2010-1910- fin du siécle

   Estou lendo FIN DU SIÉCLE, o volume 8 da História da Literatura de Otto Maria Carpeaux. Dificil escolher, fico em dúvida na livraria se compro aquele sobre o barroco, o outro sobre o romantismo...escolho este ( já li a Idade Média ). Afinal, 1880/1914 é meu período favorito.
   Acabo de ler uma afirmação de Otto que preciso dividir com voces ( o que escrevo é um ato de amor, ou voces nunca perceberam isso? ), ele diz que os anos 1900-1914 são os mais ricos de toda a história da literatura. Prova disso ( Otto escreveu em 1965 ), são as constantes reedições dos livros daquele tempo. Mais que isso, o leitor médio, aquele que não é um intelectual, mas que sabe alguma coisa sobre literatura, procura em sebos e em bibliotecas livros desse tempo. Os autores que vêem imediatamente antes são clássicos, intimidam leitores médios ( Balzac, Stendhal, Dostoievski, Tolstoi, Dickens ), mas os autores de 1900 parecem contemporâneos, não-escolares, e ao mesmo tempo são "artísticos", ousados, profundos, originais. Weeellll...posso dizer que em 2012 nada mudou. Ou mudou sim, certos autores do período estão mais vivos que em 1965.
   Otto fala que a época é tão rica por motivos históricos. Um salto na economia, otimismo, e principalmente a democracia. Em 1900, pela primeira vez, todos podem ser "um autor". É a hora da explosão da literatura como um todo, sem modas. Proletários, snobs, mulheres, países periféricos, poetas loucos, nobres, homens de negócios, comunistas, fascistas, crianças...Há uma quantidade imensa de gêneros e de escritores. Não há rádio, tv, cinema, nada. O mundo é do livro, do jornal e do teatro. E, diz Otto, quase tudo que se escreve nesse período tem valor, tem interesse, merece sobreviver.
   Falar de autores? Otto cita-os. Seu livro é imenso. Vou citar apenas uma meia dúzia: Nietzsche, Machado de Assis, Joseph Conrad, Henri Bergson, Henry James, Freud, Yeats e Wilde. Só alguns pegos ao acaso, a lista é infindável.
   1910. Futebol. Cinema começando. Rádio e avião. Carros. Picasso, Matisse, Chagall, Klee, Kandinsky. Stravinsky, Ravel, Strauss, Bartok. O jazz e o blues. Otimismo. Viagens aos polos.
   2010. Guerra ao terror. Esgotamento do cinema. Da música popular, do teatro. Internet, código genético, câmeras onipresentes. Pessimismo. Desencanto com a democracia, com as ideologias. Monetização da vida. E as artes? E os livros? Proust em tablets. Ótimo. Mas Proust é 1910. Autores: Larsson, De Lillo, Roth, Martell, Couto, Coelho, Rowling, Lobo, Llosa...Este momento não lembra em nada 1910, lembra 1870, época do naturalismo, de medo, de insegurança. Precisamos de uma nova geração romãntica, de novos simbolistas, de outros profetas irreais.
   Mas na verdade é tudo em vão. Sinto em mim que escrever não tem mais porque, pra que ou como. Então sei o que sou, um simbolista. Assim como essa geração de 1880, há em mim a sensação de que no mundo de poderosos e de miseráveis, para mim não há lugar. Não sou um dos chefes e não me identifico com um dos "simples". Onde fico? O que posso escrever a ninguém irá interessar, o que se escreve pouco me interessa. Quem me escuta? Ao mesmo tempo tenho a vaidade de não fazer parte da sujeira. Não sujo as mãos com o poder vulgar e nem com as parcas ambições dos simples. Será isso? Um simbolista, eu?
   Mas onde o pessimismo? Simbolistas cultuam a morte e o desregramento. Sou comedido e vejo vida em tudo. Simbolistas são muito mais, sem que o saibam, certos amigos que tenho. Então vejo no livro de Otto, talvez eu seja um dos pós-simbolistas, aqueles que perceberam a alegria após a dor. Os que conseguiram criar um mundo parte do mundo. Os que se desembaraçaram do eu e olharam ao redor. Bá....
   Vejo então que sou um tipico homem de 2012, e que escolho um rótulo como quem escolhe em paletó. Procuro na vitrine de estilos aquele que me convém. Esqueça. Sou mais um blogueiro. Apenas isso. Exibo vaidade. Só isso.
   O interessante, é que eu, como todos os outros leitores médios, procura, ainda, em 1910 seus modelos, seus produtos, seus paletós.
   Otto acertou.

