CAIO FERNANDO et JULIO BARROSO

Os caras adoravam Caio Fernando Abreu. Todos liam e adoravam ele. Eu não. Nunca gostei dos livros daquela época. De repente, qualquer Zé tava lendo Bukowski, Ginsberg, Kerouac e John Fante. Foi um desbunde pós-repressão. Aldous Huxley era lido aos galões, junto com Jean Genet e Margueritte Yourcenar. Nesse tempo eu lia Homem Aranha, Asterix e Mad.
Entrei numa faculdade reaça. Mas que tinha umas pessoas beeeem interessantes:
Roberto editava um zine em casa. Era um zine que pregava o fim de tudo. Ensinava como mentir, como enganar, modos de roubar, jeitos de ser odiado e de odiar. Coerentemente, Roberto, que vivia com o nariz escorrendo e era muito pálido, passou a odiar seu próprio trabalho e destruiu o zine.
Romeu pegava onda e odiava surfistas. Tocava bateria e tinha enjôo com músicos. Fumava erva e tinha bode de maconheiros. Romeu adorava mulher e tinha um modo muito direto de as abordar. Costumava levar tapas e pontapés. Voltava sangrando pra casa.
Patty nunca repetiu uma roupa. Durante um ano, nunca usou nada mais de uma vez. E todas eram da mesma cor : roxo. Tons de roxo em roupas que jamais se repetiam. E não tirava os óculos escuros.
Bill envenenava carros. Matava de medo quem andasse com ele. Tinha uma casa no meio do mato onde criava dois macacos. Bill discutia toda aula com os professores. Ele era um ogro. Velejava na ilha.
Frank pintava móveis destruídos. Comprava móveis novos, detonava tudo com martelo e machado e depois os pintava com cuidado. Chamava isso de arte. Frank tinha tudo : era inteligente, bonito e tinha muita grana. Mas, na noite, ele andava solitário pelas ruas, a pé, e namorava ( por uma noite apenas ) as mulheres mais feias que ele pudesse encontrar. Desejava o feio. Transava em hotéis fedidos. E passava meses no Georges V, em Paris.
Ricardo andava de tuxedo. Levava no carro uma garrafa de champagne, " para manter a sanidade" e pensava que seria lindo se atirar do Empire State. Seu riso, constante, era como o de um faraó do vale do Nilo e frequentava concertos de orgão em igrejas do centro.
Andrea pegava onda onde ninguém ia. E acampava sózinha, cantando a noite toda para as estrelas. Todos achavam que ela era louca e ela fazia pulseiras de pele de cobra. Desenhava em pedras brancas com tinta preta.
Roberval se picava de noite e criava um filho de dia. Tocava guitarra em botecos de punks chics e tinha um dom para escrever bem e viver mal. Roberval amava para sempre a mãe de seu filho e se irritava comigo.
Mauricio foi ser instrutor de snow no Colorado. Antes foi skatista quase-pro. E antes ainda teve um zine sobre quadrinhos violentos e garotas gostosas. Fazia vídeos anti-arte e músicas anti-música. Mauricio tinha um amigo.
Flavia posava para pinturas eróticas. E escrevia poemas sobre os novos tempos. Usava as mais curtas saias da escola e lia Rimbaud ouvindo James Brown ( pra ela tinha tudo a ver ). Flavia bebia vodka com soda e ficava dançando toda a noite de frente ao espelho.
Marcos enchia o hamburger de catchup e depois lambia o prato sobre o balcão. Adormecia em todo cinema e roncava em peças de vanguarda. Marcos lia Heminguay e amava Thomas Mann e batia fotos das ruas e queria ser Goddard. Cavava um buraco na areia do Tombo e dormia toda a tarde.
Gigi se vestia de preto. Sempre alinhada, cheirosa, brilhando. Ria da cara de todo mundo e ria de mim. Andávamos de braços dados pelas ruas muito mal iluminadas e falávamos da cafonice do universo. Ela era a musa Roxy e eu era o cantor de seu roxysmo. Gigi usava ligas.
Eu pegava onda mal sabendo nadar. Num tempo em que ir à Ubatuba era uma aventura. Fazia peças sem assistir teatro, quando o que importava era subir no palco. Ligava a câmera e filmava qualquer coisa. Bom era apontar, focar e gravar. Cantava numa banda e nunca soube cantar. Gritava e pulava e isso era bom demais. Estava sempre apaixonado, e jamais soube amar.
Me perdia em bares onde se conversava sobre politica, onde moças gritavam e jogavam gim em nossa cara e bandas barulhentas desistiam de tocar ao se entediarem. Às vezes adormecí no Madame Satã. Acordava dia alto, e ia andando rumo a Paulista, vendo o sol machucar. Wilson me dava vodka para acordar e contava sua vida de ex-seminarista.
E em minha faculdade reaça...
Soube que Julio Barroso havia morrido. E disfarcei. Fiquei mal pra caramba. Ele escrevia tudo o que eu queria falar. E me deu uma dica do que ouvir. Morreu naquele ano. Mas alguns outros ficaram vivos, um pouco mais vivos. Um monte de Rimbauds, um monte de poetas, pretensos poetas, que queriam sentir tudo, queriam viver tudo, se consumir. Pretensiosos, enjoados, chatos, vivos. Beeeeem vivos.
Um mundo mais sujo. Mais cheio de sombras. Muito mais triste. E mais feliz.

go back ! ( the old school yard )

