SPOTLIGHT- RON HOWARD- MALICK- ASTAIRE- JUDY- GENE

NO CORAÇÃO DO MAR de Ron Howard com Chris Hemsworth, Cillian Murphy e Ben Wishaw.
Que decepção! O filme tem tudo que gosto: ação, aventura no mar, ambiente soturno, névoa e um tema brilhante: a história de Moby Dick contada para Herman Melville, e não por Melville. Mas tudo dá errado! Posso contar alguns motivos: os efeitos digitais parecem efeitos digitais, toda a ambientação se torna fake; o vilão é fraco, frágil, sem charme; Chris já provou ser OK, mas o personagem é grande demais para ele, caça à baleia é uma coisa intragável hoje em dia... O filme se arrasta. Um monte de coisas acontecem, mas a sensação é de que nada importa muito. Nota 2.
SPOTLIGHT de Tom McCarthy com Mark Ruffalo, Michael Keaton e Liev Schreiber.
Uma coisa legal: Michael Keaton é ótimo. Sempre foi, mas seu ego quase o matou para Hollywood. Coisa ruim: o filme não é nada mais que um tipo de episódio de série policial. O fato de ter ganho o Oscar de melhor filme apenas mostra o quanto o prêmio está desvalorizado. O tema mistura duas coisas que americanos adoram: ver jornalistas como heróis e ver católicos como seres esquisitos.
CAVALEIRO DE COPAS de Terrence Malick com Christian Bale, Cate Blanchett, Antônio Banderas e Natalie Portman.
Me parece que o mundo começa a não mais suportar Malick. O que é uma pena. Escrevi sobre o filme abaixo e vou tentar não me repetir. O filme em seus piores momentos lembra um A Doce Vida raso, e em outras muito fracas lembra A Grande Beleza em versão fake. Há algo também de Asas do Desejo. Ou seja, ele lembra 3 dos filmes mais geniais que já vi. Mas, infelizmente ele se arrasta, claudica, se enrola e se perde. E ao mesmo tempo, ao final, saímos do filme em estado de graça. Ele nos dá quase uma epifania. E notamos que toda as duas horas de cenas que se parecem demais com propaganda chique de segunda, tem uma razão de ser. Atravessamos o filme como Cavaleiros passam pelo canto de Sereias...Se você sabe do que falo, veja o filme.
VER, GOSTAR E AMAR de Charles Walters com Fred Astaire e Vera-Ellen.
Fred é, de novo, um playboy. Ele se apaixona por uma missionária na NY de 1900. O filme foi feito no ponto baixo da carreira de Fred ( 1951 ), quando ele era considerado ultrapassado. Mas surpreendentemente é um filme ok. Tem um belo número junto ao bonde da cidade e humor leve e bobinho, como deve ser. Nada inesquecível, mas bem aproveitável. Nota 6.
CASA, COMIDA E CARINHO de Charles Walters com Judy Garland e Gene Kelly.
O dvd tem um doc sobre Judy e os problemas que ela causou durante as filmagens. O filme fala de um bando de atores que se hospedam na fazenda de Judy. Este foi talvez o primeiro musical que vi na minha vida. Eu tinha por volta de 10 anos e vi com minha mãe e minha tia. Lembro que gostei do clima, senti que um musical era uma fantasia que podia viciar. Visto agora noto que a magia se foi, mas ainda nos emocionamos com alguns momentos. Nota 6.

CAVALEIRO DE COPAS- TERRENCE MALICK

   Perdemos as asas e distraídos por uma poção, esquecemos da Pérola, a joia que devemos encontrar...
  Las Vegas tem distrações. O filme não distrai, mas é cheio de coisas que distraem. Casas, praias, plantas em vasos, muitas mulheres, estradas, propaganda, festas, drogas. O Cavaleiro de Copas cambaleia entre as coisas, o excesso de coisas do mundo. A memória se apaga. Qual a joia...
  O filme cambaleia. Os melhores cineastas existenciais estavam filmando à procura de pureza, de vazio, de liberdade. Malick encontrou tudo isso faz muito tempo, e por isso paga um preço: seus filmes agora se parecem com conclusões e não com construções. Vemos uma verdade sendo exposta e nunca participamos da aventura da procura.
  Mas ele é um poeta. Este filme é seu A Doce Vida ( claro que o filme de Fellini é um infinito melhor ), e onde o italiano achava o mistério, Malick encontra a verdade. Qual é ela: Somos como cavaleiros que se perderam. Mas ainda podemos achar nossa joia, a Pérola. Basta ir atrás.
  Parece simples, e é. Desconfie sempre de filosofias muito complicadas. De Montaigne à Kierkegaard, os melhores são diretos.
  A recompensa que o filme dá vem no fim: duas mensagens: temos muito mais amor dentro de nós que aquele que admitimos dar. E a dor é uma benção por nos afastar do mundo. A dor faz com que vejamos o que importa.
  Longe de ser um grande filme, chato e vazio em muitas partes, ele merece ser visto e entendido. No mundo de espetacular distração ou de dores pornográficas, é bom ver imagens que remetem ao nada.

