Haru & Natsu, As Cartas Que Não Chegaram 01



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HARU E NATSU, CARTAS QUE NÃO CHEGARAM.- SUGAKO HASHIDA.

Em 2005 a NHK do Japão fez uma série em cinco partes tendo por base este livro. A série passou aqui e assisti apenas o último capítulo ( não sabia do que se tratava ). Gostei do que vi, tinha aquele emocionalismo travado, bem nipônico. Agora acho o livro, por acaso, em um sebo. Ele é de 2002, escrito por uma japonesa e foi traduzido por 3 pessoas. O texto, o estilo é árido e não sei se é um problema da tradução ou se ele foi composto desse modo hiper direto em sua origem. Vamos ao tema:
Nos anos 30, o Japão em fome absoluta, uma família resolve vir ao Brasil. Mas uma das meninas fica no porto, pois ela tem uma doença transmissível. São trocadas correspondências, mas os endereços estão errados, e assim, se passam 70 anos. A história das duas irmãs, uma no Japão e outra no interior de SP é o que se conta.
Os japoneses eram enganados. Vinham para cá com a promessa de enriquecer em 3 anos. Ao contrário de portugueses e italianos, que se mudavam para o Brasil sem a ideia de retorno à pátria, todo japonês vinha com a intenção de retornar o mais rápido possível. E acabavam ficando presos aqui. Se endividavam, eram explorados, nunca conseguiam juntar dinheiro. Tentavam manter a identidade japonesa, tentavam fugir das fazendas, quando fugiam, passavam a plantar aquilo que aqui não se plantava então: flores, caqui, pimenta, peras. O drama corre solto, e quando começa a guerra tudo piora ainda mais.
A irmã do Japão enriquece, e amarga, pensa ter sido esquecida.
Para quem se importa ainda com história e com relações familiares, é um livro bacana. Pena ser uma edição tão mal cuidada.

Ian Dury - Reasons to be cheerful, part 3 (lyrics on clip)



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31 CANÇÕES - NICK HORNBY

   Voce sabe que livro é este né? Lançado em 2005, fala de 31 canções pop. Não são as favoritas de Hornby ( sua number one é Lets get it on, do Marvin Gaye, e ela nem está no livro ), são canções aleatórias, claro, todas amadas, mas não as top. Tem Rod, tem Richard Thompson, Nelly Furtado, Bruce...e ele fala ainda de Jackson Browne, Ian Dury ... Não, não vou comentar uma por uma. Aleatoriamente digo que seu texto sobre o Led é legal ( com 14 anos temos preconceito contra canções sem guitarras altas, e aos 30 temos preconceito contra hard rock ). Ele escreve também um belo mea culpa sobre o punk. Diz que black music dura muito mais que o melhor do punk.
   No ótimo texto sobre Ian Dury ele fala o que é ser inglês, e esse é o melhor texto do livrinho. Lembra do que era a Inglaterra de 1974, um país que "sonhava em ser a Polônia"...apenas 3 canais de TV, comida ruim, tédio absoluto e comodismo medíocre. Sua descoberta da América,( foi morar lá aos 16 anos ), a terra da fartura, da diversão, do excesso, da mania de beleza. Uma sacada ótima: Nick Hornby não tem mais saco para música que é "como um tiro na cabeça", "como ser asfixiado", música de sofrimento, de perigo. O insight dele é perceber que as pessoas que consomem música perigosa, música de drogados, criminosos, suicidas, são as pessoas que vivem protegidas, longe do perigo, longe da fome, longe de tiroteios. Quem vem da guerra não quer ouvir uma coisa que é como um tiro na cabeça.
   É um livrinho que li em uma hora, de uma sentada.