Just One More Inception



leia e escreva já!

Kojak Season 2 Open



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SÉRIES DE TV: UM CARECA COM PIRULITO E UM ANJO EM MEIO AO LIXO

   Pessoas com mais de 30 anos cada vez mais trocam o cinema por séries de tv. Os motivos são muito simples, filmes de cinema são cada vez piores. A arte do diálogo foi jogada no lixo ( e veja isso, a maioria dos filmes de arte hoje são quase mudos.... ). Séries de tv têm diálogos. Diálogos que nem são muito bons, mas que pelo menos existem, estão lá. Roteiristas de cinema perderam a habilidade de exibir um caráter em cinco minutos. Gente como Ben Hecht ou Robert Riskin conseguia fazer isso. Em cinco minutos a gente já conhecia o cara, já estava capturado por ele. Agora não mais e é por isso que hoje tem tanta biografia no cinema, o caráter já é conhecido, não se precisa criar. Na tv o cara pode levar vários episódios para desenvolver uma personagem. E geralmente é o que ocorre. House levou meses para ser House. Seinfeld é o caso clássico. Depois de 3 anos é que ele virou O Seinfeld. No cinema são duas horas para criar, desenvolver e concluir. É uma habilidade quase morta.
   Há um outro fato. As pessoas adultas saem cada vez menos. Filmes são vistos em casa. E em casa, para quem só assiste filmes "novos", é indiferente assistir um filme de cinema ou uma série de tv. Porque filmes novos se parecem cada vez mais com séries de tv. Séries ruins. Falam dos mesmos temas, e são filmados em digital, com imagem como a da tv. Zoons, closes e cenários pobres. Dificil saber visualmente o que é cinema e o que é tv. Claro, não falo de Pi ou de Lincoln, falo do filme médio, da grande maioria dos filmes. A única diferença entre esses filmes e as séries é o fato de que as séries desenvolvem mais os diálogos. Ou seja, vencem a disputa exatamente por serem mais "tv".
   Porque o "defeito" da tv sempre foi esse. Ela falava demais. E num tempo em que o cinema ainda sabia falar, ela perdia por ser visualmente pobre. O cinema falava tão bem ou melhor que a tv, e tinha um cuidado em foto e cenografia que a tv jamais poderia ter. No século XXI não é assim. Nos acostumamos a um cinema tão indigente que a tv passou a parecer uma arte nobre. Quem assiste apenas a filmes novos logo verá só tv. E quer saber? Não tenho pena nenhuma do cinema. Ele cavou sua cova. Optou pelo caminho fácil. Que seja feliz.
   No conforto de minha casa assisto a uma caixa com 6 discos de Kojak e a 4 caixas de Columbo. 28 dvds. As duas são o equivalente aos filmes de Scorsese e De Palma em tv.
   Kojak demora mais pra gente gostar. Acontece com ele o fenômeno Seinfeld. Os primeiros episódios parecem sem rumo. A série começa como um tipo de Operação França dos pobres. Muita cena na rua e a exibição da NY pobre e suja de 1973. Mas então, súbito, Telly Savallas vai achando o tom e a série cresce. É um prazer ver um ator fazer história. Telly vinha do cinema, onde sempre fora um bandido. Aqui ele é um tira. Kojak, O Cara. Eu não a assisti na época, era criança, mas lembro do sucesso. Kojak virou marchinha de carnaval. Os homens imitavam Savallas. O cigarro preto e fininho virou mania ( marca More ), o pirulito na boca também ( ele tenta parar de fumar ). Copiava-se na rua o chapéu, os ternos, os óculos escuros e a mania de falar Baby. Telly Savallas acabaria por ganhar dois Globos de Ouro e um Emmy com a série. Ficaria cinco anos entre as cinco maiores audiências. Telly morreria em 1994. Acho que Tarantino adoraria filmar com ele. Kojak tem todo o clima dos filmes de Quentin. É uma delicia ver aqueles carrões e os bandidos extra-cool. Mas ninguém é mais cool que Theo Kojak.
   Columbo é o anti-cool. Se Kojak é uma delicia, Columbo é uma obra de arte. Peter Falk foi um grande ator. Fazia parte da turma de John Cassavettes. E em 1971 começa na tv com Columbo. Para muita gente, uma das cinco melhores coisas que a tv já fez. Columbo é feio. Tem olho de vidro, fuma charutos baratos. O carro é velho e a roupa desalinhada. Modesto e nada violento. O tipo do boa praça. O que Falk faz aqui é genial. Ele transforma esse mala sem alça num tipo adorável. Voce ama Columbo. Não por acaso, em 1986 Wim Wenders ao filmar Asas do Desejo escolheu Columbo como um anjo que vivia na Terra. Columbo visita a Alemanha e Wenders o exibe como um homem que pode ver anjos. Nada mais justo.
   Columbo tem ainda uma grande originalidade. Ele mostra o crime. Na primeira cena nos exibe o crime. Sabemos quem é o culpado e vemos que não há pista. Então do nada surge Columbo e o que nos pega é o prazer de ver como ele vai deduzindo e descobrindo aquilo que já sabemos. Um fino prazer. Falk ganhou 3 Emmys com o papel e mais 2 Globos de Ouro.
   Columbo teve entre os atores que nele trabalharam gente como Myrna Loy, Ray Milland, Leonard Nimoy, Martin Sheen, John Cassavettes, Martin Landau, William Shatner; e na direção Steven Spielberg, Richard Quine e Richard Donner.
   Kojak teve episódios dirigidos pelo pai de Sean Penn, Leo Penn e Harvey Keitel entre seus vilões.
   Bem baby, me pego comprando um pirulito e alisando minha camisa. Andando pelas ruas me sentindo um cavalheiro: durão e muito frio. Minha lustrosa careca protegida por um elegante chapéu preto. E com a pergunta kojakiana nos lábios: "Diga quem te ama baby?"
   Um raro prazer.

