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UMA CÂMERA PARADA E UM CARA DE PALETÓ

   Desde 1968 os londrinos seguem a letra desta canção. Podem não mais lutarem na rua, mas continuam morrendo de tédio e fazendo bandas ( ou sendo DJs ) por não ter opção. Pois no mundo seguro do primeiro mundo, onde se marcha na onda do consumo e gastar dinheiro é tão vital como respirar, Street Fighting Man perdeu a atualidade porque não mais se luta, mas continua um lembrete válido, sinal de nossa prisão.
   Eu nunca havia visto o clip original, e acho que voce também não. Uma câmera no tripé, parada, e Mick Jagger com um paletó largo indo e vindo no meio da escuridão. Não é o Mick dos trejeitos. É o cantor ainda lindamente sem jeito. E ele marcha, anda, volta a marchar, dá um chute, gira como o relógio do tempo, como autômato do século XVIII, não dança e não finge cantar. Aos 24 anos ( !!!!!! ) ele alardeia sua relevância central no momento mais perigoso do século mais fatal.
   Ingleses gostam de dizer que Waterloo Sunset é o hino não-oficial de Londres. Musicalmente ela é mais presente neste século. Centenas de bandas imitam essa sonoridade. E Ray Davies, sempre um conservador, faz uma elegia à velha cidade de Vitória e de Disraeli. Mas Street Fighting Man é o hino do subterrâneo, a memória daquilo que deu errado.
   Esse clip, postado abaixo, é um assombro.

O MAIOR SHOW DA TERRA

   Eu estava no berço. E minha mãe deixava o rádio ligado, perto. Naquele tempo tocava Roberto, Tom Jones, Hollies e claro, Beatles. Lady Jane eu escutei nesse tempo. Assim como Ruby Tuesday. Eu sei, porque eu as cantava antes de aprender a ler. Eu sei cantar essas músicas desde sempre. São parte de minha vida.
  Minha casa ficava no alto do bairro e lá de cima a gente podia ver um pedaço do estádio do Morumbi. Em dias de jogo a gente ouvia a torcida. E ficava assistindo os carros que passavam. Eu continuava, entre córregos e pastos, a cantar Lady Jane, Ruby Tuesday e uma outra da qual só lembrava o refrão. Eu não sabia que todas eram dos mesmos caras.
  Passaram quase 50 anos desde então. Guerras acabaram, a Lua foi tocada, modas se foram, o tempo acelerou. Hoje os jovens são apressados. E eu continuo aqui, no bairro, e décadas depois eu sei quem eles são. Eles são os caras que criaram 50% do que se entende como rock. O lado sujo, tosco, sexy e infame da coisa. O lado de Dionisio. E assim, eles têm enterrado todos os concorrentes. São eternos. Estão além do tempo.
  Quando toca Simpathy For The Devil, em arranjo que faz tudo o que os Primal Scream levaram dez anos para fazer, eu saio de onde estou. E olhando as pessoas vejo almas que vagam além do tempo. Na verdade não são os Stones que estão além do tempo, todos estamos, eles apenas usam isso melhor. Jagger estar sobre o palco é a atualização do mito de Mefisto. Ele jogará flores para todos nós.
  Keith tem se apagado. Ele se obscurece gentilmente. Nessas horas é bom ser inglês. Eles sabem ser velhos. A velha cara sacana está lá. Os trejeitos. Mas é outro. Sua dimensão é a mesma de velhos curandeiros.
  Minha primeira lágrima foi ao ver Ronnie solar. Porque Ronnie é um cara possível. Ele é daqui, deste mundo. Ele vai no buteco. Ronnie é um face pra sempre.
  Mas Mick é impossível. Ele se fez. Tudo foi um plano feito por volta de 1968. E foi aí que Simpathy nasceu. Andando em Londres ele teve a antevisão de sua vida. E a viveu.
  Eles tocaram a dois quilômetros de meu berço. Eles vieram até mim. Eu fui até eles.
  Continuo careca. Continuo com mamãe. Continuo cantando She's a Rainbow.
  E Brian....bem, tinha um cara na pista vestido de branco com uma cartola preta. A banda ainda é dele não é...

SO' GAROTOS....PATTI SMITH

A frase que revela a alma de Patti é dita quando ela diz que Robert não conseguia perceber o romantismo da febre, de se estar doente. Ela percebe. Patti é uma romantica. Rimbaud, Baudelaire, Rousseau são guias. Sua geração foi a ultima geração culta do rock. Depois existiram românticos, mas artísticos de verdade não.
O rock é coisa pura, energia sem razão. Isso é maravilhoso, isso foi único. Com Dylan o intelectualismo invadiu a coisa. Esse intelectualismo quase matou o rock, mas trouxe Zappa, Joni Mitchell e acima de tudo o VELVET UNDERGROUND. Patti nada tinha a ver com o mundo do rock. ComoLaurie Anderson, David Byrne ou August Darnell, sua praia é outra, a poesia. Patti poderia ser uma chata. Não é. Ingenua sempre. Uma pessoa adorável.
Sam Sheppard namorou Patti Smith! Isso é incrível! Para quem não lembra, Sam escreveu o roteiro de PARIS/TEXAS, fez o papel de Chuck Yeager em OS ELEITOS, e é marido de JESSICA LANGE desde os anos 80.
Não espere ler aqui sobre rock. Ele é sobre boemia. Sobre um casal apaixonado. Sobre o estranho Mapplethorpe e a boazinha Patti Smith. A Esta ira, e o modo como Rimbaud, Keith Richards e JESUS CRISTO guiaram a vida dessa menina sem igual.
O livro também mostra o contraste entre a década de 60 e a de 70. A primeira foi utópica, trágica e infantil. A dos 70 foi cínica, egocêntrica e centrada no culto às celebridades.
Eu lembro de quando saiu Horses. Causou surpresa por ser sem rótulo. Não era folk, nem hard, prog ou pop. Lançado em ano de transição, foi, ao lado de Born to Run, de Springsteen, disco do ano. Depois inventaram que ela era punk!???!!! Nunca foi! Patti ignora Stooges, MC5 E OS DOLLS. PATTI foi da mesma matriz de Lou Reed, arte, Andy Warhol, beats, cinema, franceses.
França... Faz falta essa influência boemia/Montmartre no rock de hoje. Ambição...
Devore o livro! É bom pacas!

