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PARIS! PARIS! - IRWIN SHAW

Um livro tão delicioso como vinho à calçada ( em Paris ).
A França divide a humanidade em dois: gente que despreza as coisas do país de Stendhal e gente que tem uma relação visceral com a nação dos francos. Amantes de vinho ou aficionados por Coca-Cola. Para se amar a França é preciso cultura. Sinto muito, mas é assim. O livro, de um dos mais famosos autores de best-sellers dos anos 60/70/80; expõe o que é viver em Paris.
Começa falando de um momento especial. O dia da vitória na segunda-guerra. Momento culminante de otimismo e de celebração. Última vez em que soldados foram recebidos como heróis. Irwin conhece a cidade como soldado, em tempo em que tudo estava para ser feito e em que a vida em Paris era muuuuuito barata. Nessa primeira parte vemos a Paris de Cocteau e Anouilh, de Sartre e de Genet, a cidade de De Gaulle e do comunismo. O autor descreve deliciosamente as ruas, os tipos, os restaurantes e as grandes festas. Ele flana pela cidade, ele visita museus, ele vive.
Depois ele mostra Paris no inverno, a cidade mais triste do mundo. O cinza-chumbo do céu, a solidão, os porões, as pontes. Mas logo volta o verão e com ele a esperança. A cidade, agora nos anos 50, ainda não tem edifícios de 12 andares. Pela lei, o céu deve ser sempre visível. Tempo de filmes, de se morar em barcos no Sena, tempo de esporte, de mulheres lindas e chics, tempo de americanos. Irwin nos conduz por cada praça, nos faz conhecer ricaços e artistas, nos leva aos hotéis. A narrativa flui.
Mas chegam os anos 60/70 e com eles a cidade muda. O Les Halles, zona do mercado, é demolido e Paris se moderniza. Torna-se uma quase caricatura de sí-mesma. Os preços sobem e os americanos partem. Morar em Paris só para os muito ricos. E para os imigrantes desesperados. Mas ainda é França, ainda é a cidade de Balzac. Os boulevares, os cafés, os bistrôs. Ainda é a cidade onde se vive mais do que se trabalha. Os carros ainda voam por ruelas estreitas. As putaines ainda fazem o trotoir e as praças convidam ao fazer nada. Se voce souber ver, ainda se avista Montmartre e Montparnasse como no tempo de Modigliani.
Se discute politica e só Paris produz líderes que parecem preferir viver que governar. Ainda se despreza a Inglaterra e se teme a Alemanha. Ainda se lê muito. Voce pode ficar numa mesinha lendo seu jornal, pode olhar o povo que passa, pode flanar. Antes Paris se dava a seu olhar, ela era incontornável. Hoje voce precisa a procurar, ela se esconde em feiúras modernas. Mas se deixa entrever para quem sabe onde olhar.
O livro de Irwin Shaw, mais que lição de olhar é lição de viver. Delicia.

LIÇÕES DE FRANCÊS - PETER MAYLE ( COMER É BOM )

Uma refeição inesquecível. Penso que todos nós temos aquele almoço, aquele jantar que fica na memória. Este livro de Peter Mayle ( voce deve ter notado que nesta época do ano não leio nada de muito dificil. Férias ! ) fala sobre um inglês, povo avesso a comida, descobrindo a riqueza de sabores franceses. Afinal, tudo o que os ingleses têm é fritas com peixe e pudim de rim.
Quem nasceu numa família européia sabe o quanto eles falam sobre comida. Lembranças dos pêssegos da infância, das cerejas e dos figos. Todo dia é dito : "É tempo das uvas !" ou " Hora das melhores linguiças ! " É uma verdadeira doença ! Benigna doença ! Festas só têm sentido por seus pratos. O grande lance do Natal não são os presentes, os enfeites ou seu simbolismo. São os pratos que serão comidos. O livro diz, e eu já havia notado, que a maior parte do orçamento mensal de um europeu latino é gasto com o estômago. Seu carro e suas roupas ficam muito atrás...
Peter Mayle escreve leve, fácil, gostoso. É um inglês que descobriu o sol, o prazer sensual, o tempo vagaroso. Nos leva pelas festas da rã, dos vinhos, da trufa fresca. Nos ensina a fazer uma omelete, a apreciar um pastis e a entender um café. E nos seduz com queijos, pão e conhaque.
Ficamos pensando na vulgar tolice desse café em copo de isopor e em como a cultura americana é toda baseada na poupança do tempo. Rapidez sempre. O serviço e o savoir faire ficam completamente esquecidos. Traga-me um café enfeitado e rápido. O gosto.... quem pensou que o sabor é importante ? Entendemos porque a agricultura francesa é subsidiada. Não há como continuar fazendo queijo e champagne decentes sem proteção contra alimentos industrializados.
Recordo então de meu primeiro café da manhã em Courbevoie e na variedade de geléias, queijos, tipos de pães e de doces que há no café da manhã gaulês. Meus tios estão longe de serem ricos. São trabalhadores comuns. Mas eles gastam muito em comida, em vinho, e principalmente, em tempo. Para eles ( e sei que esse costume está mudando ) é inadmissível comer em menos de duas horas. Uma salada, dois pratos quentes, pão e queijos, vinho e frutas, esse é o mínimo para fazer um homem feliz. E como comem !!!!! Você acha que a refeição terminou e eis que vem mais um prato ! Fatias de melão com presunto crú, alface com azeite e queijo brie, perna de cabrito, batatas sautée, vagens e cenouras, galinha assada ao mel, mais queijos, copos e copos de vinho tinto, pedaços de baguette com manteiga, omelete de cogumelos, e mais carne, e mais queijo !!!!! E no fim, para descer tudo, Calvados e café. Caramba !!!!!
Nossa cultura made in USA nos deu coisas que eu realmente adoro : cowboys, rock, jazz e o melhor cinema. E ainda skate, surf, rap, e uma informalidade que me agrada. E nos trouxe maravilhosas panquecas, sucrilhos em que me vicio e milk-shakes gigantes. Mas é uma cultura muuuuuuuito diferente da latina ! Há um excesso de eficiência que rouba o tempo a tudo. O que importa é quanto voce faz em menos tempo, e nunca o que voce faz. Há um desejo em se estufar a barriga e não em comer com conhecimento. Gostos puros e simples : muito doce ou muito salgado. Não existe a riqueza de gostos estranhos ( trufas, rãs e escargots ). Coca no lugar do vinho. É o tal do café com sabores...
Comer no quintal, gastando meio salário e desperdiçando toda a tarde à mesa... esse é um costume europeu, de italianos, portugueses, alemães ( mas não de ingleses ). E de brasileiros com seus churrascos com cerveja ( o churrasco poderia ter maior variedade ! ) O café na padaria, em louça ou vidro, com cheiros fortes de manteiga, de chapa, de sonhos; com fregueses falando alto, conversando com o balconista, abrindo o jornal. A delícia que é um pão quente com manteiga pingando... Manteiga.......
O livro fala dessas coisas. E dessa estranha forma de vida que é o francês. Esse bicho que adora discutir, que pensa ter sempre a razão e que é guiado por seu estômago. Onde cozinheiros são super-estrelas e restaurantes são catedrais. O prazer à mesa é rei.
O Natal vem aí... faça deste uma data de mesa inesquecível. Se dê um gosto nunca sentido e um ritual informal de glutonaria explìcita. Vinho, queijos, conhaque, café, manteiga e azeite. Sacie a fome por vida. Tudo ao sol e noite adentro, com prazer. Talvez a vida seja só isso...

