IDEIAS

   E se nossas ideias forem como ondas de rádio, vagando pelo vazio, até surgir uma antena que as possa captar.
  E então nossos cérebros, essa massa física de sangue e de nervos, seria um tipo de antena apta a captar ideias e sonhos e medos e verdades e ilusões.
  Isso resolveria um problema: como pode o cérebro criar coisas imateriais.
  Isso criaria um problema: de onde surgem essas ondas que vêm de fora.
  Teríamos de ser mais humildes para entender que minha ideia não é minha.
  Que tudo que crio na verdade não crio. Apenas tenho a rede adequada para captar.
  E assim se explica o porque de num dado momento tantas pessoas no mundo, distantes e incomunicadas, pensarem a mesma coisa no mesmo instante.
  E isso aclara a irrupção de uma geração apta a captar uma ideia.
  Ao mesmo tempo que me abro para receber uma ideia eu me preparo para poder receber essa ideia.

NOVELA DAS OITO

   Como um carcará fedido a novela das oito é uma memória do PIOR que habita as mentes artísticas brasileñas. É novela feita por aqueles que se acham bons demais para fazerem novela. Escancara a hipocrisia de quem ganha dinheiro produzindo aquilo que abomina.
  Entre "mãinhas" e peles suadas, a mensagem é clara: A volta dos anos 70 já!!!!

PIRANHA- GARBO´MINELLI- JOHN FORD- LUCILLE- JOHN BARRYMORE

   GRANDE HOTEL de Edmund Goulding com John Barrymore, Greta Garbo, Joan Crawford, Lionel Barrymore e Wallace Beery.
Grande sucesso da MGM, este filme inaugura todo um gênero, o filme onde vários personagens vivem vidas paralelas num mesmo local. Navios, aviões, lojas, ruas, o cinema passou a usar a mesma fórmula por décadas. Aqui, num hotel de luxo em Berlin, acompanhamos uma bailarina em crise, um nobre falido que se tornou ladrão, um operário condenado que torra suas economias, uma secretária cortejada e um industrial corrupto. Bonito de se olhar, o filme, apesar de didático, envelheceu pouco. É um belo exemplo da arte hollywoodiana. Barrymore dá um show como o ladrão. O olhar comove. Seu irmão, Lionel está ótimo como o operário deslumbrado com o luxo. E temos Garbo. Sua forma de interpretar é terrivelmente exagerada, antiquada, mas quando ela se cala e atua apenas com o corpo, ela nos derrota. Sentimos estar diante de algo único. Sua beleza frágil e andrógina é ainda um enigma. Nunca haverá nada parecido. Nota 7.
   PIRANHA de Alexandre Aja com Elizabeth Shue, Eli Roth e Christopher Lloyd.
Os anos 70 criaram o gênero "massacre". Um tipo de filme onde vemos gente sendo atacada e morrendo. O ataque pode ser de bichos, um desastre natural ou aliens. Hitchcock antecipou esse estilo com a obra-prima Os Pássaros. Ninguém chegou perto. Este filme é recente. Piranhas monstruosas atacam adolescentes num lago. O puritanismo americano faz com que todos que fazem sexo morram. Temos cenas de nudez nada sensuais, piadas toscas e nenhum suspense. Vemos inclusive uma piranha engolir um pênis. O filme nem aversão causa. Esse tipo de filme só mantém interesse se tiver um personagem ao menos simpático. Não é o caso. O herói é patético. Em meio a um lago cheio de gente sendo comida ele pega um revólver e dá tiros na água voando sobre um barco...Please!
   OS ÚLTIMOS NA TERRA de Craig Zobel com Chiwetel Ejiofor, Margot Robbie e Chris Pine.
Por falar em anos 70...este filminho barato de 2015 lembra os piores filminhos baratos de 1976. Aqui, em cenário florestal, o mundo acabou. Uma garota vive só com um cão. Encontra outro sobrevivente. Depois mais um. Se forma um triângulo. Eles falam muito. E a gente sente mais tédio que eles. Tipo do filme porcaria.
   O INFORMANTE de John Ford com Victor McLaglen
McLaglen ganhou o Oscar em 1935 por este filme. Ele é um delator, um bêbado que entrega um amigo em troca de dinheiro. Estamos na Irlanda, e os inimigos são os ingleses. Os primeiros 30 minutos são exemplares. Ford faz um filme que é só sombra e mistério, miséria e medo. Mas depois ele se alonga um pouco demais. De qualquer modo é um filme forte e McLaglen está sensacional. Na época este filme foi considerado uma obra-prima. Não é. Mas continua sendo forte. Nota 7.
  LUA DE MEL AGITADA de Vincente Minelli com Lucille Ball e Desi Arnaz
Mais um filme que inaugura um novo filão. No caso, temos a história de um casal que em lua de mel resolve conhecer os EUA num trailer. Claro que tudo dá errado. Feito em 1954, ainda diverte. Lucy é a melhor das humoristas e Desi não está mal. Na época eles faziam sucesso na TV com I Love Lucy. Minelli dirige com leveza e a fotografia é ótima. Boa diversão. Nota 7.
 

