ZICO com ROBERTO ASSAF e ROGER GARCIA

   É um lindo livro sobre um jogador muito especial.
   Acompanhei toda a carreira de Zico, desde 1975, quando começou a se falar nele, até o final. Depois disso, sua moral nunca mais caiu. Depois da era Pelé, Zico é o mais inatacável do jogadores. O cara tem caráter. Conseguiu sobreviver a dois terremotos que teriam derrubado qualquer outro.
  Primeiro o imenso preconceito que havia em SP contra o futebol do Rio. Zico foi até 1981 considerado uma invenção de carioca, uma tentativa do Rio de criar um novo Pelé. Por melhor que ele jogasse, por mais gols que fizesse, ele era chamado de enganador, falso, um mero produto. Mas eu vi a mudança. Foi exatamente em 1981. Nesse ano, com o Flamengo que tinha Tita, Raul, Adilio, Andrade, Junior, Leandro, ele ganhou mais de 15 troféus em um ano! Dois torneios na Espanha ( num deles vencendo o Barcelona ), mais um na Colômbia. Depois o carioca, a libertadores, o mundial e mais alguns outros torneios. Eu vi Zico no Morumbi vencer o São Paulo de Serginho, Renato, Daryo Pereyra, Oscar; depois voltar e vencer o Corinthians, o Palmeiras, o Guarani. Eram sempre grandes jogos, mais de 90.000 pessoas, placares tipo 4 X 3, 3 X 2...
  Depois ele venceu o azar histórico de não ter ganho uma Copa do Mundo. Jogou as de 78, 82 e 86. A da Espanha era sua copa. Deu no que deu. Mas ele sobreviveu. Passou sem mácula.
  Ele era um atacante. Um cara que pegava a bola na linha do meio e ia tabelando, tocando curto até dentro da área. Driblava, mas seu grande dom era o passe. Ele tocava e quando recebia de volta já sabia o que fazer a seguir. E acima de tudo ele fazia gols. Muitos. Centenas. Só em 1979 foram mais de 70. Vi dúzias de vezes ele vencer sozinho, desequilibrar um jogo amarrado. Mas cima de tudo, Zico amava jogar. Ele sorria.
   Este livro mostra sua infância, livre, na ZN do Rio. O pai, que o educou e fez dele um homem honrado, os irmãos, todos jogadores bons de bola, o casamento com a namorada da adolescência. Uma vida que parece abençoada, protegida, mágica.
  Ler a vida de Zico é ler uma vida boa e do bem.

