Elton John- Lucy in the Sky with Diamonds



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LIBERACE, FILME DE STEVEN SODERBERGH, ÉRAMOS BREGAS E AMÁVAMOS ISSO.

   Há um certo momento neste último filme de Soderbergh, em que Liberace diz: "As pessoas só percebem aquilo que desejam perceber". É uma frase que vale toda uma filosofia, e ao escutar essa fala percebo o porque de ter desprezado tanto a entrevista no Roda Viva com o tal filósofo estrela, ele falou apenas aquilo que os entrevistadores desejavam ouvir. Marxismo, pscicanálise e críticas fortes a tecnologia, ingredientes que agradarão todo jornalista "consciente" e todo estudante da PUC-USP. Well...devo dizer que este filme corre o risco de não agradar ninguém. Inclusive eu não consigo saber se gostei ou não. Os atores, todos, dão um show. Michael Douglas vira Liberace, esquecemos completamente que aquele é Michael Douglas. Matt Damon demonstra coragem e entrega ao papel muito dificil. E até mesmo Rob Lowe está fantástico como um tipo de Dr.Rey dos anos 70. O roteiro, de Richard Lagravenesse, nunca fica chato, ele anda e anda, e a fotografia, apesar da pobreza do digital, com suas faces sempre avermelhadas e a luz de TV, não incomoda. Mas ao mesmo tempo a gente pergunta: E daí? Porque fazer um filme sobre Liberace?
   Para quem tem menos de 40 anos Liberace é um desconhecido. Como explicar quem ele foi? Bem, o filme não fala de sua história. Ele foi muito, muito famoso. Era amado por toda aquela porção do mundo que amava Elvis Presley-Las Vegas ignorando suas drogas e pelos que ouviam Beatles por sua "doçura", ignorando os experimentos. O mundo conhecia Liberace, o mundo ria de Liberace, ninguém o levava a sério, só seus fãs, que eram milhões e milhões. Rei do hiper-brega, exagerado, velhinhas o amavam por ser um tipo de "filhinho ideal da mamãe", um doce de coco, um bom cristão, um homenzinho do bem. Era inacreditável, mas ninguém percebia sua homossexualidade. Não queriam ver. Não viam.
   Quando Elton John se embonecou e carnavalizou em 1974. era Liberace que ele ironizava. Só que Elton foi além, falou de sua bissexualidade abertamente, em 1976. E viu seus fãs diminuírem em mais de 70%. Gary Glitter também era um Liberace glam-rock, assim como Prince. Mas todos esses tinham algo que Liberace não tinha: Talento. Gênio.
    Liberace dava a seu público aquilo que André Rieu ou os Tenores dão hoje: A ilusão do bom gosto. É um público que não suporta ouvir Beethoven inteiro, mas se pensa "culto" por escutar um pout-pourri de trechos das sinfonias de Beethoven. Jamais ouvem AIDA, mas amam um medley de Verdi com Rossini. Liberace dava a eles essa ilusão, a ilusão do bom-gosto fácil, simples, luxuoso, superficial. O filme exibe o Liberace sexualmente insaciável, vaidoso, meloso e incapaz de auto-critica. Mas também solitário, bom e ingênuo. Douglas merece um Oscar.
    As cenas gays são fortes e isso, devo confessar, me chocou. Soderbergh o lança em boa hora, quando se afirmam os direitos gays. Cenas de cirurgias plásticas também me chocaram. Mas tudo bem, temos belas cenas de shows e um final que é lindo, e que não conto aqui.
    Debbie Reynolds faz a mãe de Liberace!!! Debbie é a estrela de CANTANDO NA CHUVA!!!! Deus meu!!! Adorável Debbie !!!! Explêndida Debbie !!!!!
    PS: QUASE FAMOSOS, DAZED AND CONFUSED, BOOGIE NIGHTS, OS REIS DE DOGTOWN...Quantos filmes fascinantes se passam nos anos 70 ! Suas roupas bregas, os carrões e a absoluta loucura de seu desbundes. Década que criou todo o céu e todo o lixo do mundo de agora. Disco e Heavy-Metal, Funk e Glitter, Rock Alemão e Pop farofa, Folk Amargo e Abba. ..Década onde tudo foi Grande, Exagerado, Ilimitado. Kiss e Queen, Bowie e Neil Young, Kraftwerk e Bee Gees.
     Eu amo filmes desse tempo, e me parece que aqueles que se lembram desse período jamais deixam de o reverenciar. São toneladas de filmes, todos os anos, sobre a época, das Panteras a Starsky e Hutch, The Runaways a Crazy; O Mundo de Andy; Velvet Goldmine,,,....

