O MUNDO AO ANOITECER- CHRISTOPHER ISHERWOOD

   Inglês, Isherwood deve muito de sua fama, que não é pouca, aos contos escritos em Berlin nos anos 30. Desses contos foi extraído o filme Cabaret, sucesso imenso de Bob Fosse. Isherwood nasceu em 1904 e viveu até os anos 80. Escreveu muito e sua fase californiana é a deste livro. Nos EUA ele viveu como um tipo de celebridade cult.
  Um homem rico é casado com uma típica dondoca de Hollywood. Se divorcia quando a pega com um de seus amantes. Aliviado pelo divórcio, ele vai morar com uma tia. Essa tia é Quaker, otimista, ativa, sem qualquer tipo de dúvida. Ele começa a reler as cartas de sua primeira esposa, falecida, uma escritora famosa. Esse o enredo do livro. Trata de mal entendidos, de histórias que nunca são desvendadas. O que ele aprende é que ninguém realmente conhece ninguém. E isso o redime.
  Isherwood escreveu este livro nos anos 50. Depois de sua triste experiência em Hollywood ( existe algum grande escritor com uma boa lembrança do cinema....). Mas ele evita o amargor. O livro é fácil de ler e entretém. Isherwood nunca teve pretensões de grande arte. Se seus contos de Berlin são tratados como tal é por seu tema. Um britânico presenciando o nascimento do nazismo e usufruindo dos vícios de Berlin é algo raro. Isherwood, bissexual, provou todos. Sem culpa. Este livro está distante desse mundo.

O MUNDO MARINHO DE WES ANDERSON E O MUNDO DRAMÁTICO DE JOHN BOORMAN

   O novo filme de John Boorman, Queen and Country é maravilhoso. Continuação tardia de seu grande filme de 1986, ele encontra os meninos da segunda guerra em 1952. Agora a guerra é a da Coréia, eles estão com 20 anos e descobrem o que é a vida. O filme é maravilhoso porque ele tem três linhas de estilo que se cruzam ( ou seja, Boorman continua a correr riscos ), ele começa parecendo um tipo de MASH inglês, uma comédia satírica sobre o exército. Depois, quando começa a história do amor do rapaz, o filme cria um clima irreal de sonho, lembra até o EXCALIBUR, que John fez em 1981. E por fim, um estilo de horror quando ele se aproxima do final. O sabor que fica é bem amargo.
  Várias cenas são emocionantes e o filme inteiro transborda beleza. Absurdo, essa a palavra que define a obra de Boorman. Ele foi o mais novo dos "novos" diretores ingleses surgidos entre 58-62. Schlesinger, Richardson, Lester, Reisz, Ken Russel, Loach, Clayton. Boorman é o último em atividade. Dentre seus filmes temos INFERNO NO PACÍFICO, DELIVERANCE, EXCALIBUR, LEO THE LAST, AGONIA E GLÓRIA. Seu modernismo é do tipo social. Todos os seus filmes criticam o mundo, apelam aos sentimentos de ira e de reforma, ele é engajado.
  Wes Anderson é pós-moderno, ou seja, podemos traçar seu caminho de Warhol à Duchamp. Bem americano, ele usa toda a informação a seu redor e brinca com ela. As mistura. Como faz Tarantino, seus filmes pegam aquilo que normalmente não é visto como Arte e as embaralham. Mas atenção, aleatoriamente. São filmes que não têm um intenção. Eles são aquilo que parecem ser: imagens e sons, uma história que nada mais quer dizer que aquilo que se vê. Tarantino pega filmes nada nobres ( western italiano, filmes japoneses pop, blacks movies, noir ) e os embaralha. Ele se diverte e nos diverte usando seu coração. Wes faz a mesma coisa, mas suas referências são outras.
  Eu assistia em 1978 a série de Jacques Cousteau. E ouvia Bowie. Seu filme marinho é exatamente como se um garoto de 12 anos fizesse um filme. E isso é um elogio.
  Desse modo, Wes Anderson, assim como Tarantino, são anti-Von Trier, anti-Almodóvar e anti-Bergman. Eles não querem chocar, fazer um acerto de contas ou se confessar. Eles apenas filmam. Aquilo que desejam.
  Interessante observar que tanto Boorman como Wes amam Kurosawa. Mas olham o mestre de formas diferentes. Boorman ama o autor dramático. Wes adora o visual de seus filmes.
  Eu gosto dos dois: o visual e o drama forte e duro. Mas sei que o futuro é de Wes. Uma doida mistura de arte elevada transformada em Pop e do lixo transformado em objeto de culto.
  Adoro isso!

