ROCK IN RIO: RED HOT CHILI PEPPERS

   O grande problema do Red Hot sempre foi Anthony Kiedis. O que é estranho, porque todo mundo gosta dele e ele é a cara da banda. Mas todas as canções da banda me passam a impressão de serem sub cantadas. Elas pedem uma grande voz e Anthony tem apenas uma voz correta. E monótona. As canções da banda parecem menos boas do que são. E isso é por causa da voz. Ela, a voz, diminui a força da banda. Com um grande cantor elas seriam geniais.
  O show no Rio foi ótimo. Flea é o melhor baixo do mundo desde 1989. Uma mistura de Bernard Edwards com Bootsy Collins que dá uma pulsação irresistível a tudo o que ele toca. Chad é um grande batera e o novo guitarrista, Josh, é criativo, faz ruídos ótimos. E Anthony, apesar dos meus senões, é a alma californiana da coisa.
  Descobri os Red Hot em 1984 e tenho orgulho disso. Ninguém os conhecia por aqui e quem ouviu comigo, eu tentava catequizar as pessoas, não gostou. Era tempo de George Michael e de Smiths e os Red Hot propunham sol, esportes, mulheres e cores fortes. Contra o rock sombrio e posudo, chique de 1984, eles ofereciam sujeira, sexo e a lembrança do funk de Sly e de Clinton. Num mundo de Bowies e Ferrys, Anthony era Spicolli, a personagem de Sean Penn no filme que o fez famoso. O gazeteiro maconheiro.
  Mais que tudo, entre 84 e 88, foram eles que anteciparam 50% do que seria o rock dos anos futuros ( os outros 50% foram antecipados pelo REM e o Husker Du ). O futuro do rock era americano e não era de NY. Mas aqui em SP se pensava que ele era londrino.
  Na casa dos 50 anos, como eu, eles continuam os mesmos. Atrevidos. Mas amadureceram. E souberam amadurecer. Não ficam mais pelados. Preferem sons mais melodiosos. Mas ainda conseguem pular. Correr. Saltar. E nunca errar. E o swing, esse continua fantástico. No show houve pitadas de Pink Floyd, Zappa, Hendrix e Iggy, mas sempre com muito funk, muito groove, jogo de cintura eterno. E a malandrice do rap.
  Após soníferos como o 20 Seconds to Mars, os caras da Califa deram seu recado. E ele é o mesmo de seu segundo disco: um Freaky Styley.

The Who Can't Explain (Rock In Rio 2017)



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THE WHO NO ROCK IN RIO ( E GUNS )