O LIVRO DAS EVIDÊNCIAS - JOHN BANVILLE

   Ora, voce pode pensar, mais um romance de John Banville!!! Não, este livro é de 1989 e foi lançado só agora aqui nos trópicos. E, como tudo de Banville, não se parece com nenhum outro livro dele.
   O narrador é um cara desprezível. Na verdade ele nem desprezível é, ele é odiável. Um aproveitador, ladrão, playboy preguiçoso, vaidoso, egoísta, cruel, assassino. É sempre difícil acompanhar um narrador tão pouco gostável. Mas a prosa do autor é tão bem urdida, tão cheia de sabor, que a gente se deixa levar pelo estilo. Comemos o texto. Mas há um erro fatal na parte final do livro. Após a horrenda descrição de um assassinato, passamos a nos sentir incomodados pelo livro. Até então o romance era movimentado, com algum humor, agilidade. Mas após o ato repugnante, ele passa a ser reflexivo, íntimo, pesado. O prazer de ler diminui, mingua, desaparece. Sentimos pena então. O romance, ebulição de prazer escuro, se torna um triste e modorrento, dostoievskiano pecado.
  É o menos bom dos livros do autor irlandês.
  Mas está longe de ser vulgar.

Lady's June Linguistic Leprosy



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TOMAS TRANSTOMER NO BRASIL ( ENFIM )

   Ao contrário da maioria dos estudantes de línguas, eu não creio que um dia a linguagem foi mais viva do que é hoje. Palavras, o verbo, foi criado para tratar de trabalho e da vida em comunidade. Sonhos, sentimentos, intuições jamais couberam em linhas, sentenças, sujeitos e adjetivos. Desse modo, posso dizer que a poesia sempre foi um ato em que tentamos dizer o indizível. Todo poeta faz uma atividade fadada ao fracasso, palavras nunca dirão exatamente aquilo que ele sente dever dizer. Mas na tentativa, falha, ele cria uma terceira possibilidade. Ele dá vida à algo que não é inefável, mas que também não é apenas verbo e objeto.
  Transtomer finalmente chega em tradução. Eu o espero desde 2011, ano em que venceu o Nobel. A editora promete lançar mais obras. Eu aguardo. Me identifico com ele. Suas intuições são irmãs das minhas. Ele nunca é emotivo. É como se ele virasse a esquina antes da emoção fluir. Escreve a sensação que nasce antes da emoção plena. Ele olha e recolhe. Ele vê e escreve. Está aberto aos estímulos, atento às pequenas coisas, mas mantém um certo distanciamento, calma dentro da sensação.
  Sua sintaxe é apurada e seu vocabulário simples. É direto. Não se perde em requintes exibicionistas. Tem o rigor do norte.
  Um poeta maravilhoso.

FLORESTA ESCURA - NICOLE KRAUSS

   Ele começa com uma citação de Kafka. Aquela que diz que nunca saímos do Eden. Que na verdade somos incapazes de perceber isso por não termos comido da árvore do conhecimento. Começo então a leitura.
   São duas histórias que se movem de forma paralela. Uma, em terceira pessoa, conta a história do milionário Friedmann, um advogado que aos 65 anos doa todos os seus bens e despojado, ruma à Tel Aviv. Lá ele se envolve com um rabino meio fajuto, uma produção de cinema caótica e planta uma floresta em homenagem aos pais mortos. A outra história, em primeira pessoa, fala de uma escritora chamada Nicole, que foge do casamento e dos dois filhos, indo à Israel se hospedar no Hilton, onde ficava em sua infância, à procura de seu duplo, seu outro eu que vive no mundo "à parte". Ela é contatada por um ex professor velho que lhe envolve na caça aos papéis perdidos de Kafka. Isolada no deserto, ela renasce. Ou não.
  Nicole Krauss é ainda jovem e é considerada uma das maiores promessas das letras americanas. Judia, o romance tem por tema as obsessões judaicas: o duplo, o renascimento, a culpa, o deserto, o desterro, Davi, a escrita. Não só por colocar duas fotos em meio ao texto, fotos que servem para "provar" a verdade de uma coisa ou de um lugar; seu estilo me lembra Sebald, o genial autor alemão. Como Sebald, Nicole mistura personagens de ficção com outros históricos, narrativas inventadas com fatos comprovados, e faz com que não saibamos, às vezes, se aquilo que lemos é romance ou história, invenção ou jornalismo, mentira ou verdade. Sebald é mais radical. Ele realmente nos faz ficar em dúvida todo o tempo. Krauss pega mais leve. Ela é menos histórica e mais íntima. Nicole é Nicole Krauss?
  Essa literatura do diáfano, do confuso, esse mix de invenção e pesquisa, de fato e ficção, é a coisa mais fascinante que se escreve hoje. É retrato de um mundo que sabe muito e por isso sente não ter certeza de nada. Onde o que é pode ser mais, e o que não é pode vir a ser. Onde tudo é uma possibilidade. Inclusive a não possibilidade de tudo.