AS RELAÇÕES PERIGOSAS- CHODERLOS DE LACLOS, UMA RADIOGRAFIA DO JOGO AMOROSO

   Amor. Existe? Laclos foi soldado, foi poeta, viveu os conturbados anos da revolução. E lançou uma obra-prima que jamais é esquecida, As Ligações Perigosas ( que o tradutor Sergio Miiliet opta por chamar de Relações ).
   Estamos em meio a nobreza. O que eles fazem? Se exibem. Vivem uma realidade estática. Para eles, o que é hoje será sempre. Não há tempo, não há mudança. Seguros socialmente, com todos os dias ociosos, eles se fazem mestres em prazer. Dedicam-se à vaidade. O filme de Frears dá ênfase a isso: Eles passam horas se vestindo, se maquiando. O outro grande prazer é a comida. E o principal é o sexo. Sexo como jogo racional. O romantismo ainda não vingou, estamos no reino da razão absoluta.
   Valmont, nome do filme de Milos Forman também baseado neste livro, seduz mulheres. Nobres, viúvas, criadas, virgens. Todas são suas. Ele, frio, jogador consumado, sabe racionalmente toda a regra, toda a tática do amor. Foi amante da mulher que lhe é igual, a marquesa de Merteuil. A amizade sobreviveu.
   Um dia surge uma devota. Cécile se torna prêmio de uma aposta. Se Valmont a seduzir, Merteuil dormirá de novo com ele. Por Cécile ser ingênua, Valmont usa a tática da culpa. Finge sofrer por ela, finge crer em Deus, finge ser casto. Conto o resto para voces?
   Falarei apenas que o filme de Forman carrega na futilidade. É muito mais leve que o livro. E que o filme de Frears exagera no sentimento, o livro é bem mais frio, seco, distanciado. Falarei do estilo do livro: É epistolar, estilo muito em moda no século XVIII. Lemos as cartas trocadas pelos personagens. Assim, por lermos apenas o que eles escrevem, temos de intuir nas entrelinhas suas emoções reais. A leitura se torna rica, complexa, sutil. Onde Valmont diz a verdade?
   Obra-prima, tive o prazer de ler Laclos pela primeira vez em 1993, num janeiro cheio de paixão. Depois fiz dele um manual, guia sobre a paixão e sobre o jogo do amor. Muitos o chamam de tratado definitivo sobre a sedução. Laclos teve a intuição, ou seria sabedoria?, de nos dar uma radiografia exata das motivações do amor. Valmont tem confiança, tem tato, e acima de tudo, sabe mentir. Quando o jogo passa a ter regras que ele não conhece, sua máscara cai. Começa o amor.
   Valmont e Merteuil são dois dos maiores personagens já criados. O século XXI está povoado por clones dos dois. Clones que são muito mais tolos, bem mais deselegantes, mas com a mesma motivação. Vaidade e poder.
   PS: Ligações Perigosas, assim como Amadeus, foi um grande sucesso de bilheteria dos anos 80. Filmes históricos sem monstros e vampiros ainda tinham público. O que aconteceu?