THELONIOUS MONK, O MAIOR MESTRE MUSICAL DOS ÚLTIMOS 60 ANOS.

   Existem músicos que procuram a perfeição através da tapeçaria. Eles acumulam notas e escrevem um tipo de painel sonoro onde montes de informações se acumulam. Outros fazem o oposto. Pegam apenas uma linha, e com ela procuram o máximo de perfeição. Esticam essa linha, arrebentam o fio, ameaçam um nó, tingem, escondem, fazem mágica com uma simples linha. Monk era o gênio da linha. 
   Vi ontem um doc sobre ele na TV. Estranha figura quase muda. Um baterista diz que foi o visitar. Ficaram oito horas na sala, juntos, sós. E Monk nada disse por sete horas e 59 minutos. Na hora de sair disse, OK, Nos vemos amanhã. 
   O mestre Zen ensina sem o uso de palavras.
   Um outro excursionou com ela por 4 meses. Monk nunca lhe falou uma só palavra. No último show ele disse: Nos vemos na próxima.
   O som de Monk é assim. Apenas o núcleo. Sem enfeite. A linha, pura e simples. O silêncio sempre presente. 
   Durante o documentário lembrei de Keith Richards. Monk faz uns movimentos ao piano que são idênticos aos movimentos absurdos e aparentemente gratuitos que Keith faz à guitarra. Trejeitos de ombros, batidas de pé, mãos que flutuam, dedos duros e lentos que tocam, quase quedas ao chão. Voce acha que eu forcei a comparação? Voce conhece um guitarrista mais simples e cheio de silêncios entre os riffs que Keith?
   Monk nunca mudou. Ao contrário de Miles, Dizzy, Sonny ou Lester, ele nunca tocou bossa-nova. Ou se eletrificou. Ou ficou mais funk. Adicionou violinos. Nada disso. Monk era sempre Monk. E em 1967 parou. Sem anunciar, ele simplesmente saiu de cena. Calou o piano.
   Viveu ainda até 1982. Poderia ter gravado mais uns vinte discos. Ter feito centenas de shows. Sido homenageado. Não.
   Dizem que todo sábio tem a clarividência de saber falar o Não. E eu sei que parece hoje banal dizer isso, mas Thelonious Monk foi um sábio. Um gênio. E um ET. 
   Sábio porque nada do que ele fez foi demais. E isso é muito raro em música. Todo mestre musical tendeu a fazer à mais. A não silenciar na hora exata. 
   Gênio porque ele trouxe algo de onde não se anunciava nada. O estilo de Monk pode ser percebido levemente em Basie e em Duke ao piano. Mas ele foi completamente inédito. E desde então inimitável. 
   E um ET porque ele criou seu mundo e sua lingua. E nesse mundo apenas uma pessoa podia viver. Ele. Todo gênio é um individualista radical. E portanto um solitário abissal. Na vida de Monk só Monk vivia.
   Entre as notas há o silêncio. E esse é seu segredo. O vazio entre as notas. A suspensão do ritmo. Os furos. A linha que deixa de ser vista e retorna outra e a mesma.
   Thelonious é inesgotável.

The Faces TOTP (1971-1972)



leia e escreva já!

The Birds - That's All I Need You For



leia e escreva já!

A AUTOBIOGRAFIA DE UM ROLLING STONE- RON WOOD. UM CIGANO PERDIDO NO MUNDO DOS HOTÉIS.