A sala quadrada de grandes janelas altas, onde aprendi a pintar, escrever e tocar flauta, hoje, tantos anos passados, é a biblioteca. Não deixa de haver justiça nisso. Nesse tempo todo vivi entre livros. Lá, trabalham dois ex-professores. Um deles, professor ao velho estilo, usa paletó e chapéu. Lecionava as " duas matérias mortas, tão mortas quanto são o latim e a caligrafia : história e filosofia ".
Não sei onde li que uma das tragédias do mundo contemporâneo é a desvalorização da experiência dos mais velhos. É claro que a maioria deles nada tem a dizer, a não ser reclamações da aposentadoria e raiva da vida. Mas este senhor tem muito a dizer.
Falo de matemática. Ela é uma coisa bela, eu sei. Mas ela jamais mostrou sua inteira beleza para mim. O velho diz que a beleza na matemática está na filosofia por detrás dela. Não é encontrar a solução, é entender o porque do problema.
Recordo Pitágoras, o começo de tudo, onde a matemática se torna um misticismo. Ele me diz duas coisas interessantes : a perfeição do ímpar ( basta a sí só ) e o Zero. Como pode, num mundo onde tudo é alguma coisa, alguém ter criado o conceito do zero, do nada. Como?
Ele salta então de Pitágoras para Martin Heidegger. E me dá uma aula.
A diferença básica do homem para outros seres é que o homem vê o vazio, o zero, o nada. Um animal doente sente dor, o homem teme o vazio. Toda angústia vem disso : tentamos compreender esse vazio, mas ele se faz incompreensível. O que éramos antes de nascer, eis a idéia de vazio; o que virá depois, vazio.
Colocado entre esses dois zeros, cabe ao homem duas escolhas : construir sua essência ou viver na existência pura. Nós, únicos seres com livre escolha, podemos adquirir conhecimento, expandindo a vida, absorvendo outros pensamentos, nos tornando sábios. Ou viver inconscientes, prendendo-se à rotina do ir e vir sem fim.
É preciso ver o vazio para se erguer algo de verdadeiro em sua essência. Fazer a ponte entre os dois zeros. Ou negar sua realidade e viver na ilusão anti-vazio, que é o pior dos vazios.
O homem religioso constrói sua essência a partir de Deus. Ele sente algo em sí que não é só seu, é de todos. O ateu constrói sua essência na certeza de ser absoluto dono de sí mesmo : tudo que existe nele é dele mesmo. O que ele faz é sua responsabilidade.
Falo então que existe em todo religioso algo de " tirar o corpo fora, de se isentar de responsabilidade ", e no ateu " um imenso orgulho de se ser dono de sí ". Vejo um como "ovelha" e o outro como "rei da vaidade".
Que engraçado : na sala onde eu admirava, confuso, as pernas da professora em minissaias e meias arrastão, hoje ouço uma aula de existência e essência.
O homem constrói o seu eu todo o dia. E passa todo o tempo com o medo de ver esse eu desaparecer no vazio. Essa é a grande descoberta humana: o zero existe. E neste mundo de imagens, pressa, barulho, vozes, modas, distrações, tentamos ansiosamente negar qualquer tipo de reflexão ou consciência. Não construímos nosso eu, moldamos nossa vida à distração. Mas o abismo está ao lado, sabemos disso. Voltamos as costas, não o encaramos, fugimos e nos tornamos fáceis e inocentes vítimas do nada, do vácuo, da não-história, do zero infinito.
O velho pensa que fui bom aluno. Ele não sabe o quanto fui vagabundo. Diz ele que sou um pensador nato- sempre querendo saber. Penso que sou um preguiçoso, sempre pensando. Nos despedimos e ele ergue seu chapéu marrom. Desde cedo, já naquela escola, o vazio foi meu compadre mais constante. Ele me assistia no jardim empoeirado onde eu comia maçã com laranja. Acenou sua mão feita de nada quando andei para outras escolas e outras professoras bonitas. Esteve comigo nas noites de frio e nas tardes de ondas grandes. E me fez procurar esse velho de paletó alinhado.
A sala de aula, hoje biblioteca, é um zero em sí.

