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Os Visitantes da Noite (Les Visiteurs du Soir) 1942

Los visitantes de la noche - Tráiler

OS VISITANTES DA NOITE, O MAU E O AMOR, A POESIA EM FILME

Um letreiro anuncia: O Diabo mandou à Terra duas almas para semearem o desespero entre os homens. França, 1485. Vemos então duas pessoas à cavalo. Cruzam um campo, árido, e chegam à um castelo, branco. Primeiro acerto do filme, o castelo é novo em folha. Vários filmes medievais mostram castelos em ruínas, esquecendo que em 1300 ou 1400 eles seriam novos. A dupla é recebida numa festa que lá se realiza. Anne, jovem bela, irá se casar com o dono do castelo. Em meio ao banquete, o homem, Gilles, canta para Anne. Se instaura a poesia: a canção é belíssima e Anne se apaixona por Gilles. Ao mesmo tempo, o outro forasteiro, que na verdade é uma mulher, seduz o pai da noiva. A dupla, humanos que se venderam a Satã, instauram o desespero usando um falso amor. Cena exemplar: o tempo cessa, todos são congelados, para que a sedução se realize. O amor surge como solidão no tempo, mundo à parte, morte em vida. Mas algo ocorre: Gilles se apaixona de fato e o Diabo precisa intervir para vencer o amor. E mais não conto. ----------------- Raras vezes vi filme tão despudoradamente romântico. Prévert, o roteirista poeta, nos mergulha no amor. Anne e Gilles são torturados, tentados, tapeados, mas se agarram um no outro, em seu mundo além do mundo. Me pego chorando em duas cenas. O modo como Anne enfrenta o diabo é de cortar nosso coração. Paganismo: este mundo é do mal, o amor é de Deus. Deus enfrenta o Demônio a cada vez que um amor real nasce. Ao fim, o casal "perde", são transfomados em pedra. Mas, que surpresa! O Diabo ouve que o coração dos dois ainda bate! Irado, ele chicoteia as estátuas, mas o coração insiste, persiste, vence... Não há como resistir a este filme. --------------- Assiti esta obra prima em 1989, na velha TV Gazeta. Sábados de noite havia um festival de clássicos franceses. Foi lá que vi meus primeiros Renoir, Feyder, Clair...e Carné. A imagem dos filmes era péssima! Não restaurados, alguns eram quase impossíveis de assistir. Mas mesmo assim me apaixonei por este filme. Ele me pareceu mágico. Era um mundo onde o impossível acontecia de forma convincente, lógica, cotidiana. O sabor medieval era autêntico. Então fiquei 30 anos sem o ver! Revi em 2019 e mais uma vez ontem de noite. Não me decepciono! É uma obra prima de fato! ---------------------- Todos os atores são comoventes, mas Jules Berry como o Diabo é a melhor encarnação de satã que vi na vida. Charmoso, elegante e profundamente mau, ele é o oposto absoluto à Anne feita por Marie Déa, um primor de força natural, de beleza bondosa. Fiquei 30 anos com a voz de Gilles dizendo "Anne Anne" ecoando em minha mente! É um dos raros filmes que vive para sempre dentro de voce porque ele reflete algo que respira dentro do nosso inconsciente. A luta entre a sombra e a luz. Mais: o filme desperta uma absoluta vontade de amar, e vemos que o amor é uma solidão, pois ele nos isola do mundo e nos faz viver dentro dele. Ao mesmo tempo, é ele a única força capaz de vencer o medo, o mal e a morte. Anne e Gilles são vencedores porque amam. E nada mais tem a menor importância. ---------------- Pois se os Templários estavam certos, somente O Amor é Deus, e todo o resto é Mundo de Satã. No amor estamos vivos, fora dele somos almas em danação. O filme mostra essa filosofia, profunda, em falas e imagens que parecem vir de algum lugar muito antigo e muito "de sempre", parece remoto e ao mesmo tempo esteve sempre aqui. Jacques Prévert e Marcel Carné criam uma história simples, porém eterna. Não há fala fraca e não há cena inútil, cada fotograma é um lembrete: amor, amor, amor, amor... ------------- Penso em como uma alma cínica, deste século vagabundo, se sentirá vendo este filme. Incômodo? Sono? Raiva? Fuga? Quem hoje tem coragem? Que amor é este, o de 2023, que não enfrenta nada e na verdade obedece? Mergulhados em ruídos e em coisas, onde está a coragem de tecer um mundo solitário? Quem geme e grita o nome do amor em meio a tortura? Quem? --------------- Pois o amor é espírito, é gentil, alma que canta, olho que vê além. Ele vence quando nasce. Ele sobrevive quando morre. Obra de arte, este filme dignifica o cinema francês e dá estatuto de nobreza a uma arte tantas vezes vulgar. Voce sai do filme e deseja se apaixonar. Completamente. É um filme veneno.