XADREZ- COEN- DEANNA DURBIN- ZWICK- SUO

   O DONO DO JOGO de Edward Zwick com Tobey Maguire, Peter Sargaard e Liev Schreiber
Lembro de 1972. O mundo parou para assistir, em suspense, a série de jogos entre o campeão do mundo, Boris Spassky, e o fenômeno americano, Bobby Fischer. Eu era bem criança e ainda lembro. Manchetes no Jornal Nacional da Globo. Manchetes dia a dia. Fischer venceu. O xadrez virou mania mundial. Mequinho surge aqui como mestre prematuro. E eu ganho um tabuleiro de xadrez do meu pai ( tenho-o até hoje ). Aprendo a  jogar sozinho, na Barsa. Creia, no mundo louco de 72, xadrez era pop. Tinha coluna diária nos jornais, e o mais legal, é que com os códigos de grandes partidas impressos, a gente podia as repetir em casa. O jogo 6 entre os dois foi repetido em minha casa por meu irmão ( ele tinha 7 anos de idade então ). Este filme recria bem a paranoia daquele tempo e a loucura de Fischer ( sim, ele era louco ). Não é um grande filme mas é um grande tema. Adaptado ao gosto de 2016, é um filme sobre xadrez que não mostra nada de uma partida ou de um movimento. Se concentra, óbvio, na doença de Bobby. Cansamos dos seus sintomas e cansamos dele. Mas o tema é sensacional. Fosse mais ousado seria uma forte crítica à loucura daquele mundo e a mediocrização deste nosso tempo. Hoje não temos mais loucos célebres, temos apenas celebridades doentes. Nota 5.
   AVE CÉSAR! dos irmãos Coen com Josh Brolin, George Clooney e um monte de stars.
Um fracasso. Os irmãos Coen, que eu adoro, erram feio aqui. Exageram em seu veneno e se envenenam. Querem falar tanto, abranger tanto, que perdem o foco. O filme acaba no vazio, um monte de som e imagem que nada significam. A intenção era excelente: mostrar que no cinema americano é o produtor que mantém alguma sanidade em meio a atores idiotas e diretores narcisistas. Eddie Mannix existiu na vida real, foi produtor da MGM, já no começo do fim da era do glamour. Ele realmente "dava um jeito" em filmes de produção complicada, atrizes promíscuas e atores gays. Lidava com prazos, dinheiro, gente, doenças, artistas e roteiristas "comunistas". Mas...que ironia, faltou um Eddie Mannix para este filme. Nota 4.
   DANÇA COMIGO de Masaiuki Suo com Koji Yakusho
Este filme de 1996 foi sucesso no Japão e refilmado em 2006 nos EUA com Gere, Sarandon e J.Lopez. A refilmagem vulgarizou a extrema delicadeza desta pequena joia. Fala de um homem de 40 anos que resolve aprender dança de salão, escondido da esposa e da filha. Pois no Japão de hoje dança de salão é coisa vergonhosa, coisa de gente que se toca. O filme, triste, engraçado, real, lindo, acompanha a lenta caminhada desse homem bom, tímido, travado. Todos deveriam assistir esta obra e ter uma bela surpresa. Nota 9.
   100 HOMENS E UMA GAROTA de Henry Koster com Deanna Durbin
Uma menina ajuda seu pai desempregado a conseguir trabalho com um grande maestro. Um exemplar belo do cinema da "grande depressão" americana dos anos 30. Deanna era um anjo e o filme nunca fica piegas, è bonito. Nota 7.
  

