Golpe de Mestre



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KUBRICK/ ROBERT REDFORD/ EASTWOOD/ KING VIDOR/ HUSTON/ GEORGE C. SCOTT

   O GRANDE GOLPE de Stanley Kubrick com Sterling Hayden
Segundo filme de Kubrick. Dá pra perceber que é um filme de um novato, ele se exibe demais. Várias cenas lembram a técnica de "KANE" de Welles. Sterling Hayden era um ator admirável. Aqui ele repete seu tipo de bandido "marcado" exibido em "THE ASPHALT JUNGLE" obra-prima de Huston feita cinco anos antes. Este é um bom filme de assalto, um pouco exagerado, mas forte. Nota 7.
   GOLPE DE MESTRE de George Roy Hill com Robert Redford e Paul Newman
Grande vencedor dos Oscars de 73, grande sucesso de bilheteria. Passado nos anos 30, temos aqui Redford em seu auge, como um malandro do baixo mundo. Logo na primeira cena vemos um belo golpe aplicado por ele e comparsa. Tudo na malandragem pura. Mas ele dá o azar de mexer com chefe poderoso ( um impagável Robert Shaw ). Descoberto, foge e começa a "trabalhar" com famoso golpista veterano ( Paul Newman, explêndido em seu carisma de picareta desencanado ). Num trem há um dos mais emocionantes jogos de poker do cinema e depois eles armam um golpe milaborante em cima do tal chefe poderoso. Redford, com o mesmo diretor de BUTCH CASSIDY, tem todo o filme para sí. Está ótimo, mas Newman e Shaw estão ainda melhores. Shaw faz um chefão ofendido que é pura jóia. A trilha sonora, velhos números de Scott Joplin foi hit em 73. Sublime. Uma diversão citada por Soderbergh entre seus filmes favoritos de sempre. É matéria obrigatória nos cursos de cinema da UCLA. Nota 9.
   O PLANETA DOS MACACOS de Franklyn J. Schaffner com Charlton Heston, Kim Hunter e Roddy MacDowell
Adoro Heston. Um ator que consegue misturar dois mundos: sério e bonitão, ágil para aventuras e sisudo para dramas. Este filme é drama e aventura juntos. E funciona. Enervante, nos confunde em seu final inesquecível. A estátua caída no chão, o silêncio, as ondas do mar... a perfeição em termos de finais de filmes. Mas ele é muito mais que isso. Ecológico, crítico, contundente. Nota 9.
   MENINA DE OURO de Clint Eastwood com Clint Eastwood, Hilary Swank e Morgan Freeman
Clint faz filmes tristes. BRONCO BILLY é das coisas mais melancólicas já feitas e BIRD não fica atrás. Ele fez comédias também, mas tem óbvias preferências pelo drama. E este tem um terço final muito dramático! Que no meu ver desequilibra todo o filme. Se em seus dois terços iniciais é um maravilhoso conto sobre um velho amargo e uma adorável perdedora, no fim faz-se um mero "filme pra chorar", tipo "ESCAFANDRO E BORBOLETAS" e que tais. Mesmo assim o elenco está de arrasar. Morgan faz um velho derrotado pela vida de um modo suave, todo em tons menores, e Clint mostra-se grande ator. O dono do ginásio é criação de quem aprendeu tudo sobre interpretação. Hilary, dizem, tem uma bio parecida com a da lutadora. Foi pra LA com 75 dólares e tinha de dividir um hamburger por três refeições. O modo como ela se empolga, como sorri é das melhores coisas que uma atriz fez na década. Apesar de suas falhas, é dos poucos vencedores do Oscar dos últimos vinte anos a não ser contestado. Lindo. Nota 9.
   GRAND PRIX de John Frankenheimer com James Garner, Yves Montand e Toshiro Mifune
