KRAFTWERK PUBLIKATION, A BIOGRAFIA, uma história sociocultural da música eletrônica feita para as massas. - DAVID BUCKLEY

   Primeira coisa: Causa espanto para um brasileiro ver o modo como os ingleses vêm os alemães. Pontuais, metódicos, frios, bem educados, corretos.
  Segunda coisa: Que eu nunca havia percebido: a assumida habilidade inglesa em vender. O modo como eles pegaram a música dos negros americanos e a empacotaram pra venda. O mesmo aconteceu com o eletrônico. Os ingleses, a partir de 1978, pegam o Kraftwerk e o tornam vendável. Ou melhor, pegam o som dos alemães e com vocais convencionais o tornam inglês. Surge o synth pop, o techno pop. O som da Londres de 1978-1984.
  Este é o melhor livro sobre rock que já li. Porque não é um livro de rock. É sobre o mundo de hoje. Fala sobre sociologia, moda, ciência, dinheiro, comportamento, casas noturnas e o futuro possível. Começa na segunda-guerra, fala do preconceito contra os alemães, sobre a música eletrônica erudita dos anos 40-50, sobre hippies, sobre a Europa e sua música pop, sobre a cena alternativa de Dusseldorf nos anos 70, sobre Bowie, sobre Iggy, cinema, baladas noturnas, hip hop, acid house, industrial, jungle, a imprensa musical, visual de capas de disco, a Factory, Andy Warhol, ciclismo...São 260 páginas de bela diagramação e de muita, muita informação.
  Florian e Ralf são o Kraftwerk. Formaram a banda em 1970. Nasceram em famílias ricas, muito ricas. E tiveram a grande sacada: a Alemanha não tem blues, country, soul, nada. O equivalente alemão à isso é a arte dos anos 20. O cinema de Murnau e de Lang. O expressionismo. A escola da Bauhaus. Brecht. Stefan George. E a música de Stockhausen, Pierre Schaffer. Então, primeiro ainda com bateria e flauta, e depois só com synths, eles criaram a maior revolução da história do pop. Música pop que nada tinha em comum com o rock, o blues, o soul. Sem introdução, sem refrão, sem solo, sem emoção, sem "amor", sem solos, sem suor e em princípio, sem empatia. A coragem foi imensa e os ataques impiedosos. Karl e Wolfgang vieram com a percussão. Todos com formação clássica.
  Ainda hoje há quem chame música synth de "não música". Imagine então em 1972! Os alemães eram odiados ou recebidos com risos. Sua música era coisa de crianças. Uma piadinha. Estariam esquecidos em dois anos. Isso não aconteceu, claro, e em 1974 Autobahn começou a construir seu público. ( Autobahn é seu quarto disco ). Algumas pessoas, muito à frente de seu tempo, perceberam a beleza daquela austeridade, o encanto da simplicidade. Mas não, não vou ficar aqui descrevendo a saga. É uma saga. Saga sem drogas, sem dramas, sem historinhas bobas. Eles evitaram a imprensa, evitaram as fotos, jamais desejaram virar "estrela". Até nisso eram contra o rock normal. Foram mais radicais que o punk. Porque o punk ainda é rock.
   Na extrema lógica do grupo, o robot pode os substituir no palco. o Kraftwerk será eterno, porque quando eles se forem os robots ainda estarão no palco.
   Uma das mais belas coisas do livro é o set do DJ Rusty Egan, de uma casa de Manchester em 1980. São 100 músicas fantásticas que exemplificam o pop de hoje, 2016. Temos ainda o depoimento de Madonna, que os viu ao vivo em 1978 e criou ali todo seu conceito de palco e de som. Buckley nos mostra alguns dos vários "roubos" feitos em cima de faixas do Kraftwerk, e exibe a decadência do pop, a partir do momento em que os sintetizadores se tornam digitais.
   Os momentos epifânicos são vários e acho que a gravação do clip de Trans Europe Express seja o mais lindo.
   Encerro aqui e digo que voce tem de ler este livro.

Peter Gabriel and Laurie Anderson - Excellent Birds.avi



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Laurie Anderson - O Superman [Official Music Video]



