England 1-2 Scotland, International 1977 (Wembley pitch invasion)



leia e escreva já!

EM QUE SE TERMINA DE LER O ESTUPENDO LIVRO DE ROD STEWART EM QUE ENSINA O QUE É IMPORTANTE NA VIDA DE UM HOMEM E PORQUE ELE SEMPRE FOI UM CARA DE SORTE!

   A segunda metade do livro de Rod, como era de se esperar, é muito pior que a primeira. Ela assim reflete sua carreira. Começa genial, daí cai no banal. E o livro, que continua agradável, cheio de humor e auto-irônico, mostra o porque: após os 35 anos Rod Stewart se dedica a apenas uma coisa na vida, conquistar e descartar modelos loiras. Oito filhos, dois casamentos, montes e montes de namoros. Para quem lê fica fácil perceber, nos deslumbrados anos 80, o oriundo da classe trabalhadora cai de boca. Festas, festas e mulheres!
   Algumas surpresas. O melhor amigo de Rod é Elton John! Que o irrita com sua facilidade de compor, o que para Rod sempre foi um tormento.
   A lição que o pai de Rod lhe deixou: para um homem ser feliz ele tem de ter 3 coisas, um trabalho, um esporte e um hobby. O esporte é o futebol. Fã do Celtic, chegou a invadir o gramado de Wembley numa vitória da Escócia sobre a Inglaterra por dois a um. Em 1977. Joga bola toda a semana. Desde 1960!
   O hobby é montar maquetes de estações de trem. E as cidades ao redor. Ocupando salas e salas, Rod monta prédios de metro e meio em escala. Há uma foto no livro. Show! Roger Daltrey tem o mesmo hobby.
   Profissão: cantor.
   A série songbooks vendeu 20 milhões de discos! Em 2006! E o acústico MTV foi seu auge como voz. Também acho. Insuperável, sua voz nunca esteve tão bem.
   Um cara de sorte. Curou um câncer em dois dias! Encontrou seu maior amor aos 60 anos. Foi pai, mais uma vez aos 65. Abandonou uma filha quando ele tinha 18, e hoje ela é sua amiga. Ex-pobre deslumbrado, hoje coleciona pinturas pré-rafaelitas e Lamborghinis. Cheirou sempre de forma social e nunca se viciou. Passou limpo pelos anos 80, sem aids e sem internações. E diz, sem inventar nada, que não é um vencedor, porque nunca lutou contra nada, tudo lhe veio por pura sorte. E por sua voz, com a qual nasceu.
   Sou fã de Rod desde 1975. Quando comprei Atlantic Crossing. Comprei porque ouvia Sailing no rádio e adorava. Sailing não era a melhor canção do disco. Eu o escutei muito no verão de 75 para 76. Foi quando meu pai comprou um apto na praia e o disco de Rod passou a ser associado com ir pra praia. Alegria total. Ainda hoje ele me é símbolo de alegria. Depois comprei em 77 o Tonights The Night, que não gostei e Fancy Free, que era mais ou menos. Mas em 79 descobri o Thruth do Jeff Beck Group e Rod renasceu pra mim.
   Só neste século comprei seus primeiros discos solo e os discos do Faces. Entendi então porque tanto sucesso em 70/74. Sucesso de crítica. São retratos perfeitos de sentimentos sinceros. Puros e simples. Comoventes. E heróicos. A gente sente que é um bando de amigos dando o máximo. Um momento em que um cara com uma puta voz atinge o topo. E cai desde então, graciosamente.
   E sempre vendeu bem. Seja em 71, 89 ou 2004. Mas sua praia é o palco. Nele, ele foi mais quente que os melhores. E com uma voz que punha Roger, Robert e Mick no chinelo.
   Em 1995, julho, vi o Acoustic de Rod na MTV. Mais um renascimento pra mim. Não pensava em Rod desde 83, época em que o imitava no quarto cantando Hot Legs. Rod é ótimo para se imitar!!! Voce bota tudo pra fora! E esse acústico foi duca!!!! Chorei com Handbags e com Every Picture...Ronnie e Roddy juntos again!
   ( Rod é tão gente boa que não culpa Ron pelo fim dos Faces. Diz:"ora, quem não trocaria o velho Rod pelo grupo de Keith e Mick? Ron Wood nasceu para tocar nos Stones!").
   Hilário quando Rod leva um pé na bunda e pensa em fazer terapia. Tenta 3 terapeutas e desiste. Faz aquilo que todo inglês faz ( terapeutas não são muito populares na Inglaterra ao contrário da Argentina ), quando um inglês tem problema, senta-se a lareira com um chá bem forte e fica parado com os lábios duros e franzidos! Hahah!
   Bela conversa Rod!!! Voce é exatamente o que eu pensava! Um cara normal, um dos rapazes.
   E como diz seu livro ao final: "Bem, vou fazer um chá...tchau!"