SPIELBERG/FATAL/MEL BROOKS/BETTY HUTTON/2001-KUBRICK

ENCURRALADO de Steven Spielberg
Steven estréia neste tv-movie para a NBC. Fez tanto sucesso que acabou passando nas telas de cinema também. Ele faz aqui aquilo que sabe : entreter. Um caminhão persegue um carro. Obsessivamente. E é só isso. Alguns bons momentos num tipo de "Os Pássaros" sem o gênio de Hitchcock. nota 5.
FATAL de Isabel Coixet com Ben Kingsley, Penelope Cruz, Dennis Hopper.
O interesse único é o belo trabalho dos atores. São humanos. Nem bons, nem ruins: imperfeitos. O final, melodrama óbvio, estraga o tom. Baseado em Philip Roth, mostra o que acontece com uma história contada sem a escrita refinada de Roth : pobreza. O cinema não se adapta à Roth. nota 5.
UM CONTO DE CANTERBURY de Michael Powell
Um dos milagres de nosso mercado de DVDs é a bela quantidade de filmes de Powell lançados no Brasil. Alguém os compra ? Eu compro todos. Powell é um tesouro, um troféu que dignifica o cinema. Todos os seus filmes guardam discretas surpresas. Nunca são aquilo que prometem, sempre são mais. Este parece ser sobre a segunda-guerra. Depois parece uma comédia e então se torna um conto policial. Mas ao final mostra o que é : um poema sobre Canterbury, berço espiritual da Inglaterra. As cenas que mostram o cotidiano da cidade, os sotaques, a geografia do lugar, são magistrais. Uma pedra preciosa. Uma sonata de piano. Raro. --- uma curiosidade: há uma cena com o seguinte diálogo entre dois soldados americanos : - como voce conseguiu se acostumar com esse chá preto? é horrível!!!! - ora, questão de hábito. É COMO MARIJUANA. UM SIMPLES HÁBITO!!!!----- o filme foi feito antes da criminalização da erva. nota 9.
O CONFORMISTA de Bernardo Bertolucci com Jean-Louis Trintignant, Stefania Sandrelli, Dominique Sanda e Gastone Mosquin.
De uma irritante tolice. O pior dos anos 60 está todo aqui : um esquematismo revolucionário em que tudo cheira a panfletagem. Nada tem sentido psicológico, nada tem clareza, tudo é pesado, veemente, exarcebado. Chato, cansativo, infantil. nota ZERO.
O JOVEM FRANKENSTEIN de Mel Brooks com Gene Wilder, Marty Feldman, Teri Garr, Madeline Kahn, Cloris Leachman, Kenneth Mars, Peter Boyle e Gene Hackman.
Brooks, com sua grossura e falta de finesse, criou a comédia atual. Tudo pode ser feito, desde que faça rir. Seu trunfo são seus atores. A troupe que ele tinha em mãos era realmente talentosa. Todos brilham, todos fazem rir. Os americanos consideram esta uma das cinco maiores comédias da história. Não sei se é tanto. Mas é uma soberba diversão. nota 8.
ANNIE GET YOUR GUN de George Sidney com Betty Hutton e Howard Keel.
Um musical sobre shows de western que aconteciam no início do século XX. Um musical sobre a maior atiradora da história : Annie Oakley, uma caipira dos cafundós. Um musical com uma estrela que eu nunca assistira : Betty Hutton. Um musical que fez com que eu me apaixonasse por Hutton. Ela é um fenômeno!!!! Muito engraçada, cheia de caretas de moleque sujo, bonita, rouba o filme e nos encanta. Uma festa! Ah... músicas ( excelentes ) de Irving Berlin. nota 8.
PRIMAVERA PARA HITLER de Mel Brooks com Zero Mostel e Gene Wilder.
A estréia de Brooks no cinema lhe deu o Oscar de melhor roteiro. Uma comédia maravilhosa sobre a Broadway que teve uma refilmagem infame com Nathan Lane/ Mathew Broderick/ Uma Thurman. O autor nazista, o diretor gay, o cantor glitter-hippie, são personagens hilários!!!! Um enorme prazer. nota 8.
MORE de Barbet Schroeder
Um alemão vai de carona à Paris. Conhece junkie. A segue à Ibiza. Se droga. Sexo à três. Só isso. Trilha sonora do Pink Floyd. É a estréia de Barbet como diretor. Séculos depois ele faria " O reverso da Fortuna" e "Mulher solteira procura". Foi produtor de Rhomer e Rivette antes deste filme. Que poderia não ser tão ruim se tivesse algum ator que soubesse interpretar. É tudo de um amadorismo absurdo. Para piorar, todas as falas são improvisadas. De bom, uma Ibiza ainda espanhola, parecida com uma Ilhabela-junk. A trilha é ok, mas a música daquele momento era feita pelo Soft Machine! nota 1.
ORFEU de Jean Cocteau com Jean Marais, Maria Casarés, François Périer e Marie Déa.
Primeiro fato: Cocteau não tem vergonha. Ele pensa ser um gênio e expõe isso sem pudor algum. Ele foi um gênio ? Bem... quase. Poeta, pintor, desenhista, cenógrafo, cineasta, músico... ele foi tudo isso. Como não se concentrou em nada, acabou não sendo gênio em nada. Mas foi grande. Orfeu adapta o mito grego para nosso tempo. ( Será que o muito elegante tempo do filme- Paris 1950- ainda é nosso tempo ? ). O filme é sobre a morte, a poesia, o amor, os espíritos. Mas no fundo é sobre Cocteau. Seu ego está em cada segundo filmado. Este filme é também, possívelmente, o que melhor soube mostrar a falta aparente de lógica dos sonhos. Mas atenção : é um filme fácil de entender. Não é hermético. É aberto. Como todo Cocteau, belo de se ver. nota 8.
2001-UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO de Stanley Kubrick
Isto não é um filme. É um conceito. Com isso em mente, assita-o.
Primeiro fato: como é possível ter sido um sucesso em 68 um filme tão dificil ?
Segundo: muita gente tomava LSD no saguão e viajava todo o filme. Dizem que ele dá uma bela viagem.
Terceiro: Kubrick nunca foi tão ambicioso. Ele tenta explicar a vida. Para nosso tempo, em que tudo que um bom diretor deseja é mostrar um pouquinho de seu coraçãozinho, isso é irritante.
Quarto: os primeiros vinte minutos são soberbos. Kubrick filma, talvez, os mais emocionantes momentos do cinema. A aurora do Homem. O medo, a agressividade, o nascimento de nós mesmos. Há algo de profundamente comovente naqueles seres. Em seu primitivismo. Nós os olhamos não como nossos avôs. Parecem nossos desamparados filhos. A breve cena que mostra seu terror noturno sempre me comove. Como me comove também a cena em que Kubrick se exibe gênio que é, aquela com os ossos.
Quinto: tédio. O filme se torna lento. Toda a missão espacial é glacial. Mas impressiona um fato : o acerto no modelo do computador com câmera. Os efeitos ( pré-digitais, feitos mecanicamente ) são perfeitos.
Sexto: o computador enlouquece. Muito trágico o fato de que a sabedoria humana se concentra numa máquina.
Sétimo: a morte e a entrada em outra dimensão. A melhor sequencia ( longa ) sobre o que seria o xamanismo. O astronauta morre. O que ocorre ? Uma viagem de LSD numa cena ultra psicodélica. Sons de sintetizador. ( num tempo de sintetizadores do tamanho de armários- sem teclados! )
Oitavo: o final. Não vou contar. ( Alguém ainda não viu 2001 ? ). Mas é intrigante, surpreendente, e faz, estranhamente, sentido.
Nono: a última imagem. Faz chorar. É linda. Talvez a mais linda possível.
O QUE É ESTE FILME?
Para Kubrick, o homem só viveu dois momentos chave : a descoberta de sua singularidade, que se deu através da descoberta da arma; e a viagem espacial, a saída deste planeta. O terceiro passo evolutivo, ainda não dado, seria o encontro com uma inteligência fora deste mundo. O monolito é o que? Pode ser Deus. Pode ser a razão ( observe que na natureza não existe a linha reta, ele é chocante para os trogloditas por ser retilineo, polido, perfeito ), pode também ser um ET. O monolito simboliza a novidade, o ponto de morte/renascimento. Mas daí vem outro enigma : porque a sala Luis XV ?
Pauline Kael, que não gostava do filme, o chamava de aula de filosofia alemã dada por um chato professor calvinista. Nem tanto. Como disse, voce não pode julgá-lo como cinema, é arte conceitual, uma instalação. Dificil, árido, árduo, mas acredite, inesquecível. nota DEZ.

