-prima de Schlesinger. A partir dos anos 70 Roeg virou diretor e todos os seus filmes são ousados, afiados e desagradáveis. Um ET cai na Terra, fica rico com tecnologia e tenta construir uma nave para voltar a seu mundo. Veio a este planeta procurar água. David Bowie é perturbador. O que mais impressiona é como o David de 1976 é já um rapaz moderno de 2015. O filme tem cenas de sexo, é confuso, muito louco, feio, tem efeitos ruins e música esquisita ( de Stomu Yamashita ). E é profundamente perturbador. É provável que você se entedie, e depois fique com ele na cabeça por vários dias. Invulgar. Sem nota.
   RAINHA E PAÍS de John Boorman com Callun Turner e Caleb Landry Jones
Um excelente jovem elenco num ótimo filme do veterano Boorman. Na Londres de 1952 acompanhamos um jovem no exército. O filme vai da comédia doida ao mais desencantado drama. Quase se estraga com as cenas de romance com uma doidinha fatalista. Mas é um grande filme. Assistimos sempre com interesse e ao final sentimos sua beleza. Há poesia verdadeira aqui. Boorman foi e volta a ser um diretor dos bons. Ele tem muito a dizer. E diz. Nota 9.
   A VIDA MARINHA DE STEVE ZISSOU de Wes Anderson com Bill Murray, Anjelica Huston, Cate Blanchett e Willem Dafoe.
A arte pós-moderna. Não procure nela paralelos com a vida dita "real". Mas também não cometa o erro de achar que é "arte pela arte", como diziam os românticos. Não se tenta criar uma obra de arte. O que se faz é um filme. Um filme sem filosofia, sem mensagem e sem lição alguma. Apenas imagens que existem porque deu vontade de as filmar. Assim, Wes faz o filme que eu faria aos 12 anos. Se eu tivesse talento. E isso que falo é um elogio. Wes, como Tarantino, não filma cenas de amor, não filma cenas de denúncia, ele filma cenas de Wes Anderson. É infantil. É o que de mais novo se pode fazer hoje. Ele é um antídoto para a denúncia cliché e para o adultismo poser. O filme faz o que deseja fazer: é colorido, excêntrico e inteligente. E muito, muito bobo. Nota 7.
   D.O.A. de Rudolph Maté com Edmond O'Brien
Um filme noir de pesadelo. Um homem é envenenado. O veneno não tem um antídoto. Antes de morrer ele tenta vingar sua morte. O que vemos é puro desespero. Algumas cenas meladas não conseguem destruir o clima. E ainda tem uma cena de jazz que é puro veneno. Nota 7.

DONOVAN- HUXLEY-ANTONIO CALLADO- LAURENCE OLIVIER- PAULO FRANCIS

   No bosque do psicodelismo inglês nasceram muitos cogumelos envenenados. Syd Barret, Arthur Brown, Brian Jones são alguns. Mas também nasceram flores e Donovan é uma das mais primaveris. Tudo nele sempre foi inocência, ele é uma criança do Peace and love.
   Começou como cantor folk de protesto, mais um fã de Dylan. Catch the Wind e Colors são dessa fase, 1965, e são lindas. Causa estranhamento o sotaque escocês que ele nunca escondeu. À partir do final de 1966 ele se torna psicodélico e o sucesso popular vem junto. Suas canções têm o perfeito equilíbrio entre Pop e Psico. As melhores, e são muitas, atestam talento genuíno. Ele fala de amor e sua voz transmite esse amor.
   Mellow Yellow estourou inclusive no Brasil. Me recordo de escutar essa canção, linda e sexy, no rádio de casa enquanto minha mãe cozinhava. Eu tinha 4 anos. John Paul Jones fez os arranjos e MacCartney faz as vozes de fundo. Donovan é o mais alegre dos hippies. Sunshine Superman usa o Led Zeppelin antes que ele existisse. JP Jones está no teclado, Page na guitarra e é Bonham, aos 17 anos, na batera. Jeff Beck dá um show de acidez em Hurdy Gurdy Man. Mas, apesar do povo ilustre, é Donovan o dono de tudo isso. Um Shelley da época. Paul fez em sua homenagem uma de suas mais belas canções: Mothers Nature Son.
  Dando uma arrumação em recortes. Antônio Callado escreve sobre Huxley no Brasil. Ele foi ao Xingú. E esteve na macumba do Rio. Huxley queria achar Deus. Achou a si-mesmo. E algo mais, sem nome. Para ele, a iluminação poderia nascer na hora da morte. Desde que não houvesse medo. Desde que fosse vivida a aceitação. Um grande homem.
  Um recorte fala de excêntricos. Um psiquiatra escocês diz que eles são necessários. Sem eles não haveria avanço. O que faz de um cara estranho um excêntrico: o pouco se importar com a opinião geral. A facilidade em travar contatos e o amor à solidão. A Inglaterra tem uma multidão deles porque o sistema social reprimia muito toda individualidade. O excêntrico é aquele que foge disso e cria um mundo seu. Um esquizo do bem. Sem delírios.
  Que beleza reler Francis falando de Olivier no dia de sua morte! Que bom que Laurence Olivier morreu a tempo de ainda ter espaço no jornal !