BOTAFOGO- SÉRGIO AUGUSTO, MAIS QUE UM CLUBE

   Didi ganha um campeonato. Sai do estádio, e para cumprir a promessa feita, volta a pé para casa. Foram 132.000 pagantes, e em meio aos fãs, vemos fotos dele andando, terno e chapéu. São oito quilômetros entre risos, abraços, respeito. Isso é o Rio de 1959.
  O Botafogo foi dois, já nasceu esquisito. Havia o Botafogo de regatas, fundado no século XIX. Regata era o esporte número um da cidade. E depois, em 1903, um grupo de meninos, de 14 anos, fundou o Botafogo FC. Só nos anos 30 os dois se unem e surge o Botafogo de Futebol e Regatas. É o único clube fundado por adolescentes, na rua, no improviso. A estrela é símbolo da Estrela D'Alva, a primeira estrela que os remadores vêm quando treinam as 5 da manhã.
  A história do clube é história de enormes vitórias e imensas crises. Sempre foi assim. O grande rival é o Fluminense, o queridinho do poder. O Botafogo é o time dos intelectuais, dos artistas.
  ( Aqui um adendo. Um time deve manter seu caráter! O Flamengo é o time da massa, o Flu do poder, o Vasco dos portugueses e da ZN, sempre o mais odiado, o Bota dos esquisitos. Aqui em SP, vemos uma descaracterização de alguns clubes...O Santos se mantém como o primo pobre e chato, com seus sonhos de requinte; o Palmeiras continua o clube da italianada e da região da Barra Funda, mas o clube do Morumbi está perdido, assim como o Corinthians. Me parece que os dois estão trocando de papéis. )
  O Botafogo teve Heleno de Freitas. Didi. Garrincha. Nilton Santos. Gerson. Jairzinho. Paulo César Cajú. Desses eu vi jogar três. Gerson foi o maior passador de bola que já vi. Jair foi um artilheiro perfeito. E o PC tinha uma habilidade rara. Fazia o que queria com a bola grudada no pé.
  Mas a gente ainda pode falar de Mario Sergio. De Marinho Chagas. De Valdeir. Manga. E do Biriba. Biriba era um vira lata preto e branco que entrava com o clube nos jogos do Maracanã. Amuleto. O Botafogo foi o time do Zagalo né...e Amarildo. E do João Saldanha.
  Era um tempo de ingresso barato e de estádios lotados. Disso eu lembro também. De ir ao Morumbi e achar que o público estava fraco...só 80.000 pessoas...O Maraca com menos de 90.000 parecia vazio. A rotina era 110.000, 120.000 pessoas. Futebol era festa, muita festa e isso passava aos jogadores que então festejavam. Mais que um clube, ler sobre o Botafogo é ler sobre uma época morta, mas linda.
  Sérgio Augusto é um crítico de cinema que fez minha cabeça nos anos 80 e 90. Depois perdi sua pista. Escreve melhor que o Ruy Castro. Mesmo estilo, mais saboroso.
  Infelizmente não sou Botafogo. Não sou do Rio. Mas dá uma vontade danada de torcer pelo time da estrela solitária.

CARY GRANT- BETTE DAVIS-JAMES CAGNEY-COLIN FIRTH-UMA- NEIL SIMON

   A GAROTA DO ADEUS de Herbert Ross com Richard Dreyfuss e Marsha Mason
Foi uma das maiores zebras do Oscar a vitória de Dreyfuss em 1977. Mas vista hoje sua atuação é sensacional. O texto, de Neil Simon, é bem anos 70. Fala de uma mãe solteira que é obrigada a dividir o apto com um ator desconhecido. Eles se odeiam e aos poucos passam a se aceitar. Parece óbvio, mas os diálogos são maravilhosos! Engraçado perceber que o personagem de Dreyfuss é um típico estudante paulista de 2016! Até as roupas são atuais! Não conseguimos sair de 1977... Este é o típico filme adulto popular daquele tempo. Se comparados aos adultos pop de hoje vemos que regredimos muito. Assista. Nota 7.
   BE COOL, O OUTRO NOME DO JOGO de F. Gary Gray com John Travolta, Uma Thurman, Vince Vaughn, Cedric, The Rock e Danny de Vito.
O roteiro é pobre pacas! Chili Palmer, o personagem de Travolta no ótimo Get Shorty, ressurge aqui como produtor de música. Para lançar jovem cantora ele deve passar por cima de mafiosos russos, produtores bandidos e artimanhas do mal. A esperteza se foi, os golpes são primários e mal explicados. O filme se salva por The Rock, que rouba o filme como um capanga que quer ser cantor country. Hilário! Uma nunca esteve tão bonita. Travolta está com preguiça e Vince não tem a menor graça. Seu tipo é cópia descarada do Gary Oldman de Amor a Queima Roupa. Um filme bom de olhar, mas bem tolinho. Nota 5.
  HOPE SPRINGS de Mark Herman com Colin Firth, Heather Graham e Minnie Driver.
Parecia bom. Adoro Colin. Mas é um tédio. Ele é um inglês que vai parar no interior dos EUA. Quer esquecer um amor perdido. Heather, como sempre, é uma doidinha legal, eles se envolvem. Minnie é a megera. O filme é lento, chato, preguiçoso, sem nenhuma imaginação. Pior de tudo, é uma comédia triste! ZERO.
   G MEN CONTRA O IMPÉRIO DO CRIME de William Keighley com James Cagney
Um exemplar filme de gangster dos anos 30. Cagney é um advogado que abandona a profissão para ser um agente do que viria a ser o FBI. O que acompanhamos, no estilo rápido e objetivo da época, é sua escalada para se infiltrar na gang e destruir a organização criminosa. Um bom filme de macho. Nota 7.
  BALAS OU VOTOS de William Keighley com Edward G. Robinson e Humphrey Bogart.
Não tão bom, o filme também faz parte do estilo "gangster da Warner". Mas o roteiro é mais meloso e Robinson não é tão bom quanto Cagney. Bogey faz mais um bandido. Ele, em 1936, ainda era o cara que todo mundo ama odiar. Nota 5.
  SOMOS DO AMOR de Archie L. Mayo com Leslie Howard, Bette Davis e Olivia de Havilland.
Uma alegria voltar a ver os bons filmes pop dos anos 30. Este é mais um da Warner. Sobre um casal de atores que vive em guerra. E uma mocinha tola que se apaixona pelo ator. Leslie dá um show como o ator estrela, empoado e meio tonto. Bette brilha menos como a atriz nervosa. Olivia está excelente no papel da milionária doida. Tem ainda Eric Blore fazendo Eric Blore, ou seja, um delicioso mordomo afetado. Bom passatempo. Nota 7.
   SOLTEIRÃO COBIÇADO de Irving Reis com Cary Grant, Myrna Loy e Shirley Temple.
Decepção. Um filme com Cary e Myrna consegue não ser bom. Uma garota de 16 anos se apaixona por Cary Grant, solteirão de 37. A irmã da menina, Loy, obriga-o a namorar com ela para que ela se decepcione com ele. Mal dirigido, sem ritmo, mesmo assim fez imenso sucesso, graças aos nomes das estrelas. Cary está contido, só se solta na única cena boa, a da gincana estudantil. Myrna não tem nada a fazer a não ser parecer elegante. Nota 4.

