De Zorba para Yeats para Montaigne e agora para Chesterton.
  Foi um longo caminho.

JUVENTUDE JUVENTUDE E JUVENTUDE

   Após todos esses posts sobre erotismo, dá agora pra entender porque votei em JUVENTUDE como o filme mais erótico que já vi ?
   Tenho um grande pudor em falar de minha vida pessoal aqui. Mas devo dizer que nada vem por acaso. Faz já um mês que vivo uma intensa relação erótica. Como ela se dá ? Saio com uma menina todo fim de semana. Bebemos, rimos, falamos tudo o que há pra falar. Nos sentimos completamente à vontade um com o outro. Confiamos. 
   Sinto um desejo por ela como nunca senti antes. Não sei se é amor. Tenho pudor em usar essa palavra porque ela não se adapta ao que eu idealizo como musa. Ela é diferente demais de mim. E eu sei que ela também sente desejo por mim. Mas, mesmo bêbados jamais nos beijamos, o que dizer do sexo ? Porque ? Ela está ainda enrolada com seu ex-marido e em sua cabeça não cabe dois homens ao mesmo tempo, mesmo que com um deles não aconteça mais sexo. Mas acontece ainda um fim de relação. E ainda há um filho.
   Não discuto se ela está certa. Já lhe disse que ela é rara. Mas o que nunca disse é que agradeço o que ela tem me dado. Um estado constante de excitação que nunca passa. Tenho vivido este mês em tensão pré-coito ( se voce quiser usar uma linguagem estúpida típica deste tempo brutal ). Na verdade o que vivo é o estado de pleno erotismo. Tudo em mim vive. Minha pele parece mais sensível, vejo as coisas melhor e as pessoas me dizem que pareço mais jovem. Esse o estado erótico. A carne que tende a alma.
   Creio que esta é uma situação rara hoje. Uma pena. 
   Saibam que nada do que aqui escrevo não foi vivido antes. Se falo um elogio a Yeats, aos anjos ou a anarquia é porque vivi isso na vida cotidiana. Não creio em guerreiros que temem se ferir ( Nietzsche ) ou em pessoas bondosas que são egoístas ( Sartre ). Cada vez mais creio no que é simples, bom e principalmente óbvio. E sei que é assim que se pode ser feliz. 