DAVID FRANKEL/ GRACE KELLY/ WOODY/ FREARS/ BETTE DAVIS

   TODOS DIZEM EU TE AMO de Woody Allen com Alan Alda, Julia Roberts, Goldie Hawn, Edward Norton, Tim Roth, Natalie Portman
É sempre um prazer ver esse povo dos filmes de Woody Allen. São intelectuais bem de vida, com suas casas bem decoradas, suas roupas confortáveis e seus dramas sob controle. É gostoso ver esse povo espelhar aquilo que a gente pensa ser. Este é dos que mais gosto. Lembro que em 1999, na tv, ele me ajudou a superar uma grande dor de cotovelo. O filme tem belas cenas em Paris e Veneza. O elenco é deslumbrante. E eles cantam!!! As canções são ótimas. E no fim, em reveillon, eles cantam Hooray For Captain Spaulding, bela homenagem aos irmãos Marx. Nota 8.
   UM DIVÃ PARA DOIS ( HOPE SPRINGS ) de David Frankel com Meryl Streep, Tommy Lee Jones e Steve Carell.
O povo da Folha adorou este filme. Eu achei chato de doer! Frankel faz carreira sólida com filmes tipo nada. Fez o Prada, o Marley e agora este. Seu estilo é nojento, taca música pop em toda cena. O cara tá andando no mercado e lá vem vozinha com piano; o cara tá dirigindo e tome voz e violão...um saco! Usar música pop em filme adianta quando o diretor entende que a música é secundária, ela comenta, não carrega a cena nas costas. Ah, o filme fala de um casal de meia idade que não transa mais. Todo o filme são sessões de terapia. Meryl faz caricatura, está nada bem. Tommy está excelente, a hora em que ele se abre é a única cena boa do filme. Típico filme que tenta ser sério e adulto. Erra. Todo adolescente pensa que ser adulto é ser chato e triste. Frankel é um adolescente. Nota 1.
   OS GALHOFEIROS de Victor Heerman com Groucho, Chico, Harpo, Zeppo e mais Lilian Roth
Groucho é anunciado como o grande Capitão Spaulding. Sua entrada é digna do melhor de Bugs Bunny. Adoro este filme caótico! É o segundo da turma, e tem de bônus a adorável Lilian Roth. História? Tem alguma coisa a ver com roubo de pintura. Talvez seja meu filme favorito dos irmãos. Nota DEZ.
   O DOBRO OU NADA de Stephen Frears com Bruce Willis, Rebecca Hall, Catherine Zeta-Jones
Não dá pra dizer que Frears está em decadência, afinal, recentemente ele fez o ótimo A Rainha. Em seu crédito temos ainda Alta Fidelidade, Ligações Perigosas, Os Imorais, Minha Adorável Lavanderia; e meu favorito, The Hit. Mas neste seu mais recente filme, não sei se passou aqui este ano, ele erra feio. O filme não é ruim, é desinteressante. Fala de uma stripper que passa a trabalhar com um agenciador de jogatina. O filme não chega a irritar, Frears sabe dar ritmo, mas nenhum dos personagens importa. São mal escritos. O roteiro é muito, muito ruim. Bruce faz o seu tipo número dois, o "brega meio doido", Zeta-Jones está com um rosto irreconhecível e Hall, filha do grande Peter Hall, um dos maiores do teatro inglês, mostra ser muito boa atriz, mas pouco tem a fazer. O filme é vazio. Nota 2.
