A TERRÍVEL INTIMIDADE DE MAXWELL SIM, UM LIVRO DELICIOSO DE JONATHAN COE.

   Adeus Maxwell Sim, sentirei muito sua falta. Este é daqueles livros que te fazem ter pena de terminar de ler. Estar em companhia de Sim é uma delícia. Apesar de ele ser um covarde. Um bobalhão. Uma besta.
  Escrito em 2010, ele acompanha dois meses na vida deste recém divorciado, pai de uma menina, filho de um pai distante e frio que mora na Austrália, de uma mãe morta na juventude. Ele viaja pela Inglaterra não por prazer, antes por desespero. Sua missão é vender escovas de dente ecológicas, mas nem isso ele conseguirá fazer. Sim, o livro é cômico, mas a comédia vem do desespero.
  Existem personagens que nos assombram por serem sobre humanos. Sem perder sua verdade, sua proximidade, eles nos mostram aquilo que poderíamos ser se fossemos maiores. Como Heathcliff ou Fausto. E existem aqueles que nos tocam por serem como nós. Personagens como O Coelho de Updike ou este Maxwell Sim. Ele é totalmente diferente de mim, mas é como eu. Ele odeia poesia, não gosta de falar, não ama bichos, pouco liga pra música, e é um chato cinzento. Mas mesmo assim, ele é como eu. E tenho certeza que é como você.
  Jonathan Coe escreve uma quase obra prima. E me recorda que a esquerda, ele é "de esquerda", nascido em 1961, foi um dia o partido daqueles que odiavam o progresso, a tecnologia, a mudança dos tempos. Nisso eles se pareciam muito comigo. Os métodos de ação e de pensamento é que eram diferentes dos que acredito. Não, não divago, este romance critica o facebook e as cidades feitas para o consumo. Ele abomina os apartamentos de 30 metros quadrados. Odeia o trabalho feito para gerar coisas virtuais e não a boa e velha "mercadoria". É um livro ácido de um autor ácido, mas à inglesa, ou seja, escrito com aparente modéstia, calma e humor. Voce precisa o ler!

TRAMA MACABRA um filme de Paul Thomas Anderson

   Uma vez, quando era criança, eu entrei na Maison de Dener Pamplona. Fui levado por uma prima mais velha que trabalhava para ele. A casa, toda branca, ficava na Paulista e hoje é um prédio banal, mais um. Recordo que minha mãe não comprava roupa, mandava fazer. A costureira tirava as medidas em casa, depois mandava a roupa quase pronta. Minha mãe a provava e eram feitos os ajustes finais. Era um tempo em que toda roupa tinha forro, se usava anágua, liga, e os paletós masculinos eram ajustados para o tamanho de braços e pescoços.
 Meu pai fazia a barba com navalha. Ele a afiava com calma e cuidado. A pele ficava lisa, e depois era aparado o bigode. Ele usava um bigode à William Powell. Camiseta para não sujar a camisa por dentro. Os cabelos eram escovados. Pessoas ricas não dirigiam um automóvel, para isso havia o chauffeur. Só os playboys malucos gostavam de dirigir. O imenso Landau era levado pelas ruas semi vazias. Descer a Rebouças era olhar uma fila de casas imensas com jardins bem cuidados. Da avenida Europa eu recordo das babás com os carrinhos de bebês, conversando calmamente com os guardas da rua.
 O início deste filme é um tipo de relembramento deste tempo. O último suspiro da calma e da beleza. A gente, nesses primeiros minutos, tem a esperança de ver um tipo de Michael Powell ou de Max Ophuls revisitado. Bem, a elegância dura todo o filme, mas o foco é outro. Logo notamos que o roteiro foca na relação entre arte e musa. O artista, ser que não pode e não deve viver no mundo real, é enredado pela musa, ser exigente que luta por tê-lo só para si. Nesse precário equilíbrio se cria a arte. A beleza, a mais dura das musas, tem um preço alto.
 O filme é chato. Digo que seu tema  se torna muito pouco atraente. Não posso dizer que é um filme ruim. Longe disso. Como dizer isso de um filme tão refinado e com uma trilha sonora tão bonita? Mas ele não emociona, não seduz e não nos toca. É frio. Seria melhor fosse gelado.
 ( Uma falha: a musa não é fascinante...ok, voce pode dizer um milhar de motivos obscuros para essa escolha, mas ela TINHA de ser fascinante...um esteta jamais se deixaria pegar por uma mulher tão comum ).
 

