TAKING MOUNTAIN TIGER ( BY STRATEGY ) - BRIAN ENO

   A grandeza de um artista repousa naquilo que ele digere. Não um simples plágio, mas no dom de absorver influências e as reinterpretar. O grande artista pega o que já existe e faz disso algo maior. Leva ao público aquilo que apenas meia dúzia de devotos conheciam e amplifica a mensagem, o alcance. O grande artista é um solo adubado. Uma curiosidade que nunca se esgota. Ele quer conhecer mais e mais e mais. Caminha atrás da coisa rara e traz a pedra polida para nós e para voces. Quanto maior o dom, maior a quantidade de informação.
  Siouxssie diz no livro laranja que Bowie é o único artista pop que exige toda uma enciclopédia para ser usufruido. Se voce não ler Nietzsche, Burroughs, Eliot, Freud, Jung, Wilde, Lacan, McLuhan, Artaud e Borges não vai entender nada.
  Brian Eno só será entendido por quem tiver escutado Satie, Steve Reich e John Cale. Ele cria beleza na repetição e faz da repetição complexidade. Na verdade é pueril falar de um só disco de Eno. Sua obra se divide em épocas, em momentos que abrangem vários discos. Este disco, de 1974, é de longe seu album mais pop. Aqui ele trabalha sobre a canção e faz músicas quase normais. A não ser pelo timbre, pelo pequeno ruído que se intromete, pela harmonia que não evolui. Antecipa toda a New Wave, antecipa tudo dali pra frente. Enterra o pop dos Beatles e da Motown. Nada de blues, de country, de rockabilly ou de soul. Hoje esta coleção de canções vai lhe parecer muito normal, isso porque desde 1980 esse tipo de pop, aqui antecipado, é dominante ( ou foi, até a intrusão da forma dance atual ).
  Junto falo de um disco que Eno fez quase ao mesmo tempo e que é sua verdadeira aposta. A repetição que se revela mantra, a monotonia que esconde surpresas sutis. 
  Os videos estão postados. O acaso fará de voce um ouvinte. 
  Ou não.

Brian Eno - Taking Tiger Mountain (By Strategy) 1974



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DAVID BOWIE REVISITED ( A SEGUNDA VISITA A EXPO BOWIE, UMA REFLEXÃO SOBRE NOSSO MUNDO )

   Uso propositalmente o título de livro de Evelyn Waugh. Waugh é um dos autores que Bowie ama e Brideshead Revisited, embora esteja longe de ser o melhor livro de Waugh é o mais famoso graças a série da BBC de 1982. Bowie copiou o visual Brideshead em Let`s Dance. Na verdade o estilo espiritual do livro, uma nostálgica incursão por uma Inglaterra em extinção, foi um dos guias da carreira de David desde sempre. Um dos, veja bem. Ele tem vários e talvez o melhor momento tenha sido o encontro com a Berlin de Isherwood em 1977. Uma Berlin que era pura ficção e por isso atemporal.
  Volto a exposição, e agora sem expectativas exageradas, me divirto. Relaxo e flutuo entre a memorabilia de Ziggy. É 2014, faz 40 anos que meu irmão, na época com 9 anos, comprou Diamond Dogs ( que não é o melhor disco de Bowie mas é aquele que mais adoro ). Na verdade foi em dezembro de 1974. Ele comprou Dogs enquanto eu comprava Caribou, do Elton John. São dicas de nossas diferenças. Ele em música sempre mais radical e eu sempre mais pop. Em música, fique bem dito.
  A sala que fala de Berlin exerce fascínio em mim. Objetos que são expostos como reliquias para aqueles que foram catequisados na Bowie-fé. A capa de LOW é o Santo Graal. Ninguém nascido após 1970 pode imaginar o impacto daquele disco. Tento explicar para minha amiga. Em um mundo que esperava de um rock star roupas tipo Robert Plant/ Keith Richards, os ternos de Bowie e o cabelo curto causavam muita estranheza ( apesar do dinner jacket de Bryan Ferry ter surgido em 1974 ). Mais esquisitice e risco era Bowie gravar Young Americans, um disco que louvava tudo aquilo que um rocker mais odiava: a música semi-disco da Philadelphia. Não era o som negro de Sly ou de James Brown. Não era Stevie Wonder ou Marvin Gaye. Esses os Stones desde sempre idolatravam. Era o som de Harold Melvin, Stylistics, Billy Paul. E isso foi um risco gigantesco. Ele poderia ter perdido seu público tipo Ziggy e fracassado em alcançar o povo fashion. Acertou. Chegou aos píncaros da Billboard em 1975. Pois bem, LOW foi esse risco levado ao extremo. Lá ele corre outro tipo de risco, o risco de ser futurista. Abraça o rock alemão, que vendia quase nada, e aponta o que seria a arte dos anos 80: gélido, super sintético, jogo de máscaras. Sempre teria sido mais fácil repetir Ziggy ao infinito. repetir Young Americans por 30 anos. Passar toda a década de LOW refazendo LOW. Mas não. Changes forever.
   Nos anos 90 ele se daria muito bem se voltasse a ser Alladin Sane. E neste século ele seria rei-again se refizesse Scary Monsters ao infinito. ( com as participações de Johnny Greenwood e Bobby Gillespie ). Mas não.
   Vejo agora uma sala que não visitei da outra vez. Sem fones, é a sala de pura música. Suas influências. Uma coisa mágica: a sala de visitas de uma casa inglesa de 1960 que vai se modificando conforme o assunto que Bowie fala. Imagine, em 1967 ele fundou uma associação em defesa dos cabeludos e foi entrevistado pela BBC. Tá lá, numa tela. E em meio a seu sax, os singles, um violão lindo...o acetato original do primeiro disco do Velvet Underground. Ora...Aqui, em março de 2014, em SP, as 14 horas, encontro o Santo Graal. De sua negra plasticidade emana todo um novo mundo de dor, de liberdade e de falsa emoção: nosso mundinho... Ah....se eu pudesse me ajoelhar sem parecer fake! 
   Saio para o calor do mundo irreal e sorrio.
   David e seus amigos benzem meu destino.
   Amém.