   UM BARCO PARA A ÍNDIA de Ingmar Bergman
É o terceiro filme do mestre, de 1947, tempo em que ele ainda aprendia. Bons tempos, um diretor novato podia aprender-fazendo. Bergman só encontrou seu estilo no sétimo filme. Mas aqui já está em semente todo o futuro do estilo Bergman de cinema: mar,  isolamento, conflito com pai, sexo. Neste filme, que em seu tempo jamais poderia ser feito em Hollywood, temos um filho que apanha e bate no pai, esse pai traz a amante para morar com a familia, o filho a rouba do pai. O filme é forte e lembra os amados filmes do realismo poético francês, filmes de Carné, de Vigo, que Ingmar via muito então. Sinto que ninguém sabe filmar praias como ele. Visualmente o filme é primoroso. Nota 7.
   O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? de Robert Aldrich com Bette Davis, Joan Crawford e Victor Buono
Foi um imenso sucesso nos anos 60, e nos 70 passava muito na tv. Causou um choque em seu lançamento por seu mal-gosto. Hoje parece até elegante. Bette é irmã de Joan. Joan está presa a uma cadeira de rodas. Bette tortura Joan. Motivo? Joan fazia sucesso no cinema dos anos 30, Bette não. O filme é brilhante. Ficamos duas horas presos num misto de horror e admiração, prazer e medo. Aldrich, que logo depois faria a obra-prima The Dirty Dozen, faz miséria. O filme tem ritmo, tem ousadia e um humor hiper negro delicioso. Mas devemos dar vivas a grande, grande, grande Bette Davis. Mal maquiada, velha, suja, ela assusta com sua voz rouca, seu modo bêbado de andar, seus olhos esbugalhados. E melhor, percebemos o quanto ela se diverte em fazer aquilo. É um desempenho fascinante. Se Kate Hepburn foi a única a lhe fazer frente, devo dizer que Kate não conseguia fazer esses tipos tão vulgares. Tudo em Kate parece sempre "alta-classe", mesmo ao fazer gente pobre. Bette não, talvez por não ter a origem "nobre" de Kate, ela fazia mendigas, bebadas e prostitutas como ninguém. Este filme fica com voce. Repercute. Nota 9.
   O CISNE de Charles Vidor com Grace Kelly, Alec Guiness e Louis Jourdan
Na curta carreira de Kelly, este é de seus piores filmes. Em 1910, a mãe de Grace, tenta casa-la com o herdeiro da coroa. Filmado em belo palácio, claro que o filme é bom de se ver. Mas a história é chata, aborrecida, sem nenhuma atração. Guiness está ótimo. E Grace Kelly foi dentre as belas a mais bela das atrizes. Mas...o que fazer com roteiro tão perdido? Nota 2.