O EGOÍSTA - GEORGE MEREDITH...ESSA COISA TÃO INGLESA...

   Há um capítulo, neste longo romance, em que se homenageia o vinho do Porto. Odes e belas frases são ditas à esse vinho, o favorito pelos homens de gosto. E o único que melhora com o tempo. Por isso, é um vinho "conservador". Lendo esse ótimo capítulo tomos consciência de que o Porto é um símbolo da velha e alegre Inglaterra, símbolo tão forte como o fog. o guarda-chuva, a pontualidade, o chá e o livro de mistério. Outra ideia vem em sequência: o romance, em que pese a birra dos franceses, é também uma coisa bem "velha Inglaterra".
   Aprendi com professores menos francófilos, que o romance foi inventado na Inglaterra do século XVIII e que Robinson Crusoe é o livro que dá forma àquilo que se produz até hoje. O romance é pensado como passatempo para pessoas razoavelmente instruídas ( as bem instruídas leriam poesia ), com tempo livre e algum dinheiro. Isso se mantém ainda, talvez hoje com o adendo de que o romance deve ter "alguma utilidade". Bem....lendo um romance como este, escrito pelo popular George Meredith, autor de fins do século XIX, sentimos como esse ato cotidiano de ler um longo romance se mescla ao estilo de vida britânico caseiro e conservador. Pois é nesse tempo, o vitoriano, que se instaura a noção do "Home sweet Home", o lar como castelo do homem e da mulher, paraíso a ser herdado pelos filhos, fortaleza contra o mundo hostil. É nesse mundo, de charutos, lareira e bibelôs, de biblioteca e sofás de couro, que se faz a cisão entre mundo de fora e mundo de dentro. Sentar-se à janela, confortavelmente, com um cão aos pés, lendo Meredith, ou Hardy, ou Doyle, é fazer parte desse lar vitoriano. Esse mundo, destruído na precariedade do mundo mutável de hoje, ainda respira na lembrança de filmes históricos e em novas ondas tipo Harry Potter e que tais.
  Dito isso, O Egoísta é uma crítica ao tipo de dono de terras de nariz empinado, autoconfiante, duro, compenetrado. Um deles se torna noivo de uma linda moça, Clara, e descrê que ela possa não o amar e o obedecer. Mas Clara percebe sua vaidade, seu egoísmo, sua pose e tenta desfazer esse noivado. Clara, personagem que lembra as heroína de Henry James, é uma proto feminista. Quer ser livre. Livre para viver. O romance, todo ambientado nas terras do egoísta, é a história desse jogo de pensamentos e interesses, medos e vaidades. Meredith, profissional, competente, se dá um trabalho e o cumpre. Mostra à classe média o limite afetivo da classe alta. É uma delicia de leitura.