Vivien Leigh on Waterloo Bridge...Para crer no Amor....



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Killer Joe - Official Red Band Trailer



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HAMLET/ CROENENBERG/ VIVIEN LEIGH/ BUDD BOETTICHER/ KILLER JOE/ ROCK HUDSON

   KILLER JOE de William Friedkin com Mathew McConaughey, Emile Hirsch, Thomas Haden Church, Juno Temple e Gina Gershon
Maravilhoso prazer. Uma comédia hiper violenta ou um policial noir irônico? Hirsch quer matar a mãe e contrata o matador Mathew. Mas não tem como pagar e dá a irmã como prêmio. Amoral, macho e auto-gozador, este é um filme que começa ameaçando imitar Tarantino. Mas vai além. É o filme que Tarantino faria se fosse mais adulto. Mathew está excelente, assim como Gina e Haden Church. Friedkin estourou em 1971 com os Oscars de filme e direção para Operação França, o filme que inventou o moderno policial. Filme que é imitado até hoje. Depois Friedkin fez O Exorcista. Daí enlouqueceu de cocaina. Para homenagear O Salário do Medo, de Clouzot, gastou tanto na refilmagem que quase faliu a produtora. Desde então ele é um diretor de pequenos filmes invulgares. Freidkin aparece muito em entrevistas. Sua cara entrega seus problemas com Hollywood: É hiper-arrogante. Este filme tem a cena mais sexy que os EUA apresentam em anos. Ficou pouco tempo em cartaz, claro. Corra e veja. É muito bom. Nota DEZ.
   DURO DE MATAR 5 de John Moore com Bruce Willis
Acho que vi esse filme. Acho que vi porque as cenas de ação são tão editadas, tão desfocadas e tão tremidas, que voce pensa ter visto, mas nada viu. Na verdade o filme joga em sua cara um monte de flashs de explosões e pedaços de coisas. Boa maneira de NÂO se exibir a pobreza de cenários e a falsidade de atores em virtual. No futuro seremos todos cegos. E surdos. Só teremos sensibilidade para o muito alto e para imagens em movimento. Bruce está ausente, nada tem a fazer. O roteiro é banal. Pior Duro de Matar de longe. Nota ZERO.
   MÚSICA E LÁGRIMAS de George Sidney com Tyrone Power e Kim Novak
Datado, velho e cansado. Esse é o Cinemão dos anos 50, um tipo de cinema que morreu. Tudo é hiper-exagerado, limpo demais, lustroso. Conta a história do pianista Eddy Duchin, seu sucesso e suas tragédias. Foi um grande sucesso. Kim nunca foi tão linda e Tyrone é uma estrela. Mas é absolutamente nostálgico. Aconselho a que fujam. Nota 2.
   A PONTE DE WATERLOO de Mervyn LeRoy com Vivien Leigh e Robert Taylor
Clássico atemporal do cinema romântico. Quer saber o que é o tal Amor? Veja este filme. Num P/B cintilante, conta a história de soldado que se apaixona por bailarina. Mas a guerra os separa, ela passa necessidades e vira prostituta. O reencontro, anos depois, é maravilhosamente bem dirigido. O filme corta seu coração e apesar de tudo nunca parece apelativo. O final é digno do belo filme que é. Vivien, a Scarlet de ...E O Vento Levou, a então esposa de Olivier, está lindíssima. O rosto magnífico e a voz, talvez a mais bela voz do cinema. Compõe o personagem com delicadeza infinita. Filme imperdível. Nota DEZ!
   UM FIO DE ESPERANÇA de William Wellman com John Wayne, Robert Stack e Claire Trevor
Começa muito ruim. Uma forçada apresentação dos personagens no balcão do aeroporto. Esta filme inaugurou um novo gênero de cinema, o filme sobre acidentes. Aqui é um avião que perde o motor e tem de atravessar o Pacífico com seus passageiros. Wayne, contido, discreto, é o co-piloto. O crítico Leonard Maltin nos extras do dvd diz: Um novo público vai estranhar. A ênfase aqui vai para se contar a história e não para as sensações e os efeitos. Well, essa é a chave de todo o cinema clássico. Antes se contava uma história, hoje se corre atrás de uma sensação sensacional. Este filme depois se acerta, Wellman nos faz aceitar as várias histórias de cada passageiro. Um filme de sucesso em seu tempo que visto agora é ainda ok. Nota 6.
   SEMINOLE de Budd Boetticher com Rock Hudson, Anthony Quinn e Richard Carlson
E não é que funciona? Promete pouco, parece um western de rotina em que Hudson faz um oficial começando a servir na Flórida. Mas então a coisa pega quando entra em cena seu chefe, um major que odeia todos os índios. Vem então uma travessia pelos pântanos brilhante. Passamos a odiar o tal major. Odiar muito! Hudson defende os índios e é considerado traidor... Rock Hudson está ótimo. Se Vivien Leigh tem a melhor voz do cinema, talvez Hudson tivesse a melhor voz masculina. Boetticher nunca deixou de ser um diretor classe B. Hoje tem um grande fã-clube. Nota 7.
   ENCONTRANDO FORRESTER de Gus Van Sant com Sean Connery, Anna Paquin e F. Murray Abraham
Antigamente Sant ainda fazia alguns filmes mais normais. Conseguia contar histórias. Este filme, em que Connery é um escritor solitário, é dos seus mais simples. Ninguém é doente e Sant não tenta provar nada. Agradável, tem um Connery esbanjando autoridade. Carisma puro. Nota 5.
   A MOSCA de David Croenenberg com Jeff Goldblum e Geena Davis
Revejo este divertido filme da melhor fase de David. Não é tão bom quanto o original, de 1958, mas mantém algum suspense. Goldblum é um ponto fraco. Geena um ponto forte. David adora mostrar coisas nojentas. Pra quê? Nota 6.
   HAMLET de Kenneth Branagh com Kenneth Branagh, Julie Christie, Kate Winslet, Derek Jacobi, Charlton Heston, Gerard Depardieu, Jack Lemmon, Robin Willians, Billy Crystal, Richard Attenborough e John Gielgud.
Talvez seja o mais exuberante elenco já reunido. Mas está longe de ser um grande filme. Branagh, no auge da vaidade, fez o único dos inúmeros filmes sobre Hamlet, em que todo o texto está preservado. Ou seja, são 3 horas e meia de filme. A versão de Olivier é muito, muito, muito melhor. E mesmo o Hamlet de Zeffirelli em que Mel Gibson ousa fazer Shakespeare é melhor. Claro que é legal ver Julie como a mãe e Kate de Ofélia. Mas devo dizer, a vaidade de Kenneth cansa. Nota 5.
  