O PRIMEIRO GOLE DE CERVEJA - PHILIPPE DELERM

No começo desta década a editora Rocco lançou uma coleção de livros chamada : "Prazeres e Sabores". Cada livro falava sobre alguma coisa relacionada ao bom-viver. Tínhamos livros então sobre azeitonas, cigarros, um livro sobre a geração perdida ( anos 20 ) e o primeiro e ótimo livro de Peter Mayle ( de quem acabei lendo tudo ). Este "Primeiro Gole..." é um minúsculo livreto escrito por Delerm e que fala de cotidianos prazeres. Aqueles momentos de bem estar, de satisfação, que todos temos e que fazem da vida um colorido e inebriante prazer.
Cada mini capítulo conta um prazer e Philippe passa a discorrer sobre esse momento de brilho e de conforto. Uma faca no bolso é seu primeiro prazer. Mas não uma faca qualquer ! Aquela faquinha que voce usa para cortar salame, queijo, para lascar madeira, cortar uma rosa. Faca de cabo de osso, cabo de madeira enegrecida. Faca, na verdade agora inútil, e que por ser inútil, é um prazer sem igual. Jogada no bolso amplo de uma calça de veludo verde escuro, repousando para emergência que jamais virá. Segura e dando segurança....
Sentiram do que trata o livro ? Deliciosamente fala de delícias. A lista prossegue...
Embrulho de doces; Descascar ervilhas frescas; Um cálice de Porto; Cheiro de maçã; Croissant na calçada de manhã cedo; Bicicleta; Inalação para gripe na infância; Comer no jardim; Colher amoras; O primeiro gole de cerveja; Dirigir de noite na auto-estrada; Viajar em trem velho; Banana split; Convidado surpresa; Sanduíche de sobras no domingo à noite; Pulôver no outono; Jardim ao meio-dia no verão; Alpargatas; Bolas de vidro com neve dentro; Romance de Agatha Christie; Caleidoscópio; Lingerie feminina; Cabine telefônica; Jogar bocha.
En todos esses temas, desenvolvidos em duas páginas, ele faz deliciosas associações, lembranças, prazeres que trazem mais prazeres. O livro exibe aquela França da mesa e da cama, do paladar farto, dos cheiros e da gulodice, da alfazema e do vinho. Solar.
Minha lista, sua lista... seria uma delícia a redigir !
Cheiro de terra após a chuva; Cozinhas grandes com mesas bagunçadas e velho cão à porta; Bolachas velhas em saco pardo de papel; Feiras de rua cheias de donas de casa gordas; Calcinhas brancas; Corpos nús debaixo de lençóis brancos imaculadamente limpos; Padarias ao amanhecer; Mãe fazendo bolinhos de chuva; Vick-Vaporub; Guarda-chuva e cachecol em dia frio e úmido; Som de cigarras no verão; Descer a Serra de noite; O mangue; Torta de nozes; Relógios velhos; Cheiro de livro novo; O primeiro gole de cerveja; Assistir um Hitchcock; Pássaros à janela; Camisas havaianas; Conversar à beira-mar; Chuva correndo na calha; Caneta tinteiro; Flanar em ruas velhas; Luz de vela; Ronco de cachorro; Receber uma carta...
Existem prazeres bem maiores que esses. Encontrar um novo amor, ir à Paris, cruzar o mar. Mas são esses prazeres simples, quase diários, que nos consolam, nos iluminam, nos dão prazer em viver. Cultive-os. Descubra-os. Torne-os seus. O livro de Delerm é mais um desses minúsculos e muito vivos prazeres.