STAR WARS- JEAN COCTEAU- PIERCE BROSNAN- DEADPOOL- MAGGIE SMITH

Voltei a ter tempo livre para ver alguns filmes. Então vamos lá...
   STAR WARS-O DESPERTAR DA FORÇA de J J Abrams
O diretor Abrams possui um dom que me agrada muito: ele faz com que os efeitos digitais não pareçam digitais e sim se pareçam com coisas naturais, os velhos efeitos com stunts. Melhor ainda, ele ama cenas de ação ensolaradas, cores claras, vivas, alegres. Há uma convenção, tola, de que toda cena de ação atualmente deva ser dark. Pois Abrams sempre vai contra isso. Seus filmes são mais felizes, leves que a média. Este é uma grande aventura com sabor de anos 50. Às vezes lembra Lawrence da Arábia ( que é de 1962, eu sei ), o deserto, o clima; depois vai às aventuras de pirata com Burt Lancaster e aos filmes de Ray Harryhausen. Bem legal. Harrison Ford volta e volta bem. Carrie Fisher volta melhor ainda. Tem até Max Von Sydow, o ator de O Sétimo Selo, do Bergman. A trilha sonora de John Willians é ótima e a fotografia é lindíssima. Nota 8.
   ENSINA-ME O AMOR de Tim Vaughan com Pierce Brosnan, Salma Hayek e Jessica Alba.
Sempre bom ver Pierce num filme. Ele sabe atuar e consegue parecer estiloso e real ao mesmo tempo. Aqui ele é um professor que se envolve com irmã da esposa. Malcolm McDowell aparece como o pai de Pierce. Tem poema de Yeats sendo recitado. O filme nada tem de especial, mas também nunca ofende. Nada de idiota, o que hoje já é um alivio. Salma continua uma beleza. Nota 5.
   DEADPOOL de Tim Miller com Ryan Reynolds
Um super-herói ruim...Nem tanto...talvez um super-herói demente...também não...é um filme estranho. Tem cenas de violência mas parece infantil, é um herói nada heroico. Sei lá! O filme é bem feito, engraçado às vezes, mas esquecemos dele depois de dois dias. Nota 5.
   ZOOLANDER 2
Ben Stiller e Owen Wilson voltam a atacar. Owen Wilson....como pode isso!!! O filme é tão bobo, tão sem graça, tão insuportável...Um lixo.
   A SENHORA DA VAN de Nicholas Hytner com Maggie Smith, Alex Jennings e Jim Broadbent.
Dizem ser uma história real. Nos anos 50 uma mulher atropela alguém dentro de uma van. Ela pira e passa a viver dentro dessa van. Nos anos 70 ela estaciona na rua de um escritor gay. E ele passa a cuidar dela. Maggie Smith está realmente suja! Faz um retrato exato de uma moradora de rua. A gente quase sente o cheiro. Alex Jennings, sutil e contido, lhe faz um par a altura. O autor real, Alan Bennet, aparece como ele mesmo ao final. O humor é bem negro e o drama quando vem é pesado. O retrato da sociedade inglesa é perfeito. Nota 6.
   O SANGUE DE UM POETA de Jean Cocteau
Feito em 1930, este é o primeiro filme de Cocteau, na época já um autor famoso. Não procure entender, são imagens de sonho, de passagem para o mundo da inconsciência.
   TESTAMENTO DE ORFEU de Jean Cocteau
E aqui, em 1959, seu último filme. Feito para a TV, é apenas um blá blá blá sobre sua obra surrealista. Tem momentos muito bons, outros bem chatos. Ele foi um grande diretor, mas aqui, já doente, vemos apenas isso, um testamento sendo lido e exibido. Picasso, Yul Brynner e Jean Marais aparecem no filme.