Götterdämmerung Final - Brünnhilde Immolation Scene II



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ELEGIAS DE FRIEDRICH HOLDERLIN, ALEMANHA, FRANÇA E INGLATERRA

   È perigoso ler Holderlin. Ele nos carrega de volta pra Terra. Suavemente. Seus versos fazem esse trabalho por prazer. A Terra surge em sua obra como a Deusa que sempre tem sido e que insistimos em negar. Holderlin refaz o laço de vida. Ele via. Para nosso mundo, ele via demais pois via além.
   Holderlin, Hegel e Schelling foram amigos de escola. Adultos foram os teóricos do romantismo. Cada um a seu modo. Holderlin seguiu ao campo e lá encontrou seus deuses. Ele não usava deuses, ele não acreditava em deuses, ele não se inspirava nesses deuses. Ele os via. Holderlin via a Grécia clássica na Alemanha. Stuttgart era Atenas. O Olimpo fora banido da Grécia, por ingratidão, e agora Zeus era alemão.
   Essa a maldição do poeta. Os nazistas usaram Holderlin para dar aval a Alemanha Império do Mundo. Crianças decoravam trechos de seus poemas nas escolas. Ele era citado por Goebbels. Trechos, porque se o divulgassem por inteiro veriam que seu germanismo era bárbaro, individualista e libertário. Nietzsche que era fã de Holderlin sofreu o mesmo destino. Mal lido e mal usado pelos nazis.
   O panteísmo de Nietzsche é influência de Holderlin. Os deuse vivem na vida. A vida é Zeus, é Afrodite e é Atena. E o sol, o vinho e a mata é vida.
   Triste coincidência! Como Holderlin, Nietzsche também terminou sua vida louco. Não há como saber que tipo de doideira tinha Holderlin. Talvez hoje ele não fosse considerado um louco. Ou sim. Essa loucura foi outra maldição de Holderlin. Após sua morte sua obra passou a ser evitada. Era como se a super racional Europa de 1860 não pudesse suportar a lembrança de Holderlin. Assim como essa mesma Europa pensa nos deuses como apenas estátuas quebradas, ou personagens de HQ. Holderlin, e Nietzsche viam algo mais, recordavam e sentiam. Eles estão ao redor.
   No começo do século XX reabilitaram Holderlin e hoje ele é o segundo grande nome da poesia em alemão. No país que tem Schiller, Heine e Rilke, Holderlin só perde para Goethe. Se Goethe incomoda a Alemanha por lembrar aquilo que poderia ter sido e nunca foi, Holderlin incomoda por sua alegria petulante e sua confiança desafiadora.
   Sua voz á alta e seu tom é sempre o do caminhante. Ele não prega, ele nunca nos convida a ir junto, ele vai só. Com os deuses e com sua alma.
    Pessoas mal informadas tendem a pensar que a França é romântica e que a Alemanha seja a terra da razão. Pois bem! Tudo na França é razão, começando por sua gramática. A França é marcada por Descartes, pelo jansenismo e logo pelo positivismo. Pensadores franceses pensam em termos de ação, de compromisso politico. Não a Alemanha. Com Lutero a nação se volta para um tipo de religião particular: todos podem falar com Deus e cada casa é uma igreja. Assim como Holderlin fala com Apolo ou com Dionisio, Mann irá atrás da beleza platônica, Hesse atrás de Buda e Freud procurará os fantasmas que vivem invisíveis na mente. Seja expressionismo ou romantismo, a arte alemã está sempre procurando o oculto, o segredo, aquilo que ninguém quer ver. Bruxas, vampiros, deuses ou medos, alemães não se contentam com o comum ou o óbvio. Em oposição aos franceses, que só querem perceber o que pode ser medido, ou dos ingleses, que só dão valor ao util, os alemães cultuam símbolos, traços secretos de passados ainda vivos. Anjos de Rilke ou demônios nazistas, tudo é bruma.
   Esse o universo de Holderlin.