   Biografias são melhores quando escritas por terceiros. Isso porque ao escrever sua própria bio, o biografado pula trechos de sua vida que ele esqueceu, ou prefere esquecer. Quando um bom escritor se encarrega desse trabalho ele tem em mira aquilo que o leitor deseja saber. Não digo fofocas ou exageros, falo de fatos, fatos que podem ser irrelevantes hoje para o biografado, mas que permanecem enigmas para os fãs. 
  Veja este livro. Ele começa delicioso. Porque as origens de Ronnie são coloridas, vivas e muito originais. Sua familia morava num barco ancorado no Tâmisa. Isso era comum na Europa do pós-guerra. Assim, pai, mãe, irmãos, e até um avô, todos apertados numa barcaça antiga. O sangue desses ingleses tem raízes ciganas. E eu sempre achei que Ronnie tinha uma cara meio india, meio espanha, quase oriental. Cigano. Ele cresceu com uma multidão de parentes invadindo a casa toda noite para fazer música. Músicas de boteco. O pai de Ron é aquele inglês tipico dos anos 40/50 que a gente vê em filmes de John Ford ou de Carol Reed. O brigão engraçado, amigo de todo mundo. Depois eles se mudam para uma casinha e o pai traz moradores de rua para fazer um som. Toda noite. O jovem Ronnie cresce nesse mundo. Muita música, muita festa, muito riso e muita falta de dinheiro. Sua vida será essa. No rock ele repetirá toda a vida de seu pai em nivel maior. Keith ocupará o posto de tio. 
  Ronnie logo descobre o rock, forma bandas, tem um certo sucesso com os Birds ( não confunda com Byrds ), e é convidado por Jeff Beck a entrar em sua nova banda. Conhece Rod Stewart que se torna seu melhor amigo. Os dois comem todo mundo e destroem quartos de hotel. Mick Taylor sai dos Stones, convidam Ronnie e ele larga os Faces. O resto todo mundo sabe: excursões, muito dinheiro, muita droga, e várias falências. Como bom cigano, Ron gasta tudo o que ganha. Em clubes que ele abre e deixa falir. Em pubs e hotéis que ele inaugura e deixa quebrar. 
  Wood fala de drogas e bebidas, mas não fala de drama algum. Seu enfoque nunca é na dor ou na luta. É na diversão. Tipo: Fiz porque quis e ninguém tem nada a ver com isso. Ronnie é o que parece ser, um cara feliz. Suas casas sempre têm um grande estúdio de música e sempre está aberto para os amigos que quiserem tocar ou gravar. George Harrison, Eric Clapton, Pete Townshend, Paul MacCartney...e Keith, claro. Além do, nas palavras de Ron, quieto e muito calmo David Bowie, e Bob Dylan, que adora vestir botas e capa e ir caminhar sózinho, por horas, na lama. ( God knows como me identifico com isso ).
  Keith é pintado em todo o livro como um cara muito mal humorado, engraçado de tão ranzinza, explosivo e obstinado. Mick parece ser distante, frio, e bastante inteligente. Rod é um festeiro. Um playboy. E temos Charlie Watts, que tem as duas melhores cenas do livro: 
  É revelado que Charlie só anda de chofer. Tem medo de guiar. Mas coleciona carros. Seu favorito é um Alfa raríssimo. Vinho. Charlie adora vestir seu terno vinho, para combinar, ligar o motor, e ficar dentro do carro, parado, admirando as linhas do painel. 
  Outra de Charlie. Mick liga para Charlie as 4 da manhã e fala"" estou no estúdio com ideias e preciso de meu baterista aqui"". Charlie se levanta, toma banho, veste um de seus ternos da Saville Row, e vai de taxi ao estúdio. Entra quieto e dá um soco em Mick. E diz: "" Não sou seu baterista. Voce é meu cantor"". Isso é Charlie Watts. 
  No começo deste texto falei que seria melhor um outro cara ter escrito este livro. Isso porque Ronnie mal fala do Jeff Beck Group, nada conta dos Faces e foca quase que todo o livro nas excursões dos Stones. Legal, mas será que ele não sabe que os discos que ele fez com os Faces e aqueles que gravou com o Rod Stewart solo, são o ponto alto de sua carreira? Que qualquer dos discos onde ele esteve nos anos de 1969-1973 são melhores que aquilo que os Stones fizeram com ele? Well....uma pena, mas eu esperava mais sobre Ronnie Lane e Rod, sobre Maggie May e Oh La La, e menos sobre enormes shows na Austrália ou a gravação de Steel Wheels. 
  Ronnie Wood é o tipo do cara que todo mundo gosta. E por isso eu queria que ele contasse tudo. Que pena Ronnie! Sua bio é muito sem sal ! 

1977-1969-2014-SEMPRE...

   Não lembro da loja. Sei que foi em Pinheiros. Na Teodoro Sampaio. Em 1977 ela era uma rua mais decente, ainda tinha algumas lojas bem legais e não existiam camelôs. A esquina com a Pedroso de Morais era bonita, tinha a doceira Docinho. Todas as travessas eram silenciosas, residenciais, ainda não havia comércio na Mourato e na Lacerda. Só a Fradique tinha movimento. Fazia sol, era fim de verão. Saímos do bar do meu pai e compramos dois discos. Abbey Road foi escolhido por ter Come Together. E Let It Bleed por causa da crítica que Ezequiel Neves havia escrito. Voltamos para o bar e ficamos esperando a carona de nosso pai. No escritório que ele tinha a gente rabiscou na porta a data e o nome dos dois discos. Essa porta, com os anos, acabou cheia de escritos. Esse foi o primeiro. 
  Na sala, ao sol, só na manhã do dia seguinte, a gente os escutou no 3 em 1 da Sharp. 
  Lembro que achei o lado 1 dos Beatles muito bom e o lado 2 decepcionante. Com o tempo adorei. O disco dos Stones achei esquisito. Não gostei muito. Meu irmão, que coisa, gostou dele de primeira. Numa manhã, inesquecível, em que ouvi Let It Bleed de meu quarto, enquanto Edú o escutava na sala a todo volume, descobri que aquele era o disco. 
  Existem discos que me são tão vitais quanto meus pulmões. Siren do Roxy Music, Led Zeppelin - Houses of The Holy, o Transformer, Pin Ups de Bowie.  Nenhum mudou minha vida como Let It Bleed mudou. Durante o resto de 77, e agora lembro que errei a data, ele nao foi comprado no fim do verão, mas sim em agosto, eu o escutei sozinho em casa, toda tarde, em frenética excitação. Estudava datilografia às 4 horas e sempre descia a rua até a escola cantando Let It Bleed. 1977 definiu a eternidade da minha mente, foi o alicerce, foi o acordar da infância, foi ver o mundo. O disco da capa do bolo e da roda foi sua trilha.
  Hoje, 28 de novembro de 2014, ele completa exatos 45 anos de vida. Em agosto foram 37 anos comigo. O mesmo vinyl errado ( o selo do lado A está colado no lado B ). Sulcos que me trouxeram blues, sexo, euforia, beleza, raiva. A guitarra de Keith nunca soou tão cortante, o timbre suave e ao mesmo tempo forte, cheia de silêncios, de respiros. A bateria nunca foi tão jazzy, Charlie em plena forma. E Mick, ainda longe da mania dos falsetes, cantando como Mick, um preto. É meu disco favorito? Não sei. É aquele que mais me traz lembranças fortes. 
  Em dezembro desse mesmo ano fomos à praia. No Caravan vermelho de meu pai fomos cantando, eu e meu brother. Ele cantava Country Honky e eu Let It Bleed. A Serra passava voando pela janela, o fim da tarde parecia uma festa e a praia teria gosto de vida. 
  Como voce pode notar, Let It Bleed é mais que um disco. Não há como falar dele apenas como música. Ele, como um terreno fértil onde coisas crescem e respiram pelos anos passados, solo úmido, solo rico, brota e traz frutos e sementes que se espalham dentro e fora de mim. 
  Se a música é a lingua do cosmos, este disco alicerça uma mansão estelar.