O MACACO MUTANTE

   Ando lendo algumas coisas sobre a origem do homem. Como tudo que se propõe a ser científico, nenhuma conclusão é tirada, e observo que todas as descobertas podem ser ficções, meros desejos transformados em pistas. Mas, se tratados como boa ficção, as tais descobertas são inspiradoras. E é para isso que leio ciência, e tenho lido muito, para aumentar minha criatividade. Essas descobertas, que são na verdade criações, aumentam a percepção de nossa própria invenção. Foi assim com Freud em 1900, é assim com a física quântica hoje; eles abrem possibilidades de novos modos de narrar. E isso, ao contrário do que deseja a ciência, nada tem a ver com a "verdade". São "verdades", outras verdades.
  O símio que viria a ser o homem teria se originado de uma única tribo africana. O que faria de nós todos um tipo de família. As uniões entre irmãos, primos e afins fez com que muitas mutações dessem em nada, mas algumas foram uteis e passaram a ser encorajadas. Essa tribo migrou para onde hoje é a Europa, e na região da atual Hungria, teve um salto evolutivo súbito. A linguagem simbólica passa a ser utilizada. Logo surge a palavra. E com ela o que conhecemos como modo humano de pensar. Essa tribo africana, que agora é europeia, convive com os neandertais, mais toscos, e que desaparecem a seguir. Os homo sapiens se espalham pela Asia, e o resto todos sabem.
  Muito bacana né. Mas porque houve a escolha ninguém explica. Como mutações foram encorajadas se símios mal sabem o que seja "escolher". O que provocou esse súbito salto que fez com que de repente os ainda amacacados passassem a pensar em termos de futuro, passado, escolhas, representações simbólicas, vida e morte, religião e arte... E, o mais perturbador, por que essa coisa de se colocar a Europa como centro do salto simbólico...
  Na realidade acho tudo mera aposta, apenas isso. O que me atrai é entrar dentro da ficção e como se tudo isso fosse um romance, aceitar esse mundo e passar a lidar com ele. Então vamos lá:
  Dentro dessa tribo, não mais que 500 macacos, um nasceu por acaso com forte propensão ao isolamento, outro era hiper agressivo, e uma tinha as mãos deformadas. Desses mutantes sobreviventes se originaram aquilo que chamaríamos de artistas, filósofos e inventores. A história humana se confunde então com algo não muito mais sofisticado que os X Men ou os bruxos de Harry Potter. Legal isso né não...
  Um Ser criador, que fabricou um ser original que deu origem ao homem, e que por seu erro nos fez piores do que poderíamos ter sido, me parece algo bem mais sofisticado ou no mínimo tão crível quanto a tribo mutante africana. Mas se eu endossar esse Ser serei chamado por meus colegas de mais um "mero crente", enquanto que se eu endossar a hipótese do macaco mutante ou do ET emigrante serei muito mais estimulado. Coisas do século XXI, o século sem vergonha onde tudo pode ser levado a sério desde que pareça NOVO.
   Mas é uma bela e estimulante ficção essa coisa do X Monkey!

ESTUDOS SOBRE ARTE- GOETHE

   Não preciso falar do estilo de Goethe, é sempre prazeroso e admirável; mas preciso contar que este livro é árduo. Ler sobre as opiniões de Goethe sobre arquitetura e pintura, escultura e estética, é em seu melhor entender que mesmo uma mente titânica como a do alemão, erra e erra muito; e por outro lado observar que todos somos vítimas de nosso tempo; por maior que seja nosso espírito ele se molda a sua época.
  Goethe começa elogiando a correção dos gregos, depois elogia o exagero gótico e por fim retorna a clareza dos antigos. Beleza para ele é equilíbrio, perfeição é exatidão e nobreza vem do saber fazer. Talvez seja isso mesmo, mas as ideias se repetem a exaustão. E depois ele se contradiz, conscientemente, ao elogiar o caráter alemão gótico.
  Certo é que ele mantém sempre seus olhos em Atenas e isso evita sua confusão.
  Nada prazeroso, este é um livro que, vergonha minha, já joguei fora.

