vicky cristina barcelona e nós dois

Triste será o dia em que não tivermos mais os filmes de Woody Allen. Porque em meio a um mundo cada vez mais infantil, ele, quase sózinho nessa empreitada, insiste em produzir um tipo de cinema sofisticado, adulto e profundamente humanista. Vejamos seu novo filme.
Primeiro fato: todos os personagens são adultos ( mesmo os idiotas ). Nenhum se parece com um cartoon. Segundo fato : nada é feito com a intenção de parecer moderno, ou , nada existe para chocar. Tudo é natural, pois tudo é humano.
Tenho amigos que são como Doug e Vicky. Eles se casaram com pessoas de seu bairro, sua profissão, seu mundinho. São pessoas que jamais podem estar distantes de um celular, um lap-top, dos amigos protetores. Por mais que se droguem, viajem, comprem, nunca deixam de ser aquilo que sempre foram- crianças.
Conheci várias Cristinas. E as compreendo. O amor foge delas. Elas pensam buscar o amor. Mas apenas procuram espelhos, comprometidas com seu destino, sua dor, seu desejo.
Encontrei um único pintor hedonista como o papel de Bardem. Ele sabe. Ele sabe aquilo que artistas como Bergman, Wilde, Kurosawa, Miles e meu querido Kevin Ayers sabem : a vida não faz nenhum sentido. Nada é definitivo, nada alivia nada; e o certo é celebrar isso. Absorver o que há de belo, poderoso, valoroso ,e prosseguir, rindo, celebrando o sol.
Amei uma Maria e quase morremos juntos. E posso então dizer que compreendo o que é o amor verdadeiro. Pois amor de verdade só existe na dificuldade, na diferença, no risco.
Num mundo onde voce não arrisca um amor impossível, ou onde todo desejo é satisfeito antes de se afirmar,bem, nesse mundo o amor se torna um quase nada, um vazio, um compromisso com o já conhecido ( e o já conhecido, o previsivel, não é amor ).
Barcelona é uma mulher linda. Quem não a ama não ama a beleza e a vida. Ama o cinza.
Penelope Cruz... brilha e humilha as outras atrizes. Seu ódio é homérico, sua sensualidade fulgurante, sua presença de rainha. Ela ilumina as cenas e enche a tela de vida. E de trágica sina.
Woody deve ter se queimado muito com a América. Sua visão dos americanos se tornou ferina. Eles são um bando de bebedores de café descafeinado, plugados em maquininhas bobas e consumistas vorazes. Eles são, sabemos disso. ( Há um belo contraste: numa cena vemos o casal bebendo vinho. Surge o noivo com seu copo de café de papelão ).
É um filme melhor que qualquer candidato ao Oscar .
Sua cena final, Vicky e Cristina, andando rumo ao inevitável tédio, rumo à absoluta mediocridade... faz lembrar o Antonioni mais visceral . Allen depura sua influencia Bergmaniana e nos dá toda uma alma, radiografada, em coisa de 4 ou 5 segundos. Me fez chorar...Coisa que nem a novelinha de Fincher/Roth e nem a incrível bobagem de Daldry fez.
É muito mais real e colorido que o filme fashion sobre a India e não pode ser comparado à um lixo como Milk. É um filme fábula. É amargo. É bonito.
Woody Allen se aproxima do fim da vida menos brilhante. Menos engraçado. Porém, muito mais sábio. Bato palmas de pé para este irresistível filme.

