The Beach Boys-I Get Around (Live on the Ed Sullivan Show, Sept 1964)



leia e escreva já!

Beach Boys Little Honda '64



leia e escreva já!

LITTLE DEUCE COUPE - ALL SUMMER LONG - THE BEACH BOYS

   Muita gente gosta de dizer que ama Pet Sounds, mas esquece que Pet Sounds veio de algum lugar, e este lugar é aqui. CD único, com belo livreto, tem dois LPS da banda: Little deuce coupe é do fim de 1963 e All summer long de 1964. Em dois anos eles gravaram cinco LPS. E que maravilha eles são!
   O tema de Little deuce coupe é a estrada, não a estrada como fuga, mas sim como lugar onde se pode correr com um carro. O amor de um jovem por seu carro, esse o tema de todas as canções. Brian Wilson começava a falar de si mesmo, abandonava a praia, lugar que nunca gostou, e passava a contar coisas sobre carros, um dos seus amores. O amor maior ainda era a música.
  Brian Wilson foi o Mozart de sua geração, um gênio tolo, um gênio solar, um gênio feliz. Sim, feliz até o fim de 1964, hora em que ele encontra a marca de seu tempo, a droga e a paranoia. Brian bebeu na fonte de Chuck Berry, dos grupos vocais dos anos 50, em Burt Bacharach, e, incrível!, jamais se deixou pegar por Dylan. A música dos Beach Boys é música de anjos. Há uma delicadeza em cada nota, um encontro harmônico em cada arpejo, uma sinceridade barroca em toda canção de um minuto e meio.
  Veja uma simplicidade como 409. As vozes soam como alegria otimista, são vozes de jovens confiantes, e a instrumentação, elétrica, tem uma leveza que combina com suas asas. As melodias nunca são o "yeah yeah yeah" direto e repetido dos Beatles, são voltas e aperfeiçoamentos que sobem até a beleza sublime. Não é rock. Os Beach Boys se deram mal a partir de 1966, também porque os hippies notaram que eles estavam muito mais para música popular americana que para rock'n'roll. Burt Bacharach, mas também Johnny Mandel, Gil Evans e Cole Porter.
  Quando George Lucas lançou o sublime American Graffitti, encerrou o filme com All summer long. Ele sabia que ali estava o sonho. Tudo aquilo que um jovem queria ser em dois minutos de música e letra. All summer long é ainda melhor que Little deuce coupe, e seu tema é "o cotidiano de um beach boy".  Como diz Scruton, escrever sobre música...como? Escrever sobre os Beach Boys, como?
  Se os Beatles são potencialmente e de fato, a maior banda de rock do mundo, os Beach Boys são potencialmente e de fato, a maior banda de música do mundo. Melhor ouvir Little Honda. Um mundo de pequenos toques musicais na mais simples das formas.
  Menos é mais. Brian sempre soube disso.

QUADRIVIUM, AS QUATRO ARTES LIBERAIS CLÁSSICAS DA ARITMÉTICA, DA GEOMETRIA, DA MÚSICA E DA COSMOLOGIA.

   Não meus queridos, não é um livro onde se diz que a Terra é plana. Nem se fala de magia. Nem mesmo de Deus se fala. Ele nada tem de místico, de estranho ou de perturbador. Mas então, que livro é este?
   Bem, é uma decepção com certeza. Deixa explicar para você:
   São dois volumes, este é o segundo, sendo que o outro fala de gramática e de retórica. Se voce ler os dois, diz a editora, voce terá uma ideia daquilo que um bom aluno da renascença deveria saber. Até aí a ideia é interessante. Um jovem estudante de Bologna ou de Oxford, em 1500, deveria ler Pitágoras, Platão, Ptolomeu, Santo Tomás, Roger Bacon etc...claro que em latim e em grego, e claro que ele teria de ler suas obras completas. Mas...o que temos aqui é uma muito pequena explicação, escrita HOJE, sobre aquilo que eles sabiam ENTÃO. A sensação é de um resuminho para o ENEM.
   O tema é vasto e é fascinante, as ilustrações são ótimas, mas fica tudo com a profundidade de apostilas.
   Em geometria ficamos tomando conhecimento das proporções que formam o universo. O modo como elas se repetem sem parar. Das medidas do ínfimo e do imenso, do modo como esses totais podem ser reduzidos sempre à mesma proporção. Da música temos o mais difícil dos postulados. Difícil ser entendido por quem não lê partitura. Mas há o fato de que toda harmonia se resume a combinações matemáticas. Uma equação errada traz a desarmonia. É fato conhecido por todo músico sério.
  Temos so triângulos como base para toda a construção da natureza, a sequência de Fibonaci como paradigma de plantas, animais e estrelas ( 1,1,2,3,5,8,13,21....). É sim, um conhecimento não mais discutido, mas isso tudo merecia uma obra muito maior.
   Pensamento: Em 2518, qual será a lembrança daquilo que um jovem médio aprende na escola?