UM SÉCULO DE BOA VIDA- JORGE GUINLE

   Jorge Guinle foi o último playboy brasileiro. Hoje não existem playboys. Porque? Porque o "fazer algo de útil" tomou conta de todo mundo. O verdadeiro playboy gasta dinheiro. E não trabalha nunca. Nem faz aplicações, negócios, especulações etc. Ele gasta e jamais sabe quanto tem ou de onde virá o dinheiro. Recebe grana do banco, dos pais, cai em sua conta. E ele gasta, tudo. Em diversão. Sem se preocupar. Isso é ser playboy. Segundo Jorginho, hoje talvez só os principes árabes tenham cacife pra ser assim. Mas eles se divertem pouco.
   Jorge Guinle jamais trabalhou. Nem um dia de sua vida. Os Guinle tinham vários negócios, principalmente imóveis no Rio, mas a fonte maior era o porto de Santos. Eles eram donos do porto. De cada 5 cafés que se tomava no mundo, 3 pagavam tributo aos Guinle. Mas Jorge nunca teve muito. O dinheiro era da familia, ele recebia mesada. Em valor de hoje, "apenas" 100 mil por mês. Menos que qualquer jogador de futebol conhecido. Mas com um detalhe: esses 100 mil eram apenas para diversão. Todas as contas "sérias" eram pagas, assim como ele ia a restaurantes e clubes de graça. Tinha um dos Rolls Royce da familia, passagens de avião, roupas. Basicamente os 100 mil eram para taxi.
   O livro tem fotos. A mais bonita é da casa onde ele nasceu. Uma mansão gigantesca em Botafogo. Depois ela se tornou embaixada da Argentina. Quem mora em SP, passe na Avenida Nove de Julho e olhe a Casa da Marinha. É muito parecida. Coisa de 22 empregados. A chácara Gromari, onde a seleção treina em Teresópolis, também era da familia. Dois milhões de metros quadrados.
   Jorge estudou no College de France. Sua primeira lingua foi o francês. O College é a melhor escola francesa. É aquela faculdade, da qual já falei, sonho de todo professor da USP. Paga o melhor salário do mundo, e seus mestres dão apenas uma aula por ano. Sobre o tema que escolher. Lá, Guinle estudou filosofia. E se formou na cadeira de Bergson. Sua filosofia não é bergsoniana, é William James com Russell, o tipico materialismo do começo do século XX. Jorginho fala do que pensa: Não existe um Eu. Nem um Ego. Crer no Inconsciente é crer em mitologia. O eu é a soma de experiências. Qaunto mais vivência, mais eu voce tem. Fora disso não há nada. Tudo no cérebro é mecãnico, não há nada de oculto, simbólico ou inconsciente. Pensamos o que provamos. Fora de nós o que há é matéria. Sem a matéria nada há. Infinito é algo impossível. Tudo tem um fim. A matéria é finita, experimentável e temporal. Fora da matéria, o nada. Não existe uma função da vida, um porque. O que há é a matéria sendo provada por nós. Nosso Eu, uma ficção, é um conjunto de lembranças e de aprendizados.
   Jorge Guinle fala ainda de pintura, tema que ele conhece. Mas sua paixão é outra, mulheres. Ele fala de suas namoradas, a maioria atrizes americanas. Ele conheceu Hollywood em seu auge, conviveu com produtores, atores e as belas mulheres. Nada do que ele conta é muito apimentado, gentleman, ele mantém uma certa discrição. Boas as histórias com Erroll Flynn. Voce pode estar pensando: "Como esse brasileiro conseguia ser recebido por tanta gente top?" A resposta é: Copacabana Palace. O Rio da época, ainda com cassinos, era um tipo de Bahamas de hoje, uma pacifica ilha tropical, um oásis que todos queriam conhecer. Guinle hospedava essas estrelas, o Copacabana era dos Guinle.  O Rio, cidade calma, sem crimes, os enfeitiçava. Sofia Loren, Kim Novak, Rita Hayworth, Cary Grant, Jayne Mansfield, Gina Lollobrigida, Ava Gardner, David Niven, Ginger Rogers...
   O que mais me deliciou são as comparações do que era ser rico em 1930, e do que é ser rico hoje ( 1997 ).  Os ricos simplesmente não se misturavam em 1930. As familias ricas de Filadélfia e Boston não aceitavam os ricos de New York, pois New York era cidade de novos ricos. Os Rockefeller, por exemplo, por mais que gastassem, não eram aceitos pelos Vanderbilt, ricos bostonianos de 200 anos.  Mas era na Europa que estava o verdadeiro luxo. Jantares onde era obrigatório ter um mordomo para cada dois convidados. Trocava-se de roupa três vezes por dia: roupa da manhã, da tarde e do jantar ( sempre o dinner-jacket, que sabe-se lá porque, chamamos de smoking ). Pratos de ouro puro, pesados, jóias que se podia usar na rua ( no Rio as mulheres iam passear em Copacabana com diamantes... Mal comparando, lembrei que em 1972  minha mãe ia visitar sua prima na Nove de Julho com colares de ouro grossos... ). Um tempo de imensa segurança, tempo que não volta. Nunca.
  Mas não pense em alienação. Guinle se diz de esquerda. Ele ama o luxo, mas quer esse luxo para todos. Sabe o que é a injustiça, mas sabe também que o modelo socialista nunca dará certo. Porque o homem quer mais, quer poder ter.
   Livro excelente para se ler a beira da piscina, um anti-Caras, anti-celebridades, Jorge Guinle nos conquista por sua inocência.
   PS: O livro expõe algo que eu já suspeitava: O homem que se dá melhor com as mulheres é aquele que as ama integralmente, sem medo.
   Já me ia esquecendo!!! O jazz é outro grande amor de Jorge. Ele dividiu mesa de bar com Billie Holiday, Dizzy Gillespie, Charlie Parker. Esteve no Cotton Club em seu auge, viu o bop nascer. Tá tudo no livro. Quem quiser saber mais sobre jazz tem prato cheio.