O PRELÚDIO- WILLIAM WORDSWORTH. VIAGEM, CRESCIMENTO E REVOLUÇÃO.

   Se Yeats é o poeta que melhor expressa meu intelecto, então Wordsworth é aquele que fala dos meus olhos. Este poeta, símbolo maior do romantismo, escreveu na virada do século XVIII para o XIX aquilo que meus olhos percebem hoje. Ele olhava. Toda sua poesia é uma grande observação sobre as coisas. E a maneira como ele enxerga é "grande".
  Wordsworth nasceu na região dos lagos, o norte da Inglaterra. Fascinado por tudo o que viu desde cedo, ele passou sua longa vida recordando cenas, descrevendo paisagens, desnudando observações. Das várias ideias sublimes que o poeta teve, talvez a maior seja a de que a inspiração vem da memória e que a impotência criativa pode ser curada ao se relembrar um momento de epifania. Wordsworth nunca chega a ser místico, mas a alma das coisas está sempre presente.
  Nesta obra, longa e colorida, ele, como é seu hábito, caminha. Percorre o norte, mas também anda pelos Alpes, pela França, Londres e Paris. Devemos lembrar que é exatamente nessa época que é instituído o turismo. Wordsworth foi dos primeiros, senão o primeiro, a escrever sobre os Alpes como lugar de lazer, de prazer, de fruição. Depois ele anda pela França e descreve Paris, a cidade em tempos de revolução. O poeta fala do novo tempo, da liberdade, das ruas e das pessoas simples. Uma de suas várias fés e a de que o povo simples está muito mais perto da verdade que os letrados catedráticos. Nisso Wordsworth é profundamente democrático, e assim podemos entender porque Whitman é seu discípulo. Como o inglês mais velho, o americano caminha, ama a estrada e o povo, a liberdade. As diferenças são aquelas de país e de geração: Whitman ama a ideia de democracia, Wordsworth ama a democracia como modo de vida; Whitman viaja para ver gente, Wordsworth viaja para encontrar a verdade; o americano se entrega às pessoas, Wordsworth se dá a paisagem. São irmãos. O americano na versão protestante, da exaltação ao modo do púlpito e o inglês ao modo discreto, a reserva do homem do senso-comum.
  O poema caminha também como uma quase auto-biografia. Ele fala da escola, da vida livre nos campos, das viagens e da maturidade. Reporta a revolução francesa, e também a industrialização de Londres. Se perde na metrópole, vê os tipos, os personagens, volta a sua vida interior, perde a inspiração, a recupera.
  Diário íntimo, relato de excursão a pé, documento histórico. Esta obra, longa e clara, é um dos tesouros do mundo. Ler é um prazer.