Old Surf Movies: A Hatteras Odyssey, 1975



leia e escreva já!

Une journée avec William Finnegan



leia e escreva já!

DIAS BÁRBAROS - WILLIAM FINNEGAN

  Acabo de ler este livro que venceu o Pulitzer de melhor autobiografia em 2016. Em termos de estilo de escrita é delicioso. O autor, jornalista conhecido, escreve no estilo "americano". O modo direto e nunca afetado de Mailer, Bellow e Heminguay. Coloquial mas nunca pobre. Denso, cheio de metáforas, limpo.
  Finnegan é conhecido no meio. Escreve inclusive na New Yorker. Tem livros sobre guerras na Africa, situação humanitária na América Central, vida no Oriente. Sim, ele é um típico liberal de esquerda, daquele tipo que os anos 60 formaram. Um pensamento que só existe nos EUA, pois são liberais que odeiam o capitalismo e ao mesmo tempo amam a liberdade. Uma contradição com que eles convivem com ansiedade e desacertos. Por isso produzem tanto.
  Finnegan nasce numa família de classe média na costa leste. Mas por razões de trabalho, o pai faz parte do meio da TV e do cinema, eles se mudam para a California. Essa a parte mais brilhante do belo livro. A infância e a adolescência de William em um mundo mutante. Brigas na escola, gangs de recreio, insegurança física, a descoberta do poder do surf. A grande sacada de Finnegan, e que ele irá confirmar ao fim do livro:  a grande mudança do surf é que até os anos 80 ele era um esporte dos isolados, dos solitários, dos calados. E desde então, com a popularização, ele se torna esporte de grupo, de bandos, de galera. O surfista deixa de ser um individualista radical, e passa a ser apenas um consumidor de fim de semana. Mas me adianto...
  O pai de William começa a trabalhar na produção de uma série havaiana, e a família se muda outra vez. Na ilha ele se faz surfista. Começo dos anos 60. Mudança da prancha grande e pesada para as leves e pontudas. Sai de cena a surf music e entra a psicodelia. Qualidade do livro, Finnegan é modesto. O livro não é sobre uma busca pessoal. Não é sobre filosofia new age. Ele surfa. Ele consegue trabalhos modestos. E viaja.
  Bali, Java, Samoa, Australia. Tudo antes da popularização. Doenças, misérias, roubadas. E ondas em praias ainda não popularizadas pelas revistas. Ele passa anos nessas viagens. Longe da família, com a qual ele se dá bem, ao lado de um amigo: pode ser Dominic, pode ser Bryan...cruzam o deserto australiano ( William descobre que não há país onde o trabalhador seja mais bem pago que em OZ ), vão à Africa do Sul.
   Finnegan vira professor. É o fim do apartheid, tempo quente, tempo de crise. Ainda sobe a Africa com uma namorada. E volta aos EUA. Adulto.
   Mas não é o fim. Já quarentão, descobre seu pico favorito: a Ilha da Madeira, Portugal. Aldeias, plantações, camponeses pobres. Ele fica anos por lá, uma década. Acha a melhor onda. Mas as coisas mudam: a comunidade europeia e Portugal faz estradas, tuneis, hotéis, tudo se enche de turistas e a onda morre numa rodovia beira mar mal feita. Aos 50 anos ele desiste. O corpo dói. Escreve full time. Tem filha. Ela surfa.
   Um surfista, essa raça tão mal entendida, quer apenas uma coisa da vida: surfar. Só saberá o porque disso aquele que provou da droga. O livro explica mesmo para não-surfistas. Na união de homem e mar vive a parte mais pura de nossas aventuras. De Odisseu à Camões, dos pescadores aos surfistas. De Conrad à Finnegan.