O MUNDO DO FUTURO, A ALMA DO PC, GLYN JOHNS E OSCAR WILDE

   Foi Glyn Johns que gravou mais da metade dos discos que eu mais adoro. Era ele que ficava detrás da mesa de mixagem mexendo os botões e olhando aqueles ponteiros dançarem. Glyn estava lá nos melhores discos dos Stones. Do Who. Estava no Led Zeppelin. Beatles. E depois com London Calling do Clash. Com Plush dos STP. E neste século voce vê o nome do cara em discos que tentam resgatar a sonoridade 60`s.
  É muito dificil escrever sobre som. A qualidade do som, o que diferencia um som de outro som. Falar em graves, em eco, em delay, em ruído pode ser disfarce daquilo que não se consegue expressar. O som de Glyn era diferente, era redondo. 
  Recentemente comparei, com um jovem amigo, o som de Transformer em cd e em vinyl. É outro disco. E eu não sei exatamente onde esse som muda. No vinyl ele parece impar. O som da bateria chia, o bumbo está mais áspero, e o chimbau arranha. O baixo desaparece no cd. Ele no vinyl parece descontrolado. No cd está onde deve estar, subterrâneo. Mick Ronson em cd soa quase convencional. No vinyl ele raspa as cordas e zune. Como disse um amigo meu, músico profissional, no cd voce ganha e perde: fazer um disco é barato, mas o som fica todo chapado, o cd não permite agudos ou graves que extrapolem um certo padrão. Glyn sabia produzir trovões. Os dois primeiros acordes de Led Zeppelin I, Good Times Bad Times provam isso. Em vinyl.
   Paul Valéry disse que não se pode escrever a verdade. Ela sempre escapa. Letras só se prestam a falar do mundo das letras. E, triste isso, pensamos em forma de escrita e quase que sentimos apenas em frases escritas. Quase. Então como falar de música? Como descrever um som? George Steiner dizia que toda arte aspira a ser melodia. Mais que isso, ele dizia que arte verdadeira não nasce na ordem, na paz e na limpeza. Arte surge no kaos, na injustiça e na sujeira. Ele próprio diz que talvez não valha a pena, mas a democracia mata a filosofia. E a falta da filosofia, principalmente da metafísica, destrói a criação artística. O homem democrata sob a democracia pode sentir dor, tristeza e criar boas tentativas, mas não sente o absurdo, o desespero, e a iluminação da arte mais atemporal.
  Glyn Johns foi cantor e ninguém sabia mais disso. Na Londres de 1966, ainda com ruínas de Hitler, ruas de barro e casas sem banheiro, a arte tentou erguer a cara do Kaos e sorrir. Não sei se alguma coisa vai durar até 2200. Mas a coisa foi bela. No close do rosto de Glyn, estranhamente andrógino, a arte está prometendo acordar. Os moleques sujos e fedidos crescidos entre 1940-1960 queriam brincar e esquecer.
  Metafísica. Para Steiner, a filosofia só é verdadeira filosofia quando se embrenha na metafísica. Filosofar é pensar na morte e em Deus. No infinito e na existência. No tempo. Uma coisa irônica está acontecendo, e eu notei isso em minhas limitadas leituras de física, a ciência mais moderna está a seguir, sem querer perceber, os passos da mistica. Mundos paralelos são agora aceitos como possibilidade real. ( E me espanta alguém ainda usar a palavra real ). O tempo é tratado como ficção. E a arte, pobre faminta, está ficando atrás da ciência. Hoje a física parece mais criativa que a arte.
  Nosso corpo é apenas um tipo de tablet. Um receptor e divulgador de informações, memórias, insights que giram pelo espaço afora. O tablet se estraga, fica doente e é jogado fora. Isso não afeta o mundo da internet, que continua a rodar. Mesmo sem a máquina individual. Hoje essa ideia parece bastante comum. Em 1980 seria incompreensível. Como Wilde falava, o mundo segue a imaginação. 
  O desenvolvimento científico dará aval para a religião e a metafísica. No fim dos tempos a cauda da cobra vai tocar a cabeça do bicho. A ciência nos levará ao mais arcaico. Que será o futuro. O mundo é ironia. Borges é o futuro.
  Glyn Johns canta Lady Jane em 1966 na BBC. É 2014 e eu o vejo só porque um técnico criou a internet, o youtube e meu PC. O cantor fala de um mundo de 1800, de Byron e Shelley. E eu o revivifico. No futuro um homem verá isso outra vez. E a imagem será cada vez mais mítica. E Lady Jane ainda mais terá status de totem. A referência de uma cultura e de um modo de sentir. O passado cada vez mais futuro, o presente cada vez mais indiferente. 
  Se não destruirmos tudo, e essa possibilidade existirá sempre, será o mundo mais budista que se possa exigir. Plácido. Quieto. Individualista. Voltado para dentro de si-mesmo. E a procura do oculto. Sejamos otimistas.