Acompanhamos a temporada de 1966 da fórmula Um. Monaco, Monza, Spa, Nurburgring, Watkins Glen... Circuitos dos tempos heróicos, não eram feitos para a TV, eram feitos para assustar. O filme é visualmente deslumbrante. As corridas são muito bem filmadas ( são corridas reais com os pilotos da época, Jack Brabham, Jackie Stewart, Jochen Rindt, Jacky Ickx, Bruce Surtees, Ken Tyrrell... ), vemos os F1 mais belos, sem propaganda, longos e elegantes, Lotus, Ferrari, BRM, Honda, March. A trilha sonora de Maurice Jarre se tornou tema da F1 por vinte anos. Pra quem gosta de carros é obrigatório. Frankenheimer foi um dos grandes diretores dos anos 60. Seus filmes eram sempre inquietos. Este é brilhante em sua técnica. A falha: os dramas da vida pessoal dos pilotos são óbvios e tolos. Nota 7.
   MEU VIZINHO MAFIOSO 2 de Howard Deutch com Bruce Willis, Mathew Perry e Amanda Peet
Atores de Tv raramente dão certo no cinema. Será??? Clint Eastwood foi ator de Tv por dez anos. Steve McQueen fez Tv por dois anos. E George Clooney, que não começou na Tv, só brilhou após passar por ela. Mas a turma de Friends não vingou na tela grande. Mesmo Jennifer Aniston se tornou apenas uma boa atriz classe B. Perry neste filme é patético. Passa duas horas fazendo as mesmas caras e tropeções de Friends. Mas o filme é todo pavoroso. Uma mixórdia sem pé nem cabeça que não consegue provocar um sorriso. Comédias são filmes muito perigosos. Um drama ruim é apenas chato. Uma comédia ruim é irritante. Bruce Willis faz seu tipo cool-brega e se perde junto com o filme. Não há nada pra se fazer aqui. Zero.
   GUERRA E PAZ de King Vidor com Henry Fonda, Audrey Hepburn, Mel Ferrer e Vittorio Gassman
Vidor, um dos pioneiros do cinema, já era um veterano quando aceitou fazer este filme. É uma super-produção de Laurentiis. As cenas de batalha são grandiosas e belas. Conseguiram vinte mil homens para espalhar no campo, todos com uniformes napoleônicos e cavalos. Hoje os custos seriam impossíveis. Mas é bacana ver a diferença de multidões digitais e estas, de carne e osso. Nos envolvemos mais, nos assustamos menos. Mas fora isso, este filme é chatésimo! Não há como filmar Tolstoi. É impossível, mesmo nestas quatro longas horas. Audrey faz uma Natasha que se parece com uma americana mimada. Fonda luta para dar vida à Pierre, não consegue. Tolstoi faz livros sobre almas, são anti-cinema. O que temos aqui acaba por ser apenas mais um épico sobre Napoleão ( e o Napoleão de Herbert Lom está idêntico o Dreyfuss da PANTERA COR DE ROSA ). Nota 4.
   A LISTA DE ADRIAN MESSENGER de John Huston com George C. Scott e Kirk Douglas
Até hoje só dois atores recusaram os Oscars que ganharam: Brando em 72 pelo Chefão, e George C.Scott, por Patton em 1970. Foi um grande ator totalmente avesso a estrelismos. Quando vemos alguém como Sean Penn, que se faz de rebelde, mas que agradece seu prêmio como caipira emocionado, entendemos a seriedade que se deve ter para ser um verdadeiro outsider. Aqui Scott é o detetive que desvenda, na Inglaterra rural, um caso de assassinatos em série. Douglas é o vilão, que se esconde em máscaras e tipos soturnos. Com belas mansões, caçadas à raposa e atores excelentes, Huston nos oferece uma gostosa diversão. Um passatempo de classe. Nota 7.