porque os irmãos Coen são tão bons

Queime depois de Ler é mais um grande filme dos Coen ( Arizona, Lebowski, Onde os Fracos, Fargo, Barton Fink, E aí meu Irmão ).
Porque?
Primeiro porque os Coen realmente amam o que fazem. Voce percebe que eles assistem filmes ( e os filmes de Preston Sturges e Billy Wilder são óbvias influencias, mas há muito mais ), voce nota que eles amam os atores e amam os personagens. Existe amor por Lebowski, pela xerife de Fargo, pelo vizinho de Barton Fink, pelo casal em Arizona, pelos condenados em Meu Irmão...
Neste filme, tanto a hilária Liptzke ( mais um show dessa adorável e genial Frances McDormand ) quanto o maravilhoso Clooney ( que ator fantástico! Tudo o que ele faz parece tão fácil de ser feito e por isso nos passa tanto prazer em assistir ), são acarinhados, embalados, respeitados pelos roteiristas. Roteiristas que deixam as cenas durarem o que precisam durar e que jamais movimentam a câmera sem que seja necessário.
Segundo motivo de excelencia é o fato de que os Coen são realmente inteligentes e nos tratam como seres pensantes. ( E nisso eles estão quase sós no cinema atual, onde até mesmo filmes pretensamente adultos já vêem com suas conclusões prontas ).
Todo o filme é impregnado de ira, de crítica a tudo aquilo que merece ser criticado. O vazio de um mundo sem relações estáveis, a ansiedade por se reinventar sempre, os aparelhinhos que nos fazem parecer e ser idiotas, a paranóia urbana, a infantilidade de quem não tem porque existir, a futilidade da politica.
Tudo isso é mostrado. Mas, e vem daí sua genialidade, o filme jamais prega. Ele confia em nossa cabeça, e deixa aberta a opção de nossa escolha : se concordamos com aquilo que os irrita, nos divertimos e usufruimos ainda desse poder de critica; se não queremos ou podemos pensar, temos uma diversão excelente. Os Coen fazem filmes que negam tanto bobagens como Batman ou Agente 86 ou filmes engessados e pseudo-profundos, como Sangue Negro e Milk ( tolices artísticas que vêem prontas. Eles trazem bulas : aqui voce deve chorar, aqui voce deve concordar, veja como isto é profundo... ).
No cinema dos Coen tudo é aberto : voce escolhe o que aquilo significa, podendo inclusive nada significar.
Este filme é, inclusive, um anti- Onde os Fracos. Naquele filme todos queriam alguma coisa; aqui há alguma coisa que ninguém quer. Naquele não havia trilha sonora, neste há uma trilha exagerada e invasiva. Poucos personagens em Onde os Fracos, aqui uma constelação de tipos; a aridez do deserto versus a fertilidade do norte americano; o personagem são ( Tommy Lee ) em Os Fracos, sobrevive e dá a conclusão magnifica, aqui o único personagem que ainda tem algum discernimento é burramente executado.
Trata-se de um filme que não se esgota em uma visão e que tende a melhorar com o passar dos tempos ( o que è sintoma de grande arte. Todo grande filme cresce com o passar dos tempos. Todo filme medíocre morre em dois verões ).
Os Coen merecem ser homenageados sempre. Eles olham para mim e para voce com verdadeiro carinho. Nos respeitam, confima em nosso julgamento, em nosso entedimento. Acreditam que somos ou seremos adultos, que não rimos por cenas de banheiro, que não nos impressionamos com um travelling ou uma fotografia amarelada. Eles amam sua profissão. E isso faz com que eu ame seus brilhantes filmes.

porque o agente 86 é tão ruim

O agente 86 espelha de forma exemplar toda a ruindade que insiste em atacar o cinema feito nestes tempos acéfalos. Mostro alguns dos motivos.
Um crítico fez uma exaustiva pesquisa e chegou a seguinte conclusão : quando num filme, uma tomada dura menos que 8 segundos, nosso cérebro não consegue articular conceitos sobre tal cena. Com menos de 4 segundos, não conseguimos sequer pensar sobre o que está sendo mostrado.
Em seguida ele cronometrou cada tomada, cada corte, de vários filmes. Em média, o tempo entre os cortes, hoje, é de 4 segundos. Armagedon chega aos 3 segundos e Pearl Harbour aos 2,5 segundos. Os filmes de Woody Allen chegam a ter 15 segundos...
Porque isso ? Dois são os motivos principais : Primeiro o fato de que os produtores acham que o público é idiota. Acham que não suportaremos ver duas pessoas conversando sem que aconteça um corte, outro corte, um zoom, uma tremida de camera, um efeito de som. Segundo, a insegurança dos diretores. Eles não confiam em sua própria habilidade ( e na de seus atores ) e maquiam qualquer cena com todo tipo de adereço que distraia o público do que possa dar errado.
Agente 86 é uma comédia tola. Uma comédia onde não há uma só frase memorável. Um filme que chega ao cúmulo de enfeitar um diálogo com 4 posições diferentes de camera ( sem que haja nenhum motivo para isso ).
Há uma cena de briga entre o 86 e um tal de Dwayne ( um ator que faz Arnold parecer Olivier ). O que é mostrado ? Uma parede, uma face, mãos, chão, algo caindo, um olho, um tombo. Voce viu a briga ser encenada ? Observou a habilidade dos stunts ? Voce não viu nada. E engoliu passivamente, sem tempo de pensar sobre o que aconteceu.
Qual a interação entre os dois agentes ? Uma relação que poderia ter dois ( só dois, please!!! ) diálogos, tem apenas momentos abortados que nunca vão adiante ( e que fazem o romance entre Fred Flintstone e Wilma parecer adulto e profundo ). Anne Hathaway, uma atriz elegante e bonita, que consegue parecer inteligente ( o que é raro ), passa todo o filme com um ar de : help me!
Quanto ao tão elogiado Steve... por favor! Basta assistir aos extras para se ver o quanto ele é ruim!! Nos extras ele "imita" sotaques e modos de se comunicar. A maneira como ele faz um italiano é tão ruim, tão sem graça, tão idesculpável que chega a ser cruel com o próprio ator. Dá vergonha.
Ao final, o filme tem uma interminável sequencia de ação toda picotada para parecer ágil. Não interessa mais. O filme já se perdeu.
As pessoas precisam ir ao cinema.
Em seu tédio e sua aversão a ler ou caminhar pela cidade; elas necessitam de duas anestesiantes horas no escuro. Elas vão ao cinema para comer pipoca, beber Coca e sentir que "fizeram algo". O que o cinema lhes dá ? Imagens que acompanham a pipoca, que complementam a bebida e um torpor- tolo que as envia de volta para casa com a sensação de que "estiveram em algum lugar".
È muito pouco o que elas pedem. E mesmo assim, os produtores lhes dão menos.