MEMÓRIAS DE M'BOY- JOAQUIM GIL PINHEIRO

   Estava eu andando pela USP quando encontrei jogado na rua, um livro. Sem capa, judiado. Editado em 1911, março. Uma raridade portanto! E mais incrível, fala da minha região!
  O autor tinha na época um chalé em M'Boy. E resolveu pesquisar e escrever sobre os caipiras que viviam na mais atrasada região da cidade. Em 1911 SP, segundo o livro, crescia rumo a zona norte e sul. As zonas leste e sudoeste eram muito, muito atrasadas. Agora uma revelação, essa tal de M'Boy é aquilo que hoje chamamos de Embú das Artes, uma região que ia, na época, de Embú, Itapecerica, até o Butantã. Estamos falando da região que mais cresce hoje. Uma malha de ruas, avenidas, rodovias, fábricas, bairros pobres e ricos. Estamos falando da USP, do Morumbi, do Campo Limpo, do Taboão, do Jardim Guedala, do Caxingui. E como era tudo isso em 1911...
  Nessa imensa floresta viviam pacas, cobras muitas, onças, veados, cotias e raposas. Apenas 900 pessoas em imensa área. Caipiras rudes, sujos, diz o autor "preguiçosos" que plantavam milho, mandioca e feijão. Galinhas, bois e porcos. Matas virgens e extração de madeira. Carvão.
  É uma viagem no tempo. Tempo recente na verdade. 1911 foi ontem. E como mudou tudo!!!! Não havia estrada, não havia trem, não havia nada. Algumas casas históricas, de 1650, ainda existiam. Casas dos fundadores, dos jesuítas. Foram ao chão. Restou só uma, fica no Caxingui. ( Onde também fica a mais antiga árvore da cidade ). Para quem como eu ama história, esse livro, com a "grafia" antiga e fotos muito estragadas, é um tesouro!

Chris Isaak - Wrong To Love You (MTV Unplugged)



leia e escreva já!

