O VALOR DOS NÚMEROS

   Uma chuva de partículas cai sobre a Terra. O tempo todo. Nossa atmosfera nos protege de uma parte delas. Outra se transformam enquanto caem. Algumas estão num tempo diferente do tempo da Terra. E por isso são de outra dimensão. Ao mesmo tempo: partículas do nosso mundo atravessam nosso corpo. Têm carga nula, e por isso para elas somos completamente invisíveis. Enquanto isso partículas de anti-matéria, que são o inverso da partícula "comum", existem sem que se saiba porque. Tudo no universo tem seu correspondente em negativo. Sem isso a conta não fecha. Há toda uma realidade invisível a nosso olhos. Isso nenhuma novidade. Há toda uma realidade imperceptível aos instrumentos que podemos fazer. Isso é perturbador. Mas há mais: Há toda uma realidade que apenas a matemática pode alcançar. Isso é maravilhoso.
   Pouco sei de matemática, mas sou intuitivo e criativo o bastante para perceber a imensidão de tanta beleza. Não existe arte que se iguale. E dentro desse mundo notamos que toda a criatividade humana é, talvez, reflexo pálido desse mundo real. Por mais que imaginemos coisas incríveis, elas sempre ficam aquém daquilo que o mundo é.
   Pitágoras estava certo. Essa é a coisa mais fantástica da história do mundo.

Question Mark & The Mysterians - 96 Tears



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O ROCK DE GARAGEM, 96 TEARS, A JOIA DA COROA.

   Era 1982 e eu ia ao Eric Discos em Pinheiros. O bairro naquele tempo ainda parecia familiar, moradores antigos, feiras, lojas tradicionais. No Eric eu achei enfiados entre encalhes duas preciosidades: Count Five com o LP Psychotic Reaction e o Question Mark and The Misteryans, com seu 96 Tears. Eram edições brasileiras, da Odeon, de 1966!!!! Foram baratíssimos e eu os levei pra casa sabendo ter garimpado um tesouro.
  Nada foi mais cool no rock dos anos 60 que o rock de garagem. Esse tipo de som, todo calcado num mix de rock inglês, principalmente Stones e Yardbirds, era feito por adolescentes ingênuos para adolescentes ingênuos. A molecada de 16 anos ensaiava numa garagem, conseguia fazer um single e era lançada. Muitos sumiam, mas o Question Mark chegou ao number one das paradas, assim como aconteceu com os Kingsmen e os Leaves. O Count Five quase chegou lá. Todos viraram mito.
  O Question era uma banda de cinco primos descendentes de mexicanos. O som misturava Spencer Davies ( postei o clip de Gimme Some Lovin, uma das best songs de toda a história, com um Stevie Winwood de 17 anos ), com uma bossa rítmica dos arredores de L.A. É lindo. Tem carisma, tem feeling, tem vocal, tem dança e o melhor de tudo, tem o mítico órgão Fafisa, o melhor som de teclado, segundo a Rolling Stones de 1980. Os Punks e os Wavers beberam muito aqui, os ingleses dos anos de 1989-1992 ouviram milhares de vezes, bandas como Charlatans e Inspiral Carpets tiraram tudo desses chicanos.
  A onda das garage bands foi varrida do mapa pelo rock hippie. A molecada começou a trocar as canções de 2 minutos pelas de 22 minutos. Pena... Ficou o LP, inacreditavelmente lançado no Brasil dos anos 60. Uma joia que nunca envelheceu, uma aula de rock direto, simples, puro, e maravilhosamente alegre.
  Talvez você mereça escutar. Ou, que pena, você já perdeu sua ingenuidade.