LEMBRANÇAS DA DITADURA


   Fui uma criança nascida e criada na ditadura. Carrego comigo o conflito entre aquilo que me foi ensinado e aquilo que de fato é. Eu tinha uma professora que nos contava que o céu do Brasil era mais azul que de qualquer outro país. Que nossa água era mais pura e nossa gente a mais feliz. Esse era um pensamento dominante, éramos educados para crer que o brasileiro era o rei da felicidade. Devíamos ser felizes por termos tido a sorte de nascer brasileiros.
   Tínhamos a maior estrada do mundo, a maior ponte, a maior hidrelétrica e o maior estádio de futebol. Não havia terremoto, furacão e nem guerras. Além de felizes, a gente era bonzinho, acolhedor e belamente religiosos. Doce Brasil. Até nossos ladrões eram boa gente, malandros sorridentes.
   Íamos mal nas Olimpíadas porque não ligávamos pra elas. E no futebol, na fórmula 1 e no boxe só perdíamos se fosse roubado. Ninguém sabia jogar bola, só a gente. Todo europeu era um perna de pau. Em 74 só não ganhamos pela falta de organização e em 78 por ter sido um roubo ( foi, mas não jogamos nada ). Éder Jofre perdeu o título roubado, claro. Era o mundo contra o Brasil. Aliás, é a característica principal de toda ditadura, crer que o mundo é contra a gente. Hoje sei que o mundo não tava nem aí pra gente, mas os milicos queriam pensar ser protagonistas.
   Já na democracia, lembro da nóias de Galvão Bueno para justificar nossas derrotas. Um esquema anti-Senna e outro anti-seleção. Galvão tem a mente ainda em 1972.
   Para nós, crianças em 1973, a Europa era aquilo que diziam pra gente, um lugar de gente pornográfica, terrorista e muito pobre. Todos os meus amigos achavam que era perigoso andar em Roma ou em Londres. Que bombas explodiam na rua, nos carros, nas casas. Que terroristas comunistas raptavam donas de casa a toda hora. E o pior, era a Europa o reino de gente triste e pobre. Continente sem grandes pontes, grandes hidrelétricas e grandes rios.
   Mas havia a América!!! A América era a excessão. Nosso irmão mais velho e mais rico, eram os EUA aquilo que seríamos lá por 1980. País de Elvis, Sinatra e de Jerry Lewis. Tínhamos a certeza de que a vida lá era uma mistura de Jeannie é um Gênio com A Feiticeira. Os americanos eram bonitos e as americanas sabiam cantar de dançar. Gene Kelly e Doris Day.
   Toda essa fantasia fazia com que os pobres, mais de 90% do Brasil, vivesse num tipo de torpor pseudo-satisfeito. Um saco de feijão e uma dúzia de bananas já fazia festa. Quem era pobre morria pobre. Quem era rico morria rico. E a pequena classe média vivia cercada pelos pobres mirando os muito distantes ricos. O crime era menor porque a ambição era ínfima. Voce era o que era, e fim.
   A ditadura aqui sempre foi estranha. Se censurava tudo. Nas revistas masculinas não se podia mostrar o bico de um seio. Nos filmes não se podia falar a palavra sindicato ou revolução. Mas as crianças viam os Secos e Molhados na Tv. Era esquisito pacas.
   Comecei a cair na real na puberdade. Eu queria ver revista de mulher pelada e ficava puto porque elas nada mostravam. Eu ficava maluco com filmes cortados. Quando o casal ia pra cama, corte! Foi então que notei que a revolução sexual dos anos 60 não chegara por aqui. Discutia com meus amigos. Eles tinham a certeza de que na Europa não havia sexo. Que estavam muito atrasados. Que o Brasil era muito mais livre. Não percebiam os cortes nos filmes.
   Acho que a coisa começou a mudar no carnaval. Transmitiam bailes e desfiles e foi neles que vi uma mulher de seios nús pela primeira vez. Era muita safadeza nos desfiles da Beija-Flor e o carnaval era uma ilha de liberdade sexual em meio a uma Tv hiper-pudica.
   Quando a ditadura fez água, com Figueiredo, a coisa pegou. Em poucos meses tivemos a alegria da liberdade misturada com o bodeante cair na real. O mundo entrou no país.
   Os outros eram mais ricos que nós. Eles também sabiam rir. A América não era uma irmã. As grandes obras nacionais eram mal feitas. Pior de tudo: O Brasil não era o protagonista.
   Lembro disso tudo em meio aos protestos. Penso que a internet dificulta a ditadura dos costumes, o jogo ilusionista do ditador. Mas ela nada pode contra a ditadura econômica.
   Penso o quanto os governos do PT usam o jogo da ditadura para vender a ideia de uma nação grande, rica e protagonista. E o quanto eles usam a nóia do Mundo contra Nós.
   Sim, eu fui feliz em 1973. Por ser uma criança vivendo num mundo de fantasia. Era feliz num país que nada produzia e nada tinha a oferecer. Então a gente nada pedia.
   Simples assim. Aliás, nada mais simples que uma ditadura.
   Espero que nunca retorne.
   Amém.