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A MÚSICA CIRCULAR

   O livro de David Buckley sobre o Kraftwerk é uma das coisas mais ricas que já li. Há tanta cultura, tanta informação, tantos insights sobre a vida de hoje que não temo dizer ser obrigatória sua leitura. Estou tomado pelo livro.
   Buckley e seus entrevistados, e são muitos, confirmam algo que sempre comento: a música pop como invenção acabou em 1983. Nunca mais surgiram movimentos que nos fizessem dizer: " Nossa! Isso é completamente novo! Não tem nada que lembre algo do passado!"
   E olhe que em 1983 surgiram 3 movimentos completamente novos...
   Eu já era adulto em 83 e portanto lembro bem do clima daquele tempo. Mais que isso, em 83 estive na Europa e recordo claramente do clima de novidade absoluta que havia lá. Nas roupas, filmes, música, hábitos, havia uma busca ansiosa por ser ORIGINAL. A Europa estava tão pobre, bagunçada, perdida, que todos se voltaram para dentro do EU e daí tentavam inventar um mundo alternativo. ( Hoje quando o mundo parece mal a tendência é se voltar para dentro da NET ).
   Buckley diz que o mundo analógico tem começo e fim, antes e depois. Era portanto um mundo onde a história andava para a frente. No mundo digital tudo é circular e então a música se torna uma repetição eterna. As coisas são retomadas e revisitadas e o passado e o agora se tornam iguais.
   Eu sempre defendi o círculo, mas o livro me faz pensar em como esse círculo pode ser perverso. Meu saudosismo, vencedor neste mundo em que ver o novo filme dos Vingadores é tão fácil como ver o mais raro filme de 1920, traz em sua sombra a repetição ao infinito do filme de 1920 e dos Vingadores.
   O que me leva a dizer que em 1983 eu estava do lado errado da briga. Eu defendia as guitarras, o rock dos anos 60, a tradição. Por isso sei o quanto a NEW MUSIK era perigosa, irritante, odiosa, NOVA. Ela ameaçava transformar bandas de 5 anos de idade em dinossauros, e clássicos com 12 anos de gravação em peças de vovô.
  Em 1984 mudei, descobri a excitação da novidade e me entreguei ao mundo do futuro. Vendi meus discos de 1968, 1969 e acompanhava revistas, programas de rádio, festas que anunciassem o futuro. Nunca me senti tão vivo.
  David Buckley diz que tudo acabou em 1985, que esse sopro modernista durou apenas de 1979 à 1985. E como bem me lembro, e comigo aconteceu exatamente assim, REM, Smiths, Lloyd Cole, Church e U2 traziam em si a nostalgia do rock de sempre, o arroz com feijão das bandas sensíveis, os temas repisados, a atitude de 1965, o passado.
  E desde então o rock passa a ser saudade, e a música moderna se torna uma repetição sem fim daquilo que fora um dia novo...ou seja, a música moderna se torna repetição.
  Toda essa informação está apenas em UM capítulo desse livro admirável.

Kraftwerk Trans Europa Express 1977 Video (Trans Europe Express)



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A TECNOLOGIA DE HOJE NOS LEVOU AO LUGAR DE ANTES. ( UMA AULA ).

   Na fluidez do mundo cotidiano só podemos entender o aqui-agora se tivermos algum modo de firmar o pé em algum ponto sólido de apoio. É preciso ver o cotidiano, a contemporaneidade "de fora". O apoio pode ser o passado. Quem conhece a história tem com o que comparar o presente, e assim, tentar ter um ponto de vista distanciado.
   O que define o contemporâneo não é a razão. A razão definia o MODERNO. No pensamento moderno a razão era infalível. Todo erro seria falta de razão. Todo acerto seria primado racional. Com o reino da razão tudo seria paz. Mais importante: a história caminhava para a vitória final da razão. O caminho do Homem o levaria do irracional ao racional. À luz.
   As duas guerras mundiais derrubaram essa fé, mas mesmo assim, muitos ainda vivem na crença de que o "futuro" será a razão, e que ela, como um tipo de deus infalível, resolverá todos os problemas do mundo. Até os anos de 1980 ainda se podia seriamente acreditar, embora de forma hesitante, na vitória final da luz do saber cientifico. As pessoas seriam cientistas objetivos. A educação e a ciência seriam o fim da história.
  Mas se fez a GRANDE IRONIA. E ela nasceu dentro da própria ciência. A ironia é: Quanto mais tecnológicos nos tornamos, menos racionais ficamos. A ciência traz dúvida e não certeza e a hiper conexão faz de nós seres indagantes, vagos, incertos. Surpreendentemente, no auge tecnológico ressurgem costumes medievais. Sim, medievais. As pessoas passam a se organizar em TRIBOS, pequenos feudos que são formados pela identificação de crença, de costume, de gosto, de hábitos. Países e até famílias deixam de ser o que nos define. Somos definidos por aquilo que acreditamos. Vagamos pelo mundo, real ou digital, à procura de nossa nação.
  A tecnologia se torna uma ferramenta "da ciência" que traz em si o retorno do mais pagão misticismo. A crença no " tudo é possível". Aquilo que definia o Homem Moderno: politica, nação, razão e cidade; passa a se desvanecer. Como costumes em agonia, todos esses "espantalhos" se tornam sombras mórbidas. Hábitos mantidos por falta de opção. São ecos do passado. Mortos no futuro.
  O romance, o livro como narrativa de uma história deixa de ser possível. Se torna forçado. Cínico. Pois no mundo tecnológico NÃO HÁ MAIS HERÓI. O culto a personalidade se torna impossível, o grande HOMEM uma aberração. Ninguém mais tem interesse em UM HOMEM, porque o homem é razão e sentimento, é apenas um ser falível, como eu e como voce, portanto, inconfiável. O grande humano moderno, seja Picasso, Freud, Roosevelt ou Einstein deixa de ter lugar.
  Estamos no tempo do grupo. Do artesão. Do anônimo. Medievais nisso também.
  Nossos famosos não são gênios. São celebridades. Bobos e falíveis. Esquecíveis.
  A tecnologia trouxe a volta da sombra, do reprimido, o podre, o sujo, o irracional. Trouxe a volta não, trouxe isso para a luz. Desfez a ilusão da limpeza, do correto, do racional.
  Cada vez mais temos um único conhecimento. A certeza de que tudo é desconhecido. E de que por mais que façamos, continuamos sendo apenas "gente". Vagando, vendo, lutando, se perdendo, e tentando achar algum tipo de luz, de lugar e de paz.

