Mostrando postagens com marcador amor. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador amor. Mostrar todas as postagens

AMOR ROMÂNTICO FEITO VERDADE

   Como ela pode ter adivinhado? Um mistério se faz aqui, ela não sabe, não tem como saber, mas ela sabe. Como? Talvez ela seja um sonho e nada do que aqui agora relato tenha de fato acontecido. Ou não?
   Meu desejo maior sempre esteve vivo e forte no mundo dos menestréis. Nos cantores-poetas, naqueles que compuseram as canções de amigo. Palavras ditas as musas, senhoras que viviam sempre no limite do desejo e da satisfação. Mas eu queria viver nesse mundo sabendo ser impossível o encontrar em meu tempo de gozo imediato. Somente um tipo de jogo masoquista poderia criar um simulacro pobre daquilo que em 1.200 era comum. 
  Então ela veio. Inesperadamente. Me dando o nome de amigo e mostrando seu corpo aos poucos. Excitando meu desejo e negando sua satisfação. Adiando indefinidamente o prêmio. Ela faz testes. E eu os venço. Sem alcançar, ainda, o ganho. Possuo a certeza da vitória, mas vivo na incerteza de quando ela virá. 
  Semanas que viram meses. Nos vendo sempre, flertando sempre, desejando sempre, e nunca tendo. Será esse o amor sem fim?
  Meu corpo arde e eu rolo de desejo. Quero ficar só para poder visualizar seus seios. Quero guardar comigo seu cheiro. Ela é minha, mas não é. Como se um outro ser fosse explodir dentro de mim, vivo fértil, dando vida aos lugares onde vou. Sinto potência em cada momento que respiro. Desde quando me sentia tão vivo? 
   E me consumo na expectativa. Quando a terei? Quando terminará essa espera? Deus, ajudai-me! Meus amigos dizem que estou feliz. Estarei louco? 
  E ela insiste em me chamar de amigo. Mesmo dando a mim coisas que a amigo não se dão. Fidelidade, compromisso e atenção constante. Planejamos um futuro. Sabemos que estaremos juntos. Mas não nos consumimos. E meu corpo exige sua posse. Que não vem.
  Virgindade que não temos mas que aqui fazemos. Porque?
  Terão os deuses me concedido essa graça que tanto pedi? Viver na carne o que meus ídolos viveram? E assim descobrir sua beleza? 
  Porque eu sou feliz e temo perder esta beleza. Temo perder essa tensão que nos amarra unidos em vida que se renova na esperança da graça. E ela sabe disso tudo. Como eu não sei. talvez toda mulher saiba mas poucas a executem. Ela faz de mim o cavaleiro. Até quando?
  Vivo em desejo por ela. E não me satisfaço nem mesmo a sós. O desejo dura horas, dias, meses. Insatisfeito ele me faz viver inteiro, desperto, contido, decidido, comprometido, para sempre. 
  Cheio desse desejo sinto-me invulnerável. Eis o segredo da castidade! Ela nos deixa na sensação da invulnerabilidade. Intocável e invencível. Cocaína natural. 
  Serei para sempre? Eis o amor de Eros. Cada momento se torna erótico pois cada segundo está tingido pela cor do desejo vivo. Quando irei tê-la? Quando nascerá esse dia de graça? 
  Amada. Deixe-me olhar mais uma vez seus seios que me deixam louco. Deixe-me dormir mais uma vez ao seu lado. Liberte-me prendendo-me em voce.
  Eu nunca ousei imaginar que assim fosse. Ela me disse que seus olhos brilham ao me ouvir e que sua boca vomita arco-iris. Chegará o dia em que iremos ver um unicórnio. 
  Será essa a loucura que temi por toda minha vida? 
  Vivo aquilo que nasci para ter.
  Amor, Eros, Vida, Crescei.

UMA FOTO, O AMOR ( O QUE É ) E O TEMPO ( QUE NUNCA PASSA E NUNCA VAI )

   Então foi verdade...
  A foto está aí. Eu, com cinco anos, entre meus primos. Ao fundo tem o hospital, que ainda existe, e mais nada. A esquerda de quem olha a foto se percebe a avenida Paulista. Que fica dez quilômetros além. O alto do Conjunto Nacional e o relógio. No fim da tarde eu olhava as horas por ele.
  É verdade. Existia mesmo esse espaço livre de ruas de barro e terrenos sem dono. Era um mato civilizado. Mato ralo, cortado, limpo. Poucas árvores e muita mamona. Uma imensidão cruzada por córregos com peixes e bilhões de sapos. Cobras sempre possíveis e ratões gigantes. Cigarras. Gafanhotos. Borboletas e abelhas. 
  O céu era grande. E esse ambiente é minha ideia de Paraíso. Não era perfeito. Eu tinha noites terríveis de asma solitária. Vivia a frustração de ter um pai severo, frio. E minha mãe nunca foi carinhosa. E ouvia frases vagas, frases que falavam de um casal que não se dava e de dinheiro que diminuía. 
  Mas o espaço livre compensava tudo. E meus primos que eu adorava. Cantava nas ruas, dormia na relva, ficava horas namorando o céu. E tinha uma sensação de que a aventura era eminente. Eu a sentia em cada moita de capim alto e em toda esquina vazia.
  O sonho podia crescer. Eu ia junto.
  xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

  O amor tenta unir nosso corpo, sedento de carne, com nossa alma, sedenta de sonho. E nunca tente encontrar razão no amor. Não há. E se houver não é amor, é conveniência, amizade ou desistência.
  Porque Eros nos faz loucos. 
  Ela nada tinha a ver comigo. E mesmo assim fui dirigido a ela. Dirigido, pois no amor não somos donos de nós. Somos um outro que é mais eu que todo eu antes fora. E vou à ela como quem deve ir. Quero e não sei. Ou sei e não quero.
  Confio.
  E ela se revela o que eu não pensei que fosse. Ela se encaixa em mim. Mas Eros, deus que leva os partidos a se fazerem um inteiro, sabia desde sempre. Eros sabia aquilo que minha razão não suspeitava. Que ela era a metade perdida. Completude.
  E perdemos o senso. Andamos pelas ruas de madrugada. Ruas escuras, vazias, perigosas. E dormimos na rua sem saber o que possa ser. Porque esperamos pela hora sagrada. Ficamos perdidos na rua para ver o nascimento das estrelas e o apogeu da Lua. E assitimos abraçados a obra que não se repete. ( Só aqueles que não amam pensam que todo amanhecer é igual ). 
 No caminho um sapo cruzou a rua. Na volta um gato branco passou tranquilo. Ela confunde árvores com igrejas. 
 xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

  Eu andava tonto pelas mesmas ruas. Ontem, muito ontem. Mas esse ontem é agora hoje. E amanhã. Escrevi em tempos idos aquilo que seria o caminho. Adentrar o amor é penetrar o caminho. Tive espaço para conhecer e tempo para ver. 
  E como eu sempre soube, era verdade. Sempre a verdade.