WESTERNS- KATE WINSLET- JOHN WAYNE-WAJDA- JOHN FORD

   UM POUCO DE CAOS de Alan Rickman com Kate Winslet, Mathias Schoenaerts, Alan Rickman e Stanley Tucci.
Novo filme de Kate e creio ser o primeiro dirigido pelo ótimo ator Rickman. Na França de 1690, o rei sol resolve fazer Versailles. Kate é uma jardineira que tem um projeto ousado para um dos recantos do jardim. O filme tem dois sérios problemas: lentidão e uma absurda falta de detalhe nesse projeto. Como jamais o vemos deixamos de nos envolver pela luta da personagem. Há um interesse romântico, ela se envolve com o projetista-líder. As melhores cenas são todas com o rei. Rickman faz desse personagem, que poderia ser cômico ou tolo, dramático. Nota 4.
   ZARAK de Terence Young com Victor Mature e Anita Ekberg.
Durante décadas Victor e Anita foram sinônimo de canastrão. A nova geração sabe disso...Este filme, que fala de rebeldes afegãos de 1890, é inacreditavelmente ruim. Nada faz sentido, as coisas mudam por mudar e a ação, incessante, é desastrada. Um dos piores filmes da história do cinema.
   CINZAS E DIAMANTES de Andrzej Wajda com Zbignew Cybulski
É o filme que transformou Wajda em diretor conhecido. Trata do momento em que a segunda guerra termina. A Polônia, que deveria ter paz agora, sofre a luta entre comunistas e socialistas, liberais e anarquistas. O filme é exemplar. Tenso, absurdo, belo e incrivelmente fatalista. A morte do personagem principal é uma das mais realistas. O ator, Cybulski foi chamado de "James Dean" do leste. Morreu jovem em desastre... Um filme diferente. Nota 8.
   AUDAZES E MALDITOS ( SGT RUTLEDGE ) de John Ford com Jeffrey Hunter e Woody Strode.
Saiu uma caixa com 6 filmes de western. Este é um Ford de 1960 que demorou para sair aqui. Fala de racismo. Um sargento negro é acusado de estupro. Conforme o julgamento acontece ficamos vendo em flash back tudo o que houve. Ford mistura suspense, drama e comédia. O filme tem vários daqueles toques de humor grosso irlandês que muitos detestam. Corajoso, é um filme adiante de seu tempo. O roteiro tem furos, mas é bom, emocionante e nobre. Nota 7.
   O HOMEM QUE LUTA SÓ de Budd Boetticher com Randolph Scott
Boetticher foi um dos maiores diretores de westerns dos anos 50. Aqui Scott é um caçador de recompensas. Ele captura assassino e o leva para ser julgado. Mas as coisas mudam...Com pouco dinheiro se faz um belo filme. Apesar da imagem, que não foi restaurada, está desbotada, emociona. Seco, simples e muito verdadeiro. Nota 7.
   ALMAS EM FÚRIA de Anthony Mann com Barbara Stanwyck e Walter Huston
O pior filme da caixa é este drama do grande Anthony Mann. Uma coisa indigesta, teatral, sobre pai e filha, ruins e vaidosos, que dominam todos que chegam por perto. Chato. Nota 1.
   COMANDO NEGRO de Raoul Walsh com John Wayne, Claire Trevor e Brian Donlevy.
O mais velho, 1940, é o melhor da caixa. Wayne é um cowboy bronco, Donlevy um professor. Os dois disputam a vaga de xerife e ao mesmo tempo a mesma mulher. Ação orquestrada pelo especialista Walsh. Wayne, jovem, domina tudo com imenso magnetismo. Ele é natural, calmo, único. Um mito. O filme é delicioso. Nota 8.
   PAIXÃO SELVAGEM de Jacques Tourneur com Dana Andrews, Susan Hayward e Brian Donlevy
Um belo filme. Andrews é um comerciante na região mineira do oeste. Hayward é sua amiga, noiva de Donlevy. Tudo se complica com índios ferozes, traições e muitas mortes. Tourneur foi um grande diretor. Fez grandes filmes noir, excelentes westerns e ainda filmes de guerra e de piratas. Esta é uma diversão séria, urgente, há um forte clima de destino aqui. Nota 7.
   REINADO DO TERROR de Joseph H. Lewis com Sterling Hayden.
Um filme muito original ! Lewis foi um diretor de filmes classe B que tinha ideias de filmes de arte. Ingênuo, ele filmava com rapidez e cheio de ideais. Este filme, estranho, triste, muito original, se parece com os filmes pessimistas dos anos 70 ( ele é de 1959 ). Um dono de terras usa um assassino de aluguel para dominar terras cheias de petróleo. Hayden é um marinheiro sueco que vem ao enterro do pai e para enfrentar o assassino. O filme se tornou um cult. Alterna cenas pobres e artificiais com outras de grande brilho. Absolutamente diferente!

Kate Bush - Wuthering Heights - Official Music Video - Version 1



leia e escreva já!

EMILY BRONTE NASCEU HOJE.