Flamengo 2x1 Vasco [Final Carioca 1981]



leia e escreva já!

ZICO com ROBERTO ASSAF e ROGER GARCIA

   É um lindo livro sobre um jogador muito especial.
   Acompanhei toda a carreira de Zico, desde 1975, quando começou a se falar nele, até o final. Depois disso, sua moral nunca mais caiu. Depois da era Pelé, Zico é o mais inatacável do jogadores. O cara tem caráter. Conseguiu sobreviver a dois terremotos que teriam derrubado qualquer outro.
  Primeiro o imenso preconceito que havia em SP contra o futebol do Rio. Zico foi até 1981 considerado uma invenção de carioca, uma tentativa do Rio de criar um novo Pelé. Por melhor que ele jogasse, por mais gols que fizesse, ele era chamado de enganador, falso, um mero produto. Mas eu vi a mudança. Foi exatamente em 1981. Nesse ano, com o Flamengo que tinha Tita, Raul, Adilio, Andrade, Junior, Leandro, ele ganhou mais de 15 troféus em um ano! Dois torneios na Espanha ( num deles vencendo o Barcelona ), mais um na Colômbia. Depois o carioca, a libertadores, o mundial e mais alguns outros torneios. Eu vi Zico no Morumbi vencer o São Paulo de Serginho, Renato, Daryo Pereyra, Oscar; depois voltar e vencer o Corinthians, o Palmeiras, o Guarani. Eram sempre grandes jogos, mais de 90.000 pessoas, placares tipo 4 X 3, 3 X 2...
  Depois ele venceu o azar histórico de não ter ganho uma Copa do Mundo. Jogou as de 78, 82 e 86. A da Espanha era sua copa. Deu no que deu. Mas ele sobreviveu. Passou sem mácula.
  Ele era um atacante. Um cara que pegava a bola na linha do meio e ia tabelando, tocando curto até dentro da área. Driblava, mas seu grande dom era o passe. Ele tocava e quando recebia de volta já sabia o que fazer a seguir. E acima de tudo ele fazia gols. Muitos. Centenas. Só em 1979 foram mais de 70. Vi dúzias de vezes ele vencer sozinho, desequilibrar um jogo amarrado. Mas cima de tudo, Zico amava jogar. Ele sorria.
   Este livro mostra sua infância, livre, na ZN do Rio. O pai, que o educou e fez dele um homem honrado, os irmãos, todos jogadores bons de bola, o casamento com a namorada da adolescência. Uma vida que parece abençoada, protegida, mágica.
  Ler a vida de Zico é ler uma vida boa e do bem.