trombone com vara: O AMOR E O OCIDENTE- DENIS DE ROUGEMONT

trombone com vara: O AMOR E O OCIDENTE- DENIS DE ROUGEMONT: Leia esta segunda parte após o texto postado abaixo. Volto ao tema por considerá-lo fascinante. E aproveito para contar duas histórias reais...

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KRAFTWERK PUBLIKATION

começando a ler a biografia do KRAFTWERK.
a banda mais influente de todos os tempos...talvez...
posso já dizer que é a bio mais bem escrita editada e informativa que li
fascinante a descrição da ALEMANHA pós segunda guerra
a criação do pop alemão
ao contrário dos EUA, da Inglaterra, frança...a Alemanha não tinha nada de cultura pop até 1969
mas tinha muita ALTA CULTURA
o kraftwerk nasce da música eletro acústica erudita
PIERRE SCHAFFER KARLHEINZ STOCKHAUSEN
e eles criam o anti rock:
sem suor sem cabelão sem guitarra sem gritos
mais importante: sem EGO
ANÔNIMOS
hoje em 2016
ELES ESTÃO EM CASA.

Brazil - Kodiak Bachine - Electricidade



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CARMEN MIRANDA SPENCER TRACY HILLARY SWANK CLIVE OWEN LIZ TAYLOR

   ENTRE A LOURA E A MORENA de Busby Berkeley com Alice Faye e Carmen Miranda
Um roteiro bobo num musical hiper colorido da Fox. Busby Berkeley era completamente louco. Seus números musicais são imagens de LSD antes da invenção do psicodelismo. Carmen Miranda era genial. O filme abre com Aquarela do Brasil. Emociona. Tem ainda a orquestra de Benny Goodman. E eu adoro Benny! E Edward Everett Horton. Mas o roteiro podia ser um pouquinho melhor... Nota 4
   DÍVIDA DE HONRA de Tommy Lee Jones com Hillary Swank, Tommy Lee Jones e Meryl Streep
Aff...no tempo do oeste, em Nebraska, uma mulher parte sozinha para resgatar mulheres que enlouqueceram em outro estado. O filme é um pé no saco. Hillary faz seu papel de machona, Tommy é um velho esquisito e todo o filme nada tem de atraente ou de novo. Tédio, puro tédio.
   DEPOIS DA VIDA de Hirokazu Kore-Eda
Os países que perderam a guerra tiveram de se reinventar. Mantiveram a tradição, mas ao mesmo tempo zeraram sua história. Li isso no livro sobre o Kraftwerk. Este filme, extremamente chato, extremamente gratificante, é aquilo que o Japão é: uma cultura em construção eterna, ou: o mesmo de sempre se vestindo de novo. Passei todo o filme em quase transe, minha memória trazia de volta coisas que eu achava ter esquecido. É um filme que tem esse poder, ele nos faz mergulhar dentro de nós mesmos. Japonês. Os atores são sublimes.
   POR AQUI E POR ALI de Ken Kwapis com Robert Redford e Nick Nolte
Um filme bem simples. Um velho escritor de viagens resolve fazer uma viagem pelos EUA a pé. Sua esposa, Emma Thompson, só o deixa ir se for com companhia. Ele convida um monte de amigos e nenhum aceita. Mas do passado surge um amigo esquisitão, um bêbado meio sujo. Os dois partem então. Well...a geração baby boomer ficou velha e os filmes geriátricos abundam. Quando minha geração chegar aos 70 esse tipo de filme será maioria. Este é ok. Não é comédia, é apenas um filme leve, tranquilo e alto astral. Redford está um caco. Mas envelhece dignamente. Nota 5.
   A CONFIRMAÇÃO de Bob Nelson com Clive Owen e Maria Bello.
Na verdade é Ladrão de Bicicletas em versão 2016. O que vemos é um pai fracassado perder suas ferramentas de carpinteiro. Com o filho ele parte numa busca por quem as roubou. Emoção zero. O filme é bem bobo. Se a América é hoje desse jeito, estamos ferrados.
   ESPOSA SÓ NO NOME de John Cromwell com Cary Grant, Carole Lombard e Kay Francis.
Melodrama pavoroso! Cary é um homem casado que conhece Carole. Se apaixonam. A esposa de Cary, uma megera, faz de tudo para os separar. Uma pena ver dois atores tão geniais num roteiro tão ruim. O filme é velho, mofado, quase inacreditável.