ABANDONE-SE HOJE

   Eu já lera isso ( em Nietzsche, em Agee ) e volto a ler a mesma ideia em Chesterton. A ideia de que o homem tem se tornado cada vez mais frio, contido, reprimido, inumano. Já tenho algumas décadas de memória para contar e devo dizer que o mundo que vi em 1975 ou em 1985 é bastante mais quente que aquele que agora vejo.
 Cada pensador dá sua opinião sobre o porque dessa transformação gradual, mudança que tem feito das pessoas ilhas de indiferença. Para Chesterton o problema é da própria mudança. Uma época que ama a mudança em si-mesma não consegue lutar ou dar valor a nada. Mudar se torna rotina e mudam-se os objetivos, os ideais. Mudar a meta é mais fácil que a alcançar. Derrubam-se totens, a vontade se desfaz e o homem se torna indiferente. Mudar todo o tempo vira rotina. Tudo muda todo o tempo para que nada se construa. 
 Inclusive relações ou arte. Como tudo vai mudar, e assim sabemos que tudo será destruído, para que construir algo de realmente bom, eterno, perdurável ? Se sabemos que o amor não é eterno, para que amar ? Para Chesterton, o primeiro passo para a felicidade do homem ( e ela é possível, aliás, mais que possível, ela existe aqui ), é retomar o conceito de eternidade. E com ela reavivar a moral. Existem coisas que são eternas SIM. E com essa eternidade vive uma moral que é imutável. 
 Um erro repercute para sempre. Um crime será punido com completa reciprocidade. A bondade mora na verdade e a verdade é real e eterna. O amor dá acesso a vida sem fim onde tudo é maior e melhor. A violência é um mal sem nada que o redima. E o principal: Somos todos nós um campo infinito onde se dá a luta sem fim entre o bem e o mal. E, como seres donos de liberdade e de missão escolhida, devemos lutar essa luta. Honrar a vida. 
 Se todo esse modo de pensar parece medieval é porque tudo de mais profundo e imutável que possuímos é medieval. Amamos como homens da idade do romance, cremos como homens de fé, lutamos por um pouco de honra e justiça e sentimos os pavores dos pastores e lavradores de então. Ou, se todo esse mundo agoniza ( é o que observo ) temos a missão, sublime, de defender seus últimos, e derrotados, testemunhos. 
 O coração perdeu. A razão dogmática nos faz crer que o coração é o menos confiável dos orgãos por ser simplesmente o menos controlado. E o que menos aceita dogmas que o reduzem a nada mais que músculo e sangue. Bilis secou.
 Não mais a ira divina, não mais a vingança maligna. Nunca mais iremos morrer por uma ideia. A paixão que move a vida ou a dor que faz com que a vida se revigore. Não mais o mistério. E se voce é cego ao mistério, creia-me, o tédio irá lhe matar. Gota a gota.
 Se um amigo é apenas um contato, se a arte é apenas um evento e se a criatividade nada mais pode ser que uma distração futil, a vida terá o valor da futilidade. Será nada mais que o tic tac de um relógio.
 Vá além. Enlouqueça. E cometa os piores vexames. Seja infantil como todos são e temem parecer. Exiba sua originalidade. Mesmo que ela seja burra. Ame e fale que esse amor é pra sempre. Mas acima de tudo, jogue seu cinismo no lixo e com ele seu egozinho. Confunda-se com a vida. Rasteje. Rasgue. Sangre. E beije. Perca a vaidade de nunca se ajoelhar. Ajoelhe-se. Admita que alguém sabe o que voce nunca irá saber. Apequene-se. E se abandone. E então encontre. 
 É isso.

AMOR E AMIZADE- ALLAN BLOOM

   O livro saiu no Brasil em 1996, então não sei se será fácil de achar. Mas procure, é muito bom. Allan Bloom é muito melhor que Harold Bloom ( sem parentesco ). Ele amplia o tema, abrange filosofia, história, arte e sexo. Professor de politica em Yale, morreu em 1993 ainda jovem. O livro fala de erotismo, da sua presença na obra de 4 grandes romancistas ( Flaubert, Tolstoi, Jane Austen e Stendhal ), na filosofia de Rousseau, no teatro de Shakespeare e na vida de Montaigne, Sócrates e Platão. Em posts abaixo falo sobre alguns de seus capítulos. Mas nada pode se comparar aos capítulos finais, textos sobre Sócrates, Montaigne e a belíssima conclusão final do próprio autor.`Dificil citar algum trecho, seu pensamento é construído de forma tão engenhosa que fica impossível destacar algum trecho sem destruir a clareza do que é transmitido.
   Para Bloom, a amizade é alma falando com alma. O amor é a carne se transformando em alma. Amizade é voz e ouvido, amor é olho. Impossível amar sem a participação da beleza física, a amizade esquece a aparência. Quanto maior a participação da alma maior o erotismo no amor e nele existe o amado e o amante, na amizade só há amigo e amigo. 
   A alma... Bloom arma uma surpresa no final do livro. Ele passa toda a obra comentando os autores e sem dar nenhuma pista sobre o seu pensamento. No fim, a forma como ele defende o amor é simplesmente desarmante. E também é desarmante a maneira como ele lê Nietzsche. O filósofo alemão paira em toda a obra assim como Kant e Heiddeger.
  Bloom analisa cinco peças de Shakespeare, e sem o deslumbre do outro Bloom, ele fala que o bardo era acima de tudo um observador. Mais que isso, Shakespeare e Nietzsche têm muito mais a dizer sobre o homem que qualquer gênio da psicologia moderna. Porque o objetivo do artista verdadeiro é dar ao homem seu potencial máximo, único, eles percebem cada homem como um universo, já Freud, burguês sempre, tinha como norte a transformação da diversidade em tábula rasa, dar ao complexo a simplicidade clara de uma equação. Isso é empobrecedor. Um bom burguês mira-se no pior para tirar daí a lei geral, porque não se mirar no melhor?
   Se cada um de nós é, como se fez moda dizer, um personagem de Kafka, de Beckett ou um neurótico de Freud, porque não dizer também que cada um de nós é um pouco Shakespeare, Nietzsche ou Montaigne? O impulso burguês é sempre reducionista. Transformar o mundo em seu espelho medíocre. Reduzir Shakespeare a seu tamanho diminuto e nunca tentar se erguer as alturas de Shakespeare. 
  A igreja, por erros terríveis cometidos, foi justamente atacada pelo iluminismo. Derrubou-se sua autoridade e com ela tudo aquilo que ela detinha. Ora, assuntos da alma humana eram de exclusividade religiosa. Sovina, a igreja retinha textos e o privilégio de ter a última palavra sobre espírito, alma e transcendência. Ao ser colocada de lado, colocou-se os assuntos da alma também de lado. Em um erro absurdo, porém compreensível, tudo o que se referisse a alma passou a ter odor de igreja, de repressão e de conformismo. Para o século XIX, falar em espirito era falar em passado, o passado cristão. A igreja do burguês é uma igreja onde não existe alma. É uma igreja prática, onde se firmam contratos e se apagam as faltas.
   O que tudo isso tem a ver com o erotismo? Sem alma não existe erotismo. Sem a presença do espirito, o sexo fica reduzido a biologia. Queremos porque precisamos procriar. Apenas isso. Amamos aquela mulher porque nossos genes assim o querem. Ou seja, deixamos de obedecer a Deus para obedecer aos genes. Reducionismo maior é impossível. Do Sem Limite e Sem Tamanho, caímos no diminuto. A lógica dirá, óbvio, que os dois extremos se excluem.
   A alma ansia por falar. Por se expressar. Amamos na esperança de poder unir o impossível: alma e carne. Esse o prazer erótico. A expectativa da perfeição. O belo sublime poder ser encontrado aqui e agora. Fora disso o que temos é pornografia, violência e incivilidade. Bloom diz que a existência de Deus é discutível. Mas a Alma existe. Basta conhecer um pouco de música, de poesia para saber disso. Nada há de biológico na arte. Negar isso é chafurdar na lama, que é o que temos feito.
  O mais lindo momento do livro fala de amizade. A amizade de Montaigne com La Boétie. Para Bloom, a amizade verdadeira é mais rara que o amor. Apesar do amor ser muito mais forte. Certas frases de Montaigne, a inevitabilidade da amizade, o prazer sem fim de conversas livres, tudo isso exala beleza. E o belo acaba sendo o problema central do erotismo. 
   Ele existe? Ou o belo é uma convenção social? Pessoas tendem a dizer que o belo é variável. Que o que hoje é feio pode ter sido belo um dia. Welll...
   Assim como Alma sempre houve em toda cultura ( não se conhece uma só cultura atéia ), coragem, justiça, bondade e equilíbrio sempre foram características da beleza. Há um certo prazer frouxo em se relativizar tudo. Temos a tola sensação de que relativizar é ser mais complexo e mais inteligente. Uma grande asneira. Relativizar abole os parâmetros de julgamento e na verdade paralisa o pensamento e o debate. Sabemos o que é belo. Sentimos e intuimos isso com a alma. Sabemos que Mozart é belo e que um matadouro não é. Sempre soubemos que a beleza decantada da guerra pode existir se pensarmos apenas em coragem e honra. Mas sabemos que corpos dilacerados nada podem ter de belo. Podem ser uma crítica, um testemunho, mas não beleza. 
   Porque beleza é erotismo. Beleza é aquilo que nos falta e miséria temos muitas. Beleza é a vitória sobre a dor, o tempo, a morte e o medo. Ela nos recorda nossa alma e nos leva fora da carne. Beleza nunca se engana. Eros é esperteza.
   Admirável livro.
  