Le Quai des brumes (1938) - trailer

O CAIS DAS SOMBRAS, UMA OBRA PRIMA DE MARCEL CARNÉ

Primeiro os créditos iniciais: Schufftan e Alekan são os diretores de fotografia. Alekan inclusive foi homenageado por Wenders em seu filme sobre os anjos em Berlin. Schufftan formou uma legião de diretores de fotografia e nos EUA criou escola. Mais: o cenógrafo é Alexandre Trauner, talvez o maior mestre da cenografia para filmes. Jacques Prévert no roteiro e eis o filme. --------------- Primeira cena e voce já entra no clima: noite, uma estrada cheia de neblina. Um caminhão freia porque há um homem no meio do caminho. Carona. É Gabin em mais um papel mítico. Usa uniforme de soldado, está fugindo, veio da Indochina, colônia francesa. Um cão na estrada, Gabin faz o caminhão desviar, quase briga entre ele e o condutor, fazem as pazes, um Gitanes então. Gabin desce em Le Havre, o cão o segue. Uma cabana grande, bar e hotel, um barraco à beira mar, neblina. O dono do lugar o ajuda, lhe dá comida. Uma mulher, Michele Morgan aos 16 anos fazendo a femme fatale. Boina, capa de chuva transparente, lindissima. A cena em que ela se volta, close, de antologia. Eis o filme noir. Os dois se apaixonam, mas há Michel Simon, seu "padrinho", há um rico metido à gangster, há a fome. Não há vilão mais asqueroso que Michel Simon! Seu rosto, feio como o crime, queixada, olho de cobiça, voz de mentiroso, todo filme com Simon, e são muitos, é uma aula em como ser nojento, como ser repulsivo, mesmo quando ele é o heroi!!!! Pois bem...Gabin herda as roupas e os documentos de um morto da praia, conhece um capitão, irá fugir para a Venezuela ( em 1938 se emigrava muito para lá ). Mas há o amor, antes o amor. Uma noite de amor. E uma ida ao parque, brincar. Os dois descobrem que a vida não é tão ruim, talvez a sorte tenha mudado. Mas ele mata Simon, com um tijolo e tem de partir, sem ela. Na rua, tiros, Gabin morre, foi o playboy que se faz de gangster...Um beijo enquanto ele morre na rua. Ela ficará só. O cão foge do navio, corre pelas ruas, é o fim. ------------------- Conciso, direto, sem nenhuma fala ou cena que sobre, é um filme perfeito. Há obras primas que não são perfeitas, posso citar dezenas, e há filmes perfeitos que não são obras primas. Pois um perfeito para ser obra prima tem de ter um universo inteiro dentro de si. A obra prima, em qualquer das artes, inventa um mundo onde ele reside, ela é centro desse mundo e se torna a onipresença desse kosmos. Ao ver uma obra prima em filme, entramos no mundo daquele filme, um mundo que só existe lá e que TEM DE existir para sempre. Já o filme perfeito, apenas perfeito, não tem uma cena a mais, não mostra falha, jamais hesita, é inexorável. Este filme é as duas coisas, um mundo de neblina e de azar, e de beleza triste, e também uma absoluta concisão perfeita, por isso irretocável. E há Gabin, mais uma vez...desta vez doce, quase bom, sensível e perdido, um desertor, um sozinho. Carné não tem medo algum, ele nos dilacera. O filme é um prazer amargo, um dos meus favoritos, obrigatório.

LE JOUR SE LEVE - Official Trailer - 75th Anniversary 4K Restoration

DOIS CLÁSSICOS DE JEAN GABIN: PEPE LE MOKO e TRÁGICO AMANHECER

Cigarro enfiado na boca de lábios muito finos, olhos frios azuis, cabelo claro e expressão dura, ele quase nunca ri, Jean Gabin foi durante décadas a imagem que a França transmitia ao mundo. Ator dramático glacial, ele tinha na voz, soturna, o ar de quem vivia Camus e Exúpery no sangue. Sua presença, imensa, foi influência geral no tipo de ator dos filmes policiais do mundo inteiro, mas na França ele foi mais que isso, ele era o amante que toda mulher queria. ( Seria interessante pensar no que significa a mudança de Gabin para Alain Delon nos anos 60 e 70, e depois para Depardieu nos anos 80 e 90, o que essa mudança no gosto sifnifica. O Gabin de hoje seria quem? ). Jean Gabin era sólido, firme, forte, mesmo sendo nada mais que um gordinho não muito alto. Ver Jean Gabin comer, beber e fumar é um prazer. LE JOUR SE ELEVE ( TRÁGICO AMANHECER ), de 1939, é um dos muitos filmes clássicos que têm Gabin no elenco. Devo aliás dizer que não há ator com maior número de obras clássicas em seu currículo. Marcello Mastrioanni foi eleito recentemente o ator com mais filmes históricos, James Stewart veio em seguida, mas Gabin no mínimo empata com os dois. Como eu dizia, TRÁGICO AMANHECER tem Gabin, e além dele tem Jules Berry e Arletty, dois ícones da época. Marcel Carné, diretor que fez aquele que é o maior filme da história da França, O BOULEVARD DO CRIME, dirige aqui um dos mais deprimentes filmes já feitos. Gabin é um operário, amargo e doente, que se apaixona por uma jovem. Mas essa jovem, que não é fatal, tem um outro. Que o persegue e o provoca. Gabin mata esse rival. E todo o filme é feito de uma sequência de flash backs em que Gabin recorda sua história enquanto a polícia cerca seu quarto. Não há alívio. O filme é duro e frio como aço. Gabin não tem como escapar e sua vida de nada valeu. Tudo deu errado. E eu imagino como este filme, em 1939, deve ter sido uma porrada na cara do público de cinema. Ele tem sexo, tem amoralidade, e a cena final ainda choca: Gabin dá um tiro em seu peito e cai no chão, o despertador toca, é hora dele ir ao trabalho... -------------- Jacques Prévert, um grande poeta, escrevia os roteiros de Carné e isso fazia com que seus filmes fossem muito falados e muito poéticos. Este não foge à regra. -------------------- Mas vamos falar de um filme ainda maior: PEPE LE MOKO é impressionante. Julien Duvivier dirigiu, e ele foi um dos 5 grandes dos anos 30-40. Nos EUA, fugindo dos nazis, conseguiu manter seu alto nível, coisa que Renoir não conseguiu, e ao voltar para a França manteve sua carreira em bom caminho. Duvivier era mestre em editar, em dar ritmo, em visual criativo. Em PEPE LE MOKO, Jean Gabin é Pepe, um bandido. Ele vive em Argel, não esqueça que em 1937 a Argelia era a França, e Pepe se esconde dentro do Casbah, o bairro árabe, intrincado, hiper povoado, sujo, belo, impenetrável. As cenas, muitas, que mostram o povo e a arquiteura do lugar já valem o filme. Paredes brancas, vielas, ciganos, árabes, chineses, negros, é um caleidoscópio de sol tórrido. Voce sente o calor do filme, voce transpira com eles. Pepe é rei, é o chefão, é amado no Casbah. Mas ele não suporta mais ficar preso lá dentro, não poder ir à cidade, ou melhor ainda, à Paris. Então vem a tragédia: um grupo de turistas ricos vai visitar o exótico Casbah e Pepe se apaixona por uma delas. O que era dificil se faz impossível, ele precisa sair para ficar com ela.... É um filme maravilhoso! Sensual, agitado, confuso, trágico e nunca pesado, inexorável. E real, muito real. Gabin-Pepe pode ficar com a mulher que quiser, mas ele escolhe a mais difícil e a polícia o cerca. --------------- O filme noir americano nasceu aqui, em Gabin e em Duvivier e Carné. Bogart era o Gabin americano. Um cinema necessário. Para lembrarmos do que ele foi. E do que poderá, tomara, um dia voltar a ser.