AMERICAN HUSTLE ( TRAPAÇA )/ MICHAEL CURTIZ/ TYRONE POWER/ STURGES/ ANDY WARHOL

   TRAPAÇA de David O. Russell com Christian Bale, Bradley Cooper, Jeremy Renner, Amy Adams, Jennifer Lawrence
Incrível como na comparação com o filme de Scorsese este filme parece pudico. Eu detestei. Tudo nele me pareceu fake. Na verdade ele é nada mais que um desfile de brechó dos anos 70 ( que não eram desse jeito, parte de seu fake passa pelo carnaval anos 70 feito em 2013 ). Nesse brechó também cabe uma trilha sonora óbvia ( o filme consegue usar músicas dos anos 70 e mesmo assim errar todas ). A trilha vai do muito cool ( Steely Dan, Todd Rundgreen ) ao muito brega ( America, Bee Gees ). O estilo de filmagem é um tipo de exibição: Hey! Vejam! Sei copiar os estilos de Scorsese/ De Palma e Friedkin!!! Uma chatice sem fim com diálogos pseudo-dramáticos. Devo falar que continuo achando o sr. Bale um ator medíocre. Aqui ele faz comédia todo o tempo. Sua interpretação parece John Travolta imitando De Niro. Se ele quis nos fazer rir, ótimo, mas temo que essa não foi a intenção. Um sotaque irritante digno de peça colegial. E ele continua confundindo ser ator com ser transformista. Já Bradley Cooper está excelente. Inclusive o visual, esse sim nada brechó. Amy Adams é sempre ótima. E Jennifer é sempre over. A famosa cena de Live and Let Die é amadora. Péssima até para o humor tipo Pânico. 10 indicações para o Oscar? Nota 3.
   DRÁCULA DE ANDY WARHOL de Paul Morrissey com Joe Dalessandro, Udo Kier, Vittório de Sica
Porque "de Andy Warhol se ele não dirige?" Porque a turma toda é da Factory. Joe é estrela de 90% dos filmes de Andy, e Morrissey foi dançarino com chicote do Velvet e cameraman da Factory. Mas o filme é um lixo. Tenta ser erótico e é apenas frio, tenta ser lúgubre e é apenas chato. Os atores têm cara de clip do Bauhaus e essa é a única graça desta chatice. Nota ZERO>
   A FERA DO FORTE BRAVO de John Sturges com William Holden e Eleanor Parker
Um bom western. Holden é um tenente do norte durante a guerra civil. Durão e mal, ele cuida de prisioneiros sulistas e precisa capturá-los numa fuga. Mas os indios atacam. Sturges dirigiu alguns dos melhores filmes de Steve McQueen, Kirk Douglas e Lancaster. Aqui, ainda em seu começo, ele usa bem os cenários e mantém o interesse. Para quem gosta de western, um belo filme. Nota 7.
  KID GALAHAD de Michael Curtiz com Edward G. Robinson, Bette Davis, Humphrey Bogart
Ainda a milhas de seu estrelato, Bogey faz um papel secundário de vilão. Robinson é um promotor de boxe. Lança novato, mas sua garota se apaixona pelo lutador. Curtiz dirige de seu modo habitual, crú, direto, sem firulas. Conta a história de modo cirúrgico e entrega uma diversão sem uma cena a mais. Exato. Bette Davis rouba o filme. Sua personagem exala sabedoria. Um grande filme. Nota 8.
   O BECO DAS ALMAS PERDIDAS de Edmund Goulding com Tyrone Power, Joan Blondell e Colleen Gray
Surpreendente. Hollywood não fazia filmes assim em 1947. Mas Tyrone pressionou a Fox a produzir este roteiro. Fala de um vigarista que usa todos para ser famoso. Como? Com um número de vidência. O filme mostra miséria, desespero e muita sujeira. Começa numa feira mambembe e termina de forma terrível. Tyrone está muito bem. Além de todo preconceito ( ele não era levado a sério por ser bonito ), ele era bom ator. Gray é uma linda atriz e o filme precisa ser visto por aqueles que se interessam por cinema. Nota 7.