greengrass/abrams/fincher/miyazaki/stanton/boyle-seus favoritos

Se fala no blog da Folha sobre uma matéria da revista "SightnSound". Diretores conhecidos de hoje falam sobre suas preferências. As perguntas são : Qual seu plano favorito ( tomada ) e Que filme voce gostaria de ter dirigido.
Danny Boyle tem a resposta mais óbvia - queria ter dirigido APOCALYPSE NOW de Coppolla. Plano, qualquer um de SANGUE NEGRO.
J J Abrams acha que a aparição de Grace Kelly em JANELA INDISCRETA é a mais bela tomada do cinema, e queria ter assinado NÚPCIAS DE ESCÂNDALO de George Cukor. J J acaba de ganhar um zilhão de pontos comigo.
James Cameron fala na cena do osso em 2001 de Kubrick como a melhor, e gostaria de ter em sua filmografia JURASSIC PARK.
Paul Greengrass vê o take final de O CHEFÃO 2 de Coppolla como o melhor momento. Gostaria de ter feito A BATALHA DE ARGEL filme esquerdista de Gillo Pontecorvo.
Pedro Almodóvar adora a cena do olho sendo cortado em Buñuel e queria assinar A DAMA DE SHANGAI de Orson Welles.
Miyazaki, diretor de Shihiro e tanta coisa boa é fã ardoroso da cena em que Wyatt Earp anda de braços dados com Clementine, em PAIXÃO DOS FORTES de John Ford.
Sam Mendes ama TAXI DRIVER. O filme de Scorsese tem a melhor tomada e é o filme que ele queria fazer.
David Fincher vai de LAWRENCE DA ARÁBIA. Ele considera a entrada em cena de Omar Shariff a melhor já filmada. Seu filme é JANELA INDISCRETA.
Andrew Stanton, diretor do ótimo Nemo e do genial Wall.E, elege uma cena de Lawrence da Arábia : Peter O'Toole andando sobre o trem. O filme é CINEMA PARADISO.
N. Shyamalan não escolhe cena. Só de Hitchcock seriam centenas. O filme é A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA de Peter Bogdanovich.
E por fim, Guillermo del Toro, fã de FRANKENSTEIN, cena e filme são dessa obra de James Whale.
Beeem... JANELA INDISCRETA e LAWRENCE DA ARÁBIA, eis dois filmes muito valorizados por quem dirige filmes. Hitchcock, o cara que levava o espectador para onde queria levar; e David Lean, o diretor do mais extremado bom gosto. Único a fazer super produções com cara de filme intimista. O cinema sente muita falta dos dois. Eles sabem.

COMO SER DIFERENTE ( HOJE )

Eu estava num lugar qualquer fazendo qualquer coisa, quando veio o assunto : como ser diferente hoje. O que seria ser do contra, ser perigoso, ser original. ( Não estava só. Um amigo estava comigo nesse lugar qualquer ).
No tempo em que todo homem andava de terno escuro e chapéu, andar de roupa colorida e cabelo comprido já era uma ofensa. Nessa época passada, de sexo escondido e casamentos para sempre, transar sem compromisso e viver junto era um desafio. Depois, quando cabelo comprido era moda de gerentes de banco e locutores de futebol, veio a onda do cabelo muito curto, da roupa preta e do anarquismo em tudo. O mercado adorou e começou a vender calças detonadas, fivelas punks e gravatas fininhas. Desde então, tentou-se ser diferente usando cabelos verdes, roupas new-hippie, coturnos, ombreiras imensas. Materialismo, green-peace, nova direita, esquerda chique, grunges, um vale qualquer coisa.
A última coisa que chocou ( e não foi um revival ) foi a moda de calças largas caindo, tênis chamativo e bonés. Uma atitude de "eu sou o máximo". A coisa do hip-hop. Mas isso tem mais de vinte anos!!!!!!! E agora ? Rave é revival de festas de hippies em Ibiza. Toda sua politica, todo seu estilo de vida é Kevin Ayers com Daevid Allen. Emo é um dark-baby. Jogadores de futebol usam moicano! Vovós se tatuam, crianças usam piercing. Como ser original?
O mundo hoje é consumo, tecnologia e pressa. Mas ser contra o consumo é ser fashion. Ser anti-tecnologia é fazer parte de uma tribo, pregar a calma e a volta à natureza é ser parte do new-age. Querer ser diferente, aliás, é tema de toda campanha publicitária. A GM, a Vivo, todas usam isso. Qual o tabu a ser quebrado ? O que irrita um teen ? O que seria ridículo para um fashionista ?
Ser velho. Nada é mais endeusado que a juventude eterna. Ser velho. Assumir idade, rugas, mal humor. Não tentar parecer jovem, se desligar de cremes, ginásticas, loções e plásticas. Ser um feliz e chato dinossauro.
Meu amigo complementa : ser Humphrey Bogart - um velho/ macho/ fumante/ duro/ na dele. É isso.
A última revolução possível : ser jovem já era. E viva Clint !

CAÇANDO, PLANTANDO, PASTOREANDO?