AMOR E AMIZADE- ALLAN BLOOM

   O livro saiu no Brasil em 1996, então não sei se será fácil de achar. Mas procure, é muito bom. Allan Bloom é muito melhor que Harold Bloom ( sem parentesco ). Ele amplia o tema, abrange filosofia, história, arte e sexo. Professor de politica em Yale, morreu em 1993 ainda jovem. O livro fala de erotismo, da sua presença na obra de 4 grandes romancistas ( Flaubert, Tolstoi, Jane Austen e Stendhal ), na filosofia de Rousseau, no teatro de Shakespeare e na vida de Montaigne, Sócrates e Platão. Em posts abaixo falo sobre alguns de seus capítulos. Mas nada pode se comparar aos capítulos finais, textos sobre Sócrates, Montaigne e a belíssima conclusão final do próprio autor.`Dificil citar algum trecho, seu pensamento é construído de forma tão engenhosa que fica impossível destacar algum trecho sem destruir a clareza do que é transmitido.
   Para Bloom, a amizade é alma falando com alma. O amor é a carne se transformando em alma. Amizade é voz e ouvido, amor é olho. Impossível amar sem a participação da beleza física, a amizade esquece a aparência. Quanto maior a participação da alma maior o erotismo no amor e nele existe o amado e o amante, na amizade só há amigo e amigo. 
   A alma... Bloom arma uma surpresa no final do livro. Ele passa toda a obra comentando os autores e sem dar nenhuma pista sobre o seu pensamento. No fim, a forma como ele defende o amor é simplesmente desarmante. E também é desarmante a maneira como ele lê Nietzsche. O filósofo alemão paira em toda a obra assim como Kant e Heiddeger.
  Bloom analisa cinco peças de Shakespeare, e sem o deslumbre do outro Bloom, ele fala que o bardo era acima de tudo um observador. Mais que isso, Shakespeare e Nietzsche têm muito mais a dizer sobre o homem que qualquer gênio da psicologia moderna. Porque o objetivo do artista verdadeiro é dar ao homem seu potencial máximo, único, eles percebem cada homem como um universo, já Freud, burguês sempre, tinha como norte a transformação da diversidade em tábula rasa, dar ao complexo a simplicidade clara de uma equação. Isso é empobrecedor. Um bom burguês mira-se no pior para tirar daí a lei geral, porque não se mirar no melhor?
   Se cada um de nós é, como se fez moda dizer, um personagem de Kafka, de Beckett ou um neurótico de Freud, porque não dizer também que cada um de nós é um pouco Shakespeare, Nietzsche ou Montaigne? O impulso burguês é sempre reducionista. Transformar o mundo em seu espelho medíocre. Reduzir Shakespeare a seu tamanho diminuto e nunca tentar se erguer as alturas de Shakespeare. 
  A igreja, por erros terríveis cometidos, foi justamente atacada pelo iluminismo. Derrubou-se sua autoridade e com ela tudo aquilo que ela detinha. Ora, assuntos da alma humana eram de exclusividade religiosa. Sovina, a igreja retinha textos e o privilégio de ter a última palavra sobre espírito, alma e transcendência. Ao ser colocada de lado, colocou-se os assuntos da alma também de lado. Em um erro absurdo, porém compreensível, tudo o que se referisse a alma passou a ter odor de igreja, de repressão e de conformismo. Para o século XIX, falar em espirito era falar em passado, o passado cristão. A igreja do burguês é uma igreja onde não existe alma. É uma igreja prática, onde se firmam contratos e se apagam as faltas.
   O que tudo isso tem a ver com o erotismo? Sem alma não existe erotismo. Sem a presença do espirito, o sexo fica reduzido a biologia. Queremos porque precisamos procriar. Apenas isso. Amamos aquela mulher porque nossos genes assim o querem. Ou seja, deixamos de obedecer a Deus para obedecer aos genes. Reducionismo maior é impossível. Do Sem Limite e Sem Tamanho, caímos no diminuto. A lógica dirá, óbvio, que os dois extremos se excluem.
   A alma ansia por falar. Por se expressar. Amamos na esperança de poder unir o impossível: alma e carne. Esse o prazer erótico. A expectativa da perfeição. O belo sublime poder ser encontrado aqui e agora. Fora disso o que temos é pornografia, violência e incivilidade. Bloom diz que a existência de Deus é discutível. Mas a Alma existe. Basta conhecer um pouco de música, de poesia para saber disso. Nada há de biológico na arte. Negar isso é chafurdar na lama, que é o que temos feito.
  O mais lindo momento do livro fala de amizade. A amizade de Montaigne com La Boétie. Para Bloom, a amizade verdadeira é mais rara que o amor. Apesar do amor ser muito mais forte. Certas frases de Montaigne, a inevitabilidade da amizade, o prazer sem fim de conversas livres, tudo isso exala beleza. E o belo acaba sendo o problema central do erotismo. 
   Ele existe? Ou o belo é uma convenção social? Pessoas tendem a dizer que o belo é variável. Que o que hoje é feio pode ter sido belo um dia. Welll...
   Assim como Alma sempre houve em toda cultura ( não se conhece uma só cultura atéia ), coragem, justiça, bondade e equilíbrio sempre foram características da beleza. Há um certo prazer frouxo em se relativizar tudo. Temos a tola sensação de que relativizar é ser mais complexo e mais inteligente. Uma grande asneira. Relativizar abole os parâmetros de julgamento e na verdade paralisa o pensamento e o debate. Sabemos o que é belo. Sentimos e intuimos isso com a alma. Sabemos que Mozart é belo e que um matadouro não é. Sempre soubemos que a beleza decantada da guerra pode existir se pensarmos apenas em coragem e honra. Mas sabemos que corpos dilacerados nada podem ter de belo. Podem ser uma crítica, um testemunho, mas não beleza. 
   Porque beleza é erotismo. Beleza é aquilo que nos falta e miséria temos muitas. Beleza é a vitória sobre a dor, o tempo, a morte e o medo. Ela nos recorda nossa alma e nos leva fora da carne. Beleza nunca se engana. Eros é esperteza.
   Admirável livro.
  

SEXTA-FEIRA SANTA. PARA VOCÊ.

   Ninguém trabalhava na sexta-feira. Aliás, até padaria fechava. Nada de consumo, as pessoas conseguiam ficar um dia inteiro sem gastar um tostão. Lembro de ter ido a igreja nesse dia. E de ficar apavorado com aquelas mulheres de véu preto chorando sem parar. As carpideiras. No centro da igreja lotada ficava o corpo morto de Cristo. E eu, criança, morria de medo. Pensava que era um defunto verdadeiro. O calor e o cheiro de velas e de flores me prepararam para meu primeiro velório: o de meu pai, quarenta anos mais tarde.
   Hoje os pedreiros trabalham o dia inteiro na casa aqui em frente. Pessoas fazem compras alegremente. Alguns evitam comer carne, mas eles nem sabem direito o porque. O mundo não pode parar e um Homem que morreu a dois mil anos não pode fazer mais milagres. Na igreja católica o clima é sempre de algo que morreu e não quer aceitar o fato. Católicos hoje se parecem com comunistas, com idealistas e hippies. Morreram e insistem em assombrar. O padre não sabe ser Pop, e não tem mais o maravilhoso ar de erudição da velha igreja. Tenho dúvidas se ele leu Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e Platão. Minha religião fala latim.
  No local onde trabalho as crianças não sabiam que sexta seria feriado. Quando respondo que sexta é Sexta-Feira Santa elas me olham com cara de "E ? ".  A união de homens de negócios, ateus bem intencionados e ciência eufórica matou a igreja no século XIX. Hoje ela é apenas mais um dos muitos bazares que nos distraem do tédio infindável. Moral e código de conduta foram abolidos, ótimo, mas o que se colocou no lugar? Derrubou-se Pai, Mestre e Herói, para que mesmo? Para sermos felizes? Ou para podermos trabalhar em paz? E fazer compras por todo o ano?
   Tente pensar por um minuto naquele que se deu por voce. Seja seu pai, seu avô ou O Homem que se Disse Deus. Tente não ser mais um a passar pelos ritos da Vida com um sorriso bobo de máquina de consumir e de se consumir. 
   É isso.
 