MADAME BOVARY DE FLAUBERT, O BURGUÊS E O ROMANCE

   A façanha do nobre só tem valor se for um risco absoluto. Se o risco envolver a perda da vida ou da fortuna. A façanha do burguês é o aumento de sua segurança. Ele detesta o nobre por sua irresponsabilidade. E tem inveja de sua segurança irresponsável. Uma contradição.
   O século XIX criou o burguês. O século XX fez dele opção principal. No século XXI ele é modelo único. Todo valor burguês tem por objetivo a segurança. Por isso seu principal interesse é a medicina. Ele ama a higiene, os remédios, o spa, as receitas de boa saúde mental. Idolatra o regime, a ginástica, o bom clima. Condena tudo o que fala de risco: a promiscuidade, a sujeira, a guerra, a exaltação, a falta de controle. Sua igreja é aquela do bom tom. Nada dos exageros da fé medieval. É uma religião sem milagres e sem punições. Assim como sua politica é a do possível. A poesia burguesa fala do amor como coisa fisica. Palpitações, febre e excitação. Será um amor de pombinhos e depois, hoje, um amor de motel. Sempre físico. Uma ginástica da boa disposição. O burguês ama acima de tudo o progresso. Porque ele promete dinheiro, saúde e vida longa. Tudo nele se mede em números. Muitos anos de vida significam vida boa. Muito dinheiro significa sucesso. Várias amantes quer dizer satisfação. O que se mede e se conta merece apreço. O resto é romantismo.
   Flaubert odiava esse mundo. Ele odiava seu mundo. Seu tempo foi o tempo do hiper-burguês, o burguês em sua máxima confiança. Eles tinham a certeza de estar construindo o paraíso na Terra. Amavam tudo o que era científico, desprezavam o passado e tinham o prazer de zombar de igreja, monarquia e poetas. Falubert os odiava. E pior, sabia que os românticos, seus adversários, também estavam perdidos. Bovary é essa romântica. Ela ansia por amor erótico. O orgasmo não lhe interessa. O que ela quer é Eros, ritual, beleza, transcendência. Cega, ela se deixa envolver por cada conquistador que encontra em sua vida vazia de mulher casada. Tenta ver neles o mundo por que ansia. Flaubert nunca foge do mal. Bovary cai no vazio absoluto. A vida vai perdendo lentamente seu encanto. Eros partiu e tudo agora é feio, reles, sem sentido, burguês. Ela se suicida. Lentamente de forma dolorosa. O livro, o mais terrível que já li, é desagradável. Crú.
  Flaubert disse que Madame Bovary é ele. Sim. Só que ela não sabe de seu mal. Flaubert sentia a vida como Bovary a sente. Mas sabia o porque desse mal. E criou uma obra-prima. Ele descreveu a mediocridade de politicos cheios de si, de cientistas balofos, de padres sem fé e de homens que viviam pelo sexo. Bovary, tola criança que ainda acreditava em Eros, morre seca e envenenada nesse mundo sem ar. 
  Flaubert, o mais amado escritor pelos escritores,  era terrível.

O VERMELHO E O NEGRO DE STENDHAL, NADA MAIS A DIZER SOBRE O AMOR.