   Após o show, Pete Townshend dá uma entrevista para o Multishow. Completamente relaxado, Pete esbanja bom humor sem parecer engraçadinho. Ele está velho e ele está feliz. Conta que Londres em 1963 era um lixo, e que o rock e a arte nascem do lixo, da dificuldade, da pobreza material. Diz ainda que é fascinado por tecnologia, mas que essa ferramenta, surpreendentemente, afasta as pessoas. E as une também. Pete ainda segue o Baba e afirma, e é verdade, que a maioria das pessoas no ocidente detesta a palavra "Deus". Roger ( Daltrey ), não fala a palavra, quando ela surge em canções ele a substitui por "One". Pete é afirmativamente religioso. E isso explica a relação complicada que eu e muita gente tem com a banda.
  Hoje eles são despojados, mas entre 65 - 70 ele eram puro glamour. E continuam sendo um enigma. A gente lembra dos Stones como o grande show de 1972, de Hendrix em Monterey 67, de tanta gente em Woodstock, mas esquece do Who. Ou lembra deles sempre como o segundo melhor. A segunda melhor banda ao vivo, o segundo melhor show de 1968, a segunda maior banda MOD, a segunda melhor banda de Londres. Mas eles sempre foram os primeiros em muita coisa. E uma delas é o fato de ser a banda mais "à parte" da história do rock. Fracos em sucesso na parada de singles, fracos em clips, são insuperáveis em emoção espiritual. No Who original havia a mistura de força bruta e pureza de espírito que nenhuma outra banda tentava. Pete era um bêbado, louco, destruidor, frustrado, violento, mas era sempre um "puro". No rock sempre existiram puros, caras como Paul MacCartney, Donovan, Tim Buckley, mas Pete era mais profundo. Sua pureza não era aquela das crianças ou dos fofos. Era a dos santos. Dor, raiva e muita coragem.
   É a banda que mais me faz chorar. Sempre foi. Mas nunca me lembro deles quando listo minhas top five.
   A banda está melhor hoje. Muito melhor. Desde a morte de Keith em 1978 são os melhores shows do Who. Starkey, filho de Ringo e afilhado de Moon, ganhou sua primeira batera dele, é o melhor baterista do mundo hoje. E preenche bem o vazio deixado pelo maior show man das baquetas. Can't Explain começa a noite. E claro, uma lágrima cai. Pete roda o braço. Roger joga o microfone. E eles se garantem com uma banda enorme. Falar do repertório da banda é comentar o DNA do rock moderno. Eles fugiram do blues e do country da época, evitaram o virtuosismo e a psicodelia e assim abriram espaço para a emoção genuína. Não seguiam um estilo, expressavam uma fé.
  O show do Rock in Rio é um sonho. Não há momento fraco e não há "o melhor momento". São dois velhos, absolutamente velhos, tocando música de velhos e fazendo um show de antológico rocknroll. Dançam, pulam, gritam e se divertem. E não fingem. O fingimento sempre esteve longe, muito longe da banda. Roger e Pete não se dão. Agora se respeitam. Roger é um homem duro e grosso. Pete é "o artista". E isso nunca foi pose. Por isso não se dão. ( Eu amo Roger. Sem ele o Who seria muito menor. E Pete sempre soube disso, por isso o engoliu ).
  Pete anuncia os GUNS e vai embora.
  E os Guns são o outro lado da moeda. Não posso falar mal deles porque eles fazem o hard rock anos 70 que adoro. Slash e Duff são ótimos. Eles pegam o som do Aerosmith e o melhoram. Mas Axl é a coisa mais patética da história dos palcos. Gary Glitter piorado. Dá medo até. E o show não é mais que ginástica. Eles andam pelo palco, correm, caminham... Aguento 10 minutos. Chega!

AVENIDA PAULISTA - JOÃO PEREIRA COUTINHO ( E JUCA CHAVES )

   Pego num sebo um livro que reúne crônicas de Coutinho escritas entre 2005 e 2008. O autor tem belo estilo: leve. E belo pensamento: conservador na tradição de Burke, que ele cita. Coutinho em nada se parece com Paulo Francis, mas o seu gosto estético recorda muito o do mestre mais velho. Ler Coutinho é adentrar o mundo do bom gosto e mais que isso entender que sem bom gosto não existe vida que valha a pena ser vivida.
  Assim ele fala de Scruton e ainda de Nelson Rodrigues, de pintura, de Woody Allen, de nazismo, da revolução francesa, do futebol, de mulheres e ao final de SP. Leitura de verão, boa e nunca tola. Coutinho é muito mais sério do que deixa se entrever. Sabe onde a Europa se rebaixa e porque os EUA salvam. Seu texto sobre a Estátua da Liberdade é o melhor entre todos. Nossa ingratidão ao ideal americano é a ingratidão do mendigo ressentido pela esmola que recebe.
  Somos todos ressentidos. Nietzsche acertou o sintoma mas errou o motivo. Não suportamos a alegria. Dos outros.
  Falo agora de Juca Chaves. Ele foi tão famoso quanto RC ou Chacrinha. E um país que produz e conhece Juca, o Juquinha, é um país nem de todo condenado. Seu humor é fino, cristalino e o modo como ele sente a mulher e a política é o mais fora de moda possível. Por isso, é superior. Ele se diz um menestrel. E como figura medieval, perdeu seu lugar no mundo de funkeiros e sertanejos óbvios. Imaginas Juca chamar sua musa de vadia ou piranha, imaginar Juca chorar a dor de ser corno, sem humor, é tão impossível como pensar na esquerda usando a ironia para falar de politica. O Brasil que deu voz a uma figura como essa era país com chance de futuro. Hoje tudo que nos resta é a chance de voltar ao começo.
  PS: Juca é o Kevin Ayers brasileiro e carioca da gema.