GLYN JOHNS "Lady Jane" ULTRA RARE VIDEO



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AQUELA PRIMAVERA FOI MUITO QUENTE!!!!

   Foi um setembro muito quente. Meu cabelo suava e meu sovaco tava sempre pingando. Em 1980 os desodorantes daqui eram ruins. Tanto quanto os telefones. Mas tinha umas coisas boas. Ir aquele fim de tarde de sábado ao Shopping comprar dois discos foi muito legal. Um deles foi EMOTIONAL RESCUE, o outro não consigo lembrar.
  Eu tava apaixonado naquele tempo. Muito in love. Talvez o outro disco tenha sido brasileiro. Foi na Hi Fi, uma loja moderninha, cheia de cabines pra ouvir os discos antes de comprar. Fui com meu bro`.
  A capa do LP era bem doida com umas fotos esquisitas dos caras. Ouvimos naquela noite. Na época eu achei um disco ok. Me diverti muito com ele nesses anos todos. Disco de verão, quente, juvenil, alegre pra caramba. Ouvindo hoje, dia de sol, eu com trinta e quatro anos a mais ( Impossível !!!! ), como foi ?
  Dance é bacana. Lembro de Zeca Jagger falando da cuica que rola no som. Tenho esse recorte. Ele chama a banda de Os Jaggers. Summer Romance é deliciosa. Fala disso mesmo, amor de verão. Pra quem não sabe, aquele seria o melhor verão da história. Tangas, top less, otimismo a toda, muita cor. Summer tem um Charlie Watts dos diabos. O som dos pratos é dantesco. E o timbre das guitarras é sorridente. Pra cima. UP! Send It To Me é o melhor reggae dos caras. E tem um micro solo do cacete de tão simples.
  Let Me Go é uma das dez melhores canções dos Stones de 1978 pra cá. A batida é foda. O riff é foda. E percebo que Bill Wyman nunca tocou tão bem. O disco é dele. repare, as linhas de baixo de todas as faixas são ótimas. Sacolejam. Floreiam. Indian Girl é um quase country com um piano lindo e uns metais de mariachi bons demais. Quando voce se apaixonar escute-a.
  Where The Boys Go é uma alegria. O som corre e Mick pergunta onde os caras vão sábado de noite. Eu ia atrás da meninas. Eles também. O coro feminino é de matar. Uma faixa very very sexy. Pulo a faixa seguinte. Zeca dizia que ela era ruim. Me too. Mas então que tudo cesse: Eis Emotional Rescue. Baixa um Marvin Gaye em Mick. O baixo é delirantemente criativo. E esse eco nos pratos bota o universo pra dançar. Duca duca duca!!! O sax de Bobby Keys é astronômico! E.....She`s So Cold !!!!! Riffs malandros de uma guitarra contida. Elegancia baby, em grau máximo. Tam tam, e vem o solo. Tam tam, são os pratos. Wow!!!!
  Enfim All About You que é Keith desabafando sobre Anita. Tipo de som "mesas de bar com cadeiras em cima e velho varrendo o chão"....O piano é lindo...
  Estava neste sábado conversando com meu friend Fernando Tucori e dizia que uma banda tem, com sorte, cinco anos de criação. As melhores conseguem esticar esses cinco em mais uns dez de repetição, de auto-plágio. Os Jaggers fizeram este LP aos 17 anos de estrada. Os 5 grandes anos haviam sido sete ( de 65 à 72 ), e agora eles rodavam na memória desse topo. Mas aqui há criação, há novidade, hà tentativa.
  Descaralhante? Não. Mas, uma alegria duradoura, sim!

The Rolling Stones - I Am Waiting (Live 1966)



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The Rolling Stones - Under My Thumb (1966)



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AFTERMATH É PERFEITO.