Glastonbury 2011 Primal Scream Live



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Blur - Girls And Boys



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Japan (David Sylvian) - Ghosts [OGWT]



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LORD BYRON E AS NUANCES DO ROCK INGLÊS

   A primeira vez que li sobre isso foi no núveo ano de 1984 por Pepe Escobar, e em todos esses 30 anos ocasionalmente continuei lendo outras pessoas tocarem no tema. Agora tomo conhecimento de que até Harold Bloom escreveu sobre o tema, então o desenvolvo aqui.
  Primeiro devo dizer que o sistema educacional de todo o mundo está em decadência. Não há tempo para se desenvolver potenciais e portanto mesmo os poucos países que ainda vêem a cultura como prioridade se voltam para um tipo de educação prática, objetiva, e não ligam mais para a corrente enciclopédica que dava o aluno a chance de saber e escolher. 
  A educação inglesa até os anos 60 era do velho estilo. Muita história, muita arte, línguas e tempo de sobra. Ainda é hoje uma boa educação, se comparada a nossa, inexistente mesmo em escolas de elite onde pouco se lê. Nesse contexto, dar a um aluno de 14 anos a chance de conhecer Lord Byron é dar a ele a chance de encontrar um canal de desafogo de seus sonhos e pesadelos adolescentes. O que Pepe e Bloom falam é que 95% do rock inglês que vale a pena, por ser uma arte que precisa estar sempre em contato com as dores da adolescência, está desde 1965 em forte flerte e dominio do byronismo. O que é o byronismo?
  Byron foi um nobre maldito. Primeiro sentimento: Todo byronista tem a sensação visceral de ser um nobre maldito. Fantasias de se ter sangue especial, de ter sensibilidade exaltada, de ter uma antiga origem artística. Ao mesmo tempo se é um maldito por se odiar o tempo atual. Todo o passado, seja medieval, celta ou os anos 60/70 é visto como tempo de heroísmo. Daí, o byronista passa a ser um crítico, um satirista, um dandy azedo.
  Byron amava mulheres aos montes, talvez homens também. Isso não preciso comentar. Mas atente, é sexo regado a ópio, sedas, incenso, música esquisita, taras e sadomasoquismo. 
  Byron não se aquietava. Viajava pela Europa e seu nome logo se tornou uma lenda. Num tempo em que mal existiam jornais no Brasil, todo poeta mineiro ou paulista amava Lord Byron ( 1800/1850 ).
  Byron morreu jovem lutando numa guerra fadada ao fracasso. Idealista, Byron morreu nas trincheiras da guerra dos gregos contra os turcos. Virou mito. Todo byronista pensa que vai morrer cedo e tem com o tempo uma relação de horror, medo de morrer e medo de sobreviver e ficar velho.
  Byron ia aos limites. Drogas que aumentavam sua sensibilidade, sexo como forma de desafiar a moral, flertes com satanismo e doses grandes de pura maldade ( em São Paulo na época, os amigos byronistas de Alvares de Azevedo chegaram a transar com um cadáver no cemitério da Consolação ). Missas negras se misturam a amor por Jesus.
  Byron era manco e se vestia de modo refinado mas não convencional. Muita seda, veludo, pérolas, diamantes, penas e plumas. 
  Preciso dizer mais? Sim preciso, talvez o mais importante, Byron só escrevia sobre si-mesmo. Quando criava personagens como Don Juan, eram retratos do próprio Byron. Se falava da revolução. era uma revolução de Lord Byron. Tudo era um espelho, um eu gigante.