MARCEL CARNÉ/ POWELL/ TRUFFAUT/ MELHORES FILMES DA FRANÇA

   O BOULEVARD DO CRIME de Marcel Carné com Arletty, Jean Louis Barrault, Pierre Brasseur, Maria Casarés
Foi eleito, a coisa de cinco anos, o melhor filme francês de todos os tempos. Será? Esta foi a minha segunda visita a esse épico de 1945. Com mais de 3 horas, trata das paixões, misérias, ilusões de um trio ligado ao teatro. Arletty faz a atriz que todos amam, Barrault é Pierrot, o ator ingênuo que a adora. Brasseur é um ator-astro, cheio de si. Ao redor deles uma multidão de ladrões, nobres, escroques. Tudo lembra Balzac. É uma painel da França do fim do século XIX. Ruas com multidões, lixo e luxo. Tudo no filme é superlativo. A fotografia, o cenário, a música. E todos os atores. As interpretações são ao estilo francês puro, palavrosas e posadas. Hoje lembram cinema moderno, envelheceram tanto que viraram novidade. O roteiro, do poeta Jacques Prévert é brilhante. O filme varia entre poesia, drama pesado e comédia leve. Crime e vingança. É o maior filme da França? Não sei se é, mas o título não fica mal. Para mim existem 3 grandes filmes que merecem o título: este, Orfeu de Jean Cocteau e O Atalante, de Jean Vigo. Com vantagem para a obra-prima de Vigo. Claro que há ainda Clair, Renoir, Clouzot, Godard, Bresson, Melville, Tati, Truffaut...mas estes 3 são gigantes, amplos, completos. Cada um a seu modo, Vigo é intimista e simples, Cocteau é simbólico e hermético e Carné, belo e imenso.  Um filme que todos devem ver. Nota DEZ.
   CAPITÃO PIRATA de Gordon Douglas com Louis Hayward e Patricia Medina.
Aventura padrão de piratas dos anos 50 da Columbia. Pirata inglês se envolve no resgate de seus companheiros capturados por espanhol mal em ilha do Caribe. Nada de especial, produção pobre, mas para quem como eu adora filmes de piratas, não decepciona. Nota 5.
   ALEXANDRE O GRANDE de Robert Rossen com Richard Burton, Fredric March e Claire Bloom.
Há quem diga que Burton deveria ter sido o maior ator de todos os tempos. Mas ele se vendeu à Hollywood e perdeu tempo e vontade em filmes como este. Uma produção grande sobre Alexandre da Macedônia. O filme...bem, como levar a sério Burton de peruca loura? Rossen era um diretor metido a artista, mas este filme afunda em roteiro sem ação e personagens ralos. Só March se salva. Seu Filipe, pai de Alexandre é complexo, sutil e ao mesmo tempo dramático ao extremo. Nota 2.
   O RIO SAGRADO de Jean Renoir com Esmond Knight e Adrienne Corri
Renoir saiu dos EUA e foi a Inglaterra. De lá à India fazer este que é um dos filmes favoritos de Wes Anderson. E é realmente um filme mágico. E, como tudo de Renoir, de uma simplicidade absoluta. Uma familia inglesa vive na India à beira de um grande rio. Vivem de uma fábrica de juta. São cinco meninas e um garoto. Um americano chega e passa a ser cortejado. Uma tragédia ocorre, mas a vida continua. Renoir consegue nos fazer entender um conceito profundo sem falar quase nada. Imagens belas de Claude Renoir, irmão de Jean, e apesar dos atores ruins, o filme se eleva `grandes altitudes. É seu melhor filme. Disso não duvido. Nota DEZ.
   A NOITE AMERICANA de François Truffaut com Jacqueline Bisset, Jean Pierre Leaud, Valentina Cortese e Jean Pierre Aumont
Me apaixonei por cinema em 1978 vendo este filme na Sessão de Gala da Globo. Eu quis ser Truffaut. Durante uns 3 anos ele se tornou meu diretor fetiche. E 3 anos na adolescência são dez como adulto. Então posso dizer que Truffaut atingiu sua meta, mostrar o amor ao cinema de uma forma simples, ingênua  e pura. É claro que fazer um filme não é isto, mas o que Truffaut quis foi mostrar o amor à coisa, nunca um documentário sobre a feitura de um filme. Godard rompeu com François por causa deste filme. O que mostra a cegueira de Jean Luc. O filme é sublime, encantador, o conto de fadas dos que amam cinema. E tem uma das melhores trilhas da vida de Georges Delerue, o que não significa pouco, pois Georges foi sempre magnífico! Nota DEZ.
   OS CONTOS DE HOFFMAN de Michael Powell
Eis...Powell, o irriquieto, o corajoso, faz um dos mais arriscados filmes da história. Filma os contos de E.T.A.Hoffman em sua forma original, ou seja, como ópera, inteiramente cantado. E com cenários que são extremamente artificiais. O resultado é radical, voce adora ou odeia. Eu não me dou bem com ópera, mas adorei o filme. Porque ele é de uma beleza irreal, artificial, embonecada, brega, surpreendente, mágica. Se voce quer saber o que seja o romantismo eis o filme. Ele nos apresenta todo o universo de Hoffman, mas também de Shelley, Hugo, Lamartine...e chega até Poe. Vejo que George Romero é um de seus fãs e isso não me surpreende, este é um filme de horror. A beleza aqui é morta, espectral, como aquela de um cemitério. Se voce gosta desse mundo, veja. Se voce é um prático pés no chão, fuja correndo. Nota.........?