Eu ando lendo 3 livros sobre a história da arte. Sobre 3 períodos que me interessam muito : a pré-história, a era clássica e a época bizantina. Nada direi sobre o que foi feito em Bizancio. Concordo com Yeats quando ele diz que foi a época do apogeu da beleza no mundo. Algumas pinturas em paredes ( anônimas, sempre ) são, talvez, a coisa mais cheia de cor e de paz já pensada e executada por mão humana. Tudo o que foi feito por essa civilização esbanja sabedoria e tem, ao mesmo tempo, um estranho ar de irrealidade imutável. É como se fossem retratos de nossa alma.
Acabei me desmentindo e dando um toque sobre a arte bizantina, mas o que preciso falar é que o autor diz que a arte foi criada pelos xamãs pré-históricos ( 15.000 a/c ).
Primeiro- não confunda um xamã com um curandeiro. O curandeiro é um médico/ político que trabalha conscientemente. Ele quer ser curandeiro, ele quer o poder. Jamais trabalha em transe. Faz parte do sistema. O xamã é bem diverso.
O xamã é um psicótico que em sua doença sente-se à beira da destruição total. É dominado por espíritos e visões. Essa pessoa, fora da sociedade, obtém o conhecimento de como se curar, para depois curar a alma da aldeia. Ele não desejou ser o que é, ele nasceu para o ser.
A sua cura se dá pela arte primitiva. O xamã pinta nas cavernas aquilo que o atormenta, faz totens sobre seu medo, dança sua visão, conta à tribo seus delírios, canta sua cura. Ele passa a ser o guardião da alma da tribo e sua reserva de saúde mental.
Caçadores.
Tudo isso nasce no estágio humano da caça. Nascemos míseros coletores, comedores de restos, de carniça, de fruta estragada. Mas um dia aprendemos a domar nosso medo e a caçar. Mas atenção, no estágio de caçador o homem sente-se inferior ao animal. O homem sabe ser mais fraco. Ele não voa, não nada e sente frio. Então ele cria primeiro a armadilha e depois a arma. Mas, muito mais importante, ele usa o xamã para caçar. Porquê?
Sentindo-se parte da natureza, o homem sente um grande conflito ( que atesta a sofisticação de seu sentimento ) - que direito ele tem de matar ? E se amanhã a caça acabar ? E se os deuses, deuses que são tão animais quanto o bisão, o urso ou o cavalo, lhe castigarem pelo massacre ? Matar um bicho não equivale a matar a natureza ? O homem faz cerimonias para aliviar esse conflito. O xamã invoca os espíritos dos animais mortos, faz com que eles renasçam usando seus ossos, suas vísceras, pinta suas eternidades na pedra, honra seu sacrifício. Após a cerimônia, em paz com a natureza, o caçador parte para a floresta, com a certeza de que a alma do animal está reencarnada. A caça poderá prosseguir.
Inimaginável para nós tamanha união com a natureza. O homem não como um animal, mas como menos que um animal. Um ser que deve tributo e pede perdão ao caçado.
Você pode pensar que tudo isto é um chute. Mas não. Esse modo pré-escrita, foi verificado em pleno século XX nos esquimós, em relatos de tribos indígenas norte-americanas do século XIX, nos lapões da Finlandia, nos maoris da Nova Zelandia. No que restava de pré-histórico em nosso tempo.
O que me fascina é imaginar o quanto ainda carregamos em nossos genes desse caçador. O quanto devemos sofrer inconscientemente pela culpa de estuprar a ordem natural da vida. Andamos de pé para olhar pela savana, para avistar a presa. Falamos para organizar a caçada. E nossa arte é manifestação dessa realidade.
Com a agricultura deixamos de ser um bicho em meio a vida natural e passamos a modificar esse meio. Derrubamos a mata, afastamos os animais e fazemos algo que nenhum homem fazia antes : observamos os ciclos da vida. Começamos a nos ver como um ser fora da ordem natural. Todo animal caça. Nenhum faz uma horta. Mais que isso, ao plantar a semente no solo ( aparentemente morta ) e vê-la gerar vida, criamos toda uma religião baseada no renascimento. Enterramos nossos corpos também. O homem toma consciência de sí como estranho em meio aos outros seres vivos. Nós, como somos até agora, nascemos aí. Não vamos atrás da caça. Nos fixamos e esperamos.
Cães, cabras, porcos e cavalos são usados como bichos-instrumentos, e com sua domesticação é perdido o último grão de união à vida original. Não mais pedir perdão. Usar.
No ócio de passar o dia vendo cabras pastarem nasce a filosofia grega. Mas essa é outra história. O que penso é na arte visceral de Picasso. Em como ele entendeu tudo isso e viveu tudo. Como sua arte se parece com a arte dos xamãs de milhares de anos atrás. Como ele foi o psicótico-curado, o sonhador-anunciador, o caçador-perdoado. Picasso, e também Klee, são xamãs perdidos na época errada, ou, mais provável, homens que fizeram a maior das viagens : entraram tão dentro de sí mesmos, foram tão fundo, tão longe, que viram, por um terrível segundo, a cara do caçador, a mão do agressor, e mais ainda : viram aquilo que todos nós perdemos- a alma livre. Voltaram então, e pintaram. As imagens de nossas caçadas domadas, o xamanismo de nossa loucura.
Da caverna em Altamira, no norte da Espanha, em 15.000a/c, até Pablo Picasso, em Barcelona, 1910. Um segundo num pensamento. Evoluímos? Para onde?

white light/VU/white heat

WHITE LIGHT vem uma massa de som mal gravado. Uma embolação de piano, guitarras e vocais. Tudo esmagado entre os sulcos do vinil azulado. E uma vozinha irritante, cínica, sobre toda essa montanha de cacofonia.
WHITE HEAT ele fala sobre algo a ver com machos e gays. Eu soube que os técnicos de som do estúdio ligaram os botões e foram embora. Não queriam ouvir o que ia ser gravado. Eles estavam acostumados a trabalhar com Miles Davis e Bob Dylan. Aquilo não tinha nada a ver. Na verdade, não tinha a ver com nada.
OOOOOOOH...WHITE LIGHT no rocknroll tudo sempre foi de verdade. Lennon era de verdade, Hendrix era de verdade, James Brown era de verdade. Mas esse chato era irônico. Não era de verdade, ele era feito por sí mesmo, ele era distante, ele era...argh...confuso. Não era símbolo de adolescente nenhum. E não se metia a artista bacana. Que droga ele era?
OOOOOOOOOOOOOOOOOOOH...WKITE HEAT e era amigo daquele tal de Andy Warhol, o cara fake, que chamava seu ateliê de Fábrica, que disse que todos seriam famosos por 15 minutos no futuro, que se mantinha distante da vida, cercado de telas/ cãmeras e puxa-sacos, que dizia que o símbolo de nossa era seria a lata, a estrela pop, a produção em massa, a publicidade. ( Andy criou o mundo de 2009!!!!! mas em 1967, quem poderia saber ? ).
WHITE LIGHT termina sem ter começado. Um zumbido de algum instrumento de cordas, os vocais mal ensaiados, um cabaret de algum buraco de grande cidade cheia de óleo e gás, uma porcaria de música mal tocada e mal gravada. Mas
Agora até dá pra dançar. Um bumbo ( queria entender o porque de se botar uma dona de casa nas baquetas...) e uma guitarra que tenta solar. Faz zumbido, se enrola pela melodia como uma trepadeira venenosa. Esta tem melodia ! Será que este troço vai melhorar? John Cale começa a falar: ele narra um pacote. Um embrulho. É um rap de branco galês formado em música erudita de vanguarda. Eu mostrava essa música para meus amigos fãs de Zappa. Eles riam e não levavam a sério : uma piada. Parece ressaca de ópio.THE GIFT. Mas
A coisa se destrói de vez. Uma porra de massaroca de som molenga e confuso que se parece com um aviãozinho caindo de cansado. Tem uns vocaizinhos de brincadeira. Uns ruidozinhos de acidente. O tal bumbozinho batendo com ritmo invariável. Que droga é esse Lou Reed? Fica com essa pose de Ginsberg/ Burroughs/Kerouac...Ele tá se achando! Pra que gravar isto? Não estamos na época de all you need is love? Então para que pintar de preto a capa de Sgt.Peppers?
SHE EVER COMES HERE NOW. O fiapo de voz de Lou. Como um farrapo. Por esta cançoneta todo compositor inglês daria a vida ( e todo cara esperto a tem plagiado desde então ). Caraca, isto é bonito pra cacete!!!! Mas não é flor e cor; é ressaca de heroína e escuridão. Vamos virar este vinil pelo qual paguei uma semana de trabalho e esperei um mês de alfândega...................
Agora fodeu! Isto não tem o menor sentido! É apenas barulho! A guitarra é uma serra elétrica cheia de microfonia, todo o resto é um frenético ribombar de explosões histéricas, e os vocais... sonâmbulos zumbis em catatonia pagã. ( Seja lá isso o que for... ). Tomara que este pesadelo acabe logo...Acaba!!!!! Que bosta, ACABA LOGO!!!!!!!!!!
Todo pesadelo pode ser pior. SISTER RAY. SISTER RAY. SISTER RAY. SISTER RAY. SISTER RAY.
SISTER RAY.SISTER RAYSISTERRAYSISTERRAY SISTERRAY SISTER RAY. S IS TER R AY
Nada nunca foi assim. Nada nunca mais será assim. Nada nunca será outra vez como antes foi. _Esta música mudou a vida de todos que a ouviram na hora certa. _Depois dela nenhuma música pode me chocar. Nada nunca será louco demais após sister ray. Ela vem como manada de paquidermes trotando. Ela vem como ópera de mendigos de marte com raios nos olhos. Vem como o enterro de flores cobiçadas. Vem como agulhas enfiadas nas unhas. Ela vem e vem e vem.
Esse disco de merda acaba.
Amanhã vou escutar de novo.
Faz vinte e cinco anos que o escuto de novo.
Faz quarenta e dois que ele é o disco central da história do rock.
Sem ele nada que interessa teria existido. Nada. Nada. Nada.
Ele nada vendeu. Mas há o mito : os poucos que o ouviram se tornaram artistas. Formaram bandas, pintaram quadros, escreveram peças e romances. Ou simplesmente piraram. Nada.
Existem discos mais bonitos. Mais satisfatórios. Criativos. Mas nenhum tem o seu potencial destrutivo, a sua coragem, a sua INTELIGÊNCIA. O que irrita nele ( como em tudo que Lou e Cale fazem ) é o fato de que eles são e sabem que são mais inteligentes. Colocam qualquer gêniozinho irado ou sofredor no bolso do colete. Derrubam qualquer poeta. Fazem com que todo barulho perca sua originalidade. Após White Light nada é novo de novo.
OUTRA VEZ.