TOLSTOI E JANE AUSTEN, O ENCANTO DO REAL E A SEDUÇÃO DO EXAGERO

   O romantismo vai a falência porque ele se torna fraqueza e não mais sinal de força. A natural tendência humana a facilidade transforma o que era coragem em acomodação e o desafio vira preguiça. O pensamento burguês vence. O homem é uma fera, egoísta e individualista, no mundo é cada um por si. O artista diante desse fato ( ele não tem mais ânimo para ir contra o senso comum, que no capitalismo se torna a fé no individualismo e na disputa ), abre mão do desejo pela beleza via erotismo. O que ele faz? Aceita esse mundo material e entra numa triste competição. A arte do século XX passa a ser uma corrida pelo feio. Quanto mais feia e terrível a obra for mais verdadeira ela é. A vida, vista como mera mercadoria, portanto futil e sem grande valor, passa a ser um pesadelo. O sexo é mero gozo sem transcendência e a literatura um coro de ressentidos. A arte é um retrato de uma vida que vale quase nada. A criatividade só é válida se criar pesadelos.
   Allan Bloom tece esse retrato após analisar Tolstoi e Austen a luz de Eros. Ele demonstra o lado mais problemático de Tolstoi. Começa dizendo que sua geração viu Tolstoi como o guia para a vida. ( Bloom nasceu em 1930 ). Mas relendo Anna Karenina, 35 anos depois, ele percebe que o livro mais que um romance é uma pregação sem fim. Tolstoi prega Rousseau. Tenta unir a familia oa erotismo, critica a Rússia européia modernizada à força e elogia a Rússia camponesa, eslava, simples, pura, natural. É o mesmo discurso de Putin. Tolstoi não morreu. 
   Anna morre porque ela representa a Rússia que acreditou na Europa e Lievin sobrevive por ser o bom russo, o homem rico que descobre a sabedoria do povo. Lievin é Tolstoi. A grandeza do romance reside no fato de que Tolstoi se trai, se apaixona por Anna e acaba fazendo dela uma força irresistível. Ela engole o livro. Anna Karenina é uma enciclopédia sobre todo o mundo, sobre toda a vida e sobre a falência do romantismo. Ao contrário de Stendhal, que em nada acreditava, Tolstoi crê no Deus da natureza, o Deus da reprodução. Todo o livro é construído para enaltecer Lievin, mas acaba sendo de Anna. 
   Jane Austen nada tem dos exageros de Tolstoi e nem da ambição de Stendhal. Ela aceita a vida como ela é. E por isso, apesar de ser a mais antiga dos quatro gigantes ( Stendhal, Flaubert e Tolstoi ), ela é a mais próxima da nossa vida de hoje. Irônica, ela acena sempre com a sabedoria de quem enxerga todo o ridiculo da vida, mas ela compreende que instituições são necessárias para a vida. Ela sabe que Eros é indomável, mas que ele deve ter um canal por onde fluir e esse canal se chama compromisso. Os casais se analisam, testam, pesam, pensam e aceitam ou não. Familia e dinheiro é o que os move. Austen evita tocar em politica e em igreja, eles são fatos estabelecidos. Inglesa ao extremo, ela é prática. Seu mundo é aquele em que ninguém é herói e ninguém é muito mal. As pessoas têm limites claros. Eros acaba sendo a força que lhes salva do tédio e do vicio. 
   Burguesa? Não porque Austen se coloca fora desse mundo. Suas heroínas são sempre inconformistas, mas lidam com a vida como ela é e não como querem que ela seja. Não sonham, se viram. Esse o segredo do encanto de Austen.