contra a culpa, contra a falsidade, pela vida

A IDADE DA REFLEXÃO é um filme que Michael Powell fez quando sua carreira já havia ido pro buraco. Trata-se de seu último filme. Modesto, barato e de uma alegria deliciosa.
Mas quem foi Powell ? Ele surgiu no cinema britânico por volta de 1940. Nessa fase, de enorme sucesso crítico e comercial, seus filmes eram os melhores fotografados, muito ambiciosos. Filmes que caminhavam no fio da navalha, com seus temas arriscados/ espinhosos. Mas, graças à seu superior talento, acabavam vencendo.
Senão vejamos : Powell filmou uma super-produção inglesa sobre as Mil e uma Noites ( com um colorido impressionante e efeitos especiais que sobrevivem lindamente ); outro filme era sobre a vida de um antipático coronel do exército imperial ( 3 horas que passam em prazer, numa biografia de extraordinária riqueza ); outro filme versa sobre as dúvidas vocacionais de uma freira frente à cultura do oriente ( filme suntuoso, belíssimo e com cenas de descomunal força ) e ainda um musical metidíssimo sobre o conflito entre arte e realidade. É pouco ? Powell ainda tem capas e espadas, óperas e comédias. Mas...
Em 1960 sua carreira foi destruída com o fracasso absoluto de Peeping Tom, filme sobre voyerismo, sadismo, invasão de intimidade. Um filme cruel, duro, cínico e muito adiante de seu tempo. Michael Powell parou por 8 anos.
Volta em 1968 com este Na Idade da Reflexão. James Mason produziu e é o ator central. Helen Mirren estréia no cinema ( já era atriz da Royal Shakespeare Co. ). O que é o filme ?
Um pintor, talentoso mas nada genial, entediado, vai viver numa ilha isolada da Australia. Num barracão, ele e seu cão. Lá ele conhece uma menina que pesca lagostas e as vende para ele. Ela posa. A avó da garota, bebada, morre num acidente e o pintor descobre que gosta da menina. O filme não é nada mais que isso. Mas como Powell filma essa ilha ?
Ele nos faz, através de cortes inesperados e rápidos, viver dentro daquela ilha e a sensação que temos ao ver o filme ( e eu já o ví 5 vezes ) é presenciarmos aquilo que deveria ser o paraíso. Mas atenção : a cabana é suja e minúscula, a menina é uma caipira gordinha e os habitantes da ilha são australianos comuns. Não há aquela alegria de pasta de dentes/ anúncio de margarina; não há a imagem de uma ilha tropical tipo Aruba. Não. Powell vai mais fundo : a alegria do filme está na absoluta ausencia de culpa em seus personagens. O pintor não vence a culpa porque ele nem sequer cogita em senti-la. A menina ( uma Helen Mirren fantástica. Ela esbanja sensualidade inconsciente ), também vive como pode e deseja, e a culpa não faz parte de sua vida.
Todo o filme é profundamente belo, daquela beleza natural, sem artificialismos, e isso faz com que cada fotograma transpareça prazer e sensualidade.
Nos anos 80, Martin Scorsese confessou ter em Powell um ídolo e ao organizar uma mostra de todos os seus filmes em NY, resgatou Powell para o centro do mundo. Ele morreu vingado.
Hoje, ao lado de Hitchcock e David Lean, Michael Powell é considerado o grande diretor da história do cinema britânico, um diretor sem medo, sem travas e profundamente culto.
Este filme, A IDADE DA REFLEXÃO, se feito hoje, traria o gosto amargo da culpa, do preço a pagar, ou seria destruído com uma injeção de humor grosseiro.
O cinema pode ser muito feliz. Este filme nos diz isso.