O MUNDO AO ANOITECER- CHRISTOPHER ISHERWOOD

   Inglês, Isherwood deve muito de sua fama, que não é pouca, aos contos escritos em Berlin nos anos 30. Desses contos foi extraído o filme Cabaret, sucesso imenso de Bob Fosse. Isherwood nasceu em 1904 e viveu até os anos 80. Escreveu muito e sua fase californiana é a deste livro. Nos EUA ele viveu como um tipo de celebridade cult.
  Um homem rico é casado com uma típica dondoca de Hollywood. Se divorcia quando a pega com um de seus amantes. Aliviado pelo divórcio, ele vai morar com uma tia. Essa tia é Quaker, otimista, ativa, sem qualquer tipo de dúvida. Ele começa a reler as cartas de sua primeira esposa, falecida, uma escritora famosa. Esse o enredo do livro. Trata de mal entendidos, de histórias que nunca são desvendadas. O que ele aprende é que ninguém realmente conhece ninguém. E isso o redime.
  Isherwood escreveu este livro nos anos 50. Depois de sua triste experiência em Hollywood ( existe algum grande escritor com uma boa lembrança do cinema....). Mas ele evita o amargor. O livro é fácil de ler e entretém. Isherwood nunca teve pretensões de grande arte. Se seus contos de Berlin são tratados como tal é por seu tema. Um britânico presenciando o nascimento do nazismo e usufruindo dos vícios de Berlin é algo raro. Isherwood, bissexual, provou todos. Sem culpa. Este livro está distante desse mundo.

O MUNDO MARINHO DE WES ANDERSON E O MUNDO DRAMÁTICO DE JOHN BOORMAN

   O novo filme de John Boorman, Queen and Country é maravilhoso. Continuação tardia de seu grande filme de 1986, ele encontra os meninos da segunda guerra em 1952. Agora a guerra é a da Coréia, eles estão com 20 anos e descobrem o que é a vida. O filme é maravilhoso porque ele tem três linhas de estilo que se cruzam ( ou seja, Boorman continua a correr riscos ), ele começa parecendo um tipo de MASH inglês, uma comédia satírica sobre o exército. Depois, quando começa a história do amor do rapaz, o filme cria um clima irreal de sonho, lembra até o EXCALIBUR, que John fez em 1981. E por fim, um estilo de horror quando ele se aproxima do final. O sabor que fica é bem amargo.
  Várias cenas são emocionantes e o filme inteiro transborda beleza. Absurdo, essa a palavra que define a obra de Boorman. Ele foi o mais novo dos "novos" diretores ingleses surgidos entre 58-62. Schlesinger, Richardson, Lester, Reisz, Ken Russel, Loach, Clayton. Boorman é o último em atividade. Dentre seus filmes temos INFERNO NO PACÍFICO, DELIVERANCE, EXCALIBUR, LEO THE LAST, AGONIA E GLÓRIA. Seu modernismo é do tipo social. Todos os seus filmes criticam o mundo, apelam aos sentimentos de ira e de reforma, ele é engajado.
  Wes Anderson é pós-moderno, ou seja, podemos traçar seu caminho de Warhol à Duchamp. Bem americano, ele usa toda a informação a seu redor e brinca com ela. As mistura. Como faz Tarantino, seus filmes pegam aquilo que normalmente não é visto como Arte e as embaralham. Mas atenção, aleatoriamente. São filmes que não têm um intenção. Eles são aquilo que parecem ser: imagens e sons, uma história que nada mais quer dizer que aquilo que se vê. Tarantino pega filmes nada nobres ( western italiano, filmes japoneses pop, blacks movies, noir ) e os embaralha. Ele se diverte e nos diverte usando seu coração. Wes faz a mesma coisa, mas suas referências são outras.
  Eu assistia em 1978 a série de Jacques Cousteau. E ouvia Bowie. Seu filme marinho é exatamente como se um garoto de 12 anos fizesse um filme. E isso é um elogio.
  Desse modo, Wes Anderson, assim como Tarantino, são anti-Von Trier, anti-Almodóvar e anti-Bergman. Eles não querem chocar, fazer um acerto de contas ou se confessar. Eles apenas filmam. Aquilo que desejam.
  Interessante observar que tanto Boorman como Wes amam Kurosawa. Mas olham o mestre de formas diferentes. Boorman ama o autor dramático. Wes adora o visual de seus filmes.
  Eu gosto dos dois: o visual e o drama forte e duro. Mas sei que o futuro é de Wes. Uma doida mistura de arte elevada transformada em Pop e do lixo transformado em objeto de culto.
  Adoro isso!