JOHN WAYNE- KENNETH BRANAGH- HELEN MIRREN- RUSSELL CROWE

   CHISUM de Andrew V. McLaglen com John Wayne e Ben Johnson
Voce fica um tempo sem ver um filme de Wayne e se assusta quando revê sua presença. Ele surge com autoridade, força, carisma, com o tamanho de um gigante, o que ele é. John Wayne nunca foi um ator, como Gary Cooper ou James Stewart, ele foi um tipo de aparição, ícone, interpretando sem nenhum esforço, fazendo com que os heróis se adaptem a seu tamanho. Aqui o vemos, já em fim de carreira, num roteiro digno, interessante. Ele é o dono de vasto território no Novo Mexico, que se vê desafiado por um competidor desonesto. McLaglen nunca foi bom diretor, mas teve a sorte de ser filho de Victor McLaglen, e por isso, crescer no clã de John Ford. Dirigiu toneladas de filmes, e este talvez seja seu melhor. Tem ação, tem humor, tem drama. Atenção: seus primeiros minutos são fracos, mas ele cresce cada vez mais. Merle Haggard canta a música título.
  ADEUS, CHRISTOPHER ROBIN de Simon Curtis com Margot Robin e Domhall Gleeson.
A vida, muito triste, do criador do ursinho Puff. O filme, passado entre 1919-1945, mostra o autor como um neurótico de guerra, distante do filho, e o usando como modelo de Robin, o menino de 100 Acres, o mundo de Pooh e Tigrão. Não é um grande filme, mas tem algo de revelador aqui: o nascimento de um certo platonismo que rege nosso mundo. Veja e entenda o que digo. PS: os atores são um tipo de anti-John Wayne, uma presença nula.
  ASSASSINATO NO EXPRESSO ORIENTE de Kenneth Branagh com Penelope Cruz, Willem Dafoe, Michelle Pfeiffer, Johnny Depp, Judi Dench...
O que dizer de um filme em que o melhor desempenho é de Johnny Depp? Em 1974 Sidney Lumet fez um luxuoso filme sobre este mesmo livro de Agatha Christie. Tinha Sean Connery, Ingrid Bergman e até Lauren Bacall. Branagh, um pavão sempre, usa um bigode que destrói o filme. A gente fica olhando para seus dois quilos de pelos e se esquece do filme. O filme de 74 já era uma decepção, este é ainda pior. Não tem o menor traço de suspense, de mistério, de nada.
  A ODISSÉIA de Jerome Sálle
Este filme conseguiu um milagre!!!! Fazer da vida de Jacques Cousteau um tédio! Que mais posso dizer? Claro que a fotografia é linda, mas qual o filme que na era digital não tem boa fotografia?
  A LUTA PELA ESPERANÇA de Ron Howard com Russell Crowe e Renée Zellweger.
Acredite, houve um tempo em que Crowe era um ator. Este história interessante, sobre um boxeador que dá a volta por cima, tem tudo o que um filme precisa: drama, bons atores e cenas emocionantes. Claro que voce já viu tudo isso antes, mas so what? São duas horas de competência total.
 O COZINHEIRO, O LADRÃO, A MULHER E O AMANTE de Peter Greenway com Helen Mirren, Michael Gambom e Alan Howard.
É a última chance que dou a Greenway. Queridinho da crítica nos anos 80, hoje está merecidamente esquecido. Seu estilo é teatral, barroco, exagerado, cheio de sexo, nudez, raiva dos ricos, mensagens toscas, pretensão exagerada, breguice chique. Não vou falar da história boba desta coisa. Helen Mirren está desperdiçada.
  A MANSÃO MACABRA de Dan Curtis com Karen Black e Oliver Reed.
Uma família se hospeda numa mansão e a esposa começa a ficar doida. Funciona sim. O filme é sem sentido, tosco e previsível, mas a gente assiste, nem que seja para odiar Karen Black e xingar Oliver Reed por ser tão bundão.