MEU MAIOR TIME

   Sobre os videos aí de baixo.
   Não tenho idade para ter visto o Botafogo de Didi ou o de Gerson. Como não vi o grande Santos ou o Brasil de 70. Mas vi a Holanda de 74, o Palmeiras da Parmalat, o São Paulo de Telê, o Napoli de Maradona, Milan de Gullit, Rejkaard e VanBasten. Vi o Bayern de Beckembauer, França de Platini e Giresse, e vejo o Barça de Messi.
   Mas devo dizer, não vi time como o Flamengo que exsitiu de 78 até 83. Era uma tal gana de vencer que dava medo nos adversários. Não era toque ou paciência, era uma coisa de matar ou morrer.

Flamengo 3x0 Botafogo - 1979



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Botafogo 4 x 1 Flamengo - Decisão Taça Guanabara - 1968



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BOTAFOGO, SERGIO AUGUSTO/ FLAMENGO, RUY CASTRO, O NASCIMENTO DA PAIXÃO NACIONAL

   Muito mais que bundas, samba ou cerveja, a grande paixão nacional é a bola. Em dois livros, com textos épicos, belas fotos e revelações emocionantes, o flamenguista Ruy Castro e o botafoguense Sergio Augusto ( um dos melhores críticos de cinema deste país, talvez o maior ), escrevem sobre suas paixões. Há uma foto de Didi, no livro sobre o Fogão que chega a ser pura obra de arte. Didi anda pela rua, terno e gravata. A esposa vai a seu lado e atrás dos dois, uma multidão de meninos caminha respeitosa e sorridentemente o "guardando". Didi acabara de dar mais um show no Maracanã lotado e voltava para casa a pé, no meio da torcida. A foto transmite a mesma impressão que nos causa a visão de uma pirâmide do Egito. A admiração pela arte de uma civilização perdida.
 Castro explica o porque do Flamengo ser o mais amado do Brasil. Paulistas rancorosos gostam de falar que o Mengo é o maior ( em torcida ) por causa do Rio ter sido capital e seus jogos correrem Brasil afora. Bem...o Flu veio antes, sempre foi elite e não se popularizou do mesmo modo. Why? O Flamengo nasce como time de remo em fins do século XIX. As meninas do bairro davam trela aos remadores do Botafogo e enciumados, os garotos do Flamengo resolveram fundar seu clube náutico. Nascia o Mengão. Na primeira travessia pelo mar alto eles se perdem e ficam dias à deriva. A população do Rio em suspense. Afinal todos conseguem ser resgatados ( por remadores do Botafogo ). Nascia aí a popularidade do Flamengo. Nacionalmente ela se fez porque logo na década de 10, com o futebol fundado no clube, o time passa a ser o primeiro a excursionar pelo nordeste. Quanto ao futebol, é verdade, o clube é cria do Fluminense. O Flu sempre fora do futebol e existiam jogadores do Flu que remavam pelo Flamengo. Quando os cartolas das Laranjeiras peitaram um jogador rebelde, todo o time do Flu se bandeou para o Flamengo e lá fundaram o futebol dentro do clube de remo. Não vamos esquecer que o esporte mais popular do Brasil entre 1880/1920 era o remo e o segundo era o ciclismo. Com um futuro que lhes traria Leônidas, Zizinho, Domingos da Guia e Zico a popularidade do Flamengo estava assegurada.
   A história do Botafogo é bem diferente. Ela começa com o muito aristocrático Botafogo de regatas e o "juvenil" Botafogo futebol clube. Na década de 40 os dois se unem e nasce o BFR, Botafogo de futebol e regatas. O clube de futebol é fundado por um bando de adolescentes, sendo o único clube do Brasil fundado por rapazes. É engraçado o tipo de nome que os jogadores da época têm: Olimpio Tavares Gomes, José Augusto Nunes Prado ou Oscar Smith-Clifford. Era a mais fina flor da aristocracia que jogava bola. Fora o Vasco da Gama, o patinho feio que tinha até negros no time. O Botafogo é logo visto como clube para poucos, de gente "diferente", intelectuais, desajustados e nobres decaídos ( os rivais dizem que é um clube para masoquistas ). Pouca gente sabe que é o Botafogo o clube que mais cedeu jogadores para a seleção nacional, dentre a lista imensa Garrincha, Gerson, Amarildo, Heleno, Jairzinho, Paulo César Caju e Nilton Santos. Clube que "faliu" várias vezes e que sempre renasce.
   São dois livros que se lê com sorriso nos lábios e um prazer idêntico ao de se ver um bom jogo. Times que deram alegria a todo uma nação, histórias de fundação que se movem entre a saga e a anedota. Mesmo não sendo flamenguista ( fui "Zico" de 1976 até 1983 ), ou botafogo ( tive uma admiração pelo fogão na mais tenra infância ), são duas leituras obrigatórias para quem gosta do jogo. Mais, para quem gosta de história.