? and The Mysterians- I need Somebody



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SPOTLIGHT- RON HOWARD- MALICK- ASTAIRE- JUDY- GENE

NO CORAÇÃO DO MAR de Ron Howard com Chris Hemsworth, Cillian Murphy e Ben Wishaw.
Que decepção! O filme tem tudo que gosto: ação, aventura no mar, ambiente soturno, névoa e um tema brilhante: a história de Moby Dick contada para Herman Melville, e não por Melville. Mas tudo dá errado! Posso contar alguns motivos: os efeitos digitais parecem efeitos digitais, toda a ambientação se torna fake; o vilão é fraco, frágil, sem charme; Chris já provou ser OK, mas o personagem é grande demais para ele, caça à baleia é uma coisa intragável hoje em dia... O filme se arrasta. Um monte de coisas acontecem, mas a sensação é de que nada importa muito. Nota 2.
SPOTLIGHT de Tom McCarthy com Mark Ruffalo, Michael Keaton e Liev Schreiber.
Uma coisa legal: Michael Keaton é ótimo. Sempre foi, mas seu ego quase o matou para Hollywood. Coisa ruim: o filme não é nada mais que um tipo de episódio de série policial. O fato de ter ganho o Oscar de melhor filme apenas mostra o quanto o prêmio está desvalorizado. O tema mistura duas coisas que americanos adoram: ver jornalistas como heróis e ver católicos como seres esquisitos.
CAVALEIRO DE COPAS de Terrence Malick com Christian Bale, Cate Blanchett, Antônio Banderas e Natalie Portman.
Me parece que o mundo começa a não mais suportar Malick. O que é uma pena. Escrevi sobre o filme abaixo e vou tentar não me repetir. O filme em seus piores momentos lembra um A Doce Vida raso, e em outras muito fracas lembra A Grande Beleza em versão fake. Há algo também de Asas do Desejo. Ou seja, ele lembra 3 dos filmes mais geniais que já vi. Mas, infelizmente ele se arrasta, claudica, se enrola e se perde. E ao mesmo tempo, ao final, saímos do filme em estado de graça. Ele nos dá quase uma epifania. E notamos que toda as duas horas de cenas que se parecem demais com propaganda chique de segunda, tem uma razão de ser. Atravessamos o filme como Cavaleiros passam pelo canto de Sereias...Se você sabe do que falo, veja o filme.
VER, GOSTAR E AMAR de Charles Walters com Fred Astaire e Vera-Ellen.
Fred é, de novo, um playboy. Ele se apaixona por uma missionária na NY de 1900. O filme foi feito no ponto baixo da carreira de Fred ( 1951 ), quando ele era considerado ultrapassado. Mas surpreendentemente é um filme ok. Tem um belo número junto ao bonde da cidade e humor leve e bobinho, como deve ser. Nada inesquecível, mas bem aproveitável. Nota 6.
CASA, COMIDA E CARINHO de Charles Walters com Judy Garland e Gene Kelly.
O dvd tem um doc sobre Judy e os problemas que ela causou durante as filmagens. O filme fala de um bando de atores que se hospedam na fazenda de Judy. Este foi talvez o primeiro musical que vi na minha vida. Eu tinha por volta de 10 anos e vi com minha mãe e minha tia. Lembro que gostei do clima, senti que um musical era uma fantasia que podia viciar. Visto agora noto que a magia se foi, mas ainda nos emocionamos com alguns momentos. Nota 6.