   Pascal sempre foi o enigma, o nó do pensamento francês e um de seus postulados é aquele que diz que sem Deus o tédio se torna absoluto. Stendhal é ateu, e sabe que existe uma ânsia dentro do homem que nada de físico pode preencher. O burguês foge dessa ansiedade satisfazendo todos seus desejos. O homem superior sente essa vontade e corre o perigo de perder todo o interesse pelo mundo. A melancolia e o tédio se fazem seus companheiros. Porém existe um modo não religioso de resolver esse vazio, o amor entre homem e mulher. O erotismo.
   ( Faço aqui um adendo:: Rousseau disse que a alegria plena pode ser vivida ao se conseguir transformar o dever, que nos é dado pela sociedade, em desejo individual. O dever de procriar e ter uma familia se torna um jogo erótico de desejo. Dever que se faz desejo assumido individualmente pelo homem. Hoje não acontece exatamente o oposto? O desejo não se transformou em dever? )
   Para Stendhal o amor erótico é um modo de se substituir o impulso da religião, de se alcançar o sublime. Mas, para se poder alcançar essa altura é preciso uma grande dose de amor-próprio, aquela estima a si-mesmo que faz com que o egoísmo natural a todos nós se transforme em vontade de ser reconhecido. Esse desejo de ser reconhecido, reconhecido como ser único, se direciona a pessoa amada. Ela, por ser única, deverá reconhecer o amor de quem a ela se dedica.
  Allan Bloom ama Stendhal. Como eu também penso, nenhum autor jamais soube com tanta arte falar sobre o amor para aqueles que amam. Ele jamais é meloso, seu texto é incrivelmente veloz, objetivo. As coisas acontecem com rapidez e em poucas páginas já conhecemos os personagens e por eles estamos seduzidos. Julien Sorel, em O Vermelho e o Negro ama Napoleão. Vindo de meio medíocre, ele em ódio por burgueses, que vivem acomodados na busca do prazer simples, e pela aristocracia, que não o aceita. Por vingança ele seduz a esposa de seu patrão. A conquista como Napoleão, por amor a si-mesmo. Se surpreende ao perceber que ela realmente o ama e ele se derrete no sexo cheio de erotismo dos dois. É descoberto e foge. Seduz a filha nobre de seu próximo empregador. Ela, intelectual revoltada, arma com ele um jogo de poder. Na verdade os dois disputam a liderança, quem é o escravo e quem é o senhor. Um acidente ocorre ao fim, e não irei contar o final. O que posso dizer é que Julien morrerá jovem e Stendhal tirará desse fato toda sua filosofia. O que vale é viver. O burguês vive para viver longamente, o homem superior vive intensamente, sem se preocupar com duração e sim com qualidade. Julien morre feliz, no cadafalso. porque morre conhecendo o amor, pleno de gozo e de certeza de ter vivido.
   Não conheço livro mais alegre, nobre, cômico, erótico e romantico.

CORPO DE SEXO

   Giono diz uma coisa que deveria ser óbvia, mas não nos parece. Nosso corpo se encaixa com absoluta perfeição em outro corpo. Único bicho a fazer amor de frente, olho no olho, único bicho a ter lábios macios, nossa mão existe para envolver um seio, nossos braços se medem no abraço e a curva de nosso quadril se aninha no colo de nosso amor.
   Mais do que o simples encaixe de pênis e vagina, todo o nosso corpo se encaixa no ato de fecundação. E não cabe aqui fazer pergunta. Um bezerro mama e não tem lábios para beijar. Macacos transam de costas. Mas nós, no amor, usamos tudo o que temos, dos pés aos cabelos, orelhas e unhas, umbigo. Mais que tudo, usamos toda nossa alma, nossa voz, nosso espírito, envolvemos o vivido e o que vier a acontecer.
  Podemos dizer então que mais que um ser da razão, somos o ser do sexo, do amor e da paixão. Eu não creio que o sexo seja tudo, e mesmo o amor é a maior mas não a única força, mas nesse encontro jogamos tudo aquilo que temos, tudo o que podemos ter e tentar. Vamos além dos bichos, além do instinto e muito mais longe do que achamos poder ir.
  Jean Giono fala dessa verdade. Se voce quer conhecer o que seja um humano, olhe seu corpo em ação.
  Simples assim.

O QUE AMA O AMOR

   Ela salvou minha vida. Foi em 1988. Naquele primeiro momento em que a vi aconteceu aquilo que hoje, machucado, não mais sei o que seja, paixão a primeira vista. Olhei os cabelos ruivos e o rosto claro, o nariz espanhol, empinado, e o jeito de quem não sabe para onde está indo, e imediatamente comecei a sonhar. 
 Eu vinha de um tempo duro, onde cada dia era uma decisão, medo presente em toda noite, e ao sentir por ela o que eu sentia, a vida se transformou. Havia um motivo na dor, conhecê-la e salvá-la. 
 A aproximação foi lenta, foi um longo inverno de blusas brancas e de corredores gelados, até que na primavera nos tornamos amigos. Ela tinha um compromisso e para ela todo o compromisso era sério. Mas alguma coisa se abria e nós ficávamos horas falando. Eu queria a proteger porque assim, eu sempre soube, eu me salvaria. E ela aceitava tímida, e tudo em nós era tateante, delicado, quase ao ponto de se partir. Criávamos um irrealidade que nos absolvia.
 Mas eu me cansei e ela percebeu e sentiu. Saí do sonho e comecei a ficar mais sólido, estúpido até. Magoada, ela foi. Eu a ignorava.
 Ontem eu a revi. Após décadas lá estava ela, e a primeira coisa que eu vi foi seu cabelo, de novo. Magra, menos frágil, após anos vivendo em Barcelona, ela visita o país e continua não gostando do que vê.
 Alívio. Vê-la é um alivio e conversamos horas, como se as últimas décadas tivessem sido outra vida e esta vida, dela, fosse contínua e sem tempo. Estar com ela é certo. É bom. Falamos de tudo, falamos do mundo, de bichos, de língua, de sempre. Casada a 20 anos, ela continua séria, correta e com alguma coisa que tateia. Eu ainda quero a proteger.
 Dói se separar. A dor que acontecia todo dia ainda está viva hoje, quem diria, em 2014. Melhor se virar logo e andar...Mas me preocupo, ela estará bem?
 É um tipo de amor. Ou melhor, é amor.
 1988 foi importante pra mim. Foi quando descobri Yeats e a coisa celta, Chet Baker, Espanha e Chagall. Brideshead. Muito interiorizado, foi dos anos mais solitários e dos que mais escrevi. E foi o ano dessa menina, agora mulher, que vejo diante de mim. A vida que ela planejou ela viveu. Mora onde quis, trabalha com o que desejou e não foi mãe, algo que ela também pedia a vida. Eu tive o que pude.
 A voz dela se altera na hora de partir. E vejo, mais uma vez, o quanto o amor ama a dificuldade, o quanto ele pede por obstáculos possíveis, mas sempre obstáculos, o quanto ele ama adiamentos, mal entendidos, espinhos, lutas, e reencontros. O amor ama o que pode ser, talvez seja, foi...O amor se enfada com o certo, correto e conforme.
 Ela se volta e a voz fica diferente...E eu me afasto com a mesma dor de 1988.