   Estas notas foram encontradas num paletó de Anthony Roxy, The Second, pai de meu amigo Anthony Roxy, The Third. Encontrei essa bela peça de vestuário, comprada em Carnaby Street nos idos de 1966, dentro de um belo baú de tiras de ferro. Paletó listrado na vertical, de linho, com um forro de seda vermelha. Segue o texto ( escrito originalmente na bela grafia de Roxy, tinta roxa, caneta tinteiro com pena de ouro ) ...
  " Brian tem o estilo e Mick tem o sexo. Keith tem o rock and roll.
     Brian surge em minha maison com uma blusa de seda rosa e um poá de penas brancas. Sua namorada, Anita, a Diva, se veste exatamente como ele, as mesmas cores inclusive. A calça é justa, veludo branco. Estão ultrajantemente descalços. Mick veste uma simples camiseta de marinheiro e a calça é de alfaiataria. Sapatos de fivela, vinho. Impressiona a fragilidade física de Mick, ele parece feito de vidro. Keith tenta parecer um filho de mineiros de Newcastle. Usa um velho casaco de camurça bastante sujo. As unhas estão pintadas de negro. Os 3 me trazem seu novo disco, Aftermath. Fico feliz em saber que eles não tentam se parecer com "aquela banda"suburbana que insiste em se fazer simpática. Os 3 têm um ar blasé, penso que estão escolados no estilo "nem aí" da nouvelle vague. 
   O disco é escutado e me parece bastante bom. Não se compara aos singles recentes, especialmente a 19th Nervous Breakdown, mas a variedade desse Aftermath me espanta. Eles conseguem cavar seu nicho. Longe da simpatia dos 4 chatos de Liverpool e sem a acidez do bardo marxista dos Kinks. Bravo!!!" 
  Após ler esse rascunho resolvo reouvir o LP, afinal, a BBC escolheu a duas semanas Aftermath como o melhor disco dos Stones e um dos top 5 forever...
  Ele começa bastante atual. Mothers Little Helper fala das pílulas que ajudam as mães a suportar o cotidiano chato. A melodia, urgente, levada acústica, é das mais grudentas. Há algo, mínimo, de Dylan. Quem em 1966 não tinha algo de Dylan?
  Aftermath é uma obra extremamente rica. É o único disco deles em que há o trabalho de Mick, Keith e Brian em doses iguais. Nenhum dos 3 estava muito drogado ou brigado. Essa colaboração tripla dá ao LP variedade e beleza. Stupid Girl fala da mais idiota das mulheres e serve para marcar posição. Enquanto os Beatles falam das musas ( Michelle e Girl ), eles desprezam a estúpida mocinha. E se Lady Jane parece romântica, e é, Under My Thumb, uma obra-prima, conta a história da menina que agora é o "mais lindo animal de estimação do mundo". A riqueza sonora: Brian usa um cravo em Lady Jane, toca xilofone em Under My Thumb. Devo ainda dizer que Mick Jagger nunca cantou tão bem como em todo este disco. Sua voz, mais grave que no futuro, raspa os ouvidos de quem escuta. 
   Doncha Bother Me é um blues. Slide soberbo, curta e grossa, ela prepara a majestosa entrada de Goin Home. Oh....Goin Home....Ela quebra padrões!! Dura 12 minutos, é improvisada, tem sons de um trago num baseado, e antecipa, nos improvisos vocais de Mick, tudo aquilo que Jim Morrison desenvolveria. Um acorde de guitarra anuncia o som, ele vem negro, estradeiro e depois se metamorfoseia em viagem psicodélica. Um voo se ergue.
  Lado B. Flight 505. Tipo Chuck Berry. Mas com um baixo distorcido e mais velocidade. O tal voo é aquele que matou Buddy Holly. High and Dry é o primeiro country gravado pelos Stones. E portanto, é a mais Keith das faixas. Tipo de canção rápida de buteco. Bem suja, ficaria bem em Beggars Banquet. Out Of Time é um baladão para se cantar em coral. Brian arrisca um orgão de igreja. Daí vem It`s Not Easy que traz a marca da banda: riffs maravilhosos e um solo curto e objetivo. I Am Waiting é barroca. Keith e Brian fazem acordes quase religiosos nos violões e no cravo e Mick canta como em Lady Jane, como se ele fosse um Shelley renascido na Carnaby Street. Linda de sonhar, a canção é feita para o amor. Vem depois Take It Or Leave It. Canção de rádio de 1966. Bonita, simples, sincera, boa de cantar junto. Que belo cover daria em 2014 !
  Think anuncia o começo do fim deste magnífico disco. E a dramática What To Do encerra com chave de diamante. Uma música que combina tristeza e raiva. Os últimos segundos do disco ecoam o futuro da banda, fel e beleza. 
  Aftermath é perfeito.