MADAME BOVARY DE FLAUBERT, O BURGUÊS E O ROMANCE

   A façanha do nobre só tem valor se for um risco absoluto. Se o risco envolver a perda da vida ou da fortuna. A façanha do burguês é o aumento de sua segurança. Ele detesta o nobre por sua irresponsabilidade. E tem inveja de sua segurança irresponsável. Uma contradição.
   O século XIX criou o burguês. O século XX fez dele opção principal. No século XXI ele é modelo único. Todo valor burguês tem por objetivo a segurança. Por isso seu principal interesse é a medicina. Ele ama a higiene, os remédios, o spa, as receitas de boa saúde mental. Idolatra o regime, a ginástica, o bom clima. Condena tudo o que fala de risco: a promiscuidade, a sujeira, a guerra, a exaltação, a falta de controle. Sua igreja é aquela do bom tom. Nada dos exageros da fé medieval. É uma religião sem milagres e sem punições. Assim como sua politica é a do possível. A poesia burguesa fala do amor como coisa fisica. Palpitações, febre e excitação. Será um amor de pombinhos e depois, hoje, um amor de motel. Sempre físico. Uma ginástica da boa disposição. O burguês ama acima de tudo o progresso. Porque ele promete dinheiro, saúde e vida longa. Tudo nele se mede em números. Muitos anos de vida significam vida boa. Muito dinheiro significa sucesso. Várias amantes quer dizer satisfação. O que se mede e se conta merece apreço. O resto é romantismo.
   Flaubert odiava esse mundo. Ele odiava seu mundo. Seu tempo foi o tempo do hiper-burguês, o burguês em sua máxima confiança. Eles tinham a certeza de estar construindo o paraíso na Terra. Amavam tudo o que era científico, desprezavam o passado e tinham o prazer de zombar de igreja, monarquia e poetas. Falubert os odiava. E pior, sabia que os românticos, seus adversários, também estavam perdidos. Bovary é essa romântica. Ela ansia por amor erótico. O orgasmo não lhe interessa. O que ela quer é Eros, ritual, beleza, transcendência. Cega, ela se deixa envolver por cada conquistador que encontra em sua vida vazia de mulher casada. Tenta ver neles o mundo por que ansia. Flaubert nunca foge do mal. Bovary cai no vazio absoluto. A vida vai perdendo lentamente seu encanto. Eros partiu e tudo agora é feio, reles, sem sentido, burguês. Ela se suicida. Lentamente de forma dolorosa. O livro, o mais terrível que já li, é desagradável. Crú.
  Flaubert disse que Madame Bovary é ele. Sim. Só que ela não sabe de seu mal. Flaubert sentia a vida como Bovary a sente. Mas sabia o porque desse mal. E criou uma obra-prima. Ele descreveu a mediocridade de politicos cheios de si, de cientistas balofos, de padres sem fé e de homens que viviam pelo sexo. Bovary, tola criança que ainda acreditava em Eros, morre seca e envenenada nesse mundo sem ar. 
  Flaubert, o mais amado escritor pelos escritores,  era terrível.

O VERMELHO E O NEGRO DE STENDHAL, NADA MAIS A DIZER SOBRE O AMOR.

   Pascal sempre foi o enigma, o nó do pensamento francês e um de seus postulados é aquele que diz que sem Deus o tédio se torna absoluto. Stendhal é ateu, e sabe que existe uma ânsia dentro do homem que nada de físico pode preencher. O burguês foge dessa ansiedade satisfazendo todos seus desejos. O homem superior sente essa vontade e corre o perigo de perder todo o interesse pelo mundo. A melancolia e o tédio se fazem seus companheiros. Porém existe um modo não religioso de resolver esse vazio, o amor entre homem e mulher. O erotismo.
   ( Faço aqui um adendo:: Rousseau disse que a alegria plena pode ser vivida ao se conseguir transformar o dever, que nos é dado pela sociedade, em desejo individual. O dever de procriar e ter uma familia se torna um jogo erótico de desejo. Dever que se faz desejo assumido individualmente pelo homem. Hoje não acontece exatamente o oposto? O desejo não se transformou em dever? )
   Para Stendhal o amor erótico é um modo de se substituir o impulso da religião, de se alcançar o sublime. Mas, para se poder alcançar essa altura é preciso uma grande dose de amor-próprio, aquela estima a si-mesmo que faz com que o egoísmo natural a todos nós se transforme em vontade de ser reconhecido. Esse desejo de ser reconhecido, reconhecido como ser único, se direciona a pessoa amada. Ela, por ser única, deverá reconhecer o amor de quem a ela se dedica.
  Allan Bloom ama Stendhal. Como eu também penso, nenhum autor jamais soube com tanta arte falar sobre o amor para aqueles que amam. Ele jamais é meloso, seu texto é incrivelmente veloz, objetivo. As coisas acontecem com rapidez e em poucas páginas já conhecemos os personagens e por eles estamos seduzidos. Julien Sorel, em O Vermelho e o Negro ama Napoleão. Vindo de meio medíocre, ele em ódio por burgueses, que vivem acomodados na busca do prazer simples, e pela aristocracia, que não o aceita. Por vingança ele seduz a esposa de seu patrão. A conquista como Napoleão, por amor a si-mesmo. Se surpreende ao perceber que ela realmente o ama e ele se derrete no sexo cheio de erotismo dos dois. É descoberto e foge. Seduz a filha nobre de seu próximo empregador. Ela, intelectual revoltada, arma com ele um jogo de poder. Na verdade os dois disputam a liderança, quem é o escravo e quem é o senhor. Um acidente ocorre ao fim, e não irei contar o final. O que posso dizer é que Julien morrerá jovem e Stendhal tirará desse fato toda sua filosofia. O que vale é viver. O burguês vive para viver longamente, o homem superior vive intensamente, sem se preocupar com duração e sim com qualidade. Julien morre feliz, no cadafalso. porque morre conhecendo o amor, pleno de gozo e de certeza de ter vivido.
   Não conheço livro mais alegre, nobre, cômico, erótico e romantico.