SOMOS DEUSES PARA ELES....

Encontrei esse deus em minha vida. E devo lhe dizer que vejo seus milagres todo dia !
Veja só: todo dia, não sei como ele faz isso, mas todo dia ele me alimenta. Milagrosamente, ele faz de minha tigela vazia, uma tigela cheia! E transforma o dia seco, numa vasilha repleta de água fresca.
Bolinhas de borracha brotam de suas mãos, e como um titã poderoso, ele faz dessas bolinhas cometas, que voam alto e caem longe. É meu dever sagrado à esse deus recuperá-las todas.
Ele surge em minha frente com mágicos discos de plástico, com ossos que surgem sem que eu veja nenhum esqueleto por perto, com mantas que me aquecem, com toques milagrosos que fazem desaparecer minhas pulgas. Um deus que cura minha sarna...
Tento, há tanto tempo... Decifrar sua língua sagrada. Sinto que se dominasse a linguagem celestial, eu poderia evoluir, atingir uma espécie de nirvana. Mas tudo que compreendo é tão pouco...
Meu deus se posta em profunda meditação. Fica horas diante de uma tela luminosa, paralisado. O que se passará em sua magnífica mente ? Depois ele segura um pouco de papel diante do rosto e fica parado, por toda a tarde, sem se mover. Dorme ? Não, seus olhos estão abertos. Qual o segredo ? Ora, sou apenas um mortal, como saber ?
Esse deus me ergue do chão e me leva às alturas, e me coloca em meio ao vento, quando vejo a paisagem rodar. Faz milagres diante de mim, e eu o adoro em minha pequenês.
Ele não sente cheiros, é superior a isso; não tem pêlos, evoluiu, é puro pensamento. Me guia pelas ruas, me protege de chuva e de sol, e me leva`a assustadores semi-deuses que me purificam com água e espuma, num ritual simbólico. Assustador. Eles fazem chover e ventar!
Meu deus pode dispor de minha vida a seu prazer. Rezo para que ele a mantenha. Meu deus pode me abandonar e me deixar à solidão e ao abandono, peço à sua bondade celestial que me poupe dessa dor. Ele é meu pastor, com ele nada me falta.
Deito-me em seu colo e folgo em seu calor...
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Escrevo este texto na esperança de que todos os humanos sintam a imensa responsabilidade que é ser um deus para alguém, mesmo que esse alguém não fale e tenha quatro patas.

SÍMBOLOS

Sem meus símbolos não há razão para minha vida. Tudo que importa é simbólico. A realidade não tem nenhum peso em mim.
Cada mulher que amei foi signo de algo maior que eu mesmo e que ela. Fomos toda uma galáxia. Todo amigo traz um significado maior que sua presença. Um é uma alvorada, outra é literatura, outro é a morte.
Toda arte é mais que vida. É um caminho me levando à vida que vale viver. Um filme torna-se um mito, uma canção é código de honra, uma pintura é minha alma e um poema é um deus.
A chuva não é água que cai. A chuva é hora de poesia, momento de nostalgia, grama verde, alma de criança, páginas amareladas, luz de vela, pele nua, guarda-chuva que é uma sinfonia, sonhos de paixão. Não é apenas um cair de gotas, trata-se de um símbolo.
A França não é um país. É um quarto de mofo e suicídio, vinho e pão e radicalismo, livrinhos no bolso do sobretudo, terra fértil e girassóis, é uma mulher que ama com falsidade, desejo de ser eterno, a França é pensamento, flanar pelo espírito, becos com putaines e Gitaines.
Uma França real, de Renault e Sarkozy, filmes coloridos e Gaultier, não me interessa. O símbolo me basta.
Símbolo que é esta letra que voce lê agora. Este azul que é o que voce imagina ser, agora. Eu vejo símbolo em tudo. Um rosto espreita por detrás de cada objeto e há uma segunda voz em toda palavra.
Impossível viver sem um totem, sem um mito, sem um hino. Ver o mundo das pedras, pra quê ? Tudo tem um apelo secreto, tudo é uma sedução enviezada, cada dia é uma charada de outro dia e o tempo é a chave para o maior dos símbolos.
Símbólico eu que me surpreende todo dia. Sou sinal cifrado para mim mesmo. Poetas maravilhosos, romancistas abstratos, construtores de novelos e de labirintos. Yeats, Mallarmé, Proust, Gauguin, Chagall, Baudelaire, Eliot, Blake, Shelley, Joyce.
Satie, Debussy, Ravel, Fauré.
A torre, o barco, o chá, a ilha, a vaca, o ópio, Abril, o tigre, o pássaro, a Grécia.
O sol não é uma bola de fogo e o mar não é feito de água. São infinitos deuses e infinitos motivos de mitos. Apenas isso importa.
Deixo aos outros suas pedras e seus metros.