O JOGO DA IMITAÇÃO/ A TEORIA DE TUDO/ JAZZ/ MARCEL CARNÉ/ A STAR IS BORN/ BOYHOOD/ FANNY

O JOGO DA IMITAÇÃO de Morten Tyldun com Benedict Cumberbatch e Keira Knightley
Mesmo conhecendo a bio de Alan Turing fiquei chocado com o fim do filme. Imagino como se sente quem não a conhece. O filme é sensacional. Ele toca todos aqueles que se sentem esquisitos, todos os que foram perseguidos na escola, todos os diferentes. Ou seja, toca quase todos nós. Turing foi um gênio e o filme é digno dele. Suspense bem feito, drama e uma bela história. Adoraria ver este filme ser, como foi O Discurso do Rei alguns anos atrás. a grande surpresa inglesa do Oscar. Os dois se parecem muito. São filmes clássicos, muito ingleses, com um momento chave do século XX pescado do esquecimento. O melhor ator do ano é Benedict. E quem achar que caio em contradição, pois costumo criticar essa mania de confundir boas imitações com grandes desempenhos, que Benedict não imita Turing, ele cria uma personagem. Pois ao contrário de Capote ou de Ray, Turing tem um nada de videos para se imitar. Foi em vida uma pessoa obscura. 2015 é a melhor safra do Oscar desde o século XX, este é o filme que mais me emocionou, O Hotel Budapeste é o melhor filme. Qualquer dos dois que vencer será uma alegria para mim. Nota 9.
A TEORIA DE TUDO de James Marsh com Eddie Redmayne e Felicity Jones
Se Eddie vencer o Oscar será mais uma vitória do papel de doente. Impressiona como o Oscar ama gente interpretando doentes! O filme é legal, mas está muito atrás de O Jogo da Imitação, com o qual poderia se parecer. Tudo aqui é correto, como Hawking, que é um cara do bem. Mas o filme não causa impressão. Dois dias depois voce mal recorda uma cena. Felicity é na verdade a heroína. Excelente interpretação, ela foi uma santa em aguentar o casamento. O filme é dela. Nota 6.
WHIPLASH, EM BUSCA DA PERFEIÇÃO de Damien Chazelle com Miles Teller e JK Simmons
Um pensamento ruim me ocorreu durante o filme. O jazz desde os anos 50 virou isso...um fóssil estudado por chatos, nerds e infelizes. O que era uma expressão folclórica de vida, virou objeto de adoração semi-religiosa e de estudos devotados. But....o filme, simples, barato, é bom. E mostra algo de muito particular que só o jazz tem: nele não existe nada de bom ou de correto. Ou o cara é """do cacete"""ou é muito ruim. Para fazer parte da coisa voce tem de ser uma fera. Músicos bons, como no rock são quase todos, não sobrevivem no jazz. Porque aqui, mesmo aquele esquecido baixista da banda de Fletcher Henderson ou do trio de Benny Golson, era mais que excelente. No jazz, como na música erudita, não dá pra enganar. Porque aqui o simples barulho ou as notas simples inexistem. Para quem toca este filme é obrigatório. E mesmo para o resto, é um bom filme. Espero que ele mostre aos roqueiros o quanto bateristas discretos, jazzistas, como Charlie Watts ou Mitch Mitchell são bons. Ritmo, isso é tudo. Conseguir manter a batida, sem variação de velocidade ou de volume, matematicamente preciso, é isso. Posto acima um Buddy Rich, o mito. JK dá um show. Mas o garoto também é bom. Nota 7.
BOYHOOD de Richard Linklater com Ethan Hawke e Patricia Arquette
Somos uma geração, a minha, entre 40/50 anos, desastrada. Criamos filhos como amigos e eles queriam pais. O filme acompanha o crescimento de um menino. E Linklater, que entre seus filmes favoritos tem Truffaut e Bresson, evita todo momento de drama, exibe o banal e nesse banal o que há de mais bonito. O filme é leve, puro, otimista. O menino, que sorte, vira um cara legal. Mas eu queria que mostrassem mais a irmã! Ela parece mais interessante. Ethan faz Ethan Hawke, o cara gente boa. Patricia manda muito bem. Gorda, a sensual Alabama virou uma americana comum. Ponto pra ela! O melhor de Linklater ainda é Dazed and Confused, mas se ele vencer o prêmio de direção será bem legal. Ele é Wes, com seu amor por filmes franceses, são dos poucos caras a dar ar de liberdade ao amarrado e cabisbaixo cinema atual. Nota 8.
FANNY de Marcel Pagnol com Raimu, Pierre Fresnay e Orane Demazis
Por falar em cinema francês...Eis Pagnol, escritor, autor de teatro e diretor de cinema. O homem da Provence antes do lugar virar moda. A história aqui é de uma menina, grávida e solteira. O pai da criança a abandonou para virar marinheiro. Ela aceita a proposta de um homem mais velho, que assumirá o nenê. Mas o marinheiro volta...O filme é tosco, sem produção, primitivo. E encantador. É um tipo de filme tão arcaico que hoje fica parecendo muito fresco, novo, original. Assistir Fanny é como ver um documentário sobre um planeta que deixou de existir. O mundo de Cézanne e de Cassat. Um prazer. Nota 9.
CONTRABANDISTA A MUQUE de Christian-Jacque com Totó e Fernandel
Existe uma cidade na fronteira entre França e Itália em que ruas e casas marcam a divisão. O filme mostra desse modo o contraste entre os dois países. Totó é um contrabandista. Fernandel um policial. Um é bem italiano: malandro, preguiçoso, mentiroso. O outro é rigido, cumpridor das leis, burocrático e meio bobo. Divertido, o filme, de 1958, nos faz pensar que essas diferenças hoje seriam ilusórias. A Europa virou um grande caldeirão comum. Uma certa nostalgia surge, onde os italianos estão? Totó, um gênio como ator, nunca mais. Nota 7.
FAMÍLIA EXÓTICA de Marcel Carné com Françoise Rosay, Michel Simon, Jean-Louis Barrault, Louis Jouvet e Jean-Pierre Aumont.
No cinema clássico francês dois caminhos logo surgiram. O cinema simples de Renoir e o cinema elaborado de Carné. Prefiro Carné. Aqui temos uma rocambolesca comédia com os melhores atores de então. Como explicar a história? Tem um escritor que finge ser um pacato burguês, tem um doido assassino, tem um conquistador barato...e muito mais. Os diálogos, de Prévert, são brilhantes. É um filme Pop, feito para divertir, para entreter. Nota 7.
NASCE UMA ESTRELA de William Wellman com Janet Gaynor, Frederic March e Lionel Stander
Um grande clássico. A primeira versão da história da moça que quer ser estrela de Hollywood e se envolve com um ator decadente. Ela sobe, ele afunda. Tudo aqui funciona. O filme emociona, dá raiva, toca, fica. O mecanismo da imprensa surge crú. March está magnífico! Faz um alcoólatra com tintas de Barrymore sublime. Temos pena dele. E admiração. Gaynor jamais se torna doce demais. Ela ama March. Ama o cinema. E tem ainda Stander, um jornalista que é o mal em pessoa. Ele odeia March e goza em ver sua queda. Wellman faz o roteiro de Dorothy Parker voar. É um grande filme. Nota DEZ.