CAVALEIRO DE COPAS- TERRENCE MALICK

   Perdemos as asas e distraídos por uma poção, esquecemos da Pérola, a joia que devemos encontrar...
  Las Vegas tem distrações. O filme não distrai, mas é cheio de coisas que distraem. Casas, praias, plantas em vasos, muitas mulheres, estradas, propaganda, festas, drogas. O Cavaleiro de Copas cambaleia entre as coisas, o excesso de coisas do mundo. A memória se apaga. Qual a joia...
  O filme cambaleia. Os melhores cineastas existenciais estavam filmando à procura de pureza, de vazio, de liberdade. Malick encontrou tudo isso faz muito tempo, e por isso paga um preço: seus filmes agora se parecem com conclusões e não com construções. Vemos uma verdade sendo exposta e nunca participamos da aventura da procura.
  Mas ele é um poeta. Este filme é seu A Doce Vida ( claro que o filme de Fellini é um infinito melhor ), e onde o italiano achava o mistério, Malick encontra a verdade. Qual é ela: Somos como cavaleiros que se perderam. Mas ainda podemos achar nossa joia, a Pérola. Basta ir atrás.
  Parece simples, e é. Desconfie sempre de filosofias muito complicadas. De Montaigne à Kierkegaard, os melhores são diretos.
  A recompensa que o filme dá vem no fim: duas mensagens: temos muito mais amor dentro de nós que aquele que admitimos dar. E a dor é uma benção por nos afastar do mundo. A dor faz com que vejamos o que importa.
  Longe de ser um grande filme, chato e vazio em muitas partes, ele merece ser visto e entendido. No mundo de espetacular distração ou de dores pornográficas, é bom ver imagens que remetem ao nada.

MEMÓRIAS DE M'BOY- JOAQUIM GIL PINHEIRO

   Estava eu andando pela USP quando encontrei jogado na rua, um livro. Sem capa, judiado. Editado em 1911, março. Uma raridade portanto! E mais incrível, fala da minha região!
  O autor tinha na época um chalé em M'Boy. E resolveu pesquisar e escrever sobre os caipiras que viviam na mais atrasada região da cidade. Em 1911 SP, segundo o livro, crescia rumo a zona norte e sul. As zonas leste e sudoeste eram muito, muito atrasadas. Agora uma revelação, essa tal de M'Boy é aquilo que hoje chamamos de Embú das Artes, uma região que ia, na época, de Embú, Itapecerica, até o Butantã. Estamos falando da região que mais cresce hoje. Uma malha de ruas, avenidas, rodovias, fábricas, bairros pobres e ricos. Estamos falando da USP, do Morumbi, do Campo Limpo, do Taboão, do Jardim Guedala, do Caxingui. E como era tudo isso em 1911...
  Nessa imensa floresta viviam pacas, cobras muitas, onças, veados, cotias e raposas. Apenas 900 pessoas em imensa área. Caipiras rudes, sujos, diz o autor "preguiçosos" que plantavam milho, mandioca e feijão. Galinhas, bois e porcos. Matas virgens e extração de madeira. Carvão.
  É uma viagem no tempo. Tempo recente na verdade. 1911 foi ontem. E como mudou tudo!!!! Não havia estrada, não havia trem, não havia nada. Algumas casas históricas, de 1650, ainda existiam. Casas dos fundadores, dos jesuítas. Foram ao chão. Restou só uma, fica no Caxingui. ( Onde também fica a mais antiga árvore da cidade ). Para quem como eu ama história, esse livro, com a "grafia" antiga e fotos muito estragadas, é um tesouro!

Chris Isaak - Wrong To Love You (MTV Unplugged)