SUPER VELOCIDADE E CINEMA MUDO.

   Assisti ontem ao quinto Die Hard ( Duro de Matar ). É de longe o pior da série. Ele me fez ter uma iluminação: as cenas de ação são tão editadas, tão mal filmadas, tão tremidas, que tudo não passa de uma maneira picareta de se esconder a ruindade dos cenários e a inverossimilhança da ação. Entedia-me!
   Veja a primeira cena: uma longa perseguição em que centenas de carros são destruídos. Na verdade a gente nada vê do que acontece, a gente acha que viu. O que percebemos são imagens em tremedeira, flashs de ruas, carros mal filmados, explosões a distancia. Não conseguimos perceber nada, apenas a câmera e a hiper edição histérica. É a vitória da idiotia, do tosco, da não apreciação estética.
   Ao mesmo tempo fico sabendo da estréia de mais um grande filme "mudo". E em p/b. Quando O Artista venceu, com justiça, o Oscar, muita gente achou que era apenas uma excentricidade passageira. Pois é, temos agora dois filmes mudos em cartaz, e veja só, ambos são excelentes. Why?
   Simples. É um pequeno movimento daqueles que pregam o CINEMA COMO CINEMA. É a radicalização do cinema. Moderninhos, que "acham" ser espectadores "anti´pop", assistem Wes Anderson ou Von Trier sem imaginar que aquele é um cinema de retorno garantido, um tipo de filme "Saramago", pseudo-arte-livre em pseudo-filmes-arriscados. Como Saramago, são filmes feitos para agradar aqueles que querem ser "diferentes".
   Tabu, assim como este filme de Pablo Berger, deseja e faz aquilo que deseja. Ao optar pelo p/b mudo, ele vai ao extremo oposto do hiper-barulhento estridente ou do azulzinho com musiquinha da Bjork. Criam um mundo que jamais se parece com o ontem, e nada remete aos video games ou ao café chique dos inteligentinhos da PUC-USP de agora. É mundo atemporal do cinema e SÒ do cinema. Nada tem de literário ou de teatral. Muito menos publicitário.
   No Estadão falam seus dois bons críticos que Berger é fã de Tod Browning e seu filme Freaks e de Charles Laughton e a obra-prima O Mensageiro do Diabo. Ou seja, Berger vai no âmago do pesadelo. Pesadelo que não é da pintura, da filosofia ou de algum livro, pesadelo que é cinema. Influenciado por filmes, só por filmes.
   Sempre que uma arte entra em crise de criação, sua saída é estudar a origem, a raiz da paixão. Um pintor olha Giotto, um escritor olha Homero e Dante, um músico vai ao folclore. O cinema busca os anos 20/30. Pode ser uma saída. Isso se o público souber voltar a olhar.
   PS: Sim, eu sei, o filme de Laughton é de 1958. Mas tudo nele remete ao cinema de Lang, Murnau e Leni.