Poor Boy - Lomax Prison Recording



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NUMA MESA DE BAR

   Blind Willie Johnson. Wim Wenders realizou um dos mais impactantes clips da história. Ele imaginou como seria um clip de WJ, se no tempo de WJ houvesse uma MTV. E eu falo: se existisse WW em 1920.
   Pessoas brancas não passam impunes pelo blues. Isso eu converso num bar, quase drunk, com amigos que sabem o que o blues é. O clip é de uma beleza aterradora.
   Son House é o ídolo de Jack White. JW não passou impune.
   Não era pra ser assim. O blues era pra ter ficado no gueto. Era pra ter morrido. Mas por ser de verdade ele é imortal. Voce sabe baby, tudo o que é de verdade é pra sempre.
   Se engane não. Nada disso é criação do tal mercado. Quando o rock estourou o mercado queria Chubby Cheker, Pat Boone, Brenda Lee. E o Elvis mansinho. Não era pra ter acontecido Little Richard.
   Se engane não. Era pra ter acontecido apenas Hermans Hermits. Dave Clark Five. E Beatles. Não era pra um bando de ingleses toscos se apaixonarem por Muddy e Bo e Hooker. Mas era isso, era blue.
   Na mesa do bar eu conto que uma garrafa de gim é mais perigosa em casa que uma 38 na rua. Me dizem que falei uma frase de blues. Ora, faz tempo que sei que mulheres são invenções do diabo que nos levam pro céu. Ou criações divinas que nos exibem o inferno. Faz tempo que sei o que é acordar e não saber pra onde ir. Repito desde sempre a muito blue frase de Keith: Quando morrer irei pro céu porque passei a vida in hell...Ele é o branco mais blue do mundo baby.
   O melhor na música são esses acidentes. Coisas que não era pra ter sido, mas é. E que têem de engolir. E então ficam tentando pasteurizar e domar. A coisa fica viva. De verdade. Um bando de negros caipiras moldou a alma de caras como eu. E a sua. E a de Wim, Scorsese....etc. Do interiror do interior para SP 2012: um milagre baby, um milagre. Deus existe, veja-O no clip de Poor Boy...Amém.