  O rock americano nada tem a ver com isso. Mesmo a relação com as drogas é diferente. Na América a imagem mítica que marca o rock ( menos na vertente Lou Reed Iggy Pop, apesar de em alguns discos eles tocarem esse mundo ), é a do pioneiro. Walt Whitman comparece em inspiração, ideias, imagens e até no visual ( o hippie é Walt Whitman e Thoreau ). Na Inglaterra ( e não na Irlanda ), Byron e depois Shelley se intrometem em tudo. E, em acordo com Bloom, isso é facilmente comprovável, o primeiro a perceber isso consciente e espertamente foi Mick Jagger ( não Keith que sempre sonho/sonha em ser Muddy Waters ). Mick pegou a batida do rock e o clima do pop e vestiu tudo com a luz diáfana do romantismo ofensivo e sexualizado de Lord Byron. Homem/mulher, anjo/diabo, irriquieto/esnobe. Ele criou aidentidade do rock inglês que se manterá na segunda fase dos Kinks e irá adiante com 95% do que vale a pena conhecer. De Stevie Winwood a Morrissey. De Bowie a Paul Weller. 
  Interessante é até mesmo Bloom perceber que os Beatles nunca se sentiram confortáveis nesse modelo. A partir de 1967 eles seguem essa tendência, mas neles isso nunca foi convincente. Eles não conseguiam ser "do mal" e seu visual nunca pareceu andrógino. A teoria é que suas origens seriam tão "Liverpool-classe trabalhadora", que eles simplesmente não conseguiam se sentir um grupo de nobres perversos. O mesmo aconteceu com The Clash e Oasis, para citar os mais relevantes. 
  Claro que ao tomar consciência de que os 40 anos chegavam, Jagger jogou fora todo o mundo de jovem-bandido-glamuroso e assumiu o papel de velho entertainer esperto. Como ele é uma esfinge que jamais revela seu mundo interior, corremos o risco de nunca saber se um dia ele acreditou no mito de Lord Byron ou se o interpretou apenas em público. O que importa é que todos os outros jovens ingleses desde então acreditaram. Acreditaram no romantismo de Morrissey, no dandysmo revolucionário de Paul Weller, na androginia prometeica de Bowie, no esteticismo de Bryan Ferry e no romance dramático de Thom Yorke. Assim como em Nick Drake, Kevin Ayers, Damon Albarn, David Sylvian e num vasto etc.
  Fecho contando que se fosse vivo Lord Byron estaria na Criméia, pronto para morrer pelos rebeldes e com todo um aparato de midia sobre sua ação. 
  Ou, falando num modo John Keats, poeta que era o calcanhar de aquiles de Byron, ele pode estar presente no corpo daquele pássaro que pia sem cansar...

1966 lady jane-rolling stones.mpg



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The Rolling Stones Play With Fire 1965



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O QUE ELES POSSUEM HOJE?

   E Patti Smith vai ao X da dor: "Nos meus downs eu tinha Rimbaud e Mick Jagger, eu tinha Virginia Wolff e Dylan, tinha Walt e Cocteau, eles me davam alegria, confiança, paz e objetivo. O que nossos jovens têm agora? Um novo tênis, uma dose de heroína? Uma trepada, um novo carro? O que restou para eles se erguerem e confiarem na vida?"
   Durante anos e anos, longe dos discos e longe dos palcos, Patti e Fred moraram em cabanas, hotéis baratos, casas pequenas. Vivendo dos direitos da versão que Springsteen gravou de Because the Night, quase duros, sempre perto do mar, ela e Fred ( ex-guitar dos MC5 ), criaram o filho Jackson. Ela escrevia, lia, cozinhava, nadava. Ele pintava, navegava, cozinhava, esculpia. Quando Jackson estava pronto, eles voltaram...

Patti Smith - Horses & Hey Joe



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