   A GAROTA DOS OLHOS DE OURO de Jean Gabriel Albicocco com Marie Laforet, Françoise Dorleac e Paul Guers
Em 1961 este filme causou sensação. A fotografia era ousada, esquisita, bela. Hoje ela ainda impressiona...por dez minutos. O filme é insuportável. Uma mixórdia sobre um playboy que se apaixona por uma mulher misteriosa. Tudo contado de um modo truncado, torto, abrupto, bem à moda de então: nouvelle vague. Duvido que alguém consiga o ver até o fim.
   NO CAMINHO DOS ELEFANTES de William Dieterle com Elizabeth Taylor e Peter Finch
Uma inglesa jovem vai morar com seu marido rico no Ceilão. Lá ele se revela um doido. machista e beberrão. E há ainda os elefantes que ameaçam destruir a casa... Este filme dá pra passar o tempo. O cenário é bonito, Liz está linda e a direção faz a coisa fluir.
   A SELVA NUA de Byron Haskin com Eleanor Parker e Charlton Heston
Agora é na Amazônia. Uma moça se casa por procuração e vai à selva encontrar o marido que nunca viu. Ele a trata muito mal e aos poucos os dois se aproximam. Enquanto isso formigas ameaçam a fazenda...Quase a mesma história. Este é pior. Algumas falas são de doer! Eleanor Parker exala desejo por todos os poros...isso é fascinante.
   AMOR ELETRÔNICO de Walter Lang com Kate Hepburn e Spencer Tracy
Numa emissora de TV se instala um computador. As funcionárias não aceitam isso, têm medo de perder o lugar...É 1956, o computador ocupa toda a sala e faz ruídos " de computador". Kate e Spencer são tão bons que a coisa funciona! É um gostoso passatempo. E uma doce curiosidade. O computador é da IBM.

kraftwerk live oct. 1978



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UM ALFABETO PARA GOURMETS - M.F.K. FISHER

   Faz 20 anos que a Companhia das Letras lançou este livro. Merece uma reedição. Mary Frances Kennedy Fisher nasceu em 1909 e este livro é de 1949. Na época, Auden disse que ela tinha o melhor texto em inglês. Os amigos a pressionavam para que dedicasse sua escrita sublime a coisas mais nobres que comida. Não entendiam que para ela nada era mais sublime que comer. E beber.
  Ela nasceu numa família rica e feliz. Casou jovem e foi morar em Paris. Se casou mais algumas vezes e voltou aos EUA, Califórnia, Hollywood. Foi amiga do pessoal que fazia filmes. Não toca no nome de ninguém, nunca fofoca, ela é fina.
  O livro, pequeno, elegante, fala de seus jantares inesquecíveis, de bebidas favoritas, de noites mágicas, de modas efêmeras, tudo escrito com um estilo saboroso, leve, borbulhante. Ela não escreve sobre comida, ela escreve sobre a vida, e por acaso, para ela, viver é amar, e para amar se deve comer. Na verdade o amor é tão discutido no livro como a comida.
  A escrita ainda nos revela como era a comida americana nos anos 40. Nada de muito diferente. Talvez menos frango e mais caviar. Menos whisky e mais gim. França e Itália dominavam a culinária. Ainda dominam hoje. Mas em 1949 eram apenas os dois. Iguarias hoje mais raras eram um pouco mais comuns. O caviar era comprado por quilo. O salmão era caçado.
  O mais divertido são os cardápios que ela tem dos reis ingleses de 1600, 1700... Era carne, carne, carne e mais carne. E coisas estranhas como línguas de cotovias, patas de tartaruga, rins com calda de mel...Tudo era misturado, doce com miúdos, frutas com sangue. Em toda refeição eram 8 pratos principais, 20 entradas diferentes, 12 sobremesas diversas e mais uma centena de acompanhamentos ( que nunca eram tocados ). São esses acompanhamentos que hoje fazem a base de nossos pratos mais comuns.
  Um livro que a gente lê devagar. Com calma. Um prazer de mesa, sofá e cama.