CARNÉ/ RAMPART/ MARY POPPINS/ A VOLTA AO MUNDO/ KING/ DERCY

   OS VISITANTES DA NOITE de Marcel Carné com Alain Cuny, Arletty, Jules Berry, Fernand Ledoux e Marie Déa
Carné dirigiu aquele que é considerado o maior filme já feito na França, O BOULEVARD DO CRIME. Este foi feito imediatamente antes. Rei do movimento do "realismo poético", uma onda de filmes pessimistas e simbólicos, tem roteiro do grande poeta Jacques Prévert. Fala de dois enviados pelo diabo, que na idade média, seduzem dois jovens apenas pelo prazer de seduzir. Mas o enviado masculino se apaixona, o que faz com que o diabo em pessoa apareça para o castigar. Não é uma obra-prima, mas é marcante. Abre possibilidades ao veículo, o da poesia. O elenco é estupendo. Nota 8.
   MARY POPPINS de Robert Stevenson com Julie Andrews e Dick Van Dyke.
Fenômeno da Disney, em termos absolutos é até agora o maior sucesso do estúdio. Otimista, irreal, infantil no bom sentido. Mary é uma babá que chega voando e ensina a compreensão. O filme nada tem de carola, mas é "antigo". Nada tem em comum com o mundo de 2012 ( aparentemente ). A trilha sonora dos irmãos Sherman é uma obra-prima. Se voce ama musicais vai adorar. Se não aprecia o gênero, fuja. Existem musicais que podem converter os não-apreciadores, este não é o caso. Nota 8.
   A VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS de Michael Anderson com David Niven, Cantinflas e Shirley Mac Laine
Sucesso de bilheteria, é considerado dos mais fracos vencedores de Oscar de melhor filme ( mas perdeu a melhor direção ). Os críticos o detestam por ter derrotado grandes filmes em 1956. Mas se esquecermos disso é um agradável filme à Sessão da Tarde. Com 4 horas de duração, ele mostra a viagem de Fogg e seu criado Passepartout, bem lentamente. Eles voam de balão e apreciamos a paisagem, andam de trem e vemos a América, navegam e sentimos o mar. Relaxe e aprecie a viagem, mas não espere emoção ou adrenalina, é um tipo de calmante. Obra do produtor Mike Todd, o filme feito em regime de empréstimos e calotes, acabou sendo seu único título. Ele morreu logo depois. São multidões de figurantes, cenários imensos e locações pelo globo inteiro. Feito hoje seria bem mais fácil. Nota 6.
   CISNE NEGRO de Henry King com Tyrone Power e Maureen O'Hara
Não se trata da comédia de Aronofski em que Natalie Portman faz uma bailarina gótica perdida em universo fake. Aqui é um convencional filme de pirata com todos os ingredientes do gênero. Eu sou vidrado em barcos á vela e espadas com caveiras, então me satisfaz. King foi um dos diretores operário da época. Filmava muito, nunca errava, mas também jamais arriscava. Era bem melhor em westerns. Nota 6.
   ABSOLUTAMENTE CERTO!  de Anselmo Duarte com Dercy Gonçalves
Um Brasil pobre, bem terceiro-mundo. Esse país existiu? Gente conversa nas ruas em cadeiras, amigos assistem Tv juntos, na sala, e as janelas têm sempre alguém a olhar a vida passar. O filme, ruim, vale só por isso, retrato antropológico de um mundo ido. Um passeio de Porsche pelo Anhangabaú vale o filme. E Dercy era ótima! Nota 1
   RAMPART de Moverman com Woody Harrelson e Ned Beatty