MIZOGUCHI/BOETICHER/OS ELEITOS/WILDER

A MONTANHA DOS SETE ABUTRES de Billy Wilder com Kirk Douglas
Escrevi mais longamente abaixo. O inferno da midia já existia em 1952. Um jornalista antológico feito por um Kirk muito inspirado e uma pobre vítima num big-brother do inferno. Filme fiasco em seu tempo, hoje é considerado obra-prima. Nem tanto. nota 7.
JUVENTUDE TRANSVIADA de Nicholas Ray com James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo.
O que é ser adolescente ? Bem... nada mudou. Ser isolado/ não compreendido/ querer algo sem nome/ amar sem saber amar. Dean foi um criador- este filme é seu testamento. Todo ator jovem de hoje o imita ( inclusive e principalmente na vida pessoal ). Todos falam seu evangelho. O filme é muito fraco quando Dean não está em cena. Com ele, somos hipnotizados. nota 6 para o filme.
CONTOS DA LUA VAGA de Kenji Mizoguchi
Ele foi antes da segunda guerra o mais querido diretor do Japão. Após a guerra foi chamado de velho e jogado ao canto. Este filme, dos anos 50, é sua volta por cima. Um filme politico e feminista, que é também um poema sobre fantasmas e amor. Algumas das cenas têm uma beleza plástica inesquecível. Mizoguchi nunca corta se puder não cortar. Um mestre. nota 9.
OS ELEITOS de Philip Kauffman com Sam Sheppard, Dennis Quaid, Ed Harris, Fred Ward, Barbara Herschey, Jeff Goldblum.
O melhor filme americanos dos anos 80 e um dos melhores dos últimos quarenta anos. John Ford habita esta épica aventura sobre heroísmo, fracasso, fama e amizade. Chuck Yeager, aviador real, torna-se mito, mito daquilo que a América gostaria de ser e não pode ser mais ( jamais ). Para se ver, rever, trever e decorar. nota DEZ!!!!!!!!
AVANTI ! de Billy Wilder com Jack Lemmon e Juliet Mills
Um milionário americano, apressado e ranzinza, vai a Itália recolher o corpo do pai para enterrá-lo em seu país. Conhece a filha inglesa da amante de seu pai e se apaixona por ela e pela Itália. O contraste entre Itália e América nada tem de novo. Mas Wilder, em mais um de seus fracassos, conduz esta comédia com muita leveza e finesse. Um prazer ver Lemmon trabalhar e uma diversão fofa e que jamais nos trata como idiotas. nota 6.
EXTASE de Gustav Machaty com Hedy Lamarr
Nos anos 30, na Austria, Hedy foi lançada como atriz sexy neste filme. Uma das piores coisas que já assisti. Hiper pretensioso, rígido, muito mal interpretado, ridiculo. nota ZERO!
SETE HOMENS SEM DESTINO de Budd Boeticher com Randolph Scott, Lee Marvin e Gail Russel
Lee Marvin faz história neste western. Com longo lenço verde, ele traz à tela um vilão inteligente, simpático, glamuroso. Rouba o filme e cada cena com ele é uma festa. Este filme, considerado pelos críticos-cineastas da Nouvelle-Vague, uma obra-prima, é de uma simplicidade absoluta. A história, com poucos personagens e maravilhosos cenários, se desenvolve exata, sem atropelos, sem lentidão, econòmica. Budd, aventureiro-diretor-toureiro, dirigiu dúzias de bons filmes baratos. Este é o melhor. Nota 9.
MULHERES DA NOITE de Kenji Mizoguchi
Em sua época de má fama, Mizoguchi dirigiu este filme, muito triste, sobre prostitutas no Japão devastado pela guerra. Apaixonado pelos filmes italianos do neo-realismo, Mizoguchi faz a versão nipônica de Rosselini. Os escombros do que restou de Osaka e Tokyo são fascinantes : o Japão como uma imensa favela, dominada por ladrões, putas e contrabando de drogas. O filme é muito bom, mas sua força embrulha o estômago. nota 7.
UNDERDOG de Frederick de Chau
Cumpre o que promete. E é assim nosso cinema atual : como um produto numa gôndola, ele tem um rótulo onde se diz : drama-romantico/ quadrinhos/ arte/ aventura. Se a lata matar o apetite por cinema ( matará esse apetite por duas horas ), sua função estará cumprida. Colou. Este cola. O herói é simpático, tem uma adolescentizinha bonitinha, uma liçãozinha de moral. Valeu. nota 5.

Desonra- Coetzee

Um horror.
Tudo de podre que existe no mundo hoje, nesta pequena Africa em que vivemos, habita sorrateiramente este livro. O professor em crise ( no fundo um idiota ), vigiado por colegas, pelo vizinho da filha, por todos; a filha, paralisada pela culpa daquilo que não fez; a aluna, presa no mutismo de uma geração molenga; a própria Africa, dividida em rancores históricos e tentativas de esquecimento. Todo o romance transpira desespero. Porque o que sentimos é vazio de transcendencia.
O professor não percebe o que poderia salvá-lo : a bondade. Ele é seco, estéril, um anti-pai. A filha não quer enxergar o que poderia a salvar : a absolvição. Ela não é culpada pelos crimes coloniais. E os negros não podem encarar o óbvio : vivem no rancor destrutivo. A vida torna-se uma farsa, onde ninguém escuta ninguém e onde o que acontece é negado.
Coetzee escreve muito simples. Frases e capítulos curtos, vocabulário básico. Mas escreve com elegância, descrevendo o que precisa ser visto. Seu amor aos animais está presente em todo o livro, amor que o professor tem dificuldade em aceitar, pois não é racional. Não é sexual.
Interessante perceber como para ele, David, amar está ligado a possuir carnalmente. Preso nessa armadilha, ele não percebe que assim lhe é impossível amar a filha e os bichos com os quais é obrigado a trabalhar. Amor preso a carne, portanto, amor falho e perecível. Tonto. Ele jamais amou a aluna. Ele jamais amou a prostituta que o atendia. Ele as possuia. Quando tenta expressar amor verdadeiro, é um desastre. Perde sempre.
No final, eis um bom livro de um autor central deste tempo de autores periféricos. Leia.