O VIOLÃO AZUL - JOHN BANVILLE.

   Oliver é um pintor de renome. Que não mais pinta. E ele é também um ladrão de pequenas coisas inúteis. Casado, pai de uma criança que morreu aos 3 anos de idade, ele vive um caso com a esposa de seu melhor amigo. E então acontecem algumas coisas. E Oliver deixa de ser o mesmo.
   Oliver é egoísta. É infantil. Mal tem ideia do que as pessoas querem ou daquilo que elas fazem. E volta à casa de sua infância. O livro, o mais recente de Banville, é belo. E pungente. A escrita é saltitante, o autor está em voo, domina seu dom. Frases instigantes, pensamentos agudos, e momentos de inspiração, muita inspiração. Oliver e sua amante, Polly, são comuns em seus atos. Apesar de artista, Oliver nada tem de excêntrico, brilhante, seus dramas e insights são os nossos. Banville escreve sobre a vida de pessoas banais. Mas o livro nunca é banal.
  O final do livro, após uma sequencia onírica, poética, solta, é, mais uma vez em Banville, sublime. E, mais que isso, após o final sentimos que tudo aquilo que lemos é outra coisa. Nada era o que parecia ser. Banville faz algo de muito difícil, dá uma nova leitura ao seu texto. De forma suave e simples. E terminamos o livro querendo o rememorar. Reler. Reler e reinterpretar tudo aquilo. Pois Oliver, Polly, Gloria, Marcus, Freddie, Percy, Olive, nenhum deles era o que parecia ser.
  A lição do autor é a de que a vida é sempre inacabada, precária, insolente e insofismável.
  Um grande livro.

MOZART E O SEGREDO DA MÚSICA.

     Quando Mozart compôs suas músicas ele não tinha em mente imagens como carruagens, perucas, espadas. Nem mesmo o teatro de Vienna ele tinha em mente. Wolfgang tinha em mente a música. Tão somente a escrita musical. E ao compor, ele pensava a música e a escrevia. Claro que sob algum sentimento, mas como todo gênio, ele transcendia esse sentimento ocasional, do momento, e compunha sua obra sob a emoção de sua vida. Não sob o fugaz, mas sob a vida em geral. Sua vida.
   Por isso, quando voce ouve a Sinfonia Jupiter, se voce começa a pensar em teatros europeus, roupas com babados ou amor romântico, sinto dizer, voce não ouviu a música, voce a usou como fundo de suas imagens pré concebidas. Voce fez cliché.
  Vamos falar de outro ponto. Se tudo o que existe é da natureza, então a música, assim como a matemática pura, são coisas naturais, fazem parte da evolução e da seleção natural. Possuem uma função para a manutenção da vida. Ok. Penso que uma canção pode atrair uma fêmea para a procriação. Estão aí o soul, o rock e o funk que provam isso. A valsa e certas canções ditas clássicas. Mas não vejo onde a Nona de Beethoven ou mesmo a Jupiter de Mozart entram nisso. Eles teriam mais fêmeas se compusessem chorosas canções de piano. Ou fáceis melodias ao violino. O mesmo com a matemática. Entender as leis do empuxo ou da gravidade nos fazem viver mais. Mas as abstrações de mundos múltiplos ou equações não verificáveis em nada garantem vida mais longa ou mais filhos fortes e espertos. Voltemos à música de Mozart.
  Como bem sabe todo compositor de talento, música sem vocal é música e apenas música. "Apenas". E em minha modesta opinião de leigo, a música não faz parte da natureza. Ela vem de outro plano e voce pode dar a esse outro mundo o nome que preferir. Ao ouvir Mozart o que escutamos é o mistério da abstração pura. Não há nela nada de útil e nenhuma narrativa escondida. Não há uma filosofia, uma proposta. É música. E ela fala de música. E o que nos toca é essa abstração, o poder que ela tem de nos levar ao mundo onde ela vive.
  Estamos perdendo esse dom. A música popular, que eu adoro, nos tornou ouvintes objetivos e realistas. Ouvimos e queremos encontrar uma história, o porque daqueles sons. Ansiamos pelos momentos sublimes, pelo refrão, pela mensagem. Não saímos do reino do romance, do livro, do personagem que nos conta alguma coisa. A música não é assim. Ela não tem o personagem. E nem uma história a contar. Ela é feita de momentos soltos que se harmonizam. E tem um tempo que ela mesma cria, o tempo de sua própria existência. Ao adentrarmos a Júpiter estamos entre notas, harmonias, cadências e acordes. E eles nada dizem, não são visíveis. São música.
  Precisamos, eu preciso, reaprender a escutar a música. Dar tempo à música. Dar espaço interno à Mozart. Abstrair.