concerto para piano número 20- Mozart

Todo começo de noite eu passava em frente àquela casa. Alguém mais parava para olhá-la ? Creio que não... eu mesmo não saberia dizer se aquela luz era real. Velas, fogo de lareira, o que iluminava aquela janela ? Uma luz que parecia nada iluminar.
A banca de jornais vendia livros. Livros encapados em couro preto com lombadas douradas. Eu os admirava de longe. Meu hálito voava na já noite de maio. Eu era só. Inescapavelmente solitário.
Os ônibus passavam quentes e com suas janelas embaçadas pelo calor de vários corpos apertados. Meu coração tinha pressa. A janela do casarão prometia alguma canção.
No domingo de manhã, manhã gelada e de vento, um deserto na avenida larga, uma febre ansiosa na minha semana, a vontade de ir logo em algum lugar. Descí do táxi e comprei alguns- vários fascículos. Um deles : Mozart.
Sózinho sobre um tapete de lã vermelha e verde. É final de tarde. Ninguém em casa. Na janela alguns raios de sol. Eles caem sobre um sofá de tom cor de vinho. O que eu quero ?
Primeiro um acorde.
O mais heróico dos acordes. Que é isso ? Esse acorde é forte e fala comigo. Sim ! Fala comigo e grita dentro de mim. Ele diz e imperiosamente ordena : Viva.
Outro acorde vem. Mais baixo, mais suave, ele ronda pelas vielas e pelas sombras. As sombras daquela avenida, daquele mundo e daquela janela amarela. A música ronda pela sala, gira entre todos os cantos e súbito eu não existo mais.
Agora eu sou aquela melodia.
E vejo, alí, nos raios de sol, toda a vida que viverei : Os dias, as noites, os vazios. Me enxergo como um homem que ainda serei. As visões. Amarelas. Orvalhadas.
Percebo que aquela música possui um sentido. Cada nota é impregnada de uma rota e todas essas rotas se completam. Sómente no século XVIII poderia haver Mozart, pois naquele tempo tudo tinha sentido- tudo era uma certeza! Seja a igreja, seja o canhão, tudo era certo. E esta música é a música da certeza- música que grita e sussurra : eis um gênio/ eis a vida/ eis o que vale a pena/ eis o homem.
Quando o piano entra, num dedilhado que é uma ode à mais genuina beleza, eu, orgulhoso ateu, passo, sempre que o ouço, a crer em Deus. Pois este piano, que me faz chorar, só pode ser obra de alguém que foi feito à imagem do divino. Não há como negar : é transcendente.
Pausa....................................
Ao se iniciar o segundo movimento. Ocorre o milagre. A beleza em estado puro : a beleza em música.
Nada pode ser mais doce, belo, calmo, eterno, amoroso.
Vejo a mulher que se esconde por detrás daquela janela de luz amarela. Ela é o consolo da vida. Ela é a anti- morte. O anjo salvador. O primeiro colo ao recém-nascido. O sorriso de seu primogênito. A melodia, sinuosa, enrola-se ao redor de todo sonho que sonhei e de toda ilusão que desposarei. Me seduz e me leva. Ao magnifico vazio.
Se eu morresse nesse momento teria uma vida justificada.
Mas o movimento se encerra. E já nasce a saudade daquele primeiro toque do dedo na tecla que iniciou este momento: é a saudade da menina que se sentava na fila da frente. Da lambida de seu primeiro cachorro. Da primeira primavera neste mundo.
Eu não consigo crer que Mozart tenha um dia existido. Seu mundo é tão superior ao mundo que conhecemos que sua existencia é impensável.
Mas há o movimento final. Um convite à luta. A jamais deixar de crer. A união de carne e alma. A tudo que vale a vida e a morte. Eu olho essa música- ela é visível. Eu a olho e a amo. Ela é o mundo que sonho para mim. É o mais belo ideal e o cume máximo da criação humana.
Este concerto ilumina todo túmulo onde jaz a deseperança e o medo.