WHITMAN, O WALT PRIMEIRO

   Aprendi a ler poesia com Whitman. Até então, eu lia poemas como se lesse prosa. Com o mesmo tempo, o mesmo ritmo. Whitman me ensinou o tempo e o ritmo da leitura da poesia. Tempo poético. E então eu me encantei com seu ego. Tudo nele é ele e ele está em tudo. O poeta canta a América, a América é ele.
   Walt Whitman é masturbatório, e sim, alguns poemas são descrições cifradas da masturbação. A geografia do amor é a geografia de seu próprio corpo. Como ele fala, ele se basta.
   Nosso tempo nasceu não na primeira guerra mundial, ele nasce na construção da América e a América nasce na guerra civil. É a primeira guerra moderna, a primeira com jornalistas, metralhadora, tanques, máquinas; e ainda hoje há quem diga ter sido a pior. Walt estava lá, enfermeiro, viu a morte de perto e cantou. Soube ver o renascimento na dor.
   Seu estilo é o do pregador. O poeta sobe ao púlpito e prega aos crentes. Crentes que são americanos, de todas as Américas.
   A Europa jamais poderia ter um Whitman. Ele precisa de espaço, de virgindade, de começos. A Europa é pequena, é velha, está viciada.
   Wordsworth é a Inglaterra e Goethe a Alemanha. Dante é o mundo latino e Petrarca é a Itália. Pois Whitman é os EUA. Ele fala de um presente eterno, ele olha o futuro, ele deixa o passado. Ama o movimento, o ir-se, o individualismo, a coragem, a comunhão. Acima de tudo, ele se ama. Ele olha para si-mesmo e cai de paixão. Mas jamais uma paixão sofrida, ele a goza. Da folha de grama ao soldado que passa, tudo lhe é irmão, e tudo ele ama.
   Whitman teve uma visão e passou a vida inteira descrevendo-a. Reescrevia sua obra sem cessar. Mas desde 1855 sua palavra se afirmara. Um canto a si-mesmo que era um canto a todas as Américas. Todas as terras onde vivessem homens que amassem a democracia, onde as mulheres andassem a cavalo e soubessem atirar, onde os seres fossem camaradas. Onde os horizontes não tivessem fim.
   Os EUA acreditaram em Whitman até 1949. Depois disso, apenas beats e hippies e hoje os ecológicos tentaram manter viva a voz do poeta. Até pouco depois da segunda-guerra voce percebe em filmes e discos e livros americanos a voz de Whitman. A confiança absoluta na vida americana. Mas a partir da guerra da Coréia, da caça aos comunistas, voce começa a notar um desencanto, uma farsa, a América deixa de ser a terra do agora e do porvir e se torna a terra do medo e da nostalgia. Walt Disney e sua fantasia é o Walt desde então. Distração e diversão.
   Os homens que Whitman amou, os simples homens que sabiam atirar e plantar e caçar e domar e amar, esses se foram. As simples mulheres de Whitman, aquelas que eram como cavalos, essas se foram. A América endeusa esses homens e mulheres, porque sabe que eles jamais voltarão. E canta esses heróis no blues, no country, e nos westerns. O individuo que faz parte, o original que é nós-mesmos, o americano.
   Whitman me ensinou a ser eu-mesmo. A olhar o caminho e a cantar. Não é mais meu poeta favorito, mas a ele devo a entrada da poesia em minha vida. Viva Walt!