O AMOR EM TEMPOS DE LENTIDÃO

   Que engraçado! Ontem numa festa, conversando com uma mulher da minha geração, lembrei de uma coisa que parece medieval...ou da renascença. Nas baladas de 1980, o objetivo era pegar o máximo de telefones possíveis! Ninguém beijava na balada, a não ser gente que voce já conhecia de outro dia. O que se fazia era chegar numa estranha, conversar e a muito custo pegar o telefone ( que muitas vezes era fake ). Daí voce voltava pra casa e no dia seguinte, após ensaiar um discurso que se perdia ao primeiro alô, telefonava para a menina. E então, se a conversa engrenasse, talvez se marcasse um cinema, uma lanchonete, ou um reencontro no mesmo lugar. Era a idade dos talvez. Andávamos no escuro, nunca sabíamos o que ia rolar.
  Então, depois de 3 telefonemas, voce a levava ao cinema. De rua. Pagava um drops e entrava. E sentia o medo. Que fazer? Conversar? Ver o filme? Assistia o filme e na saída tentava umas piadas. E andava com ela, a mão, de vez em quando, roçando de leve na mão dela. A acompanhava até em casa e dizia que queria repetir a saída, claro, se ela quisesse...
  E ela falava "claro, adorei conhecer voce!"" E então a volta pra casa, a pé, para durar mais, era a coisa mais feliz, mágica, exultante e louca do mundo! É aí que o abismo entre gerações se faz, porque a gente voltava cantando e dançando na rua, e é por isso que caras de menos de 40 nada entendem do que seja um musical, o mais real dos tipos de filme.
  O primeiro beijo ainda está na cabeça e no peito. A ansiedade é imensa. Quando vou beijar essa menina? Entenda, um beijo equivalia a um pedido de namoro. Beijar era compromisso. Podia durar uma semana, mas era um tipo de pacto, um estamos juntos, ISTO É UMA HISTÓRIA, que será recordada e contada mais tarde. Éramos loucos por histórias, sem saber, a gente compunha sagas todo o tempo. Éramos anti-práticos.
  Voce pode estar nos achando puritanos. Não era isso. Podia-se beijar duzias de meninas em um mês, mas uma história tinha de ser composta. Sair com prostitutas era a saída sem história, sair com meninas era contar um conto.
  Cartinhas com desenhos, o papel lindo que as meninas usavam! Com perfume, cheiro de quarto de menina! E afinal o beijo! No meio de uma frase, de sopetão, de loucura, um tipo de "não aguento mais segurar"...Beijo que vinha sempre com um "Voce é linda"e um Ëu te Amo!"...e saiba, todos foram sinceros.
   A gente era apaixonado por amor. Falava-se muito nele. Amor, amar, amava, o verbo era o mais usado. Nenhuma vergonha em amar. Um amor novo por mês, trabalhoso, dificil, contido, e sempre era pra sempre.
   Sei lá, me parece que a molecada hoje tem paixão por "catar"e um imenso medo de amar. Será?
   O tempo traz coisas boas e leva coisas boas. São trocas. E eu realmente não me lembrava de nada disso até ter ontem essa conversa. Em 1980 se faziam rituais para sair e para conhecer alguém. Talvez por nossa vida ser muito mais lenta, com menos coisas sendo oferecidas, menos apelos aos desejos, todo contato e toda aventura"tinha um valor de coisa única. A gente tinha a consciência ( ou seria a ilusão? ) de que tudo era só uma vez e nunca mais.
   Ontem de noite tocou a minha música, Born to be Alive, e foi ela que nos fez voltar no tempo.
   Eu tinha um diário. E todas elas também.
   Isso fazia muita diferença! As coisas eram para sempre. Sempre.

A VIDA E O AMOR NA VIDA E PARA A VIDA

   Então voce anda pelas ruas com aquela música de George Gerswin na cabeça. Na verdade voce canta ela baixinho e até arrisca uns passos de dança numa rua mais vazia. Seus sentidos estão afiados e voce repara num jardim que nunca notara antes. As pessoas parecem menos feias e a tarde tem uma cor insuspeita. É estranho notar que seus amigos nunca te pareceram tão "bacanas". São grandes caras! Afinal, sua vida tem um objetivo, e ele está diante, atrás e ao seu lado. Falar sobre esse objetivo seria um pecado. Então voce anda e canta. Voce ama.
   E amando voce não está mais aqui. E todo mundo percebe isso. Voce é outro. E só voce sabe que esse outro é o verdadeiro voce. Porque amar é o que nos liberta, nos define e nos faz viver. Todo o resto é morte em vida. Ou na melhor das hipóteses, distração fútil do ato de esperar.
   Mas existem armadilhas. Pois o mundo nega o amor. De várias formas. As mais sutis: o tempo que se encurta e voce não consegue a ver como gostaria. A dúvida do ciúme: voce não confia no amor e acha que ele é fraco. O egoísmo: voce exige que o amor dela seja sempre maior que o seu. Voce pensa ser digno de mais amor que aquele que voce tem para dar. As pessoas ao redor: alguém diz que voce é ingênuo, outro fala que o amor não existe....Eis a grande batalha!
   O MUNDO grita desde sempre nos ouvidos de todo aquele que ama: O amor é uma ilusão! Uma armadilha! Uma tola invenção!
    E contrariado tudo em voce responde: Mas ele está em mim! E é mais verdadeiro que minha própria existência! Ele é a própria existência!
    E seu amor, que precisa e deve ser defendido, se vê em luta. É esse o Dragão. É isso que os cristãos chamam de a Tentação. Acuado, quase desiludido, vem a hora de lutar a única luta que vale a pena. A luta pela salvação do Amor. Isso define tudo, ou voce desiste ou voce persevera. E vence.
    Porque amar nunca foi TER quem voce ama. Amar é conseguir fazer sobreviver em voce O AMOR. Permanecer amante mesmo na ausência. Jamais desacreditar da força, da verdade e da eternidade do amor. A vida é isso. A alegria é assim. Viver só vale se for desse modo. Sim, é uma lei.
    Mas O MUNDO... antes eram familias que lutavam contra o amor. Guerras que desuniam, costumes que o impediam, tabús ou pecados. Heresias. Agora é a dúvida. Gente irá te dizer que Amor é Sexo, modo bonito de nomear um ato animal. Gente vai te dizer que Amor é interesse. Outros vão falar que ele não existe, é um conto da carochinha como é Deus ou a alma. Todos esses esqueceram o que o amor é, ou pior, nunca o conheceram. Mas eles te enfrentam, te tentam, te confundem.
    Persevere. Se voce perder o amor tudo será perdido. Lute.
    A gostosa que dança nuna diante de voce não é o amor. É um desejo. E o desejo vem e morre. É temporal, é falível e promete muito pouco. Quem amou sabe que o sexo NÂO é amor. É brinquedo, prazer delicioso, jogo de aparências, disputa por posse. Sedução. O amor nunca é jogo e jamais uma sedução. Ele sempre se mostra como verdade e acontece sem plano ou trabalho. Destino. Confirmação.
   Leio um texto de Pondé, não é de hoje, em que ele analisa o filme de Malick. Aquele com Ben Affleck. É disso que ele trata. Os críticos, incrível como os críticos de hoje têm baixa cultura, nada entenderam. O filme fala da descoberta do amor, da luta entre a matéria e o amor, da grande batalha.
   Porque tudo conspira, ao contrário do que dizem os new age, CONTRA o amor. O mundo abomina os amantes. Abomina sua passividade, a negação que eles demonstram da ambição mundana, sua indolência preguiçosa, sua ingenuidade perigosa. E cabe a todo amante SALVAR o amor. Lutar por ele.
   A vida é isso. Tão somente isso. É a verdade de Rumi, de São Francisco, de Buda, de Juan de La Cruz, dos poetas e dos músicos, de Chagall, é a verdade daqueles dois deitados na praia as quatro da manhã na chuva...