a teoria dos ciclos de william butler yeats

O grande poeta Yeats escreveu todo um livro sobre suas crenças. Através da mediunidade de sua esposa, o poeta recebeu a seguinte teoria. ( Que por ser bastante complexa, transcrevo apenas uma ínfima parte ).
O mundo caminha em círculos concêntricos. A cada 500 anos atingimos um apogeu e após mais 500 anos, sua antítese-decadência.
A alma, em suas várias encarnações, também varia entre sua luz e sua escuridão.
Assim sendo :
Em 2.500 ac temos um apogeu. O código de Hamurabi, as maiores pirâmides do Egito, estudos de astronomia e matemática.
500 anos mais tarde, a queda : invasões e confusão de línguas e de tribos.
Em 1.500 ac um momento de luz : Moisés e as tábuas da lei, Tutancamon no Egito, o apogeu da cultura cretense e o nascimento da civilização chinesa.
1000 ac, a treva : queda do Egito e invasão da babilonia.
500 ac. O mais brilhante e decisivo momento da humanidade : ao mesmo tempo, andaram na Terra : Buda- Confúcio- Sócrates. Apogeu de Atenas com Péricles, o teatro de Ésquilo e Sófocles. Nasce o taoísmo. Nasce a ciência como tese e antítese. Os celtas se organizam. Roma tem seu nascimento. Dario e Xerxes.
Ano 0. A treva. O sacrificio de Jesus. Nero em Roma. Queda de Atenas. Confusão na India e China.
Ano 500 de nossa era. Brilho : A igreja católica começa a unir o ocidente. Maomé no oriente. Apogeu da cultura árabe. Bizâncio é o centro da Europa.
Ano 1000. Trevas e confusão. Alta idade média. A Europa se divide em feudos.
1500 de nossa era : Solar. Descobre-se a América. Nasce o protestantismo. A renascença cria a ciencia e a filosofia modernas. O homem se torna o centro do mundo. O sentido de comércio e progresso nasce aqui. Os bancos e a arte humanística.
Ano 2000: trevas. Fim do humanismo. Confusão tribal. Morte da arte feita para o homem.
Yeats morreu em 1939. Para ele, a primeira guerra era o aviso da era caótica que viria no final do século vinte. O que ele diria se houvesse vivido mais cinco anos ?

as mais belas

Uma revista americana elegeu a mulher mais linda da história do cinema ( americano ). Sem surpresa : Audrey venceu. Porque ? Pergunta voce, Óh novato desconhecedor do que há de melhor.
Eu respondo : Audrey lançou, num tempo em que o padrão era Ava Gardner, a mulher magra, amiga e de cabelos curtos. Um tipo que ela lançou sózinha em 1952 e que é atual e copiado até hoje.
Mais ? Ninguém tinha sua elegancia. Qualquer camiseta lhe caía como Givenchy. Ela passava inocencia, dignidade, muita feminilidade e tinha o dom de fazer o mundo parecer mais bonito. Melhor.
Que mais ? Era a versão feminina de Cary Grant.
E tinha um rosto lindo. Perfeito. Limpo, saudável, otimista. ( E pensar que esta belga passou fome na segunda guerra, apesar de sua origem nobre ).
Angelina Jolie ficou em segundo lugar.
Deram o segundo posto para a atriz menos " Audrey" possível.
Em terceiro ficou a atriz que eu considero de longe a mais bonita da história : Grace Kelly.
Grace nasceu na mais tradicional família da Philadélfia. Se tornou atriz por tédio.
Se voce assistir JANELA INDISCRETA voce perceberá que seu primeiro close É O MAIS LINDO RETRATO FEMININO DE TODA A HISTÓRIA DO CINEMA AMERICANO. Ela é tão linda que chega a fazer mal. Chega a ser irreal.
Mas Grace era bem real. Namorou todos os atores com quem contracenou. E se casou com o principe de Monaco. O cinema nunca foi sua paixão.
Se tornou mito com cinco anos de carreira. Uns 10 filmes, se tanto. É o mais iinacessível retrato da beleza, da riqueza, da perfeição em forma feminina. Não há comparação possível.


quando o cinema frances é bom, ele é ótimo!