LORD BYRON E AS NUANCES DO ROCK INGLÊS

   A primeira vez que li sobre isso foi no núveo ano de 1984 por Pepe Escobar, e em todos esses 30 anos ocasionalmente continuei lendo outras pessoas tocarem no tema. Agora tomo conhecimento de que até Harold Bloom escreveu sobre o tema, então o desenvolvo aqui.
  Primeiro devo dizer que o sistema educacional de todo o mundo está em decadência. Não há tempo para se desenvolver potenciais e portanto mesmo os poucos países que ainda vêem a cultura como prioridade se voltam para um tipo de educação prática, objetiva, e não ligam mais para a corrente enciclopédica que dava o aluno a chance de saber e escolher. 
  A educação inglesa até os anos 60 era do velho estilo. Muita história, muita arte, línguas e tempo de sobra. Ainda é hoje uma boa educação, se comparada a nossa, inexistente mesmo em escolas de elite onde pouco se lê. Nesse contexto, dar a um aluno de 14 anos a chance de conhecer Lord Byron é dar a ele a chance de encontrar um canal de desafogo de seus sonhos e pesadelos adolescentes. O que Pepe e Bloom falam é que 95% do rock inglês que vale a pena, por ser uma arte que precisa estar sempre em contato com as dores da adolescência, está desde 1965 em forte flerte e dominio do byronismo. O que é o byronismo?
  Byron foi um nobre maldito. Primeiro sentimento: Todo byronista tem a sensação visceral de ser um nobre maldito. Fantasias de se ter sangue especial, de ter sensibilidade exaltada, de ter uma antiga origem artística. Ao mesmo tempo se é um maldito por se odiar o tempo atual. Todo o passado, seja medieval, celta ou os anos 60/70 é visto como tempo de heroísmo. Daí, o byronista passa a ser um crítico, um satirista, um dandy azedo.
  Byron amava mulheres aos montes, talvez homens também. Isso não preciso comentar. Mas atente, é sexo regado a ópio, sedas, incenso, música esquisita, taras e sadomasoquismo. 
  Byron não se aquietava. Viajava pela Europa e seu nome logo se tornou uma lenda. Num tempo em que mal existiam jornais no Brasil, todo poeta mineiro ou paulista amava Lord Byron ( 1800/1850 ).
  Byron morreu jovem lutando numa guerra fadada ao fracasso. Idealista, Byron morreu nas trincheiras da guerra dos gregos contra os turcos. Virou mito. Todo byronista pensa que vai morrer cedo e tem com o tempo uma relação de horror, medo de morrer e medo de sobreviver e ficar velho.
  Byron ia aos limites. Drogas que aumentavam sua sensibilidade, sexo como forma de desafiar a moral, flertes com satanismo e doses grandes de pura maldade ( em São Paulo na época, os amigos byronistas de Alvares de Azevedo chegaram a transar com um cadáver no cemitério da Consolação ). Missas negras se misturam a amor por Jesus.
  Byron era manco e se vestia de modo refinado mas não convencional. Muita seda, veludo, pérolas, diamantes, penas e plumas. 
  Preciso dizer mais? Sim preciso, talvez o mais importante, Byron só escrevia sobre si-mesmo. Quando criava personagens como Don Juan, eram retratos do próprio Byron. Se falava da revolução. era uma revolução de Lord Byron. Tudo era um espelho, um eu gigante.
  O rock americano nada tem a ver com isso. Mesmo a relação com as drogas é diferente. Na América a imagem mítica que marca o rock ( menos na vertente Lou Reed Iggy Pop, apesar de em alguns discos eles tocarem esse mundo ), é a do pioneiro. Walt Whitman comparece em inspiração, ideias, imagens e até no visual ( o hippie é Walt Whitman e Thoreau ). Na Inglaterra ( e não na Irlanda ), Byron e depois Shelley se intrometem em tudo. E, em acordo com Bloom, isso é facilmente comprovável, o primeiro a perceber isso consciente e espertamente foi Mick Jagger ( não Keith que sempre sonho/sonha em ser Muddy Waters ). Mick pegou a batida do rock e o clima do pop e vestiu tudo com a luz diáfana do romantismo ofensivo e sexualizado de Lord Byron. Homem/mulher, anjo/diabo, irriquieto/esnobe. Ele criou aidentidade do rock inglês que se manterá na segunda fase dos Kinks e irá adiante com 95% do que vale a pena conhecer. De Stevie Winwood a Morrissey. De Bowie a Paul Weller. 
  Interessante é até mesmo Bloom perceber que os Beatles nunca se sentiram confortáveis nesse modelo. A partir de 1967 eles seguem essa tendência, mas neles isso nunca foi convincente. Eles não conseguiam ser "do mal" e seu visual nunca pareceu andrógino. A teoria é que suas origens seriam tão "Liverpool-classe trabalhadora", que eles simplesmente não conseguiam se sentir um grupo de nobres perversos. O mesmo aconteceu com The Clash e Oasis, para citar os mais relevantes. 
  Claro que ao tomar consciência de que os 40 anos chegavam, Jagger jogou fora todo o mundo de jovem-bandido-glamuroso e assumiu o papel de velho entertainer esperto. Como ele é uma esfinge que jamais revela seu mundo interior, corremos o risco de nunca saber se um dia ele acreditou no mito de Lord Byron ou se o interpretou apenas em público. O que importa é que todos os outros jovens ingleses desde então acreditaram. Acreditaram no romantismo de Morrissey, no dandysmo revolucionário de Paul Weller, na androginia prometeica de Bowie, no esteticismo de Bryan Ferry e no romance dramático de Thom Yorke. Assim como em Nick Drake, Kevin Ayers, Damon Albarn, David Sylvian e num vasto etc.
  Fecho contando que se fosse vivo Lord Byron estaria na Criméia, pronto para morrer pelos rebeldes e com todo um aparato de midia sobre sua ação. 
  Ou, falando num modo John Keats, poeta que era o calcanhar de aquiles de Byron, ele pode estar presente no corpo daquele pássaro que pia sem cansar...

1966 lady jane-rolling stones.mpg



leia e escreva já!

The Rolling Stones Play With Fire 1965



leia e escreva já!

AS MELHORES ENTREVISTAS DA ROLLING STONE ( BONO, JOHNNY CASH, COPPOLLA, OZZY, BRUCE...)