É sobre um policial. Ele vive em casa num meio feminino, filhas e esposas ( ex e atual ). No trabalho ele é duro, frio, violento. O trabalho de Woody é ótimo, se parece com o Clint ator, cheio de raiva contida. Mas é um filme pequeno. Típico pastiche do cinema dos anos 70 mas feito com o vazio tristonho do século XXI. Imagens pobres, closes fechados, câmera trêmula...antes de o ver eu já sabia a forma que teria. Vamos a um adendo. Há quem me fale que não consegue entender do que eu gosto. Como posso gostar de musical e western? De filmes trágicos e de comédias? Bem... o que me guia é o prazer. Só o prazer. E tenho  prazer em ver algo que me surpreenda, ou que seja estéticamente bonito, ou que me faça rir e chorar. Não me importa se fala de dançarinos ou de detetives, de cowboys ou de crianças. Se seja feito em 1980 ou 1921. Quero ter prazer. Nada de tédio, de sacrifício, de obrigação em me educar ou atualizar. Quero o gosto de ver a inteligência na tela. Certo????  Este filme de prazeroso só tem a atuação de Woody. Nota 5.
   EL CONDOR de John Guillermin com Lee Van Cleef e Jim Brown
Faroeste italiano feito nos EUA. No começo dos anos 70 o western tava tão por baixo que os americanso começaram a imitar a imitação italiana. Resultado: violência barata e heróis porcalhões. Jim foi um astro do futebol americano. Interpreta como um receiver. É um lixo, mas pelo menos o filme assume isso. Torna-se simpático. Nota 3.
  

OS VISITANTES DA NOITE, FILME DE MARCEL CARNÉ. O AMOR É O QUE?

O Diabo se ressente. Ele odeia vozes de gente e o som dos sinos. Adora o silêncio, o estar só e o fogo.
Um casal chega a um castelo. Estamos em 1400. Esse casal se apresenta como dupla de cantores. E fazem parar o tempo. São dois enviados do Diabo.
Seduzem o dono do castelo. Seduzem a noiva de um barão. Seduzem o barão. Brincam com essa sedução. Tudo vai em seus conformes, mas o amor é um enigma. E é então que o filme cresce.
O diabo usa o amor para o mal. Mas o amor pode vencer o mal. Como entender isso? O amor é um bem ou um mal?
Foi pouco antes do tempo em que o filme se passa que o amor revolucionou a mente dos homens. O amor como o conhecemos, o amor das canções e da renúncia, é criado pelos menestréis e pelos franciscanos. Mas que amor é esse que fez de nós seres obcecados por ele? Ele nos é natural ou foi por nós criado?
Um dos enviados do Diabo se apaixona de verdade. Rompe seu pacto. E o próprio Demo em pessoa vem ao castelo intervir. O Diabo torturará seu enviado, atormentará a jovem donzela. Ele se irrita com esse amor, zomba dele, joga com ele.
Conseguirá vencer. Ou não? Em amor nunca se sabe o que é vitória ou o que seja uma derrota.
Marcel Carné fez aquele que é considerado o maior filme francês do século ( O Boulevard do Crime). Este foi feito três anos antes e tem como em Boulevard, roteiro de Jacques Prévert. O que? Voce não conhece Prévert? Bom...Prévert foi poeta, pintor, músico. Da turma de Picasso, é considerado um dos grandes da França. Ele sabe do que fala. As canções de amor são lindas. E medievais.
Voce pode definir uma posição perante a vida de acordo com suas escolhas em cinema. Scorsese ou Altman. Bergman ou Fellini. Kurosawa ou Ozu. Ford ou Hawks. De Sica ou Rosselini. Truffaut ou Godard. E Carné ou Jean Renoir. Prefiro Marcel Carné. Ele é sempre simbólico. Renoir era realista.
Bergman adorava Carné e bebeu muito neste filme. O Olho do Diabo é sua versão desta obra.
O filme é hiperbólico, teatral, artificial, e tem uma assinatura de esteta. É belo. Adulto.
O que seria esse tal de filme adulto de que tanto falo?
Simples. Ele só será entendido por quem amou de verdade. Por quem já foi um "diabo". Por quem tem algum passado. O filme infantil dispensa qualquer prévia experiência. E qualquer cultura também. O filme adulto pede que voce se erga e vá à ele. O infantil se dá barato.
Pleno de milhares de conexões ( não seria nosso mundo, de solitários silenciosos, um mundo do diabo? ), Os Visitantes da Noite é um grande filme.
E é um alivio voltar a meus velhos clássicos.