WESTERNS- KATE WINSLET- JOHN WAYNE-WAJDA- JOHN FORD

   UM POUCO DE CAOS de Alan Rickman com Kate Winslet, Mathias Schoenaerts, Alan Rickman e Stanley Tucci.
Novo filme de Kate e creio ser o primeiro dirigido pelo ótimo ator Rickman. Na França de 1690, o rei sol resolve fazer Versailles. Kate é uma jardineira que tem um projeto ousado para um dos recantos do jardim. O filme tem dois sérios problemas: lentidão e uma absurda falta de detalhe nesse projeto. Como jamais o vemos deixamos de nos envolver pela luta da personagem. Há um interesse romântico, ela se envolve com o projetista-líder. As melhores cenas são todas com o rei. Rickman faz desse personagem, que poderia ser cômico ou tolo, dramático. Nota 4.
   ZARAK de Terence Young com Victor Mature e Anita Ekberg.
Durante décadas Victor e Anita foram sinônimo de canastrão. A nova geração sabe disso...Este filme, que fala de rebeldes afegãos de 1890, é inacreditavelmente ruim. Nada faz sentido, as coisas mudam por mudar e a ação, incessante, é desastrada. Um dos piores filmes da história do cinema.
   CINZAS E DIAMANTES de Andrzej Wajda com Zbignew Cybulski
É o filme que transformou Wajda em diretor conhecido. Trata do momento em que a segunda guerra termina. A Polônia, que deveria ter paz agora, sofre a luta entre comunistas e socialistas, liberais e anarquistas. O filme é exemplar. Tenso, absurdo, belo e incrivelmente fatalista. A morte do personagem principal é uma das mais realistas. O ator, Cybulski foi chamado de "James Dean" do leste. Morreu jovem em desastre... Um filme diferente. Nota 8.
   AUDAZES E MALDITOS ( SGT RUTLEDGE ) de John Ford com Jeffrey Hunter e Woody Strode.
Saiu uma caixa com 6 filmes de western. Este é um Ford de 1960 que demorou para sair aqui. Fala de racismo. Um sargento negro é acusado de estupro. Conforme o julgamento acontece ficamos vendo em flash back tudo o que houve. Ford mistura suspense, drama e comédia. O filme tem vários daqueles toques de humor grosso irlandês que muitos detestam. Corajoso, é um filme adiante de seu tempo. O roteiro tem furos, mas é bom, emocionante e nobre. Nota 7.
   O HOMEM QUE LUTA SÓ de Budd Boetticher com Randolph Scott
Boetticher foi um dos maiores diretores de westerns dos anos 50. Aqui Scott é um caçador de recompensas. Ele captura assassino e o leva para ser julgado. Mas as coisas mudam...Com pouco dinheiro se faz um belo filme. Apesar da imagem, que não foi restaurada, está desbotada, emociona. Seco, simples e muito verdadeiro. Nota 7.
   ALMAS EM FÚRIA de Anthony Mann com Barbara Stanwyck e Walter Huston
O pior filme da caixa é este drama do grande Anthony Mann. Uma coisa indigesta, teatral, sobre pai e filha, ruins e vaidosos, que dominam todos que chegam por perto. Chato. Nota 1.
   COMANDO NEGRO de Raoul Walsh com John Wayne, Claire Trevor e Brian Donlevy.
O mais velho, 1940, é o melhor da caixa. Wayne é um cowboy bronco, Donlevy um professor. Os dois disputam a vaga de xerife e ao mesmo tempo a mesma mulher. Ação orquestrada pelo especialista Walsh. Wayne, jovem, domina tudo com imenso magnetismo. Ele é natural, calmo, único. Um mito. O filme é delicioso. Nota 8.
   PAIXÃO SELVAGEM de Jacques Tourneur com Dana Andrews, Susan Hayward e Brian Donlevy
Um belo filme. Andrews é um comerciante na região mineira do oeste. Hayward é sua amiga, noiva de Donlevy. Tudo se complica com índios ferozes, traições e muitas mortes. Tourneur foi um grande diretor. Fez grandes filmes noir, excelentes westerns e ainda filmes de guerra e de piratas. Esta é uma diversão séria, urgente, há um forte clima de destino aqui. Nota 7.
   REINADO DO TERROR de Joseph H. Lewis com Sterling Hayden.
Um filme muito original ! Lewis foi um diretor de filmes classe B que tinha ideias de filmes de arte. Ingênuo, ele filmava com rapidez e cheio de ideais. Este filme, estranho, triste, muito original, se parece com os filmes pessimistas dos anos 70 ( ele é de 1959 ). Um dono de terras usa um assassino de aluguel para dominar terras cheias de petróleo. Hayden é um marinheiro sueco que vem ao enterro do pai e para enfrentar o assassino. O filme se tornou um cult. Alterna cenas pobres e artificiais com outras de grande brilho. Absolutamente diferente!