   As entrevistas são editadas para caber num livro médio. Isso tira todo o sabor delas. Ler este livro é como ver uma série de trailers de filmes que voce gostaria de assistir. Nada acrescentam. Portanto é um livro ruim e eu não costumo citar os livros ruins que leio ( creia, são muitos ). Mas vale a pena dizer que umas 3 ou 4 entrevistas valem a pena. 
 O livro começa com Pete Townshend, que em 1968 foi o primeiro entrevistado da revista. O repórter foi num show do Who e Pete não quebrou a guitarra. Intrigado, o jornalista perguntou a ele o porque. Veio desse papo a primeira entrevista da RS. ( Bons tempos em que uma estrela se deixava entrevistar de improviso ).
 John Lennon é very ugly. A cabeça dele estava um lixo em 1970. Ele se auto-glorifica. Sou um gênio, desde criança eu sabia disso e por aí vai. Pobre Paul que precisou conviver com esse pseudo-Goethe de Liverpool. É a figura mais ridicula de toda a história do rock. Mas, como ele fez meia dúzia de canções realmente boas, vou crer que aquele foi um momento de doença mental ou o que for. 
  Jim Morrison fala de álcool. Phil Spector é hilário. E tem ainda Bill Clinton, o Dalai Lama, Bill Murray, Tina Turner, Eric Clapton, Ray Charles, Brian Wilson, Keith Richards, Neil Young, Joni Mitchell, Kurt Cobain, Axl, Eminem e um vasto etc. Todas chatíssimas! Mas...
  Jack Nicholson fala de quando descobriu que sua irmã era na verdade sua mãe. George Lucas conta da sua expectativa para o lançamento de seu novo filme, Star Wars, e conta que seu objetivo é fazer com que o cinema americano saia da depressão dos filmes descrentes dos anos 60/70 e volte a acreditar em cowboys, heróis, que os jovens de 1977 tenham de volta a fé que ele viveu nos filmes de Erroll Flynn e John Wayne. Mais que isso, seu sonho é ter lojas onde tudo isso se conjugue: filmes, quadrinhos, bonecos e jogos sobre esse mundo de heróis. George sem perceber, tem nessa entrevista o insight sobre 2014.
  Leonard Bernstein é sempre cool. Fala de seu amor pela música. Há uma hilária conversa entre Truman Capote e Andy Warhol. Truman foi encarregado de escrever sobre o tour de 1972 dos Stones, mas não escreveu, então a revista manda Andy para saber o que houve. Truman gostou dos shows, mas não sentiu inspiração. Os dois se derramam em elogios a Jagger, mas o charme da coisa está em sua conversa sobre tudo e sobre nada. Os dois conversam passeando por NY, gravador ligado e sentimos a presença de Capote e Andy. Uma delicia!
  Mick Jagger impressiona. Ele conta que odeia se expor. Simples assim. As pessoas que façam o que quiserem, mas ele não gosta de falar de si-mesmo. Acho incrível e ao mesmo tempo noto que isso é verdade. Não há grandes fatos sobre a intimidade de Mick nesses 40 anos. Ele parece se expor no palco mas é teatro, máscara. Mick é um típico inglês vitoriano, reservado e familiar.
  Falei de entrevistas divertidas, mas agora falo das únicas entrevistas que revelam alma, vida, dor e poesia.
  Patti Smith é linda. Sei, ela parecia um garoto magro e agora parece uma bruxa. Leia o que ela fala e voce vai se apaixonar por ela. Patti conta sua história com Fred, seu marido, o que eles faziam nos anos 80, seu começo nos anos 70, sua vida com Mapplethorpe, a morte desse amigo genial, lentamente, de AIDS. O que ela pensa das novas bandas, sua poesia. São apenas cinco páginas que te tocam. Eis uma Dama. Eis algo que pode se aproximar da verdadeira genialidade.
  E lemos a entrevista de Bob Dylan feita em 2002. Raios caem do céu. Dylan fala como um velho que viu tudo. E não dá pra não dizer: é como escutar Walt Whitman em 2002. 
  Mas então? Falei tão bem de algumas entrevistas...então o livro é bom! Não. São 40 entrevistas. Destaquei 5. OK?

A NOITE EM QUE VI JOHN LENNON REBOLAR

   As boas e más linguas diziam que Mick Jagger vetara a exibição deste show de TV por perceber que o Who, só pra variar, roubara o palco. Quem mandou chamar os maiores ladrões de show da história do rock?
   Mas não é verdade. Acho que o que o fez vetar é que como espetáculo de TV ele é bem fraco. Senão veja. O Jethro Tull até que manda bem ( e com Tony Iommi na guitarra!!! ), mas quando vem o Taj Mahal a coisa começa a ficar very boring. John Lennon tá por lá, assim como Eric Clapton, e eles cantam, razoavelmente, Yer Blues, mas depois uma coisa, talvez uma cabra, começa a gemer e compromete a música seguinte. É instrutivo. Vendo Yoko Ono nesse show a gente percebe o que Lennon viu nela. O rapaz de Liverpool que queria ser aceito como High Art pelos High Brow se deslumbrou com as High Ideias da artista Yoko. Só não percebeu que ela era uma artista de terceira. Ela era do mundo de Beuys e de Christos, tinha desprezo pelo rock e pelos Beatles. O que ela faz/fez? Avacalhou. Lennon, um perturbado rapaz caipira da caipiríssima Liverpool entrou de gaiato. Well...Os Beatles iam acabar de qualquer jeito, mas a vida de Lennon seria diferente sem ela. Melhor talvez. Os discos solo seriam mais soltos, com certeza.
   The Who faz o seu normal. O seu normal é sempre anormal. Keith Moon maníaco e sendo Moon, o mais original dos bateristas ( e o mais show-man ), Pete estupra a guitarra e Roger canta como sempre, muito bem. Ponto educativo: Percebemos mais uma vez que o Who NADA tem a ver com a cultura hippie radical de 68. A viagem deles era bem outra.
   Marianne Faithfull, provavelmente a pessoa mais drunk da noite canta a mais pop das canções. Drogas nunca foram sinonimo de música ousada. Zappa e James Taylor provam isso.
   E vem os Stones. Bem, Mick tenta por fogo na banda o tempo todo, mas não rola. A coisa não decola. Brian Jones está em estado de catatonia. Keith parece preocupado. Bill está tipo Bill, ou seja, não está. E Charlie gostaria de estar na cama com a esposa. Dormindo. Que amanhã é dia de trabalho.
  É claro que NO EXPECTATIONS vale o dvd! A canção é tão genial, tão blue, fala tão dentro de quem já se fodeu, que é impossível ser estragada. Pois é....Dá pra ver John Lennon dançando em Sympathy for the Devil, e ver Lennon dançando...tirem as crianças da sala!
   No fim, uma patética versão de Salt of the Earth. Pete e Keith Moon roubam o show de novo, estão na platéia e começam a zoar. Legal, algum bom humor nesta noite baixo astral.
   Os anos 60 foi quando os loucos tomaram conta da zona. Alguns desses loucos enganam até hoje ( Timothy Leary, Che Guevara, filósofos pop star franceses ), os Stones sempre ficaram fora dessa. Aqui a gente vê o pior lado da década, ou seja, coisas sendo feitas na doideira, na curtição, bem louco, deixa fluir, numa nice. Claro que o perfeccionista Jagger ia vetar.
   O rock era um circo, hoje é um bordel, e Jagger sabe/soube sempre isso.