SATYAJIT RAY/CARNÉ/WHALE/CLAIR

PATHER PANCHALI de Satijajit Ray
Aquela casa e aquelas´pessoas não saem de minha cabeça... Poesia de primeira de um cineasta genial ( e raro ). nota Dez !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
FAUSTO de Friedrich Murnau
As imagens, imensas, insanas, cheias de sombras e brumas, são fascinantes. O filme não está a altura dos melhores de Murnau, mas é forte como um sonho ruim. nota 7.
O MONSTRO DA BOMBA H Inoshihiro Honda
Assisti com meus pais na tv aos 7 anos. Morri de medo e nunca o esquecí. Jamais o reencontrei, pois não sabia sequer seu nome. Eis que um amigo joga-o em minha mão ! Coisas da vida... thrash muito divertido ! nota 6.
THE OLD DARK HOUSE de James Whale com Melvyn Douglas, Boris Karloff, Charles Laughton, Raymond Massey.
O tipo de filme em que voce diz : Eba!!!! Gente presa em casa de horror ! Whale era um diretor fantástico! O filme é muito engraçado e transborda inteligência. ( Para quem não sabe, James Whale foi retratado por Ian McKellen em Deuses e Monstros ). Um prazer ver este raro filme cheio de gays não assumidos, frases hilárias e um discreto terror elegante. nota 8.
FROGS de George McGowan com Ray Milland e Sam Elliot
Sapos, rãs, cobras e até tartarugas atacam humanos na Flórida. Quem viu não esquece. É ridículo. O ataque do jacaré é digno de Hermes e Renato. Mas é também delicioso. Tem uma loucura de anos 70- brega, exagerado, risonho e terrível. nota 7.
TRÁGICO AMANHECER de Marcel Carné com Jean Gabin, Jules Berry e Arletty
Pessimismo, romantismo, fatalismo. Este é o tal do "realismo poético" que os franceses criaram nos anos 30. Filmes em que eles pareciam adivinhar o que aconteceria com a França diante do nazismo. O cinema noir americano chupou tudo daqui. O filme é um viagem pelo desespero amoroso de um homem. É belo, trágico e ultra chic. nota 9.
SOB OS TETOS DE PARIS de René Clair
A França nasceu para fazer filmes como este : malandros, prazerosos, sensuais. Tudo brilha em Clair, ele ama seus tipos boemios, suas mulheres charmosas, seus quartos de pensão barata. O filme sorrí bonachão e pisca para nós. É como pastis, patê e souflé. nota Dez!!!!!!!!!!!!!!!!
MOUCHETTE de Robert Bresson
Uma porrada. Ao ver o filme, sob forte emoção, escreví que a menina se torna uma heroína, e que o filme é genial ao conseguir mostrar isso. Agora penso outra coisa : ela não se tornou uma heroína, ela não despertou de sua letargia : ela afunda de vez e rola como pedra à água que a engole !!!!! Um filme que desperta duas interpretações tão opóstas só pode ser mágico. nota 9.
TROVÃO TROPICAL de Ben Stiller com o próprio, Robert Downey jr, Jack Black e Nick Nolte
Eu odiei este filme ! É talvez o pior filme que já assistí ( com excessão de Speed Racer e Evita que são imbatíveis ). A história, que apresenta várias possibilidades, é desperdiçada num roteiro frouxo, tolíssimo e infantilóide. Downey está hilário, Black tem finalmente um papel engraçado para brincar, mas... são desperdiçados com situações mal construídas, pouco engraçadas, abortadas ao meio. Quando deixam, quando não cortam para Stiller, quando deixam os dois se soltarem, o filme ameaça subir e decolar; mas não, tudo é frustrado com alguma reviravolta tola, com alguma macaquice infame, com burrice enlatada. Cansei de Ben. Ele tem um pecado mortal para todo humorista : vaidade. Vaidade assumida ( pois vaidosos todos são ). Foi o que detonou Eddie Murphy e é a não aparente vaidade que faz com que gostemos de Will Smith ou Jim Carrey. Já Ben insiste em ser engraçado-arrumado, azarado-musculoso, neurótico-com namorada. Ele não se esculhamba, não se apalhaça de vez, não se ridiculariza. Fica essa coisa mais-ou-menos ridiculo, mais-ou-menos palhaço, mais-ou-menos mal sucedido... e ele se torna um mais-ou-menos sem graça. nota 1.
DESEJO E REPARAÇÃO de Joe Wright com Keira Knightley e uma soberba Vanessa Redgrave
Revejo. E confirmo : grande filme. Adulto, bem escrito, com atuações adequadas e uma cena ( aquela na praia ) dificílima de se fazer e onde o diretor prova saber tudo. Nota 8.