MOMENTO MAIS FELIZ DA VIDA

   Este texto fala sobre alguns dos momentos mais felizes de uma vida. Momentos que eram aparentemente sempre os mesmos, mas que na verdade eram completamente irrepetíveis.
   Falarei no plural, porque todo esse prazer era vivido a dois, eu e meu irmão, 3 anos mais novo que eu. Eu comecei a fazer esse "ritual" aos 11 anos. E durou, com essa intensidade, até meus 15.
   Nessa época minha família tinha uma casa na praia, e a gente descia a Serra todo fim de semana. Contando os feriados e as férias, eu passava mais ou menos 150 dias por ano na praia. Não a toa, minha pele se acha destruída pelo sol hoje, aos 50 anos de idade. Mas quer saber? Não ligo. Valeu a pena. Cada minuto passado foi mágico.
   Tudo começava na véspera, na preparação. Eu e ele ouvíamos os discos que nos remetiam à praia. Houses of The Holy, Let It Bleed, Atlantic Crossing, In Rock. A descida era ansiedade feliz, um misto de renovação  e de pressa. O carro voava. E assim que era estacionado na garagem eu e meu irmão voávamos pro mar. Mais uma vez parecia ser a primeira vez.
  A paixão é aquilo que pode matar uma pessoa. Mas é, por isso mesmo, aquilo que dá sentido à vida de uma pessoa. É uma monomania, e isso faz com que fechemos os olhos para o mundo fora da paixão. Mas dentro desse mundo, desse alvo específico, cresce um outro universo. É apenas um único desejo, mas é um desejo vasto, vasculhado, conhecido e sempre novo. O corpo brilha em vontade de ir além da paixão. E nessa emoção sem fim, eu e meu irmão nos atirávamos.
  Hoje me impressiona a profundidade em que a gente chegava. Muito além do ponto onde dava pé, a gente chegava onde apenas os surfistas de 16, 18 anos iam. E com uma alegria que beirava o absurdo, rindo e sem falar nada, nos deixávamos ir em qualquer onda que viesse. A gente não escolhia, a gente não sabia esperar, éramos pregos na verdade, mas a gente deixava se ir.
  Uma das muitas diferenças do mundo de 1977 e do mundo de 2018 é o surf. Hoje se ataca a onda, se obriga a prancha a ir contra a onda e o objetivo é quebrar a onda. Antes se fluía com a onda. A meta era se integrar à onda e se deixar harmonizar por ela. A sensação beirava a epifania, e por isso excluía todo o resto da vida. Eu poderia destacar a velocidade, a água entrando em comunhão com o corpo, a adrenalina do medo, a sensação de vitória sobre si mesmo, mas o que mais me dava loucura era o som. As vozes vindo da praia, distantes, quase inaudíveis, que eram apagadas quando a onda surgia. E então a música eterna, vinda da pré- história, do mar quebrando sobre voce.
  A gente tomava vários caldos, vacas. Engolia a imunda água salgada com detritos. Tossia. A garganta ardia. Tive vários momentos de pânico e de quase afogamento. De estar debaixo da água e não saber onde ficava o céu e onde ficava o fundo de areia. Mas a gente, com nosso um metro e meio de altura, conseguia respirar por fim. E ia, rindo, buscar a prancha onde ela estivesse. Era isso de oito da manhã até as seis da tarde. Todo dia. Com uma parada breve ao meio dia. Para suco e água, muita água.
  De noite na cama a gente comentava o dia. E sentia que a cama parecia flutuar. Parecia que a gente boiava sobre o colchão. O rosto queimado de sol, o cabelo estragado, nosso sono vinha com um sorriso. Por saber que amanhã tudo seria repetido. Igual. Mas jamais o mesmo.
  Não consigo lembrar de nada melhor que isso.