O ACORDO ENTRE O DESEJO E O DEVER

   Na luta interna entre o desejo e o dever ( o dever é a sociedade e o desejo é o natural estado do homem, o homem da natureza ), o homem encontra uma saída do conflito, a Imaginação. Ele passa a criar saídas do conflito, a principal delas sendo o Amor. 
  O amor é portanto uma invenção. Imaginamos que o ser amado seja especial, único e imaginamos que esse amor nos faz também melhores. Acontece então o Erotismo, passamos a amar o amor. Se a castidade nos foi imposta pela igreja e se o casamento é instrumento de manutenção do estado, "Passamos a Dever Amar a castidade e o casamento". Amamos o Dever, e essa é a grande altura sublime do Amor Erótico. O dever se torna uma escolha. O dever passa a aumentar nosso AMOR-PRÓPRIO. Nos estimamos por conseguirmos cumprir o maior dos deveres, Amar.
  Essa a grande sacada de Rousseau, O Amor erótico, entre homem e mulher, como o grande prazer do indivíduo e ao mesmo tempo como forma de se reconciliar dever e desejo. Se hoje isso nos parece óbvio é porque todo o século XIX foi tomado por essa certeza. No século XX, a partir da moda freudiana, toda imaginação passa a ser vista como mentira e o amor ao dever como neurose. Se reduz o erótico ao simplório e o amante do amor é agora uma besta. O caminho fica aberto para a volta do sexo como mecanismo animal, um tipo de necessidade puramente física e a pornografia como a tal Verdade. 
  Mas de 1800 até mais ou menos 1910, Rousseau foi a verdade. E não por acaso é a época de ouro do romance. As pessoas liam romances como hoje se lê auto-ajuda. ( Observe a diferença de qualidade !!! ). Eles ensinavam as artes do erótico. O grande tema da vida NÃO era ganhar dinheiro, era a relação homem-mulher. Nessa relação se via o sentido da vida. 
  Tudo devido a Rousseau. 
  Interessante observar que a prova da intuição certeira de Rousseau é que, como bem lembra Allan Bloom, é que continuamos, em 2014, querendo falar e aprender as coisas do erotismo. Mas, após tantas doses de pornografia, materialismo e desencanto, estamos fadados a um ambiente que NEGA todo o tempo o erótico. Eros morreu com Deus. O que restou foi uma difusa nostalgia do amor. Ouvimos então canções que tentam falar de alguma coisa tão distante como um dinossauro, o tal amor. O homem é o mesmo. Debaixo de tanta teoria continuamos tentando harmonizar o desejo com o dever. E imaginamos que o amor romantico seja essa saída. Observe bem, Imaginamos pois. Estamos proibidos, hoje, de crer que imaginar é a verdade do amor. Amor que não se imagina, amor real é pornografia e pornografia é o retorno do bicho.
  O que nos faz humanos é a imaginação. Sim, pode chamar de ilusão. Nós a criamos, ela é nossa, humana.
  Admirável Mundo Antigo, quando irás voltar? Nunca mais, essa a nossa maior dor.

Thelma Schoonmaker, A Matter Of Life And Death (+playlist)



leia e escreva já!