PARAMOUNT, JOHN DOUGLAS EAMES

   Tem uma série de livros ingleses, enormes, de luxo, que contam a história dos grandes estúdios de Hollywood. Li os da Columbia, Universal e agora encontrei o da Paramount. Das grandes, fica faltando a MGM, a Warner e a Fox. Ah! Tem a RKO e a United Artists, que eram médias. Hoje a produção é pulverizada e as maiores seriam a Marvel e a Disney, mas tudo é feito por seis ou sete empresas juntas, e dessas, a maioria nem é de filmes, é apenas uma associação de acionistas. A Weinstein foi a última a pensar só em cinema.
  Cada empresa, nos golden years, tinha sua cara, voce sabia que um filme era MGM só de olhar cinco minutos de ação. A Warner era dos policiais escuros, da violência e dos dramas sórdidos. A Fox fazia filmes hiper coloridos, fantasiosos, alegres. A MGM era glamorosa, grande, bem careta, chique. A Columbia era tosca, feia de se olhar, mas rica em roteiros. A Universal era a dos filmes de horror, das aventuras no espaço. E a Paramount, a produtora das estrelas mais sexy, dos filmes mais "adultos". Cada uma tinha sua estrela da casa: Warner tinha Bogart e Bette Davis; a MGM Clark Gable e Garbo; a FOX tinha Tyrone Power e Jennifer Jones; a Columbia James Stewart e Frank Capra; a Universal era a casa do Dracula e do Frankenstein e a Paramount tinha Marlene Dietrich e Gary Cooper.
  O livro mostra, um por um, e com fotos, todas as produções da empresa. Desde Cecil B. de Mille em 1919 até Eddie Murphy nos anos 80. Chegaram a fazer 40 filmes por ano nos anos 30, até os 14 de 1985. É uma bela viagem, dos irmãos Marx até O Poderoso Chefão, de Jerry Lewis e Bob Hope até O Homem Elefante, de Alan Ladd e Preston Sturges até Al Pacino e Indiana Jones. Sim, o livro vai só até 1985, mas é correto isso. A partir de então não faz sentido falar de uma empresa. Warner ou Fox, o que as diferencia é apenas o logo no começo do filme. Talvez apenas a Universal ainda continuou sendo uma marca de personalidade graças a George Lucas. Mas logo perdeu o caráter também.
  O autor escreve com graça e ironia. E confessa ser fã da MGM. Bem, eu sou da Warner e mesmo assim gostei do livro.

1973, UM ANO FODA PARA A MPB ( AINDA NÃO LI ESTE LIVRO, VERSÃO BRAZUCA DO 1965 )

   1973 foi um ano foda. Escolheram esse ano pra fazer um livro. Os gringos optaram por 1965. Sim, para o pop estrangeiro eu teria escolhido 1972, mas ok, 65 foi foda também. Pra MPB tem de ser 73, não tem opção. Foi o ano dos Secos e Molhados e isso justifica tudo. Mas foi também o ano do Steve McLean, que era brasileiro, do samba dito "joia", do Benito di Paula, do Martinho e dos Originais do Samba. Da Clara Nunes. Foi o ano da Rita Lee e do Raul Seixas. Maracatu Atômico e Antonio Carlos e Jocafe. Foi ano do brega legal de Odair José. "Irmão, vamos seguir com fé, tudo que ensinou, o homem de Nazaré..." essa é do Antonio Marcos. " De onde ela veio pra onde ela vai...oooo não tem ninguém...", foi um ano muito romântico!
  Fora do Brasil foi ano do Dark Side of The Moon, do Houses of The Holy, do Billion Dollar Babies, do Berlin, do For Your Pleasure, do Alladin Sane, do Sabbath Bloody Sabbath, do Goodbye Yellow Brick Road, isso só em rock branco. A banda revelação do ano foi o Queen. 1973 foi mais foda ainda porque eu liguei o rádio pela primeira vez.
  Estava sozinho em casa numa manhã de sábado e pela primeira vez girei o botão, ele fez clic, e ouvi rádio por vontade própria pela primeira vez. Mais ainda, girei o dial até a Difusora! E escutei " Leve...muito leve leve leve pluma....muito leve leve pluuuumaaaa...." Agora eu era dono do meu gosto musical.
  Diz um psicólogo que aquilo que a gente ama aos 11 anos a gente ama pra sempre. Então 1973 é pra sempre.

The Zombies - This Will Be Our Year



leia e escreva já!

ODESSEY AND ORACLE - THE ZOMBIES E A INFANTILIZAÇÃO DO MUNDO.