Dois filmes, dois momentos, dois mestres.
Primeiro: Henri Georges-Clouzot. Diretor massacrado pelos críticos da nouvelle-vague. Hoje é considerado um mestre. Tem uma obra-prima : O Salário do Medo. Uma aventura digna do melhor cinema americano. Mas hoje eu falo de outro filme : AS DIABÓLICAS. Magistral diversão. Porque ?
Uma escola. Um casal. O marido tem por amante uma professora. A esposa tem um caso com a mesma professora. As duas se voltam contra o marido. E mais não posso contar.
O clima é opressivo. E depois se torna de um suspense hitchcockiano. Voce se pergunta em estado de hipnose : e agora ? o que vai acontecer ? Um final chocante. Fantástico.
Segundo : Claude Chabrol. Um diretor da nouvelle-vague. Ainda na ativa. São 50 anos de uma carreira exemplar. 50 anos !!!!!! Imagine Aronofsky ou Daldry filmando em 2049 !!!!!!! ( começaram por volta de 1999... cinquenta anos mais : 2049 ! Tempo pacas ! ).
QUEM MATOU LEDA ? É o nome do filme. Fotografia em cores de Henri Decae. É um dos filmes mais bonitos que já ví.
Na Provence. Um castelo restaurado. Um pai que trai a mãe com a vizinha. Na cara de todos. O filho é um voyeur. A filha uma sonsa que namora um aproveitador hedonista. Leda será morta. Leda é a vizinha.
Momentos de genialidade : Jean-Paul Belmondo. Quem tem mais de 40 anos sabe : Belmondo foi tão famoso quanto Tom Cruise. Mas era muito muito muito simpático. Jovial, sorridente, e fez filmes melhores que Cruise. Sim- a Europa tinha super-stars !
Belmondo entra ( ele é o aproveitador ) em cena : pede comida à mãe. Invade o quarto da filha. Come como um porco. Rí. Vive.
Veja a cena em que ele dirige um Jaguar por Aix. Ele fala com os transeuntes. Acena para as moças bonitas. Canta. Corre. Tudo em um minuto. Câmera na mão. Figurantes que encaram a lente. Então o clima muda : O pai e a amante passeiam pelo campo. Um clip brega e meloso.
Belmondo bebe num café. Com seu amigo desempregado. Uma fanfarra desfila pela rua. Genial : Belmondo improvisa : corre atrás da fanfarra e arrasta seu amigo. A cãmera continua a filmar e esse acidente é usado por Chabrol. Não é editado. Eu vibro : eis a transcendencia do tempo no cinema !!!!!
Bernadette Lafond é a empregada. Pura sensualidade. Pura canastrice adorável . É um símbolo. A eterna musa.
Como nunca irei parar de repetir : os franceses de 1960 têm uma elegancia não- formal despojada que o mundo jamais tornou a igualar. Veja os sapatos de Belmondo. O paletó cinza com blusa preta. O corte de cabelo. Estamos a séculos da bermuda com havaianas, da cueca com jeans caindo, do mulambeiro como ícone ( ou pior : o pimp de Miami ).
O filme é policial. O filme não tem um tiro. É suspense. Mas não dá nervoso. Dá prazer.
Viva Chabrol. Num movimento que tinha Goddard e Truffaut, quem durou foi Chabrol. E Resnais.
Leda é puro luxo, calma e prazer. Aprecie.

criação- um livro de gore vidal

Fazia muito tempo que não me apaixonava tanto por um livro. CRIAÇÃO foi lançado por Vidal em 1982 e logo se tornou um sucesso. Do que trata ?
Em 500 ac. um senhor de 75 anos conta sua vida. Ele é persa e tem um belo desprezo pelos gregos. Através de sua história ficamos sabendo o porque de a civilização grega ter causado muito mal para nosso mundo, como erros cometidos por Xerxes e más escolhas de Dario mudaram o futuro da humanidade para sempre.
Num texto simples e cheio de humor pessimista, Vidal faz deliciosas fofocas. Ele desbanca Sócrates e Anaxágoras, eleva Pitágoras e nos dá um retrato colorido do que seria o mundo persa. Mundo que os gregos difamaram sempre.
Na segunda parte nosso herói serve Dario na India e temos todas as religiões pré-budistas muito bem explicadas. Gurus e charlatões são exibidos com todo seu ridiculo e com toda sua eterna atualidade.
Depois a China é explorada e acontece o retorno ao mundo do ocidente. Nosso herói volta transformado, sem poder mais encarar o tempo, a religião, a história do mesmo modo.
Todos os mitos fundadores são avaliados, todos os " e se... " da história são cogitados e no final percebemos algo de muito perturbador :
Se a vida tem por única função a obtenção da sabedoria... e se a sabedoria só pode ser obtida pelo afastamento daquilo que é futil, vazio, temporal... se a vida só pode ser verdadeiramente usufruida em quietude, solidão e calma... neste mundo de ruido, comunicação desenfreada e invasão de intimidade... em que absorvemos toneladas de conhecimento inutil e estamos sempre presos ao tic tac do momento... onde a sabedoria ?
Creio firmemente ( e foi a única coisa que aprendi em 35 anos de leituras ) que a maneira de transcender o tempo e a sina da existencia é obter contato com aquilo que nos convida a transcender o mundo real.
Quando olho uma tela de Chagall, quando ouço Satie ou leio um verso de Eliot estou indo além do lugar/ tempo/ espaço que ocupo. Estou entrando na esfera daquele iogue que meditou em 500 ac., do poeta que pensou sobre o espirito em 1770 ou do músico que ainda virá.
Pois se o tempo, ao contrário do que os gregos nos legaram, não é uma linha reta, mas sim um circulo perfeito, onde o começo mora no fim e todo final antecipa o começo, é através da obra de arte perfeita, do testemunho dos homens que enxergaram além das aparencias, que podemos nos aperfeiçoar, crescer, inspirar e vencer o tempo e a morte.
No tempo de hoje, que nos dá o acesso a toda essa riqueza, é obrigatório a qualquer homem comprometido com a vida e o viver, usufruir, mergulhar, compreender esses tesouros do tempo eternamente presente.
Sons, cores e palavras daqueles que guiam a eterna e imutável alma humana pela dor e pela loucura de se viver.