BOTAFOGO- SÉRGIO AUGUSTO, MAIS QUE UM CLUBE

   Didi ganha um campeonato. Sai do estádio, e para cumprir a promessa feita, volta a pé para casa. Foram 132.000 pagantes, e em meio aos fãs, vemos fotos dele andando, terno e chapéu. São oito quilômetros entre risos, abraços, respeito. Isso é o Rio de 1959.
  O Botafogo foi dois, já nasceu esquisito. Havia o Botafogo de regatas, fundado no século XIX. Regata era o esporte número um da cidade. E depois, em 1903, um grupo de meninos, de 14 anos, fundou o Botafogo FC. Só nos anos 30 os dois se unem e surge o Botafogo de Futebol e Regatas. É o único clube fundado por adolescentes, na rua, no improviso. A estrela é símbolo da Estrela D'Alva, a primeira estrela que os remadores vêm quando treinam as 5 da manhã.
  A história do clube é história de enormes vitórias e imensas crises. Sempre foi assim. O grande rival é o Fluminense, o queridinho do poder. O Botafogo é o time dos intelectuais, dos artistas.
  ( Aqui um adendo. Um time deve manter seu caráter! O Flamengo é o time da massa, o Flu do poder, o Vasco dos portugueses e da ZN, sempre o mais odiado, o Bota dos esquisitos. Aqui em SP, vemos uma descaracterização de alguns clubes...O Santos se mantém como o primo pobre e chato, com seus sonhos de requinte; o Palmeiras continua o clube da italianada e da região da Barra Funda, mas o clube do Morumbi está perdido, assim como o Corinthians. Me parece que os dois estão trocando de papéis. )
  O Botafogo teve Heleno de Freitas. Didi. Garrincha. Nilton Santos. Gerson. Jairzinho. Paulo César Cajú. Desses eu vi jogar três. Gerson foi o maior passador de bola que já vi. Jair foi um artilheiro perfeito. E o PC tinha uma habilidade rara. Fazia o que queria com a bola grudada no pé.
  Mas a gente ainda pode falar de Mario Sergio. De Marinho Chagas. De Valdeir. Manga. E do Biriba. Biriba era um vira lata preto e branco que entrava com o clube nos jogos do Maracanã. Amuleto. O Botafogo foi o time do Zagalo né...e Amarildo. E do João Saldanha.
  Era um tempo de ingresso barato e de estádios lotados. Disso eu lembro também. De ir ao Morumbi e achar que o público estava fraco...só 80.000 pessoas...O Maraca com menos de 90.000 parecia vazio. A rotina era 110.000, 120.000 pessoas. Futebol era festa, muita festa e isso passava aos jogadores que então festejavam. Mais que um clube, ler sobre o Botafogo é ler sobre uma época morta, mas linda.
  Sérgio Augusto é um crítico de cinema que fez minha cabeça nos anos 80 e 90. Depois perdi sua pista. Escreve melhor que o Ruy Castro. Mesmo estilo, mais saboroso.
  Infelizmente não sou Botafogo. Não sou do Rio. Mas dá uma vontade danada de torcer pelo time da estrela solitária.

CARY GRANT- BETTE DAVIS-JAMES CAGNEY-COLIN FIRTH-UMA- NEIL SIMON

   A GAROTA DO ADEUS de Herbert Ross com Richard Dreyfuss e Marsha Mason
Foi uma das maiores zebras do Oscar a vitória de Dreyfuss em 1977. Mas vista hoje sua atuação é sensacional. O texto, de Neil Simon, é bem anos 70. Fala de uma mãe solteira que é obrigada a dividir o apto com um ator desconhecido. Eles se odeiam e aos poucos passam a se aceitar. Parece óbvio, mas os diálogos são maravilhosos! Engraçado perceber que o personagem de Dreyfuss é um típico estudante paulista de 2016! Até as roupas são atuais! Não conseguimos sair de 1977... Este é o típico filme adulto popular daquele tempo. Se comparados aos adultos pop de hoje vemos que regredimos muito. Assista. Nota 7.
   BE COOL, O OUTRO NOME DO JOGO de F. Gary Gray com John Travolta, Uma Thurman, Vince Vaughn, Cedric, The Rock e Danny de Vito.
O roteiro é pobre pacas! Chili Palmer, o personagem de Travolta no ótimo Get Shorty, ressurge aqui como produtor de música. Para lançar jovem cantora ele deve passar por cima de mafiosos russos, produtores bandidos e artimanhas do mal. A esperteza se foi, os golpes são primários e mal explicados. O filme se salva por The Rock, que rouba o filme como um capanga que quer ser cantor country. Hilário! Uma nunca esteve tão bonita. Travolta está com preguiça e Vince não tem a menor graça. Seu tipo é cópia descarada do Gary Oldman de Amor a Queima Roupa. Um filme bom de olhar, mas bem tolinho. Nota 5.
  HOPE SPRINGS de Mark Herman com Colin Firth, Heather Graham e Minnie Driver.
Parecia bom. Adoro Colin. Mas é um tédio. Ele é um inglês que vai parar no interior dos EUA. Quer esquecer um amor perdido. Heather, como sempre, é uma doidinha legal, eles se envolvem. Minnie é a megera. O filme é lento, chato, preguiçoso, sem nenhuma imaginação. Pior de tudo, é uma comédia triste! ZERO.
   G MEN CONTRA O IMPÉRIO DO CRIME de William Keighley com James Cagney
Um exemplar filme de gangster dos anos 30. Cagney é um advogado que abandona a profissão para ser um agente do que viria a ser o FBI. O que acompanhamos, no estilo rápido e objetivo da época, é sua escalada para se infiltrar na gang e destruir a organização criminosa. Um bom filme de macho. Nota 7.
  BALAS OU VOTOS de William Keighley com Edward G. Robinson e Humphrey Bogart.
Não tão bom, o filme também faz parte do estilo "gangster da Warner". Mas o roteiro é mais meloso e Robinson não é tão bom quanto Cagney. Bogey faz mais um bandido. Ele, em 1936, ainda era o cara que todo mundo ama odiar. Nota 5.
  SOMOS DO AMOR de Archie L. Mayo com Leslie Howard, Bette Davis e Olivia de Havilland.
Uma alegria voltar a ver os bons filmes pop dos anos 30. Este é mais um da Warner. Sobre um casal de atores que vive em guerra. E uma mocinha tola que se apaixona pelo ator. Leslie dá um show como o ator estrela, empoado e meio tonto. Bette brilha menos como a atriz nervosa. Olivia está excelente no papel da milionária doida. Tem ainda Eric Blore fazendo Eric Blore, ou seja, um delicioso mordomo afetado. Bom passatempo. Nota 7.
   SOLTEIRÃO COBIÇADO de Irving Reis com Cary Grant, Myrna Loy e Shirley Temple.
Decepção. Um filme com Cary e Myrna consegue não ser bom. Uma garota de 16 anos se apaixona por Cary Grant, solteirão de 37. A irmã da menina, Loy, obriga-o a namorar com ela para que ela se decepcione com ele. Mal dirigido, sem ritmo, mesmo assim fez imenso sucesso, graças aos nomes das estrelas. Cary está contido, só se solta na única cena boa, a da gincana estudantil. Myrna não tem nada a fazer a não ser parecer elegante. Nota 4.