O EROS DA VIDA

   Vivemos então essa divisão. De um lado o selvagem, um homem que deseja e vai atrás daquilo que quer, e de outro aquele que para poder viver dentro da sociedade aprendeu a controlar seu impulso. Rousseau sabe e fala: Não temos como saber o que seria esse desejo primordial. O homem original está tão distante de nós que é impossível sequer imaginá-lo. O que podemos saber é que a religião, a politica e todo dogma é um modo de civilizar esse homem. Mas há um exagero nisso. Ao transformarmos religião em igreja matamos todo impulso puro e criativo do ser, ao transformarmos politica em fanatismo fazemos o mesmo e assim também acontece com todo dogma, seja científico, filosófico ou educacional.
   A criança é puro egoísmo. Ele quer e quer agora. Ela quer proteção e comida e provávelmente esses são nossos impulsos mais fortes. Corpo. Na puberdade irrompe o sexo e a cabeça passa a pensar TODO O TEMPO em sexo. É nesse momento que a educação se mostra mais desastrosa. No momento em que tudo no jovem se volta para os mistérios do amor e do sexo, tudo o que se lhe oferece é conhecimento frio e anti-sexual. ( Um adendo à Rousseau é dizer que no século XXI o que se oferece é pornografia, violência e educação sexual dada por frios mestres assexuados ). Voltando a Rousseau, toda educação nessa idade deveria vir acompanhada do conhecimento da sedução. Mestres DEVEM ser sedutores. Carismáticos, envolventes, o aluno precisa compreender o mecanismo do agrado, do prazer, do que seja conviver civilizadamente com o desejo. Isso é o erotismo.
   O erótico é o meio de se tentar harmonizar o homem primitivo ( um estuprador ) com o homem civilizado ( um pensador ). No ritual do deus Eros, em todo discurso erótico ( e não existe erotismo sem o dominio do discurso de Eros ), o que se vê é o prazer de um acordo, o acordo de paz entre o muito básico e o muito complexo, o simples e o confuso, aquilo que é pura carne e aquilo que é espírito. É na puberdade que o jovem tem a chance de criar seu espírito, voltar-se para as coisas da alma e SUBLIMAR seu desejo ( não no ralo sentido de Freud, mas no sentido do SUBLIME, ou seja, transformar o banal em algo individual ). Pois Eros cobra que cada um crie e dê vida a sua individualidade e nada é mais contrário a uniformização do tempo moderno.
   Pois o homem erótico não se conforma a ser soldado, a ser um membro da igreja, a ser um simples caso da ciência. Ele se cria, se faz e se dá ao amor. Do seu modo. Dentro do possível. A pobreza do discurso cria homens sem erotismo, presos dentro da banalidade do ordinário. 
   Allan Bloom usa 130 páginas para falar dessas teorias de Jean-Jacques Rousseau. E deixa claro que não concorda necessariamente com todas. Mas fica muito claro que Bloom concorda com aquilo que aqui transcrevo. O livro se chama AMOR E AMIZADE e precisa ser lido. Ainda não o terminei, leio-o com vagar numa relação erótica com o texto e o papel.
  Sublime, não?

EROTISMO, ALLAN BLOOM, ROUSSEAU

   Voce pode fazer uma pesquisa e divulgar os dados de quantas trepadas a população dá em média por mês. Voce pode até mesmo tabular quem teve orgasmo. Quem é hetero, gay e bi. Mas voce não tem como perguntar ou responder NADA sobre o erotismo. Sexo se aplica a pesquisa científica, erotismo nunca. Porque sexo pode ser reduzido ao ato sexual. Erotismo é o que?
  No mundo da ditadura cientifica, o sexo, como tudo o mais, é reduzido. A ciência trabalha com quantidades e com medidas, o sexo pode ser simplificado ao máximo e reduzido ao que se pode medir e contar matematicamente. O erotismo não. Na verdade, no mundo da ciência, Eros nem sequer existe.
  O relatório Kinsey começou o trabalho de morte do erotismo. O sexo foi colocado a luz e tudo se reduziu ao comum. Todos passaram a pensar em ser como todos. Se vinte por cento são assim, eu também posso ser assim. Mais, o homem jogou o erotismo no lixo e passou a seguir a massa: saudável é ter cinco orgasmos? Eu os terei !
  Freud nos brochou antes. Pensou que criatividade fosse sublimação, quando na verdade criatividade é ser humano. Sublimação é palavra criada por Rousseau e seu sentido vem de sublime. Sublime é o ato, apenas e tão somente humano, de se tomar um ato físico ou uma coisa e torná-la sublime, mais do que aquilo que ela é na natureza. É quando o homem se apropria de algo natural e o torna humano. Seja dando contornos de deus ao mar, sendo fazendo de mármore uma obra de arte ou transformando uma necessidade física, como o sexo, em algo sublime, o erotismo.
  Nosso tempo vive o capítulo final deserotização do homem. Mulheres esqueléticas ou bombadas, homens meninos ou frágeis demais. Pornografia. Aulas de sexo seguro. O orgasmo discutido com a mãe no café da manhã. Esquecemos que o sexo nivela os homens aos bichos, e que o erotismo nos define.
   O bicho trepa. Com qualquer fêmea. O homem imagina. Pensa ser aquela mulher a única. A única que poderá lhe dar prazer verdadeiro. E para ela, ele cria música, poema e luta para ser mais sedutor. Ao contrário dos bichos, o gozo passa a ser secundário, toda a história é um grande prazer. Ele imagina e a imaginação é o homem. 
   Rousseau antecipa o amor burguês. O amor viria a ser um contrato. Muito mais próximo de um advogado que de um poeta. Ele sabia que Eros era questão de amor-próprio. Que o homem vivia pelos olhos dos outros, que o amor-próprio dependia do que ele pensa que os outros pensam de si. E que no erotismo o homem joga com aquilo que ele imagina que ela seja e aquilo que ele imagina que ela sente por ele. Politica enfim. Rousseau sabia que quando a politica morresse o erotismo iria junto. ( Hoje politica é pornografia. Há quanto tempo não se ouve um discurso que signifique alguma coisa? ). 
   Sedução é dar espaço a que o outro imagine algo sobre nós.
   ( Há quanto voce não vê um belo beijo em um filme? ).
   Animais vivem no amor -por-si. Amor por sobreviver e sem levar em conta a opinião dos outros sobre ele. Um cachorro não pensa no que a cadela acha ou sente sobre ele. Nós sim. Até quando? 
   Nossos mestres em amor são cantores de funk. Ou intelectuais que nada sabem sobre Eros. Sabem apenas teorias reducionistas que mecanizam tudo. Como faz a pornografia. 
   O amor deve ser ensinado por aquele que ama. Simples assim. Pelos seres eróticos, pelos grandes amantes, pelos sedutores. 
   PS- Não à toa o melhor livro sobre erotismo que já li foi escrito por Frank Sinatra.