PAULINHO DA VIOLA

   Eu juro que era assim: Milagres aconteciam. Para eles acontecerem era preciso tempo, céu grande e um horizonte pra se deixar ir. Sem isso não tem milagre mais nenhum.
   Eu juro. Um dos milagres era Nelson Cavaquinho, o outro era Cartola e tem um vivo, Paulinho. Ele tem o tempo que é dele, tem céu grande e horizonte onde se vai. E é um nobre. E cavalheiro. Se o Brasil fosse perfeito todos seríamos Paulinhos. Único, consegue fazer um pandeiro soar triste como um cello. Faz de uma caixa de fósforos batucada,  uma orquestra de câmara. E tudo com elegãncia. Impossível imaginar Paulinho dando um grito.
   Moço do bem. Tudo o que ele faz é bom, certo e reto. Nunca precisamos tanto de muitos Paulinhos como agora. Suas músicas são canções de janelas com rosas, de jardins ensombreados e de cheiro de sabonete em tardes de verão. Dos prazeres discretos, uma tampinha que cai no chão e o vaporzinho que sai da garrafa gelada.
   O milagreiro de "Coisas do Mundo Minha Nega", uma canção que sem drama, com delicadeza, faz a crônica da melancolia. Nela há toda a rica imagem do nosso espírito com os mais belos versos que nasceram do ar. Porque nele tudo parece etéreo, como se vindo do nada. Inclusive a voz de Paulinho, pequena, exata, fina, do céu.
   Voce sabe, ou deveria saber, em versos de canção fomos um dia os maiorais. Não havia no mundo país com melhores letras. Não há mais letras. Com o fim do tempo e do horizonte se foram os milagres. "As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender". A gente fazia versos assim, simples e lindos, fáceis e tão cheios de mensagens e pensamento. E o povão cantava isso... Basta a letra de "Pra ver as Meninas" pra exibir o milagre. Um romance inteiro em 3 minutos de samba.
   Quero dizer ainda que ele é nosso Fred Astaire. O máximo com o mínimo.
   O máximo de elegância com o mínimo de esforço aparente. Natural como viver. Um milagre.