THAT'S AMORE, A MÚSICA DOS ADULTOS E A MÚSICA DAS CRIANÇAS

   Eu e um amigo andamos pela rua ouvindo Richard Cheese e os Red Elvises. Muito bom, principalmente Richard Cheese. Então entra Dean Martin cantando That's Amore e o clima muda. Um adulto está a cantar!
   Impressionante como o amor quando cantado por brancos do rock SEMPRE parece adolescente. Por mais belo e criativo que seja, e eu sei as alturas que Ferry, Bowie, Morrison ou Dylan chegaram, o sentimento tem sempre um jeitão de imaturidade, de insegurança. Varia entre o idealismo platônico e o sexo como descoberta.  No máximo o cara canta como se tivesse 18 anos recém completados. Ás vezes um teen inteligente ( Dylan ), ás vezes ingênuo ( Beatles ) ou taradinho ( Stones ).
   A música dos negros nada tem a ver com isso. O cantor pode ser pobre, alienado, do mal ou um fanático batista, a impressão passada é a de que em termos de amor ele sabe tudo. Aos 18 anos ele já foi casado e é pai. Não vê divisão entre sexo e amor, sabe que o sexo é sagrado por ser amor e que o amor é alma, soul, heaven.
   Chegamos então a Dean Martin. Toda essa geração, Sinatra, Mel Tormé, Bennet, Joe Willians, sabem daquilo que falam. São Homens. Conhecem as mulheres, conhecem o amor em suas variadas nuances. São mestres. Adultos.
   Interessante observar como os caras jovens que os imitam parecem garotos usando o terno do papai. Gente como Bublé ou Connick. O que eles fazem é baile de 15 anos.
   Meu amigo lembra de uma exceção branca: Johnny Cash.
   Ora amigo, Cash não é rock. É country e ele, como também Jennings, Daniels, Willie Nelson, Hank Willians, já nasceram velhos.
    That's Amore!

ROMANCES DE AMOR

   Como fiz vários posts sobre o Amor em música, falo agora de livros, poucos, que trazem memórias de amor.
   O primeiro de minha vida foi Tom Sawyer. Sim, isso mesmo, o amor de Tom e Becky, o primeiro beijo. Incrível mas eu lembro do exato momento em que li sobre esse beijo: aos 9 anos, debaixo de bananeiras no quintal de casa. Muito calor. Antevi aí meu futuro primeiro beijo. Só não pensei que fosse demorar tanto.
   Depois o namoro de Peter Parker e de Gwen Stacy e então os grandes romances.
   David Copperfield com Dora, quando ela morre, a primeira página que me fez chorar ( no quarto, lendo de madrugada ). Em seguida o mais perfeito dos romances sobre o amor, O Morro dos Ventos Uivantes, Heathcliff e Catherine, o amor como maldição, como sina, o amor que é dor para sempre. O máximo do romantismo fatalista, um cataclisma na minha mente e alma. O cenário perfeito ( vento frio em campos pantanosos ) a mulher perfeita e o homem "mal" que esconde sua ferida.
   Tudo que veio depois foi menos forte. Jake e Lady Brett no Heminguay de O Sol Também se Levanta, o amor impotente, amor irrealizável em meio a fiesta da Espanha. Os amores nas obras-primas de Stendhal, O Vermelho e o Negro e A Cartuxa de Parma, amores irônicos, amores que são como atuações que convencem o próprio ator. E escritos com a maestria do maior estilista.
   O amor simples de Kitty e Lievin em Anna Karenina, pois o amor de Anna e Vronsky nunca foi para mim o centro da obra, mas sim o amor de Lievin, que descobre a perfeição na simplicidade de sua mulher. A felicidade nasce após a morte em vida do aturdido Lievin.
   Ofélia e Hamlet...Esse amor continua um enigma, pois é impossível saber quem foi Hamlet e porque Ofélia o amava. O desagradável Hamlet.
   Os amores dos livros de Jane Austen, tímidos, convencionais, trêmulos e hesitantes. A doce alegria de seus finais práticos, finais que na verdade são elogios ao pragmatismo. Ler Austen é amar suas heroínas e admirar os falsos tolos que são na verdade seus heróis.
   Gatsby e sua tragédia. O desajustado que não percebe seu desajuste. O amor como miragem de beleza. Impossível.
   Não posso negar a importãncia de A Insustentável Leveza do Ser. Hoje percebo suas falhas, mas na época, anos 80, Tereza foi musa para mim. Aliás, era esse seu nome? Well...Kundera foi por algum tempo um herói.
   Estranho....poucos livros me marcaram como 'livros de amor". Falar de Henry James como autor amoroso é absurdo. A questão amorosa é centro de suas obras-primas, mas aquilo é mesmo amor? São personagens tão auto-centrados que fica dificil levar aquele sentimento a sério. Amor? Será? Solidão seria mais correto dizer.
   Na verdade meus livros de 'amor" são os poetas. E deles ( Keats, Shelley. Blake, Lorca, Yeats, Rilke ) não vou falar. Estou discorrendo sobre a prosa.
   Então nada de Dante e Beatriz.
   Volto a Tom Sawyer. O beijo e amor por Becky é parte de um todo. Tom faz estrepulias, foge de casa, recupera dinheiro roubado, briga, se perde em mina abandonada. E ama à Becky cada vez mais. Esse é o roteiro ideal de uma boa história de amor. O arcabouço foi criado a mais de 3000 anos, na Grécia. E não se fez até aqui uma base melhor. O herói que ama e parte, prova sua grandesa e retorna ao amor.
   É isso.