CAMISA QUE PESA

Camisa que pesa: Nada mais bobo para se dizer sobre o futebol. Camisas pesavam na época da falta de informação. O cara ouvia falar de Pelé e dos feitos do Brasil e quando via um bando de desconhecidos usando a blusa amarela tinha a sensação de jogar contra lendas. Zé Maria, Valdomiro ou Dadá viravam jogadores temidos por usarem a blusa pesada. Ninguém de fora do Brasil sabia o quanto eles eram ruins.
Não há mais camisa pesada porque hoje não se joga contra uma camisa lenda, se joga contra um time de jogadores muito conhecidos. O jogo é entre pessoas que se conhecem, que jogaram contra em seus times, ou pessoas que jogam juntas o ano inteiro. A camisa se tornou apenas uma cor, uma lembrança do passado, não mais o único sinal conhecido.
A gente não sabia nada sobre Overath. Apenas que ele usava a camisa da Alemanha. Então ele deveria ser dono da mística da camisa branca. Hoje saberíamos que Overath era um grande meia armador. E provavelmente companheiros de dois ou três adversários. Cruyff jamais seria uma surpresa hoje. O fato da camisa laranja em 1974 não ter peso nenhum ( era mais leve que a de Portugal ou do Perú ), nada significaria. Do outro lado Zagallo e Rivellino veriam jogadores pesados. E não anônimas camisas laranjas.
Como na Euro, a tendência da Copa é ter cada vez mais campeões inéditos. França e Espanha são a tendência. Foram dois inéditos em 20 anos. E teremos neste ano uma final nunca vista. O futebol se globalizou, E o que vale é o aqui e agora. O passado tem de ser conhecido. Mas é  isso. História.

MATADOURO CINCO

Voce ama ou odeia. MATADOURO CINCO é um filme que impressiona de cara: uma máquina de escrever datilografa a história de um homem que está preso numa viagem pelo tempo. E voce estará preso em um filme que viaja pelo dentro de fora, pelo real e pelo imaginário, pelo futuro e pelo passado.
Pilgrim é um bobo. Calado, não muito esperto, ele é preso do acaso. É um soldado na segunda guerra. É preso pelos alemães. Vê uma nave no céu. Cresce na América dos anos 40-50-60. Casa com uma mulher que não ama. É raptado e enviado para o futuro. Descobre o sexo já na maturidade. Vê a destruição de Dresden pelos aliados.
George Roy Hill dirigiu este filme em 1972. Após seu sucesso em Butch Cassidy, ele faz um filme de "arte". Usa o livro de Kurt Vonnegut Jr. Usa a fotografia belíssima de Miroslav Ondrieck ( tcheco dos filmes de Milos Forman ). Usa a música de Bach tocada por Glenn Gould. E tudo isso junto faz deste filme uma coisa deliciosa, engraçada e trágica, muito trágica e muito engraçada.
As cenas se sucedem em cortes. Cenas muito curtas, algumas muito longas. Aquelas no planeta alienígena são as mais difíceis, o que é aquilo afinal? Seria esta Terra vista sob outro foco? O limite como prazer? Ou Vonnegut brinca com a física quântica? E há a beleza inenarrável de Dresden. Vemos o paraíso possível, humano, ser destruído inutilmente pelo homem, que se cria o céu cria o inferno também. Dresden foi tão destruída quanto Nagasaki. A cidade inteira foi arrasada em uma noite. Toneladas de bombas incendiárias jogadas sobre uma cidade que não tinha tropas e nem fábricas. Uma simples vingança. O filme não faz draminha: tudo é mostrado de forma seca. É de uma aterradora beleza. É o centro da vida de Pilgrim, um Forrest Gump sem doce simpatia spielberguiana.
Este filme foi um grande fracasso. Hoje parece obra de gênio. Ele prova o quão miserável é nosso cinema atual.
Em sequência George Roy Hill ganharia o Oscar com Golpe de Mestre.