Nu Com A Minha Musica



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OUTRAS PALAVRAS- CAETANO VELOSO, UM MAPA PARA O MAIS SECRETO

   Assim como temos um "eu" que se manifesta para o mundo e um outro "eu" que nos é secreto e imutável; um país também tem uma face voltada ao globo e uma outra, íntima e imune ao tempo, que só é compreendida pelos filhos daquela terra. Não existe valor nessas duas faces, nenhuma é mais real ou melhor, ambas existem nessa comunhão volátil entre as duas, uma se comunicando com o tempo e o total, a outra impassível diante do que lhe é exterior. Ao escutar uma das grandes canções ( e são milhares ) de meu país, tomo contato com esse "eu" mais profundo. É como se ao ouvi-las me encontrasse na mais sólida das terras, e ao mesmo tempo no mais profundo e tênue dos sonhos. A música brasileira tem esse duplo poder: é sólida e real, mas ao mesmo tempo jamais parece acabada, pronta, definida, ela sempre mantém sua profunda ambivalência de tempo sem tempo e de verdade que se sonha. Ela não é melhor que o jazz ou mais aguda que o rock, mas ela é mais. É minha cara, é a sua cara, e eu te explico o porque. Mesmo que voce seja desses que acreditam ser "do mundo".
   Ao escutar este disco, por exemplo. A gente escuta uma voz que repercute dentro, porque ela é um eco feito por alguém que viu, comeu e ouviu o que a gente viveu. Por mais que tenhamos comido hamburger e pop corn, por mais que tenhamos comprado discos de Led Zeppelin e Sonic Youth, e assistido a HBO e a FOX Life, essa voz que escutamos foi alfabetizada em nossa lingua, adormeceu com a voz de pais que falavam nossa fala e sonhou sonhos brasileiros em lingua brasileira. É um disco feito por alguém que sabe quem é Renato Aragão, Zico, Lula ou Portinari; de alguém que sabe o que é a Serra do Mar, uma chuva de verão e uma menina de bikini azul; é alguém que sabe o que significa ter nascido aqui e chutado uma bola na rua. E por isso, "só" por isso, ele falará direto dentro do seu "eu" mais escondido. Por mais que voce abomine seu sotaque baiano, ou sua pretensão "terceiro mundista", saiba, voce é farinha do mesmo saco. Por mais que voce se esforce, para um inglês voce pronuncia " Tea for Two" como um brasileiro.
   Após cursar linguística, minha apreciação sobre este disco mudou radicalmente. Se antes eu amava aquilo que ele "foi" em minha vida, agora descubro o que ele "é" em invenção de palavras, de sentidos e a complexidade inesgotável que mora em seus sons vocálicos. É um tesouro guardado, e o mapa faz-se como canção. Doce. Com percussões delicadas, sempre, e um contra-baixo estilingado que embeleza ao dar ritmo. A canção do Brasil pode ser triste, alegre, angustiada ou sexy, mas jamais é estúpida, tentar encontrar na MPB a agressividade do rock é querer achar num pássaro a alma de um cavalo.
   Por quatro anos de amor, Caetano foi meu guia e meu pai de santo. De Aninha, por Marina e até Gigi, foram noites de janela aberta sobre a cama cantando à Lua. Fui tão feliz que hoje até dói lembrar. E é tão raro, eu sei, ter tido tanto assim. Dou graças a minha sorte. Sei bem o que é o amor.  Como eu amo esta canção! "Nú com a minha mùsica"... Ela anda como ônibus velho em estradas de poeira lá pros lados de Miracatu. Gingando lento de lá pra cá... Ela é como as janelas dos caboclos nos bananais. O horizonte do mangue e os meninos de bicicleta. E é o céu, o céu que é tudo e que sobe até bem pra mais.
   "Nú com a minha música", é como o banho lento- ansioso antes de encontrar o amor.
    E a música tem um assobio calmo, um violão lindo e uma percussão que só no Brasil.
    A brisa anunciando a chuva, linda como a franjinha de Aninha, o olhar de Marina e a voz de Gigi. Estanca o sangue do tempo e recupera a Lua pra mim. Uma canção que me prepara para sempre amar.
   Linda e tão doída. Uma canção que é uma prece, um caminho que vai de alma acima e não cai.
   Talvez a gente não mereça mais nada assim...
   Culminância de um disco perfeito, calor do meu sangue. Fé de que pode tudo ser.