O MESMO HOMEM. NO AMOR E NA GUERRA. EVELYN WAUGH E GEORGE ORWELL, BIO ESCRITA POR DAVID LEBEDOFF.

   George Orwell era um solitário. Um socialista que odiava o comunismo. Para os comunistas era então um direitista e para os conservadores era um comuna. Ateu, era excluído do hall dos crentes, mas defendia a igreja e assim era ridicularizado pelos ateus. De origem classe média, culto, sotaque e modos de cavalheiro, era um estranho entre os pobres e um plebeu entre os ricos. Viveu uma infância muito feliz, segundo ele conheceu o paraíso, e a partir da adolescência conheceu a crueldade do sistema de classes inglês. Foi estudar em Eton, a mais exclusiva e elitista das escolas inglesas. E lá foi tratado como subalterno. Entenda, o pai era bem de vida, mas não tinha origem aristocrata. Orwell, que na verdade se chama Eric Blair, passou a lutar toda a vida contra esse sistema. 
  Não quis Oxford e foi servir na Birmânia. Em solidão, no meio da selva, cinco anos. Pegou tuberculose. Voltou e vagabundeou pela Europa. Lavava copos e restaurantes de luxo. Escolheu ser pobre. Foi voluntário na revolução espanhola. Ao contrário de Heminguay, lutou de verdade. Se feriu. E percebeu que os comunistas eram tão ruins quanto Franco. Foi perseguido pelos comunas espanhóis por ser socialista. Conseguiu fugir com a esposa. Milagrosamente. 
  Ainda conseguia tempo para ler uma média de quatro livros por semana. Entre seus favoritos estava Waugh. Começou a escrever. Não conseguia vender. Artigos que estão entre os melhores de sempre. Se isolou em casa de campo. Lança A Revolução dos Bichos. Enorme sucesso. Perde a esposa para a doença. Logo depois de terem adotado um filho. Com esse filho, que ele adora, vai para uma ilha da Escócia. Uma ilha fria, agreste, deserta. Sua tuberculose, claro, piora. Lá escreve 1984. 
  O filho brinca livremente. É feliz. Volta após 4 anos para Londres. O novo livro vende aos milhões. Morre de tuberculose aos 46 anos. Seu filho se torna fazendeiro. Se forma em agricultura. É feliz. E tem orgulho de seu pai. Orwell escolheu a vida que teve e por isso foi realizado. Jamais se arrependeu de nada. Quis viver na "realidade social", foi 24 horas por dia um "homem politico", e escreveu, segundo Lebedoff, um livro muito melhor que Admirável Mundo Novo, de Huxley ( que foi seu professor em Eton ). Orwell antecipou o que seria o mundo dominado pela esquerda. Huxley antecipou o mundo da direita. Nosso mundo atual é uma mistura dos dois. 
  Orwell, como Waugh, amava o passado, detestava o presente e temia o futuro. Mesmo sendo ateu, Orwell pensava que toda a civilização ocidental fora edificada pelo cristianismo. Se a igreja cristã fosse retirada do mundo, se os homens parassem de se guiar pela esperança em outra vida e pela transcendência, se eles passassem a ver a vida como apenas um eterno tempo presente, sem futuro além e sem passado relevante, a moral se tornaria relativa e tudo seria reduzido a satisfação de desejos corporais imediatos. Viver se tornaria satisfazer o corpo. A vida seria estar vivo e nada mais que isso. Cada ato se faria um ato gratuito. Um instante sem história e sem repercussão. A queda de Deus e do espírito faria da sociedade um bazar. Onde tudo vale em nome do prazer. 
  Orwell nunca deixa de apontar os crimes da igreja, mas diz que sem ela esses crimes, como mostrou o nazismo, seriam ainda piores. Sem a ideia de vida maior, de pós e antes da vida, o homem se vê vazio, entediado e sem porque. Orwell, que não tinha fé, se via assim? Não, porque ele abraçava a moral racional da igreja. A justiça, o bem e a bondade, sem relativismo algum. 
  Vale dizer que mesmo muito doente Orwell fez de tudo para lutar na segunda-guerra. E como Waugh, ele percebeu que apesar de derrotados, o mundo do pós-guerra seria o mundo do totalitarismo. Falarei mais dessa verdade após falar de Waugh, alguém tão diferente de Orwell e que Lebedoff vê como um igual.