   As crianças nascidas entre 1940-1950 foram salvas de Hitler por seus pais e seus avôs. E, crescidas no momento mais rico da história do planeta ( falo de Europa, EUA e Japão ), passaram a não precisar se matar de trabalho e passar fome por toda a vida. Nunca antes tanta gente teve tanto, seja em bens materiais, seja em tempo livre. Ócio leva ao tédio, tédio leva à raiva e raiva trouxe a liberação dos desejos. O mundo dos pais passa a ser o mundo errado, o mundo dos jovens é o mundo da paz e do amor infinitos. Hippies se chamam de "crianças da flor", a consequência desse "mundo mágico de neverland" vemos hoje. Desejo não é poder, mas para "as crianças da revolução", é sim.
   O rock conduziu essa revolução e este disco é um retrato do momento. Os Zombies, banda inglesa, faz no final de 1967 um disco, hoje cult absoluto, que condensa os 3 momentos chave das crianças inocentes: Beach Boys, Love e Mammas and Pappas. Cada faixa é uma citação, nunca plágio, de uma faixa das bandas de LA, a terra do sonho. Harmonias vocais doces e sinceras, arranjos flutuantes, sensibilidade à flor da pele, inocência assexualizada, bosques sem feras. Eles jamais atingem a glória de Brian Wilson e muito menos a acidez que torna Arthur Lee tão perfeito ( o Love tem uma agressividade que nenhuma dessas bandas tem, por isso é de longe a melhor ), os Zombies são belos, nunca instigantes.
  Hoje seu som é o som indie. Seu disco ficaria muito bem num set de uma banda "nova" em um festival de 2018. Por isso este é um disco tão cult agora. Infantil todo o tempo.
  Claro que Bowie, Lou ou Cale nada têm de infantil. São irônicos com tudo aquilo. Mas são minoria e representam um momento fugaz. O RAP também surge adulto e logo se torna uma brincadeira com armas e videos pornô. O querer é poder se instala em todo meio e serve para justificar tudo, do terrorismo ao pansexualismo. Este disco mostra o parto desse espírito do tempo. Nunca mais seremos adultos. A não ser que uma catástrofe nos jogue no mundo real outra vez. Coisa que pode ter certeza, eu não desejo.

ENSAÍSTAS INGLESES, NA CAÇA DE LIVROS RAROS

   É sempre uma grande prazer caçar um livro raro. Dizem que o homem que caça livros, discos ou pinturas raras está sublimando seu instinto de caçador. Ou de Don Juan. Eu tenho fé em que caçar um livro é caçar um livro. Pensar em sublimação é sublimar a realidade.
  Entro na livraria e vou aos livros raros, velhos, sem reedição. Pego um volume de 1950, capa dura e em excelente estado. Ele trás uma coletânea de ensaístas ingleses. Onde mais eu acharia em português autores como o Dr. Johnson, Addison, Ruskin ou Pater? A tradução é ótima e os textos escolhidos excelentes. Começa com Bacon, segue por Cowley, Fielding, MacCauley...textos que variam entre humor e política, história e crítica de arte.
  Destaco Steele com O Café, retrato delicioso sobre os cafés do século XVIII em Londres. Fielding brilha no Ensaio sobre o Nada, onde ele demonstra o valor do Nada. Hume dá conselhos de como se escrever bem, e Hazlitt fala do mal de se ter alcunhas. Carlyle ataca a ópera, a chamando de vulgar, tola e vazia; mas é Thomas Macauley que domina o livro com suas 100 páginas sobre Frederico, o grande. Uma soberba história sobre este conquistador do século XVIII, rei que ergueu a Prussia contra a França, Austria e Russia. Um texto histórico que informa, eleva, tem suspense, ritmo e erudição.
  Voce que me lê talvez nunca tenha ouvido falar em Macauley. Ou mesmo no Dr. Johnson. Sem problema. Saiba que antes dos anos 60 e do desconstrutivismo, esses eram autores obrigatórios para aqueles que estudavam a cultura em lingua inglesa. Saíram de moda, e hoje talvez apenas Fielding e Bacon são estudados fora da Inglaterra. Uma pena. Estes textos, todos, exalam cheiro de cultura, de conhecimento, solidez e um tranquilo bom senso. Bela aquisição.