SÉCULO XX E SÉCULO XXI, UMA HISTÓRIA A PARTIR DA FÓRMULA UM

   Estava revendo Grand-Prix, o ótimo filme de John Frankenheimer sobre a fórmula um. Um luxuoso filme que feito em 1966 acabou sem querer se tornando um tipo de documentário sobre a romântica batalha amigável que foi encerrada nos anos 80. Podemos ver Monza ainda com a pista a sessenta graus, Spa com quilômetros de pista campestre, Monaco quase sem propaganda e Brands Hatch com suas curvas em subida e descidas sem fim. Mas o principal são os pilotos. Eles corriam a 280 por hora sem nada que os defendesse da morte. Nada de guard-rail, nada de barras de proteção. Um erro e era o fim. Os carros derrapam todo o tempo e os pilotos trabalham sem parar. E daí vemos o clima de box. Pilotos amigos, combinando festas, paquerando as tietes, soltos e sem grandes obrigações. Apenas a paixão suicida pela corrida e pelo carro. Equipes de garagem, um único dono que é ao mesmo tempo projetista, treinador, pai e mecânico. Lotus, Tyrrell, Brabham, Ligier, Matra, BRM...
   E então os anos 80. As equipes passam a ser geridas como um investimento, um negócio e o piloto como um tipo de executivo de macacão. Pilotar é agora como ir pra cama com uma mulher usando um fone de ouvido: "Atenção, mais atenção ao mamilo esquerdo! Segure a ejaculação, ainda é cedo.... mexa esses quadris... estou sentindo um esfriamento da mão direita, mexa-a nas costas dela... voce ainda tem energia pra mais 20 minutos..."  Não há retrato melhor do século XXI.
   O século XX foi muito curto. Começou com uma guerra em 1914, teve seu apogeu após uma outra guerra ( 1945/1965 ) e se encerra na década de 80, com o fim das utopias e o inicio do mundo como tela hiper-exposta. Detalhe interessante: até 1979, 1980, voce ainda via na TV pessoas que ao serem entrevistadas se sentiam muito intimidadas. Cantores pop ou atletas que travavam na frente de um microfone. Hoje qualquer cidadão das ruas se faz natural diante de uma entrevista. Porque? Pra onde se foi aquele timidez que nada mais era que uma defesa da intimidade? Na verdade o que ocorre é que todos sentem-se todo o tempo em rede, uma câmera não assusta ninguém. A solidão do piloto, isolado em seu carro, dando o máximo diante da morte, isso não mais existe. A ironia suprema do século XXI é a de que nunca foi tão dificil estar completamente só. E ao mesmo tempo nunca nos sentimos tão solitários.
   Foi nos anos 80 que as últimas companhias de cinema "puras" quebraram. Todas passaram a ser controladas por big companhias "de fora". Como diz Bogdanovich, não só os donos dos estúdios nada entendem de cinema, como muitos deles nem gostam de filmes. É apenas um negócio. Isso se percebe na mudança que aconteceu nos lançamentos. Até a década de 70 um filme, mesmo os grandes, era lançado em 3 ou 4 grandes salas, de luxo. Daí se via a reação de público e crítica. De acordo com isso, aumentava-se o número de salas, ou se tirava o filme de cartaz. Até que algum gênio teve a ideia: lançar em 200 salas. Antes  que o público pudesse fazer comentários boca a boca. Em uma semana entupir o povo com a certeza de que aquele filme era O evento. Faturar tudo em oito dias. E depois se o boca a boca fosse ruim... dane-se, os trouxas já tinham gasto seu dinheiro. Essa é uma estratégia de quem pensa apenas em ganhar e nunca em fazer bons filmes. Os velhos donos eram tirânicos, mesquinhos e bregas, podiam ter um péssimo gosto para filmes, mas viviam pelo cinema, adoravam filmes, amavam sua profissão. O sonho deles era ganhar dinheiro fazendo bom cinema, não apenas ganhar dinheiro fazendo bons investimentos.
   É então nessa década que surge a super-estrutura que em seu extremo faz com que até os tais líderes mundiais se tornem apenas medíocres burocratas/testas de ferro da estrutura maior. Ao contrário do século XX, tempo de grandes homens, fossem eles grandes ditadores ou grandes criadores, temos agora o tempo de grandes "eventos", eventos que podem ser uma copa do mundo, uma eleição ou um show de rock.
   Jim Clark morreu em 1967 a bordo de um carro de fórmula 2. Bi-Campeão de F1, Jim Clark aceitara um convite para disputar uma prova de F2... por amizade, de graça. Pilotando como sempre no extremo limite, Clark encontrou uma árvore em seu caminho. Para o mundo inteiro, fora Brasil e Alemanha, ele foi o maior piloto da história. Schumacher tem mais títulos, Senna teve a sorte de ser exibido fartamente pela Tv, inclusive morrer em rede mundial; Clark morreu só, dentro de seu carro numa curva sem arquibancada e sem câmeras. Tinha 26 anos. Ninguém o obrigou a correr. Fez o que nascera para fazer. Era dono de seu nariz. Não havia um patrão que o obrigasse a não correr na F2. Ele podia correr onde quisesse, ir onde tivesse vontade, fazer o que pensasse.  Em sua morte simboliza-se toda a diferença entre duas épocas.
  