  Evelyn Waugh ( Evelyn na Inglaterra é nome masculino ), nasceu também em familia classe média. Mas não foi para Eton. Foi para um colégio pouca coisa pior. Seus modos não eram tão bons quanto os de Orwell e sempre foi um aluno ruim. Sarcástico, ele era o baixinho enfezado. Lider de gangue. Entrou em Oxford e lá ele se deslumbrou. Decidiu ser o "homem mais alta classe da Inglaterra". Fez amizades com as familias mais exclusivas, se vestia como um dandy, sabia tudo sobre vinhos, cavalos e tradição. Festas e bebidas. A imagem que se tem de Oxford se deve a Waugh. E Oxford só foi Oxford nos tempos de Waugh. Jovens de sangue azul, cheios de dinheiro, dando festas e fazendo de tudo para não se entediar.
  Festa de Mozart, festa dos travestis, um dia na Idade média, festa de mendigos... Arruaças de rua, brigas, festas que duravam quatro dias inteiros. Waugh achou que era um deles. Mas um dia um professor, irritado, disse a verdade. Que ele não passava de um "homem de negócios", um vulgar inferior. No mundo de Oxford de 1920, nada era pior que gente que lidava com dinheiro. Waugh ficou tão bravo que passou a perseguir esse professor. Acabou com a sanidade dele. Sério! Esse professor acabou no hospicio.
  Devo dizer que antes de tudo isso Waugh tentou lutar na primeira guerra. Mas tinha apenas 14 anos!
  Ao contrário de Orwell, Evelyn Waugh se tornou famoso muito jovem e logo em seu primeiro livro. Para Lebedoff ( para mim também ), ele é o melhor escritor inglês do século XX. Em seus livros ele satiriza o mundo. Usando o humor ( menos em Brideshead, seu livro sério ), ele desmascara o novo mundo, mundo onde o dinheiro e a vaidade imperam. Ou seja, são os mesmos alvos de Orwell mas usando outra arma. Todos os livros de Waugh vendem muito bem e sua fama atinge o mundo inteiro. Mas eu disse que ele queria ser o mais alta-classe dos ingleses. Conseguiu?
  Sim. Ele desejou e conseguiu se casar com a herdeira do brasão mais exclusivo do país, uma autêntica Herbert. Com ela teve seis filhos e foi um pai ausente porém amado. Muito rico, se tornou a imagem do inglês dono de terras, gordo, de tweed, cachimbo e sorriso. E em Brideshead adivinhou, como Orwell, que o mundo que conhecera fora vencido pelo totalitarismo. 
  O mundo que eles conheceram era injusto, eles lutaram contra a divisão de classes. Mas esse mundo tinha uma vantagem, ele tinha alvos claros e se podia lutar contra eles por serem claramente injustos. No novo mundo os alvos seriam camuflados e o conformismo iria imperar. Pão e circo. Seria um mundo em que o objetivo único seria satisfazer o corpo e distrair  a mente. Acalmados, indolentes, as pessoas passariam a confundir felicidade com prazer. 
  E quais seriam os lideres? Aí vem o pior, Seriam os rancorosos. Os invejosos, os revanchistas. A classe, terrível para Orwell e para Waugh, dos especialistas. Gente "competente"que saberia tudo de administração, de economia, de sociologia, e nada sobre a vida. Se um aristocrata usufruia a injusta segurança de nascer em berço de ouro, ele ao menos tinha a vantagem da honra, de não poder sujar o nome da familia e de sentir um certo dever a sua tradição. No novo mundo a tradição e o dever são abolidos. Mata-se o passado e o dever é apenas aquele de produzir mais prazer. Sem passado não se tem lealdade a nada e a ninguém. O especialista deve contas apenas a sua ciência, nunca a gente real. É o mundo totalitário, onde tudo é feito pelo 'BEM"de todos, onde o AMOR impera. Como lutar contra burocratas sem rosto? Como ir contra quem só fala em bem e amor? Como inflamar uma população que não pode abrir mão de seus brinquedos? Eis o mundo que Orwell, Waugh e Huxley intuiram. 
  Devo ainda dizer que ao contrário de Orwell, Waugh se converteu ao catolicismo, o que na Inglaterra é um ato bastante incomum. Ele acreditava em Deus, e como Orwell, pensava que o começo do fim se dera com a morte da igreja. Sem os deveres para com Deus e sem a certeza de uma outra vida, a humanidade se tornaria nada mais que máquina de repetição. Atos do dia a dia sem consequência e sem história nenhuma. Nada de sofrimento real, nenhuma possibilidade de crescimento e de felicidade. 
  David Lebedoff, professor americano, lutador contra o politicamente correto, escreve simples, escreve bem e comenta sem medo. O livro me deu um prazer do qual já sinto falta. Filho que sou de minha época, não tenho a coragem de ser como Orwell e nem a fé para ser como Waugh. Indolente, entediado e covarde, passo pelos dias, todos o mesmo, sem um só instante de dor ou de felicidade. Mais ou menos forever.
  Mas ainda penso.