HEROÍSMO HOJE

Byron escreve sobre um anjo caído, anjo do mal. Lúcifer. Um ser-coisa, que se guia pelo desejo de seu coração, o desejo de seguir o mal. Esse desejo o leva a absoluta solidão. Byron se via nesse anjo caído. Lord Byron viveu isso. E tombou na revolução grega, arma na mão, famoso em todo mundo, maldito na Inglaterra, voluntário pela causa da liberdade. Tinha 36 anos. Sua vida foi um tumulto de sexo, drogas e liberdade. E poemas endereçados aos céus.
Gauguin nasceu no Peru. Pais franceses, logo voltaram para a França. Paul se casou, teve filhos e enriqueceu como corretor da bolsa de valores. Pintava como hobby. Aos 40 anos, largou tudo, mulher e filhos, dinheiro e conforto. Passou a se dedicar exclusivamente à pintura. Viajou para o Tahiti. Defendeu a causa dos nativos contra os colonos franceses, apaixonou-se pelas jovens nativas nuas. Sentiu fome e muita dor. Vendeu quase nada e usava tintas ruins, telas ruins. Teve sifilis. Morreu no amado Tahiti.
Modigliani tinha uma absurda beleza. Nasceu em familia rica, no conforto do sangue azul italiano. Mas se apaixonou pela boemia. Largou tudo e foi viver em Paris. Rei dos bares de má fama, roubava pedras das ruas para esculpir. Enamorou-se de modelos-prostitutas. Namorou e viciou-se em absinto. Jeanne Hebuterne, jovem comportada, apaixonou-se por Modi. Tiveram uma filha. Mas o absinto cobra contas, e Modigliani pirou. Brigas, rompimentos, voltas. Ele morre jovem. Ela se atira pela janela em seguida. Nenhum pintor pintou nada tão erótico quanto Amedeo.
Rimbaud começou a escrever ainda criança. Tornou-se famoso entre os poetas franceses por isso e também por sua beleza. Verlaine, bem mais velho, larga tudo apaixonado por Rimbaud. Os dois viajam pela Europa inteira. A pé. Vivem juntos e são perseguidos pelo preconceito. Aos 17 anos Rimbaud escreve toda sua obra principal, que irá o imortalizar. Era o anúncio da sensibilidade do futuro. Larga Verlaine e vai para a Africa. Aos 19, sua carreira literária se encerra: nunca mais escreverá. Na nova vida, ele resolve ficar rico. Faz comércio de café, tráfico de armas, talvez até escravos. Endurece, cresce, torna-se um outro. Morre de gangrena, em algum buraco da selva. O que ele terá sentido ?
E há tanto mais para ser dito. 200 homens perdidos no Pólo Sul. Sem comida, sem abrigo, sem comunicação. Sobrevivem e são resgatados. Três anos depois.
Thor Heleyal atravessando o Pacífico numa balsa feita de papiro. Só. E consegue.
Jean Vigo dirigindo seu único filme deitado numa maca; morrendo de tuberculose. Termina a última tomada e morre. Deixa-nos uma obra-prima: Le Atalante.
Eddie Aikau se mandando para o fundo da tempestade para salvar náufragos. Com sua prancha, surfista famoso. Salva alguns e desaparece no mar.
Chuck Yeager voando pelo prazer de voar, indo mais rápido, mais livre, mais solitário.
O que é o heroísmo? Se sacrificar ? Por quem? Um soldado se sacrifica, é não é necessáriamente um herói. Então o que faz de um homem um herói ?
É aquele que cai na terra e segue seu desejo. Todo herói é um anjo caído. Que segue, sem se abalar, seu destino. Ele faz o que precisa ser feito e que só ele poderia fazer. Faz por sí mesmo, e como consequencia, afeta uma humanidade ao seu redor. Mas faz para satisfazer sua originalidade. Só ele sabe o que só ele deve e pode fazer. Todo herói está isolado.
O herói hoje está perdido não porque toda montanha foi conquistada ou todo mar rastreado. O que mata o heroísmo é que toda individualidade está cerceada, vigiada, acomodada num rótulo padrão. Byron seria um freak narcisista, Gauguin um irresponsável pedófilo, Rimbaud um giletão arrependido, Modigliani um playboy viciado, Aikau um cara que se deu mal, Yeager um caipira bronco, Mozart precisaria de um empresário melhor e Beethoven seria uma estrela psicótica. Thor teria cruzado o pacífico para vender os direitos do filme sobre sua vida. Rótulos para heróis. Rótulos de supermercado. Um herói precisa esquecer tudo isso : não se julgar, não se auto-analisar, não se corromper. Ele não mira um alvo definido, ele vai fundo no que sua alma quer. Seja o que for. Enxerga o fundo do escuro interior e sai para a vida, fazendo o que seu daimon ordenou. Sem se justificar, sem ser rotulado, sem pedir paz, sem desistir, sem se iludir. Jamais pensando em ser como os outros são, nunca como deveria ser. Um herói se desnuda, larga o supérfluo, não carrega malas, não tem garantias. Nada é menos heróico que um cartão de crédito, um GPS, um comprimido de Prozac. O herói tem como única garantia seu desejo. Seu desejo, não o de ninguém outro.
Cervantes escreveu Dom Quixote na prisão, longe de seu país, esquecido.
Shelley passou a vida lutando pela igualdade dos sexos e pela extrema liberdade em polìtica. E pelo ateísmo.
Tolstoi perdeu tudo por sua fazenda socialista, onde todos eram iguais.
O herói não almeja atingir fama. Ele faz porque TEM que ser feito.
Para entender o que é isso, assista O SOL É PARA TODOS, filme já analisado aqui. Tudo está lá: aquele é o único tipo de heroísmo que nos resta. E é belo, muito belo.