HOMEM DE FERRO/ GERARD BUTLER/ MARTIN RITT/ SEAN CONNERY/ PETER BOGDANOVICH/ TATUM O'NEAL/ LINKLATER

   ANTES DA MEIA-NOITE de Richard Linklater com Ethan Hawke e Julie Delpy
Antes de mais nada: Ao contrário do que disse um amigo meu, não é a primeira vez que um cineasta segue a vida de uma personagem por anos afora. Truffaut fez isso com Antoine Doinel. Doinel aparece em 1959 em Les 400 Coups e depois em mais 4 filmes, feitos em 64, 68, 70 e 79. Sempre na pele de Leaud. Linklater é um cara legal. Leio a lista de seus filmes favoritos e tem Ozu, Godard, Melville, e é claro, Rhomer. Essa sua trilogia é puro Rhomer, blá blá blá. Tudo bem fofo e em ambiente pseudo-intelectual. Adoro Dazed and Confused, que Linklater fez nos anos 90. A saga "francesa" acho assim assim. Nota 5.
   DEPOIS DE MAIO de Olivier Assayas
Revolução francesa, maio de 68, Balzac e Le Tour de France. Essa é a alma da nação. Eles têm tanto orgulho dessas coisas, que às vezes chega a irritar. Veja este filme. Nada mais é que um looooongo exercício masturbatório. Oh lá lá! Como fomos bacanas! Deus sabe o quanto amo Voltaire, Proust e Stendhal. Mas este lado da terra de Gainsbourg, eu passo! Nota 3.
   O ACORDO de Ric Roman Waugh com Dwayne Johnson, Barry Pepper e Susan Sarandon
Poor Susan! Dwayne é o pai de um teen que foi preso por posse de drogas. Ele parte a captura de quem deu a droga pro filho. Well...cinema pode ser uma coisa muito, muito ruim. Nota ZERO.
   ALVO DUPLO de Walter Hill com Stallone
Nos anos 80 houve quem levasse Hill a sério. Achavam que ele era um novo Peckimpah. Puá! Este lixo mostra o que ele sempre foi: um fazedor de longos clips. Nota ZERO.
   HOMEM DE FERRO 3 de Shane Black com Robert Downey Jr e Gwyneth Paltrow
Assustadoramente ruim. Cultura pop quando tenta contrabandear arte é de doer. O filme é tão Jeca quanto os Batmans. Um tipo de masoquismo para teens que se acham espertos. A diferença é que os Batmans enganam melhor. Nolan é melhor publicitário que Black. Este filme é chato demais! Nota ZERO.
   TOBRUK de Arthur Hiller com Rock Hudson e George Peppard
Na segunda guerra, um bando de ingleses se une a grupo guerrilheiro para tentar sabotar o petróleo nazista. Detalhe: o grupo guerrilheiro é formado por judeus alemães. Há um traidor no grupo. O filme é razoável, nunca muito emocionante. Hudson parece estar com sono, Peppard está bem, cheio de adrenalina. Hiller foi um diretor famoso por errar muito. Aqui não erra. Mas também não acerta. Nota 5.
   VER-TE-EI NO INFERNO de Martin Ritt com Sean Connery, Richard Harris e Samantha Eggar
Que tal usar o nome original do filme? The Molly Maguires? Esse o nome de um grupo de imigrantes irlandeses que nos EUA de 1850 sabotavam minas de carvão. Martin Ritt foi o mais típico dos diretores da esquerda americana. Seus filmes falam sempre das injustiças do capital. Em sua carreira, que abrangeu as décadas de 50 até a de 90, vários filmes se tornaram quase-clássicos. Este é um dos melhores. Ajuda muito a fotografia de James Wong Howe e a trilha sonora de Henry Mancini. O cinema americano teve 3 ícones da fotografia de cinema, Wong Howe é um deles. Os primeiros quinze minutos do filme não têm um só diálogo. O que vemos é o trabalho dentro de uma mina de carvão. As paredes negras-azuladas, úmidas, a fuligem, os cavalos puxando vagões, os homens imundos, a tosse. Entramos no inferno. Connery é o líder dos sabotadores. Harris um dedo duro. O filme é terrível e belo em sua sujeira. Barracos e ruas de lama. O final é muito amargo, afinal, é um filme dos anos 70. Nota 8.
   UM BOM PARTIDO de Gabriele Muccino com Gerard Butler, Jessica Biel, Uma Thurman, Catherine Zeta-Jones, Dennis Quaid
Saímos do sinistro do filme de Ritt para o pinky de Muccino. Butler é um ex-jogador de soccer. Falido. Vira treinador de crianças. E tenta voltar pra ex-esposa. Sim, o filme é tão bobo como parece. Butler é ok, o filme não. Uma Thurman tem um papel ridiculo. Zeta-Jones envelheceu. Biel é esquisita e Dennis Quaid, que a séculos era um ator muito legal, agora está com rosto de cartoon. Nota 3.
   ARMADILHA de Jon Amiel com Sean Connery e Catherine Zeta-Jones
Este filme ensina para que serve um bom diretor. Veja: É um filme que tem tudo o que gosto, ótimo ator, atriz linda, história de ação com suspense, locações interessantes, ambientes bacanas. E, graças a Amiel, tudo dá errado. Não tem suspense, não tem esperteza, tudo se desperdiça. Para esse tipo de filme, o filme de roubo-chique, é primordial : uma trilha sonora marcante, aqui não há, suspense, necas aqui, e frases inteligentes, jamais cá. O que sobra? Sean Connery, uma atriz linda em seu auge e mais nada. Nota 4.
   LUA DE PAPEL de Peter Bogdanovich com Ryan O'Neal, Tatum O'Neal e Madeline Kahn
Da geração dos anos 70 dos jovens diretores americanos, Peter foi aquele que atingiu o sucesso mais rapidamente. E foi o primeiro a despencar. Entre 1971 e 1973 ele fez na sequencia três big hits de público e crítica. Mas a partir de 74 desandou. Casou com Cybill Shepperd e começou a fazer filmes para ela. Lua de Papel é seu último filme perfeito. Uma comédia amarga que fala de um trambiqueiro e de uma menina. Nas estradas da América pobre de 1935, eles aplicam golpes usando só a malandragem. Tudo no filme é maravilhoso, desde a fotografia em p/b, cheia de sombras e de profundidade, até as músicas e cenários. O principal é a direção, uma aula de como se constrói caracteres e cenas. Tatum ganhou Oscar de coadjuvante por este filme. Tinha apenas 9 anos. Está apaixonante. O filme é o máximo em diversão com coração e mente. Perfeito. Nota DEZ.