BRÁS, PINHEIROS, JARDINS,3 BAIRRO, 3 MUNDOS- EBE REALE

   Não são as fotos, poucas e bem ruins, o interesse deste livro. É o texto. O autor conta a história dos bairros do Brás, Pinheiros e Jardins, e esses relatos nos entretém por revelar os muitos erros cometidos nesses bairros. O Brás, dos imigrantes pobres, Pinheiros, de índios e caipiras, e os Jardins, dos imigrantes ricos.
   Pinheiros é o bairro mais antigo de SP. Foi fundado junto com a cidade, onde hoje fica a rua Butantã. Lá viviam índios Guaianazes, pacíficos, e alguns mestiços. Mas, ao contrário de bairros mais recentes, Pinheiros passou 3 séculos sem crescer. Por volta de 1800 ele era quase deserto, um conglomerado minúsculo de casas pobres e muita lama. Só no começo do século XX o bairro volta a crescer, lentamente. Olarias, pesca, posto de troca de mulas, vinha de Pinheiros quase toda a areia e todo tijolo usado na construção da cidade. O bairro nascia na atual Dr Arnaldo e descia até a avenida Brasil. Entre a Brasil e o Largo de Pinheiros um imenso vazio, e ao redor do Largo, uma vila ribeirinha. Como curiosidades a Hípica Paulista, cuja sede era onde hoje é o colégio Fernão Dias, as cavalariças ficavam onde agora ficam os prediozinhos de 4 andares ao redor do colégio. Na Teodoro Sampaio ficava uma pista de hipismo que ia até a Brasil e voltava pela Rebouças. Isso até 1935!!!! Outro marco é a fundação da Cooperativa Agrícola de Cotia, que chegou a ser a maior da América do Sul. Fundada por japoneses, ela recebia produtos de Sorocaba, Ibiúna, Itú, Atibaia e toda região. Foi a partir da cooperativa que os bairros do Butantã emergiram. A grande tragédia foi a enchente de 1929, que desalojou o clube Pinheiros e que destruiu ruas inteiras. Provocada pela Light, que abriu suas comportas, o desastre mudou para sempre a topografia da região. A Light ganhou de graça toda área alagada e o rio começou seu longo trajeto rumo à morte.
  Os Jardins são na verdade, em sua origem, dois bairros, o Jardim Paulista e o Jardim América. O Jardim Paulista nasce como bairro de abastecimento. Sua função é dar suporte às mansões da Paulista.   Em suas ladeiras viviam aqueles que abasteciam as mansões de comida, serviços e produtos variados. Enquanto a Paulista tinha até telefone e gás, na Campinas, Lorena, Jahú, havia lama, sujeira e carroças. Com o tempo, a partir dos anos 40, a região começa a abrigar lojas finas, restaurantes e gente rica passa a cobiçar o lugar. A vista da região era a mais bela da cidade. De suas ruas se podia ver o curso do Pinheiros e as matas do Morumby. Mal planejado ( na verdade não planejado ), o bairro constrói mansões e sobradinhos geminados, prédios e bares.
   O Jardim América foi construído nos anos 20 pela companhia City de Londres. Na origem havia a proibição de muros, todas as ruas seriam gramadas, e as ruas sempre em curva. A cada seis quarteirões haveria um parque. O bairro chegou a ser considerado o melhor do mundo, mas com o tempo muito do plano original foi esquecido. Onde existia um parque foi feito mais casas, as cercas e muros chegaram e os gramados despareceram. No seu nascimento a região tinha 3 donos, 3 chácaras que foram vendidas a peso de ouro. Ninguém queria morar lá, a fama do lugar era de lodo, assaltos e insetos. A primeira casa fica na Colombia com Nicarágua, ainda está lá. A partir dos anos 50 o bairro se torna o mais caro da cidade.
  O Jardim Europa foi ideia de um dono de terras português que ficou rico com uma loja na Augusta. Vendo o sucesso do Jardim América, e sendo dono do sítio que começava na Brasil e descia pelos charcos abaixo, ele chamou engenheiros ingleses e dividiu suas terras em ruas à moda do Jardim Paulista. A diferença era o preço. Lotes menores e menos exigências de construção. Para facilitar a venda, ele abriu a avenida Europa, cortando ao meio sua chácara. As vendas foram lentas, as pessoas desconfiadas de ir morar naquela região tão distante. Mas por fim tudo foi vendido. Era então aberto o caminho para os futuros Jardim Paulistano, Jardim Guedala, Cidade Jardim e por fim, já nos anos 50, o Morumbi. Toda a riqueza da cidade acabaria migrando de Higienópolis, Pacaembu e Paulista para a região sudoeste da cidade.
  Essa mudança continua ocorrendo com o rumo sudoeste levando à Lapa, Alphaville e região.
  Um livro raro e interessante.

O MAIOR SHOW DA TERRA

   Eu estava no berço. E minha mãe deixava o rádio ligado, perto. Naquele tempo tocava Roberto, Tom Jones, Hollies e claro, Beatles. Lady Jane eu escutei nesse tempo. Assim como Ruby Tuesday. Eu sei, porque eu as cantava antes de aprender a ler. Eu sei cantar essas músicas desde sempre. São parte de minha vida.
  Minha casa ficava no alto do bairro e lá de cima a gente podia ver um pedaço do estádio do Morumbi. Em dias de jogo a gente ouvia a torcida. E ficava assistindo os carros que passavam. Eu continuava, entre córregos e pastos, a cantar Lady Jane, Ruby Tuesday e uma outra da qual só lembrava o refrão. Eu não sabia que todas eram dos mesmos caras.
  Passaram quase 50 anos desde então. Guerras acabaram, a Lua foi tocada, modas se foram, o tempo acelerou. Hoje os jovens são apressados. E eu continuo aqui, no bairro, e décadas depois eu sei quem eles são. Eles são os caras que criaram 50% do que se entende como rock. O lado sujo, tosco, sexy e infame da coisa. O lado de Dionisio. E assim, eles têm enterrado todos os concorrentes. São eternos. Estão além do tempo.
  Quando toca Simpathy For The Devil, em arranjo que faz tudo o que os Primal Scream levaram dez anos para fazer, eu saio de onde estou. E olhando as pessoas vejo almas que vagam além do tempo. Na verdade não são os Stones que estão além do tempo, todos estamos, eles apenas usam isso melhor. Jagger estar sobre o palco é a atualização do mito de Mefisto. Ele jogará flores para todos nós.
  Keith tem se apagado. Ele se obscurece gentilmente. Nessas horas é bom ser inglês. Eles sabem ser velhos. A velha cara sacana está lá. Os trejeitos. Mas é outro. Sua dimensão é a mesma de velhos curandeiros.
  Minha primeira lágrima foi ao ver Ronnie solar. Porque Ronnie é um cara possível. Ele é daqui, deste mundo. Ele vai no buteco. Ronnie é um face pra sempre.
  Mas Mick é impossível. Ele se fez. Tudo foi um plano feito por volta de 1968. E foi aí que Simpathy nasceu. Andando em Londres ele teve a antevisão de sua vida. E a viveu.
  Eles tocaram a dois quilômetros de meu berço. Eles vieram até mim. Eu fui até eles.
  Continuo careca. Continuo com mamãe. Continuo cantando She's a Rainbow.
  E Brian....bem, tinha um cara na pista vestido de branco com uma cartola preta. A banda ainda é dele não é...