YEATS, BOXE, MAGGIE E UM COWBOY: MENINA DE OURO, UM FILME DO SUPER CLINT EASTWOOD

   Conheço várias Maggies ( personagem de Hilary Swank ). Elas lutam. Não têm absolutamente nada. Sorriem pouco, mas quando dão um sorriso ele vale ouro. Não são exemplos da beleza padrão, mas são lindas. Pedem muito pouco da vida. E perdem todo dia. Mas vivem, como elas vivem! De um beijo tiram toda uma odisséia e de um domingo em paz fazem um motivo para a existência. Essas Maggies estragaram meu gosto para mulheres. Depois delas eu nunca mais senti prazer com mulheres que ganharam tudo dado. Com mulheres que não precisam dar socos. O filme é um poema para todas as Maggies, e eu o revejo me sentindo apaixonado por ela. Eu amo aquela moça.
   Uma das Maggies de minha vida me disse um dia que eu era um Frankie. Perguntei se eu era assim tão velho. Ela disse que era por eu ter medo. Se essa Maggie soubesse ela poderia dizer que além de tudo eu sou louco por Yeats. Frankie vive na escória. É um perdedor, um solitário e um mandão. Um cowboy preso a cidade. Mas lê Yeats e estuda gaélico. Neste, que é o desempenho da vida de Clint, ele mistura todas as suas personas: o diretor, o solitário, o cowboy salvador. Frankie vai a igreja, lê Yeats e nada vê de redentor em sua vida. Então ele vê Maggie.
   Hilary Swank ganhou o Oscar de atriz em 2005 por este papel. Ela está deslumbrante. A pobre Maggie se torna linda em cada sorriso e consegue parecer uma menina, mesmo em meio a socos sobre um ringue. Cada vez que ela diz: "Ok Boss!" , sentimos verdade e vida naquilo tudo.  Mas o filme é do velho Clint. Majestoso, essa é a palavra exata para o que ele faz. A cena final, em que ele se dá para ela ( é o que ele faz, como mártir ele a deixa partir sabendo que ele irá junto ), é de uma sincera emoção. Clint já foi muito mais emocionante, admirável ou adorável, mas jamais foi tão humano.
   O roteiro de Paul Haggis é baseado num livro de F.X.Toole. Ganhou um Oscar. Toole é irlandês. Foi boxeador. toureiro no México, pescador no Caribe e viajou todo o mundo. Surpreendentemente, tem a voz suave, é educadíssimo, vai todo dia à igreja católica e adora poesia. Um tipo de John Huston com fé.  Aliás, mais um tipo de artista à la Huston. Frankie é Toole de certa forma.
   Eu chamaria o filme de obra-prima até seus 3/4. No 1/4 final ele ameaça cair em mais um melô de gente em hospital. O papel de Swank perde a originalidade e se torna um desempenho tipo Oscar. Mas Clint luta bravamente e consegue se equilibrar nesse meio fio entre a apelação e a verdade. A forma como ela morre redime o melô.
   As lutas de boxe são perfeitas e todos os personagens secundários são criveis. Levou ainda direção, filme e coadjuvante para um Morgan Freeman doloroso. Depois desses prêmios o Oscar não acertou mais. Talvez porque o cinema tem errado demais.
   Dizem que todo homem triste produz arte alegre e que um homem alegre produz arte dramática. Não sei se é verdade. Não acho que Bergman fosse alegre. Mas sei que todo humorista é tristonho. Bem, se essa tese for verdadeira, Clint Eastwood está tendo um fim de vida muito feliz. Poucos cineastas americanos têm feito filmes tão melancólicos. Menina de Ouro é prova de que a tristeza pode ter uma beleza invencível. O maior elogio que lhe posso fazer é que ele nos hipnotiza, nos faz chorar e é digno de cada Maggie que luta por aí. Clint Eastwood deixará um vazio imenso quando partir. Ainda bem que ele é invencível !