PAPER MOON- PETER BOGDANOVICH, UMA CARTA DE AGRADECIMENTO.

   Caro Peter,
    Escrevo para agradecer pelo presente. Eu não merecia algo tão especial. E tudo que posso dar em troca é minha gratidão. Voce sabe o quanto seu filme é bom?
    Primeiro temos a história. Um malandro se vê obrigado a tomar conta de uma garotinha. Ela talvez seja filha dele. E o que voce nos dá é um road movie passado em 1935, filmado na grande época do cinema jovem americano, 1973. Ah Peter! Ano de American Graffiti, Mean Streets, O Exorcista e Golpe de Mestre. Serpico, Louca Escapada e O Dorminhoco. Banzé no Oeste! Voltando....Peter, voce sabia que todo mundo se apaixona pela menina? Que Tatum mereceu o Oscar ganho aos 9 anos de idade? Ela, enfezada, mal humorada e muito malandra, tem um olhar e uma voz rouca que conquistam. É inesquecível o modo como ela ri ! Mas Ryan, que é o pai dela na vida real, faz um malandro digno de Paul Newman. O golpe do troco e aquele da Biblia.... é incrível !
   Laszlo Kovacs fez uma fotografia em P/B do cacete! Tudo em foco todo o tempo. A gente vê todo o set. Bons tempos de cenários de verdade. O cenografista tinha orgulho em exibir seu trabalho. No caso é sua esposa, Polly Platt. Aliás me permita dizer, porque voce a trocou pela Cybill Shepperd? Ela acabou com sua carreira! Voce começou a fazer filmes para Cybill e nenhum deu certo!
   Well... Quero dizer que voce é um mestre do cinema. E nos extras do dvd voce dá uma bela dica: Filmes com muitos cortes deixam o espectador FORA do filme. Ele joga o público para fora da ação. Cenas sem cortes fazem com que a pessoa se acomode DENTRO da cena. Ela penetra o filme e é apresentada a ação. Pois bem, seu filme tem cenas sem cortes longas, cenas em que a câmera voa, flutua pelo set. E o fantástico é que eu não percebi isso enquanto via o filme. Ou seja, mágica cinematográfica! Cenas em cortes que não se percebe. O anti-exibicionismo.
   Peter, voce conseguiu fazer uma comédia que nunca é grossa, nunca apela, e que sempre parece de verdade. Um filme que é bonito e ao mesmo tempo é simples. E como era regra em 1973, um filme alegre e triste em doses iguais. Voce e sua geração cresceram estudando os grandes europeus. Dá pra notar no filme. Ele é amargo sem ser apelativo e alegre sem ser infantil. É lindo.
   Peter, porque não se fazem mais filmes assim?
   Do seu fã....Tony Roxy.
   PS: Volte a dirigir!