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BRÁS, PINHEIROS, JARDINS,3 BAIRRO, 3 MUNDOS- EBE REALE

   Não são as fotos, poucas e bem ruins, o interesse deste livro. É o texto. O autor conta a história dos bairros do Brás, Pinheiros e Jardins, e esses relatos nos entretém por revelar os muitos erros cometidos nesses bairros. O Brás, dos imigrantes pobres, Pinheiros, de índios e caipiras, e os Jardins, dos imigrantes ricos.
   Pinheiros é o bairro mais antigo de SP. Foi fundado junto com a cidade, onde hoje fica a rua Butantã. Lá viviam índios Guaianazes, pacíficos, e alguns mestiços. Mas, ao contrário de bairros mais recentes, Pinheiros passou 3 séculos sem crescer. Por volta de 1800 ele era quase deserto, um conglomerado minúsculo de casas pobres e muita lama. Só no começo do século XX o bairro volta a crescer, lentamente. Olarias, pesca, posto de troca de mulas, vinha de Pinheiros quase toda a areia e todo tijolo usado na construção da cidade. O bairro nascia na atual Dr Arnaldo e descia até a avenida Brasil. Entre a Brasil e o Largo de Pinheiros um imenso vazio, e ao redor do Largo, uma vila ribeirinha. Como curiosidades a Hípica Paulista, cuja sede era onde hoje é o colégio Fernão Dias, as cavalariças ficavam onde agora ficam os prediozinhos de 4 andares ao redor do colégio. Na Teodoro Sampaio ficava uma pista de hipismo que ia até a Brasil e voltava pela Rebouças. Isso até 1935!!!! Outro marco é a fundação da Cooperativa Agrícola de Cotia, que chegou a ser a maior da América do Sul. Fundada por japoneses, ela recebia produtos de Sorocaba, Ibiúna, Itú, Atibaia e toda região. Foi a partir da cooperativa que os bairros do Butantã emergiram. A grande tragédia foi a enchente de 1929, que desalojou o clube Pinheiros e que destruiu ruas inteiras. Provocada pela Light, que abriu suas comportas, o desastre mudou para sempre a topografia da região. A Light ganhou de graça toda área alagada e o rio começou seu longo trajeto rumo à morte.
  Os Jardins são na verdade, em sua origem, dois bairros, o Jardim Paulista e o Jardim América. O Jardim Paulista nasce como bairro de abastecimento. Sua função é dar suporte às mansões da Paulista.   Em suas ladeiras viviam aqueles que abasteciam as mansões de comida, serviços e produtos variados. Enquanto a Paulista tinha até telefone e gás, na Campinas, Lorena, Jahú, havia lama, sujeira e carroças. Com o tempo, a partir dos anos 40, a região começa a abrigar lojas finas, restaurantes e gente rica passa a cobiçar o lugar. A vista da região era a mais bela da cidade. De suas ruas se podia ver o curso do Pinheiros e as matas do Morumby. Mal planejado ( na verdade não planejado ), o bairro constrói mansões e sobradinhos geminados, prédios e bares.
   O Jardim América foi construído nos anos 20 pela companhia City de Londres. Na origem havia a proibição de muros, todas as ruas seriam gramadas, e as ruas sempre em curva. A cada seis quarteirões haveria um parque. O bairro chegou a ser considerado o melhor do mundo, mas com o tempo muito do plano original foi esquecido. Onde existia um parque foi feito mais casas, as cercas e muros chegaram e os gramados despareceram. No seu nascimento a região tinha 3 donos, 3 chácaras que foram vendidas a peso de ouro. Ninguém queria morar lá, a fama do lugar era de lodo, assaltos e insetos. A primeira casa fica na Colombia com Nicarágua, ainda está lá. A partir dos anos 50 o bairro se torna o mais caro da cidade.
  O Jardim Europa foi ideia de um dono de terras português que ficou rico com uma loja na Augusta. Vendo o sucesso do Jardim América, e sendo dono do sítio que começava na Brasil e descia pelos charcos abaixo, ele chamou engenheiros ingleses e dividiu suas terras em ruas à moda do Jardim Paulista. A diferença era o preço. Lotes menores e menos exigências de construção. Para facilitar a venda, ele abriu a avenida Europa, cortando ao meio sua chácara. As vendas foram lentas, as pessoas desconfiadas de ir morar naquela região tão distante. Mas por fim tudo foi vendido. Era então aberto o caminho para os futuros Jardim Paulistano, Jardim Guedala, Cidade Jardim e por fim, já nos anos 50, o Morumbi. Toda a riqueza da cidade acabaria migrando de Higienópolis, Pacaembu e Paulista para a região sudoeste da cidade.
  Essa mudança continua ocorrendo com o rumo sudoeste levando à Lapa, Alphaville e região.
  Um livro raro e interessante.