O FRANGO ENSOPADO DA MINHA MÃE- NINA HORTA

   Assim como às vezes amamos a comida simples da mãe, também precisamos de livros como este. Nina Horta, quituteira veterana, escreve curtas crônicas sobre assuntos vários que acabam todos por fim em comida. Ela escreve bem, naquele estilo cheio de sabor calmo, brasileiro, sabor que temos perdido. Festas, casamentos, pratos, lembranças, ruas. Os temas são triviais como arroz com feijão, mas abrem desejos, como arroz e feijão. Posso dizer, e digo, que o livro exala aroma e que a melhor crônica fala sobre o prazer de se ter um quintal com jardim.
  Prazer que entendo. Pra mim um quintal é mais que desejo satisfeito, ele é a fábrica onde aprendemos a desejar.

CRISTIANISMO PURO E SIMPLES- C.S. LEWIS.

   O mal considera que seus atos são o bem. O bem pode às vezes ter dúvidas, teme que o bem que pratica possa ser o mal. Lewis sabe que o homem verdadeiramente bom duvida sempre de sua bondade. Lewis diz que Deus nos deu o livre arbítrio exatamente para isso: o amor e a bondade só podem ter valor se forem conquistas, e não algo dado. Não há valor algum naquilo que em nós é natural. O homem cristão é aquele que nega o que é natural. ( E só nessa frase já cai por terra todo argumento que diz que o erro dos cristãos é serem não naturais. Ora, essa é a própria razão de ser do cristianismo. Sair do que é natural. )
  O homem só pode começar a ser feliz quando abre mão de seus desejos e de suas posses. Essa é mais uma verdade que costuma ser mal lida. Não significa virar escravo ou cair na mendicância. No livro de Eric Clapton isso é bem explicado. É o momento em que reconhecemos que nada sabemos, que não temos mais força, que nada mais podemos fazer. É o momento além do desespero. É quando depomos as armas. Há quem chegue a esse momento de forma gradual, mas os vaidosos costumam chegar apenas após um imenso sofrimento. Foi o caso de Eric. Ele entregou tudo a Deus como forma de dizer: "Chega, nada mais sei e nada mais sou". E então ele iniciou sua caminhada rumo a paz. Imperfeita paz, pois Eric continua sendo humano, claro, mas um humano melhor.
  Lewis diz que não é preciso ser cristão para seguir as pegadas de Cristo. Há quem as siga pensando ser budista, ateu ou até mesmo pagão. Como existem fiéis que nada têm de cristão. O grau de comprometimento está no tanto de descompromisso com sua vaidade e seu orgulho. Quanto mais um homem preza seu ego mais ele sofre. Simples assim.
  Durante a segunda guerra CS Lewis falava dez minutos por noite, na BBC, sobre o cristianismo. A igreja dele era a inglesa, mas ele sabia que as mensagens do bem são dadas em várias fés. Este livro é um apanhado daquilo que ele falou no rádio. Por isso o texto é simples e conciso.
  Lewis explica o mal como um ato de orgulho. Toda maldade tem como raiz esse pecado, o orgulho. O diabo, anjo caído, é aquele que se achou melhor que todos. Toda alma começa a se perder ao se considerar especial, e termina presa na cela da solidão dos vaidosos. Mas não é preciso ser crente para ler este livro. A moral que ele advoga é inatacável. A única derrapada se dá quando ele fala das mulheres. Mas é uma pequena derrapada. Lewis se esforça para suavizar o machismo, e até se sai bem. No resto não há como atacar alguém que crê na bondade, na vida como aprendizado, e na evolução das almas rumo a perfeição.
  Penso que todos vocês, mesmo os ateus, deveriam ler este livro. Não pense que ele vai os irritar ou tentar os converter. Talvez vocês se surpreendam ao perceber que desde sempre suas estradas são as mesmas de Lewis.