DE ROBERTO CARLOS A YEATS; DE BEATLES A PROUST

   Aquelas canções que são como velhos amigos, conhecem sua história e reencontrá-las é como olhar para sua casa ( a casa de verdade, não esse acampamento de trabalho a que hoje chamamos de casa ). Sons que vão direto pra alma e que por mais que as escutemos, e escutamos muito, parecem sempre com uma nova descoberta. Essas músicas se renovam, como o amor é uma renovação diária.
   São as canções que meus amigos deveriam cantar no dia em que eles jogarem minhas cinzas na Serra do Mar ( e isso nada tem de triste pois farei poesia mesmo após ir embora daqui ).
   No nascimento desta jornada recordo de minha mãe ouvindo rádio pela casa cheia de sol e de meu pai escutando discos nas manhãs de domingo. O que eles ouviam? If, da banda melosa Bread é possívelmente a coisa sobre o amor mais antiga em minha alma. Mas não é uma boa canção. Só uma criança de 5 anos poderia gostar de tal coisa. Mas também posso recordar de Roberto Carlos e essa lembrança é muito mais agradável. "Quando/ voce se separou/ de mim/ Quase/ que a minha vida teve/ um fim"; ou então: "As folhas caem/ Nascem outras no lugar"; nessas faixas nascia em mim um tipo de sentimento que iria desaguar em Yeats e em Proust.
   Beatles....Ah os Beatles...Cantei Help aos 6 anos, mas o que me deixava tonto era In My Life. Belo tempo em que In My Life tocava na Tupi AM. Bem mais tarde, aos 17 anos, eu descobriria que For No One era ainda melhor, e mais que isso, que For No One pode ser a melhor das melhores ( Neste texto, incorreto como o amor, muita coisa será the best of the best ). Mas em 1970, a voz de Paul já marcava presença em mim, mas era via Another Day, uma canção que me recorda a cama de meu quarto.
   O amor em canções. Daydream Believer na voz de David Jones, dos Monkees, e também Look Out, um amor muito feliz. Eu adorava ainda Rocknroll Lullaby com B.J.Thomas e Killing me Softly com Roberta Flack. E súbito tudo mudou quando um piano me fez comprar meu primeiro disco.
   Elton John cantando Your Song mudou minha vida. E ainda hoje vejo Elton como um dos reis da canção de amor. Se voce está in love e deseja ouvir alguém cantar só pra voce, Elton é o cara. Ele tem tantas grandes canções de amor que é impossível citar as melhores. São melodias simples, que grudam, mas ao mesmo tempo vão ao fundo da coisa e são cristalinas. Elton foi hiper-pop, mas jamais deixou de parecer sincero. E uma frase como : " A vida é maravilhosa porque voce faz parte do mundo", será sempre a tradução exata do que seja a alegria do amor. Ele é um longo capítulo em meu coração.
   Muito perto de Elton vem uma voz que em sua juventude foi mágica. Capaz de emocionar com apenas um "Oh!", Rod Stewart cantou Still Love You em 1976 e acabou com meu coração. Se Elton parecia sempre sincero, Rod Stewart conseguia personalizar nossa epopéia interna. Esqueça o Rod playboy que surgiu após 1977, ele foi antes disso o jovem faminto, o cara da estrada suja, o celebrador do amor eterno,e esse cara é do cacete! Sua regravação de The First Cut is The Deepest de Cat Stevens, fez com que eu me apaixonasse várias vezes. Já adulto descobri seus primeiros discos. Os 3 primeiros discos solo de sua carreira são crônicas sobre o amor simples, o amor de gente comum, o amor de jovens ingênuos e cheios de fé. São dos poucos discos do rock que nos fazem ter esperança. Isso não é pouca coisa. Rod é o menestrel do amor.
    Voltando a minha casa de criança ia esquecendo de dizer que hoje, aos 50 anos, quando leio poesia romântica, ou quando vejo imagens de jovens dandys morrendo de amor e de tuberculose, logo recordo de 3 canções de amor que entraram em meu DNA. Eu as ouvia naquele rádio antigo, em mono e AM, aos 5 anos...ou antes. Eram os hits de então: As Tears Go By, Lady Jane e She's a Rainbow. As 3 nada têm a ver, na verdade, com aquilo que os Stones eram. Ou talvez simbolizem o lado sombrio da banda, aquilo que eles escondem ou perderam. Mas a voz infantil de Mick em Tears, o arranjo de cravo de Lady Jane e o refrão de Rainbow são das mais poderosas sombras amorosas da minha mente.
   Pena que a banda tenha jogado fora esse tipo de romantismo flamboyant.
   Aqui então estão expostos os nomes e as canções de meu começo.  Acho que foi um bom inicio. E como em todo amor antigo, elas mexem comigo de uma forma muito visceral. Não admito que falem mal delas. As amo forever. Porque, meus amigos, amor quando é de verdade, é sempre para sempre.
   E a vida é maravilhosa porque essas canções estão nela.

MEDO E AMOR, LONGE E DE PERTO, ROXY MUSIC- COUNTRY LIFE, O QUARTO DISCO, 1974

   Havia uma menina que eu conhecia...
   Havia uma banda que eu sempre ouvia, e existiam lugares onde eu ia...
   Ouvir certas bandas ás vezes é impossível. Isso acontece quando me sinto longe, distante, exilado do universo em que aquela banda habita. Tão longe que aquela lingua, que antes me seduzia, agora me irrita. Ou pior, me assusta.
   Roxy só é possível quando amo. E o amor se revela já revelado.
   Percebi... As pessoas sentem amor por aquele que ama. O que não deixa de ser uma ironia, para ser amado é preciso estar amando. Bobos vêm com essa conversa de que alianças atraem, de que mulheres gostam de quem está comprometido. Besteira! O amor é atraído pelo próprio amor.
   Então voce ama e passa a chamar olhares amorosos. ( E um dia poderá vir a tragédia, o amor se vai e sua dor passa a repelir ). Mas se voce alimentar, cultivar, embelezar...
   Porque tudo no mundo quer aquilo que o alimenta.
   O Roxy foi minha filosofia amorosa. Bem antes de Shelley ou de Keats, foi o Roxy que me ensinou que amar independe. Amar é ato de coragem e de disciplina.
   Tudo no mundo quer aquilo que o alimenta. Mas esse alimento tem um preço.
   Coisas fáceis não possuem valor. O amor pede muito. Exige.
   Houve uma menina em minha vida, por ela eu morri, por ela matei, por ela deixei de ser.
   E agora inteiro, pleno, cheio, eu posso voltar.
   O Roxy aqui, comigo, e indo, rondando, voando, conduzindo, guiando
   O amor ama apenas o amor.
   there`s a girl i used to know...

Roxy Music - A Really Good Time



leia e escreva já!