GIORGIO, WILDER E HAWKS EM SP

   Alice Brill morreu. Ela tem uma série de fotos sobre uma feira na Oscar Freire que é uma coisa linda. Consegue captar a alma de uma cidade que não mais existe. Se voce puder ver suas fotos, mire o rosto das pessoas.
   No jornal se fala também de Giorgio Moroder. Lembro da primeira vez em que o escutei. Foi no rádio, em 1977. FIRST HAND, meu primeiro contato com techno. Acho Giorgio melhor que Kraftwerk. Depois desse LP de 1977, FROM HERE TO ETERNITY nada mais foi como era. O que mais me deixou besta na época foi a percussão. Eu demorei a sacar que aquela bateria não era uma bateria. Falo pra voces uma história: Vivendo em Berlin na época, Eno liga para Bowie, que acabara de chegar a capital alemã. Diz Eno, Bowie, liga na rádio X....voce vai ouvir o futuro....Bowie liga e escuta I FEEL LOVE. Era o futuro sim. Que dura até agora.
   Mostra de Billy Wilder. Cuidado! Wilder tem filmes ruins. Tem até um muito ruim ( FEDORA ). Dica minha para voce: PACTO DE SANGUE, CREPÚSCULO DOS DEUSES, SABRINA, TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO, QUANTO MAIS QUENTE MELHOR e IRMA LA DOUCE. Meu favorito hoje é Testemunha. Um suspense tão bom que parece Hitchcock. Dos gênios clássicos do cinema americano, Billy é o que menos gosto. Mas talvez seja aquele que o povo hoje mais gosta.
   Muito maior é Howard Hawks. Esse é prova de bom gosto em cinema. Se voce ama Hawks voce está no grau mais alto. Não lembro de um filme ruim dele. E são mais de 40. SCARFACE, SUPREMA CONQUISTA, LEVADA DA BRECA, PARAÍSO INFERNAL, JEJUM DE AMOR...esses só nos anos 30 e 40. Ele tem mais um monte nos anos 50 e 60. Escolher meu favorito é impossível. Ford tinha inveja de RIO BRAVO, Tarantino idolatra Jejum de Amor, Godard amava RED RIVER. O segredo de Hawks? Ninguém sabe dizer. Mas um de meus mais queridos filmes, HATARI, me mostrou algo. Hatari fala de um grupo de amigos que caça animais na África. Para um zoo. O filme tem belas cenas de ação e ótimos atores. Trilha sonora de sucesso e linda fotografia. Mas, após reve-lo pela quinta vez, notei que a coisa mais importante não era a captura do rinoceronte ou o namoro dos dois atores centrais. O principal era o café da manhã. O modo como o grupo se sentava à mesa e se servia. As conversas com café e cigarros. O papo furado. Alí estava o coração de Hawks. Ele é o diretor dos "tempos mortos", das cenas banais, da vida simples. E como é dificil fazer isso!!!! Não importa em Rio Bravo o duelo final. Importa a amizade de Wayne e Dean Martin.
   Indicar um filme? Nenhum. Para entender a grandeza desse gênio voce tem de ver ao menos dez filmes. E perceber que ele nada tem de artista, de poeta ou de intelectual. Ele é O Cinema.