3 diretores da França : Carné, Clair e Bresson

A cultura francesa é visceral em mim. Pois se os britânicos despertam minha admiração, se os americanos me divertem, são aos franceses que devo meus ódios e amores mais persistentes. É na França, naquela França que conhecí aos 13 anos e que sei que hoje está defunta, é nessa terra que encontro tudo o que desperta meu senso de boemia, de sensualidade e de inconformismo.
Vejamos 3 filmes que reví agora, dos 3 diretores que considero os mais fascinantes do país tricolor.
TRÁGICO AMANHECER de Marcel Carné, com Jean Gabin, Jules Berry e Arletty. O roteiro é de Jacques Prévert, e Prévert é um grande poeta. Ter Prévert no roteiro é como ter Murilo Mendes escrevendo filme no Brasil. Neste filme vemos um homem : um trabalhador braçal. Ele se apaixona. Mas não confia em seu amor. Acaba matando e se matando. O que é o filme ? É sobre a incapacidade de se ser feliz. Mas é muito mais : é sobre Gitanes fumados por Gabin- de um modo viril que nem mesmo Bogart foi capaz; é sobre quartos sujos, cheios de sombras e com colchões no chão; é sobre bares sórdidos esfumaçados; chuvas frias em madrugadas ansiosas e amorosas; vielas tortas que prometem romance infeliz; sobre moças indolentes que traem sem querer; sobre prédios de escadas em caracol onde vizinhos espionam; sobre pobreza e a tentativa de ser digno; sobre perder.
Carné era um gigante. Assina cada fotograma com estilo, beleza simples, sombras e brilhos; e movimenta o filme em suaves nuances de música e poesia. Carné crê na nobreza dos protagonistas, acredita no seu público, no gosto desse público e dá de presente uma obra-prima fatalista, profundamente pessimista, derrotista e apaixonadamente bela.
SOB OS TETOS DE PARIS de René Clair, com Modot e Prejean. Clair... o melhor diretor que a França nos deu. O mais parisiense, o mais gaiato, o mais feliz... amoroso Clair ! Foi dele o primeiro filme que assistí em dvd, exatamente este filme, que agora revejo... uma festa ! Do que trata este filme ? Um moço que vende partituras nas ruas se apaixona por uma romena desempregada. Entre batedores de carteiras e malandros profissionais eles se envolvem e namoram. O filme quase não tem uma história, mas as coisas não param de acontecer. Tudo nele é leve, elegante, alegre, profundamente feliz. René Clair ama a vida... ama a mulher que sorrí, as danças no bar, os copos de licor, os colchões de palha, as janelas abertas para a noite, as calçadas de pedra, os acordeões, a boemia e os amigos que se abraçam e fingem brigar. Clair ama viver, sabe viver e ama filmar. E cheio de música e de malandragem gentil, seu filme nos enche de bom-humor e nos faz ter um sorriso feliz.
Carné e Clair são dois lados da França. Em Carné há a pretensão, a poesia, o teatro, o romantismo trágico francês. Nele há Racine, Proust e Sartre. Em Clair há o descaramento, a ironia, a leveza elegante da França. Moliere, Stendhal e Rabelais.
Mas por fim existe Robert Bresson. O enigma Bresson. Meus mais queridos críticos dizem que no cinema existem 3 enigmas : Ozu, Dreyer e Bresson. São diretores que não se parecem com nada, que não podem ser julgados, não podem ser criticados e que são amados com fanatismo e odiados com persistência. Se no triste século vinte existissem santos, os 3 teriam asas. Pois seu cinema é feito de bondade, paciencia e amor à humanidade.
MOUCHETTE é de Bresson. Do que trata ? Uma menina. Muito pobre. Judiada por todos. Mas ela também não é nada simpática : joga barro nas amigas e não reage a nada. Seu pai é idiota, a mãe está morrendo. Ela é seduzida por um caçador epilético. É isso. Bresson usa seu método : atores amadores que não podem atuar - atente : eles não são ruins, e nem bons, nem frios são- não atuam, apenas estão lá, dizendo suas falas. A fotografia é bonita, mas os locais são feios. Trilha sonora não há. Portanto, é um filme árido, difícil, exigente. Então porque ele me tocou ?
Pelo seu final ? Onde ao assistir a cruel matança de coelhos numa caçada, a menina tem um estalo e percebe, finalmente, a crueldade da vida e de sua vida ? E Bresson nos mostra- por breves segundos- o momento em que uma vítima idiota se transforma numa heroína ? Ou será ao fato de que o único interesse dos filmes de Bresson é a santidade ? E que neste filme ele consegue nos mostrar, com simplicidade e rara emoção, o momento em que a menina se torna humana ( rolando na terra ) e imediatamente, morre ? ( na água, no mais belo suicídio do cinema ). Qual o segredo deste filme ? Sua imensa originalidade ? Uma originalidade modesta, despojada, portanto, real e sem possibilidade de ser copiada ou ultrapassada ? Como dar uma nota para um filme que nos mostra aquilo que a vida tem de mais real/ trágico/ banal ?
Com Robert Bresson se fecha o triangulo da alma francesa : se Carné é a literatice, a pintura e a poesia; se Clair é a malandragem, o sensualismo e a alegria; Bresson, como Rousseau, como Montaigne, como Flaubert, é o moralista, o crente racional, o radical, o homem de fé.
Num país que nos deu diretores tão maravilhosos como Tati, Clement, Vigo, Renoir, Chabrol, Godard ou Malle ( dentre vários outros ), ninguém é tão autenticamente francês como o poeta Carné, o boemio Clair e o filósofo Bresson.