A MORTE DO GOURMET - MURIEL BARBERY...UM LIVRO LINDO.

   O que nos agrada em um livro? Originalidade, arte em escrever bem, informações, verdades, fantasias, símbolos, impacto...Um livro pode ter tudo isso e ser chato. Ou muito ruim. Um livro pode não ser nada original, nada informativo, e mesmo assim ser brilhante.
  Gosto de dizer, para livros e para filmes, para música e para a arquitetura, que eles são bons por serem bonitos. Eis um comentário nada cool, bem fora de moda. Dizer que um filme é bonito é visto hoje como dizer que ele NÃO é relevante. A beleza pura se tornou algo como um espírito ou a honra: um valor arcaico.
  Mas, que coisa né, continuamos a nos guiar por ela. A força da beleza independe de moda ou de nossa opinião formal. No âmago das nossas opiniões é por ela que nos guiamos. Voce pode não ligar para a feiúra do Minhocão e falar que sua região é "vitalizadora" ou "instigante", mas no quarto voce prega um poster de Van Gogh e um pano da India. A beleza brota nas fendas de suas frases "ferinas".
  Este livro é lindo. E isso é tudo. Me deu o prazer que só a beleza dá. O prazer calmo e insaciável, um prazer de gozo que não se aquieta mas que ao mesmo tempo acalma. A beleza é o certo, o fim, não o meio. O alvo da arte não é a verdade. É o repouso. A conclusão. É o fim. E esse fim pode ser mais um começo.
  Um crítico de gastronomia morre. E no quarto, em sua agonia, ele tenta achar sentido em sua vida. Para isso, recorda seus grandes momentos diante de um prato ou de um copo. Ao mesmo tempo, o livro dá voz às pessoas que o conheceram. E cada uma o vê de um modo.
  Muriel escreve à francesa. Com requinte e amor à lingua. Sua prosa tem suco. Gosto de falar mal dos escritores franceses, mas a prosa da França é como seu cinema: quando acerta é divina. Pena que erre tanto. Erre tanto por vaidade. Por excesso de amor à sua habilidade.
  Amei este livro. Muriel é uma boa autora. Dá vontade de reler.

Leonard Cohen se despede de Marianne ihlen



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Leonard Cohen in his Hydra's house (1988).



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LUZ ANTIGA - JOHN BANVILLE

   Um velho ator de teatro recorda um caso tórrido que viveu aos 15 anos com a mãe de seu melhor amigo. Ao mesmo tempo ele começa a rodar um filme com uma estrela internacional. E vive o luto por uma filha morta a dez anos atrás. De todas essas correntes narrativas, a que mais tem espaço é a do caso sexual aos 15 anos. E devo dizer que esse é infelizmente o mais chato dos casos. O problema é simples: não há nada de muito interessante nesse caso. Ele é um suburbano hiper excitado e ela é uma dona de casa de 35 anos bem comum. O comum, o banal pode ter encanto e genialidade, se for exposto por ângulo inusitado, mas esse não é o caso. Este livro, escrito em 2012, é o livro mais fraco de Banville, um autor dos melhores em vida.
  O subtexto é o tempo. O modo como nossa memória edita e embaralha as recordações. Confundimos lugares, datas, e mais grave, erramos os participantes de cada momento vivido. O narrador-ator tem surpresas desagradáveis. As coisa foram mais simples do que sua mente romântica quis crer.
  O final do livro, as últimas 15 páginas, são muito tocantes. Mas as outras 300 são difíceis de percorrer. Não por serem exóticas, confusas ou impenetráveis, elas são apenas chatas, terrivelmente chatas. Tão chatas como seria esse ator sessentão se vivo ele fosse.