   Emily Bronte nasceu hoje. E isso significa muito. Com ela se cristaliza todo o espírito gótico. Sim, existem fantasmas. Acho que foi Huxley quem disse isso. Que hoje os chamamos de intuição, inspiração, pressentimento, é a mesma coisa. Nas sombras noturnas moram sensações. Só aquele com espírito de concreto não percebe.
   Conheço algumas jovens irmãs Bronte. Elas fazem parte da irmandade sem o saber. Não importa que não saibam, elas mantém a coisa viva neste mundo. Sua alma é povoada de pó, de medos, de desejos irrealizáveis, de lembranças, de coisas escuras e úmidas.
  Heathcliff viu a face de Catherine na janela. E lá fora havia lama, chuva, rochas e árvores doentes. Ele berrou por ela na janela quebrada. Ele rasgou suas mãos no vidro. Ele a queria. Tudo nele era desejo e tudo nele ansiava pelo vazio. É um romance perigoso. Você pode morrer ou enlouquecer com ele.
  Eu adoraria ver o túmulo de Emily. E deixar lá uma flor e uma fotografia. A flor vermelha e a foto não sei do que. Eu adoraria saber que Emily é feliz. Do modo dela. Em outro mundo.
  O espírito de Whutering Heights ( O Morro dos Ventos Uivantes ) se mantém de pé em centenas de manifestações artísticas deste século. Nos filmes góticos. Nos discos tristes. Nas roupas pretas e roxas. Nos versos desesperançados. Porque Heathcliff a perdeu duas vezes: Por ser de outra raça, e depois por ser vivo.
  Kate Bush, que ironia, faz aniversário no mesmo dia que ela.
  E as duas são de leão. Esse signo que é vida e sol, e ao mesmo tempo chora por saber que o ideal é fora deste mundo. O amor respira onde nunca se está.
  Emily, como suas irmãs, Charlotte e Anne, foi levada cedo pela tuberculose. Beleza é que ela viva para sempre pelas palavras que deixou. Que ela tenha enfeitiçado um menino que a leu aos 14 anos dentro de um quarto vazio. Ele sonhou com uma Catherine. E assumiu sua condição de Heathcliff. Morte e vida como uma coisa só. Um fio sem ponto, uma corrente de elos sem fim.
 

O ESPÍRITO DA NAÇÃO

   Existem pessoas que marcam uma nação. Nação, não falo de país. A pessoa morre e sua morte marca o final de uma época para aquele povo. Ela se vai. É como se as coisas fossem sincrônicas. A morte do símbolo em carne levando com ele todo um espírito que habitava aquele ambiente.
  Quando Mark Twain morre, em 1910, toda uma América se ia com ele. O país do futuro, ainda então ingênuo, inconsciente de sua violência, cheio de espaço e de ideias, morria e se tornava outra coisa. Essa morte, de Twain, de Tom Sawyer e de Huck, começa antes, começa por volta de 1890, e 1910 a cristaliza.
  Assim como a morte de Heminguay, em 1963, é a morte do americano como macho arrogante, do país aventureiro, solto, desimpedido e mandão. Do país que nunca duvida de si-mesmo. Essa queda começa já em 1953, com a paranoia comunista, e a partir de 63 vai se transformando no país confuso, perdido, mentiroso, vago, do Vietnã.
  Escrevo isso porque li Yeats falando do fim da Irlanda alegre e simples. Quando é enterrado seu líder, toda essa velha nação termina de cair com ele. O país irado, anti-inglês, irrompe de vez.
  Penso que o Brasil começou a terminar, o país que ainda achamos ser, por volta de 1989. A crueldade da inflação, a queda das ilusões com a imprensa finalmente livre, a desilusão com a democracia, o aumento do tráfico de drogas e da competitividade capitalista, levou de roldão toda aquela brasilidade preguiçosa, suave, da fala mansa, da conversa de boteco, dos passeios ao fim de tarde. Foi o tempo, entre 89-95, que levou alguns desses símbolos. E em 1994, em dezembro, foi-se Tom Jobim, o símbolo do brasileiro fino, calmo, preguiçoso, suave, gentil. O símbolo virava pó. Ainda havia Caymmi. Mas Chacrinha, Grande Otelo, Drummond, Vinicius, Garrincha, Cartola, já se iam juntos ou não.
  Não venha me falar que Chico ou Caetano, Jorge ou Paulo Coelho são símbolos daquele Brasil. Nunca. Esses já possuem a ironia, o distanciamento, a máscara do país de hoje, do país que nasceu nos anos 70-80, do Brasil miragem, apressado e sem eficiência, moderno e velho, o país que não acha lugar para estar. Desconfiado.
  O moreno deitado à rede virou um moreno na fila do metrô.
   Ciência.
 Minha forte impressão diante de Duchamp, se deve ao fato de sua mente ter, como acontece comigo agora, a inquietação diante do estabelecido. Várias falas dele coincidem com minhas certezas.
 Nas aulas eu prefiro andar com os alunos de ciências. Os de arte e de letras me chateiam. Egos.
 Duchamp intuiu antes a era da incerteza. O acidente. Aquilo que a matemática agora aceita.
 A gente sabe nada. Aceitamos certezas, falsas, para ter alguma segurança. Nada vemos.
 Humor. Distanciamento. Isso é preciso.
 O artista sempre foi um herói sofredor, ou um revolucionário perigoso.
 O artista é um artista. Ele faz arte. Só isso.
 Faz porque quer fazer. E o resultado é um acidente.
 Só isso.