ALI

   Uma questão que fica sem resposta desde o século XVII é o que faz um gênio surgir. Mais que isso, o por que de ele nascer exatamente no momento em que nasce. ALI mudou o mundo com sua presença ou o mundo preparou o surgimento de um Muhammad Ali...essa a questão. Na verdade há uma mistura das duas coisas. O mundo em seu desenvolvimento histórico pede pelo surgimento de um homem que ocupe um lugar e cumpra um dever; e nasce uma pessoa que sente, intui e percebe o momento em que vive. Essa pessoa se ergue, levanta a cabeça e segue. Cumpre a missão. Ocupa aquele lugar.
   A geração nascida nos anos 40 é tão especial por ser a geração das oportunidades. Sim, parece um papo muito americano-capitalista, e é. Foi a primeira geração, em toda a história do mundo, a ter livre acesso a informação, a ter tempo livre, a viver dentro dos trinta anos mais prósperos do ocidente. Eles cresceram junto com o crescimento da TV, cinema a cores, rádio, imprensa underground, gravadoras de discos, voos internacionais. Mais importante que tudo, foi a geração que viveu em um planeta onde a maior parte das pessoas tinha menos de 30 anos. Baby Boomers.
   O otimismo imperava, mesmo que irado. É preciso ser um otimista para crer na paz, no direito, no amor. E na igualdade racial. ALI foi tão especial por, assim como Pelé, atender ao chamado do esporte, mas diferente de qualquer outro esportista, a atender também ao chamado de seu povo e de sua época. O futebol precisava em 1960 de um jovem mito. Pelé surgiu. Precisava o automobilismo de um jovem mártir e Jim Clark foi esse cara. Assim como o tênis, o golfe, o basquete, o ciclismo, todo esporte teve seu CARA na explosão da TV. E desse modo, Os Beatles também são filhos desse momento. O mundo queria um mito do rock. Uma fábrica de hits. A trilha sonora de um sonho. ALI se encaixa nesse panorama, mas ele o transcendeu. Foi além do que o mundo queria. Esfregou seu ego, preto e vaidoso, falastrão e sem censura, na cara de todos. Ao contrário de Pelé, Clark, ou mesmo Eddy Merckx, Rod Laver, Palmer e Chamberlain, ALI saiu do mundo da competição esportiva e se fez um porta voz de uma era. Por isso de todos eles é o único que pode-se dizer que mudou mais que sua profissão, mudou um mundo.
  Olhe para um rapper e voce verá muito de ALI. Olhe para Obama e voce verá um filho de ALI. Ele abriu caminho, dividiu mares, e o mais importante, soube unir quando foi preciso. Foi sábio.
  Muita gente no esporte depois de ALI e sua geração tentou ser mito. Para os brasileiros, Senna é um mito. Para os argentinos, Maradona. Para os italianos, Pantani. Mas nada do que Senna falou tem qualquer relevância, nada do que Maradona disse tem seriedade e nada do que qualquer outro esportista disse vai além do prosaico. ALI foi um grande Homem. Muito mais que um boxeador.
  Que Deus lhe dê a paz merecida.

WALT NO SEU DIA DE ANOS

   Walt Whitman é, com Rimbaud e Baudelaire, o mais celebrado do poetas. Portanto no dia de seu aniversário, 31, não me sinto em dívida para o homenagear. Penso que muito mais relevante é dar graças ao mundo que ele amava.
 O mundo aberto, das estradas sem fronteira, onde os caminhos vazios se abrem para quem quiser os percorrer. O mundo das pessoas anônimas, que vivem sua vida corporal, com seus músculos retesados, suor escorrendo, faces sujas de trabalho. A liberdade de ser vários em um, de se contradizer, de negar aquilo que se acabou de falar, de gostar de tudo, de comer, beber e amar o mundo. A vida de Walt é a celebração da vida e é por isso que essa poesia do otimismo, do emigrante, do nativo que sabe estar em seu lugar, moldou os EUA, o país do otimismo institucionalizado. Ao contrário do europeu, sempre hesitante, sempre relativista, o americano bota as mãos e toma posse, constrói, vai adiante sempre, marcha ao futuro, pensa pouco no passado, caminha o caminho adiante, vai.
 A gente nunca sabe se um poeta molda um país ou se percebe a alma de uma nação e a traduz antes de que ela seja percebida. Walt dá voz e estatuto à América. Ele e Mark Twain são o lado solar do país. ( Hawthorne e Melville expõe o lado escuro da nação ).
 Descobrir Whitman quando o descobri foi fundamental para minha vida. Ele me revitalizou, me deu voz, me levou pra frente. Desde então outros poetas eu conheci. Hoje amo mais a Yeats, Keats, Eliot e Stevens. Mas foi Walt que me fez descobrir a poesia. Foi com ele que aprendi a ler poemas do jeito certo. Ele me pariu.