AMOR

  O amor existe e não é porque casais não dão certo que ele não existe.
  De volta ao Reino do Amor, estou em casa e como Ulysses volto a minha Ítaca e a minha Penélope.
  Argos...
  Pouco me importa se ela está aqui ou lá
  Pouco me importa se irei ficar
  O Amor volta a viver em mim
  E isso é o que vale!
  Deixo cair do céu a loucura sobre mim
  Deixo que o mar venha me levar
  Deixo que tudo vá me deixar
  Mas o Amor está aqui.
  Acordo agora da vida que não é vida
  Ergo meus olhos e posso ver a nova vida
  Eu continuo onde sempre estive ( e não sabia )
  Reino do Amor.
  PS. Sim, eu sei que o texto é ruim. Sim, mel com sentimentalismo. Eu sei. Acontece que eu sou sentimental e tenho vivido em mel. E conheço, sorry, O Reino do Amor.
  Se voce assistir os dois videos que postei abaixo. Roxy cantando Roxy e Bryan cantando Dylan...quem sabe voce entenda.
  Porque Amor existe. E tem seu mundo, sua lingua e seu ritual.
  O mundo numa flor.

O AMOR E A RAZÃO

   1
 + 1 = 2. Isso é verdade. Se eu somar um grama de ouro com um grama de ouro serão dois gramas. Mas no universo não existe um grama de ouro. O que existe é ouro, incontável em sua quantidade. Para contá-lo e estudá-lo precisamos separá-lo do todo. Nossa mente não consegue trabalhar sobre o absoluto. Por ser limitada, ela, para entender algo, deve reduzir e particularizar.
   Podemos somar a Terra a Marte e teremos dois planetas. É uma verdade, fato científico. Mas no cosmo não existe um planeta, o que existem são infinitos números de planetas. Assim como nada na realidade é um. Ou dois. Ou mil. O número, invenção que nos permite trabalhar sobre a matéria é arbitrário. Sempre. Voce nunca irá encontrar uma árvore. O que existem são árvores. Sua mente para poder compreender minimamente o que seja árvore irá particularizar e contar cada uma. Mas fora de sua mente não existe a árvore um e a dois...ou a bilhão.
   Se um dia contarmos todos os planetas, todas as estrelas e todas as pessoas do mundo, mesmo assim serão incontáveis. O resultado será arbitrário. Porque Mundos terão surgido no processo, outros desaparecido, pessoas nascido e morrido, e, mais perturbador, teremos de lidar com o Tempo futuro e o tempo passado. E o Tempo, esse dividimos em segundos ou em milênios. Mas fora de nós, como ele se divide?
   Não se divide. É uma continuidade infinita.
   Então, sim, é certo, para nossa razão 1 + 1 é 2. Isso se chama ciência. Reduzir o todo e dividir tudo em partes cada vez menores.
   Saber que o 1 e que o 2 são criações arbitrárias inventadas por nós e desconhecidas no universo fora de nós...isso se chama filosofia.
   Pensar na não existência do 2. Pensar que tudo é um incontado Um. Isso se chama religião.
   Intuir que no 1 existe um universo de possibilidades e que o 2 pode ser o inverso do todo...Isso é poesia.
   E  no extremo oposto da ciência, usar a Alquimia que transmuta o 2 em 1.
   Isso se chama Amor.

AFINAL UM BOM TEXTO DE PONDÉ

   Descartar as religiões como "tolice" e colocar todas no mesmo lugar das superstições é das coisas mais idiotas que a modernidade fez. É preciso conhecer aquilo que elas falam, mesmo que voce não creia em Deus ou na Alma Imortal. Não importa. Religiões dizem muito sobre aquilo que somos e mais que tudo, afirmam verdades que continuam a ser verdadeiras. Para sempre. Ou pelo menos enquanto formos humanos.
   A base de toda mísitica é sempre a mesma: a morte do Eu. Um faquir sofrendo sobre pregos ou fogo, um monge se isolando do mundo comum e se esquecendo de si-mesmo, um "soldado de Allah" ou uma freira trabalhando entre famintos africanos...Todos buscam a mesma coisa, esquecer o Eu. Não há religião onde o Eu manda. Cristo sacrificou sua vida, seu Eu por uma verdade. Assim é com toda religião, pagã, cristã ou oriental. A morte da individualidade, no êxtase dionisíaco ou na negação da vontade individual.
   Porque, como disse Pondé, ser um Eu cansa. Porque o Eu só existe como desejo. Nós somos um Eu quando queremos algo. Ou quando queremos ser Eu. Ele nos pede coisas, atos, vitórias, conquistas e auto-realização. Pior que tudo, ele se pensa único. O Eu sempre sonha ser o protagonista da vida.
   As religiões sabem. SOMOS FELIZES APENAS QUANDO O EU SE ESQUECE DE SER. Quando morremos e vivemos na inconsciência de ser um Eu, na consciência de ser MAIS UM ENTRE TANTOS. Vem daí o Amor.
   O amor nos alivia porque faz com que esquecemos daquilo que somos. Pensamos no outro, em sua alegria, em sua paz. Não queremos mais ser um Eu, queremos nos dar ao outro e ser algo sem nome. Daremos nossa vida, alegremente, por esse outro. Pelo amor. E creiam, esquecer seu desejo exclusivo, suas vontades, abdicar livremente de paz e conforto pelo bem de outro, não há maior alegria.
   Como não existe desespero maior que perder esse amor e voltar ao tédio do desejo do Eu. Voltamos então a trabalhar, comer, beber, comprar e transar, e voltamos a perceber que na satisfação dos sentidos físicos vive a dor de saber que eles são pouca coisa, são futeis, são falíveis, são apenas desejos ilusórios dos sentidos, do Eu.
    Não desejar nada, e continuar amando. Essa a contradição de toda religião. Essa a paz. Nada querer, nada temer. O medo cessa pois nada há a perder. A paz nasce onde não há desejo. Porque desejar é sempre querer. E querer é jamais poder ter. Criar vazios que serão vazios para sempre.
    Quem viveu a satisfação plena dos sentidos sabe do que falo. O vazio vive nessa satisfação plena.
    Pondé fala da tolice que é querer se conhecer. Desejar se auto-entender é cair na sedução do Eu. Megulhar dentro do Eu e se submeter a sua ditadura. Ditadura que tem apenas uma mensagem: Quero Quero e Quero! Como um baby chato o Eu pede pede e pede.
    Nikos Kazantzakis dizia que somos livres ao nada querer. Como diziam os hindús, que imaginavam o inferno como um lugar onde se deseja todo o tempo e nunca se sacia.
    Pondé termina dizendo que a pior expectativa é a da vida eterna. Ser um Eu para sempre.
    Lembro que uma vez pensei que a pior coisa do mundo seria ser para sempre Eu. Imaginem que horror! Ser condenado a ter para sempre, por séculos e milênios, seus medos, desejos e atos.
    Mas imagino a eternidade, e quase a sinto, como despersonalização. Nunca consigo crer numa eternidade onde eu continuo eu e voce voce. Nunca! Mas o que pressinto é uma possibilidade de eu e nós sermos aquilo que temos em comum. E isso não é o eu. Memória e desejo. Isso com certeza morre com a carne. Se algo fica, não é um eu.
    Fugi do tema. Meu eu me levou fora do tema.
    Esquecer do que se quer, essa é a alegria de viver.