Inácio Araújo, Michael Chabon e Gore Vidal

A Folha publicou uma matéria sobre Michael Chabon. Parece que finalmente começam a levá-lo a sério por aqui. Ele escreveu Garotos Incríveis- que se tornou um dos meus filmes favoritos. O livro é tão bom quanto o perfeito filme de Curtis Hanson ( onde Michael Douglas dá um show ). Sua escrita é absolutamente viciante, deliciosa, pop, cheia de habilidade. Voce deve e precisa ler. Legal é que ele adora O Grande Lebowski !!!!!!! Pois Lebowski é o tipo de história que poderia ter sido escrita por ele mesmo.
Michael Chabon tem um gosto parecido com o meu. Muito parecido.
Assim como Inácio Araújo. Que diz sentir profundo tédio com Wong Kar Wai. Ora, isso é lógico. Um homem que ama os filmes de Hawks, Clint e Ford não pode ser enganado pelo doce perfume enjoativo de Kar Wai.
Me perguntam se ando lendo ou se apenas vejo filmes. Weeellllll.... descobri e me viciei em Sherlock Holmes. Um prazer. Finalmente entendo o porque de Georges Simenon ter sido tão famoso ( voce o conhece, não ? Bem, seu pai o leu. Autor belga, morreu nos anos 90. Livros de crime e mistério. Muito clima. Muito existencialismo pop. Ópio em forma de texto. ) Leio também Gore Vidal. O livro se chama Criação. 800 páginas hilárias e cheias de estilo superior. Ele situa o texto em 500 antes de Cristo. Grécia/india/China e Persia. O momento em que o mundo que conhecemos nasceu. Porém Vidal tira uma de tudo. Desmistifica a democracia, a filosofia, os deuses.
Gore Vidal é aquilo que um dia foi conhecido por aristocrata americano. Americanos bem-nascidos, bem-educados, finos e snobs. De família de senadores do século 19, ele prórpio tentou ser presidente nos anos 60/70. Vidal é anti-democrático ( como era Paulo Francis ) pois ele via no voto a porta de entrada da plebe decadente ao palco do mundo. A democracia tende a nivelar tudo por baixo ( cada vez mais baixo ). Para Vidal, a América foi grande enquanto foi governada por uma aristocracia bem formada e bem pensante ( Jefferson e etc. ) e teve em Kennedy seu último representante. Ele escreve como um nobre. Como alguém que está acima da vulgaridade. Mas escreve com verve, e portanto é delicioso.
Neste cada vez mais jeca e bárbaro mundo, ler Vidal, Chabon, Evelyn Waugh, Graham Greene é obrigatório.

the wrestler, um filme de Darren Aronofsky

Trata-se de um quase documentário. A câmera não desgruda de Mickey Rourke. E ele funciona não só como personagem; é também o cicerone daquele mundo. Mundo de derrotados ( ? ).
O estilo de direção é simples, sem qualquer afetação ( e carente de alguma criatividade ). Mas funciona. É um estilo pobre que exibe a pobreza de vidas tolas, vazias, erradas. Mas que ainda mantém alguma humanidade.
O filme não é com Mickey Rourke. Não é para Mickey Rourke. O filme é Mickey Rourke.
Aquele que foi um grande símbolo sexual ( por quanto tempo ? 2 anos ? 3 ? ), hoje se parece muito com Luciano do Valle !
O filme me fez recordar David Lee Roth...
Marisa Tomei está maravilhosa. Mas Mickey... ele brilha...
A produtora do filme se chama Wild Bunch. No Brasil, o filme Wild Bunch se chamou " Meu Ódio será sua Herança ". Velhos cowboys lutando para não desaparecer.
O filme é simples como Bresson. E não foge do óbvio. Nada nele surpreende. Nada.
Quando tocam " Sweet child o' Mine "... é lindo...e quando ele voa na última cena... entra Bruce com uma nova canção... daquelas que só Bruce sabe e pode fazer.
Ao contrário do muito tolo filme de Roth, Marshall e Fincher; e do muito vazio filme de Boyle; este é um filme de verdade. Nota 8.