O EGOÍSTA - GEORGE MEREDITH...ESSA COISA TÃO INGLESA...

   Há um capítulo, neste longo romance, em que se homenageia o vinho do Porto. Odes e belas frases são ditas à esse vinho, o favorito pelos homens de gosto. E o único que melhora com o tempo. Por isso, é um vinho "conservador". Lendo esse ótimo capítulo tomos consciência de que o Porto é um símbolo da velha e alegre Inglaterra, símbolo tão forte como o fog. o guarda-chuva, a pontualidade, o chá e o livro de mistério. Outra ideia vem em sequência: o romance, em que pese a birra dos franceses, é também uma coisa bem "velha Inglaterra".
   Aprendi com professores menos francófilos, que o romance foi inventado na Inglaterra do século XVIII e que Robinson Crusoe é o livro que dá forma àquilo que se produz até hoje. O romance é pensado como passatempo para pessoas razoavelmente instruídas ( as bem instruídas leriam poesia ), com tempo livre e algum dinheiro. Isso se mantém ainda, talvez hoje com o adendo de que o romance deve ter "alguma utilidade". Bem....lendo um romance como este, escrito pelo popular George Meredith, autor de fins do século XIX, sentimos como esse ato cotidiano de ler um longo romance se mescla ao estilo de vida britânico caseiro e conservador. Pois é nesse tempo, o vitoriano, que se instaura a noção do "Home sweet Home", o lar como castelo do homem e da mulher, paraíso a ser herdado pelos filhos, fortaleza contra o mundo hostil. É nesse mundo, de charutos, lareira e bibelôs, de biblioteca e sofás de couro, que se faz a cisão entre mundo de fora e mundo de dentro. Sentar-se à janela, confortavelmente, com um cão aos pés, lendo Meredith, ou Hardy, ou Doyle, é fazer parte desse lar vitoriano. Esse mundo, destruído na precariedade do mundo mutável de hoje, ainda respira na lembrança de filmes históricos e em novas ondas tipo Harry Potter e que tais.
  Dito isso, O Egoísta é uma crítica ao tipo de dono de terras de nariz empinado, autoconfiante, duro, compenetrado. Um deles se torna noivo de uma linda moça, Clara, e descrê que ela possa não o amar e o obedecer. Mas Clara percebe sua vaidade, seu egoísmo, sua pose e tenta desfazer esse noivado. Clara, personagem que lembra as heroína de Henry James, é uma proto feminista. Quer ser livre. Livre para viver. O romance, todo ambientado nas terras do egoísta, é a história desse jogo de pensamentos e interesses, medos e vaidades. Meredith, profissional, competente, se dá um trabalho e o cumpre. Mostra à classe média o limite afetivo da classe alta. É uma delicia de leitura.