SLUMDOG MILLIONAIRE/WILDER/TRUFFAUT

Que saudade do tempo em que comprei meu dvd ! Como foi magnífico o tempo em que comprei as caixas dos Marx, do Tarzan, do Bogey !!!!! Como foi delicioso colecionar Hitchcock, Lang, Ford. Descobrir os tesouros: Vigo, Clair, Murnau...
Invejo a inocencia de quem tem tudo isso para descobrir. Mas, vamos lá...
SLUMDOG MILLIONAIRE de Danny Boyle.
Fiz uma enorme força para adorar este filme. Danny é um cara legal, o filme está causando alguma sensação, quero gostar dele. Mas... após 10 minutos de encerrado voce o esquece. Porque ? Porque este filme padece de nada ter a dizer. Sua técnica existe enquanto ele roda. Depois que ele pára, nada fica. É como um corpo sem alma.
A influencia de Cidade de Deus é óbvia, como também o exibicionismo do camera-man. Toda tomada é elaborada, moderninha, diferentex. A câmera não trabalha em função da história, ela existe por si-mesma, presa em seu narcisismo futil. As crianças são ok, e a cena inicial ( na verdade a terceira cena ) da queda na bosta é muito bem ritmada. Mas depois cansa, e o filme parece muito mais longo do que é.
Me diga alguém : quem lançou a obrigatoriedade de que toda cena deve ser gravada como se a câmera estivesse dentro de um barco em mar agitado ? Pra que ? Eu quero poder olhar as cenas, pensá-las, observar o trabalho dos atores. Mas não: lá vem a onda tsunami, as cenas chacoalhando atrás do trio elétrico, a rapidez que nada mostra e nada conta, os cortes rápidos que impedem qualquer pensamento. Uma chatice esse jeito de filmar!!!!!
Mas o filme se salva pela simpatia dos atores. Nota 6.
A PRIMEIRA PÁGINA de Billy Wilder com Jack Lemmon, Walther Mathau e Susan Sarandon.
O texto de Ben Hecht e Charles MacArthur é um clássico. Aqui ele é filmado pela terceira vez. Este, um dos últimos filmes de Billy, foi massacrado na estréia e se tornou um dos seus grandes fracassos. Injustiça! O filme é de uma maravilhosa leveza!!! Todos os diálogos ( ferinos, duros, diretos, brilhantes ) pulam como bolas de ping-pong e os atores que os dizem ( cheios de alegria e vontade de atuar ) se divertem com a lucidez da coisa toda.
Espertamente, Billy liga a máquina e deixa o show rolar ( em sua biografia ele conta várias vezes gostar de diretores que dirigem sem chamar a atenção ao seu próprio trabalho ). Duas horas de completo prazer. nota 8.
O MORRO DOS VENTOS UIVANTES de William Wyler com Laurence Olivier, Merle Oberon, David Niven.
O livro é infilmável. Como filmar a paixão obsessiva ? Como ?
Wyler é um grande diretor ( o mais premiado da história, ao lado de Ford ), mas falta ao filme a paixão louca que o livro tem. Olivier está correto, mas Merle é um completo desastre! É como dar Macbeth para Ben Affleck. Fotografia estupenda do mestre Greg Tolland. nota 6.
O MUNDO EM SEUS BRAÇOS de Raoul Walsh com Gregory Peck e Anthony Quinn.
Caraca! Quanta ação! Walsh foi uma das figuras mais míticas da velha Hollywood. Tapa-olho na cara, megafone na mão, começou como ator ( nos filmes mudos ) e ao perder uma vista virou diretor. Antes disso fora aviador e corredor em Indianápolis ( o legal é que os caras do cinema antigo não sonhavam em ser autores, portanto não eram ratos de cinemateca- eles viviam e tinham muita coisa pra contar ). Este filme tem brigas, viagens, traições, muito mar, socos e bebediras. nota 8.
MY BLUE HEAVEN de Herbert Ross com Rick Moranis e Steve Martin.
Martin passa todo o filme imitando De Niro. Mas colocar Moranis no papel principal... ele é um grande vazio na tela! Roteiro de Nora Ephron, ou seja, ruim. nota 1.
O AMOR CUSTA CARO de Joel Coen com George Clooney e Zeta Jones.
Assiti no cinema em 2002 e desgostei. Errei. É uma bela comédia frívola. Bons diálogos, boa direção, boa diversão. Clooney dá um show e mostra ser o Cary Grant de sua geração. 7.
UMA JOVEM TÃO BELA COMO EU de Truffaut com Bernardette Lafond, Charles Denner.
O maior fracasso de François. Mas não é tão ruim. Uma comédia doida, bastante amoral, corrida e até histérica. Os primeiros 30 minutos são excelentes. nota 4.