SE PUDER DIRIJA/ PAOLO SORRENTINO/ RUBEN ALVES/ JOSÉ WILKER/ FRED ASTAIRE/ KISS ME KATE!

   NAS ÁGUAS DA ESQUADRA de Mark Sandrich com Fred Astaire, Ginger Rogers e Randolph Scott.
Não é dos meus Astaire/Rogers favoritos. Ele é um marujo que em férias se envolve, na verdade reencontra, sua ex-partner de show. O filme foi feito para provar que Astaire era macho. Desse modo o vemos mascando chicletes, praguejando, apostando, sendo do povo. Prefiro seus filmes ultra-refinados. Claro, ele dança. E Ginger é maravilhosa! A trilha, fantástica é de Irving Berlin. Nota 7.
   TOP HAT de Mark Sandrich com Fred Astaire, Ginger Rogers, Edward Everett Horton
Para a maioria é o filme número um da dupla. Eu adoro este filme, mas prefiro Shall We Dance e Gay Divorcée. Uma trilha sonora fabulosa de Irving Berlin. Fred é um dançarino em hotel que perturba com seu sapateado a vizinha Ginger. Acabam por se apaixonar. E brigam, e voltam...Se o enredo é convencional os diálogos não são. Eles brilham em humor e esperteza. Cenários brancos e brilhantes, figurinos inesquecíveis e as danças enevoantes da dupla. Ruy Castro diz que a Veneza de papelão deste filme é como Veneza deveria ser. Um sonho em P/B. Nota Dez.
   KISS ME KATE! de George Sidney com Howard Keel, Kathryn Grayson, Ann Miller, Bob Fosse
Escrevi sobre esse filme abaixo. É um dos meus dez musicais favoritos. A trilha de Cole Porter é perfeita. Tem humor, romance, chic e criação. Keel nunca esteve melhor, um Petruchio perfeito. É um filme que dá uma forte sensação de sonho. Equivale a dormir acordado. Muita cor, muita beleza, muita diversão. Um testemunho da decadência de nossa civilização é o fato de não mais se fazerem filmes como este, tão urbanos, elegantes e educados. Um arraso! Nota DEZ!
   A GRANDE BELEZA de Paolo Sorrentino com Toni Servillo
Escrevi sobre ele abaixo. Um grande filme. Tem o melhor do velho cinema italiano, invenção e aquela mistura de humor e melancolia que só os italianos sabem fazer. O estilo é Felliniano. Tipos e rostos INTERESSANTES, mistura de tempos, sonho que se confunde com o dia a dia...Ainda haverá gente nos cinemas que entende um filme tão sofisticado? Cenas de imensa beleza. Inesquecível. Nota DEZ.
   A GAIOLA DOURADA de Ruben Alves com Rita Blanco, Joaquim de Almeida
Uma co-produção luso-francesa que foi um grande sucesso nos dois países. Ainda não passou por aqui. Fala de imigrantes portugueses que vivem em Paris. Um deles recebe uma herança e resolve voltar a sua terra. Mas os patrões, franceses, fazem de tudo para que ele fique. O tema fala direto a minha vida. 90% de meu sangue está em Paris, nas veias de imigrantes que lá vivem a mais de 40 anos. E mesmo assim eu achei o filme chato. Falta fogo, algum tipo de animação, de trama, Ele é solto demais, colorido demais, óbvio demais. Porque tanto sucesso? ( Foi o maior hit de 2013 na França ). Nota 3.
   CASA DA MÃE JOANA 2 de Hugo Carvana com José Wilker, Paulo Betti, Antonio Pedro
Quer saber como era o Brasil em 1973? Veja este filme. Apesar de ser de 2013 e se passar em 2013, seu humor é aquele de 1973. Não sou moralista, mas esse tipo de malandro carioca de 1973 hoje parece muuuuito imoral. Seus golpes, antes inocentes e hilários, agora nos irritam por recordar Brasília. A gente não aguenta mais malandros simpáticos dando golpes bem-humorados! O filme então desaba. ZERO!
   SE PUDER DIRIJA de Paulo Fontenelle com Luiz Fernando Guimarães, Leandro Hassun e Gianechinni.
É útil ver este filme. Ele nos ensina como NÃO se deve dirigir uma comédia. Chega a ser um mistério saber o que o diretor Fontenelle queria. Destruir o roteiro? Humilhar o elenco? A trama é aquela que os americanos fazem de olhos fechados, um pai e sua relação dificil com ex-mulher e filho. Uma trapalhada no trabalho e no fim a reconciliação com o filho. Chevy Chase e Billy Crystal fizeram toneladas de filmes assim. E todos são pelo menos simpáticos. Porque sabem ter ritmo, algo que Fontenelle desconhece. Suas cenas são longas, paradas, silenciosas, frias, esticadas, sem time nenhum. Será que ele queria dar uma de Jacques Tati e fazer humor delicado?? Putz, como ele se acha! E como errou feio!!! O filme é amador. ZERão!!!!

The Faces - Documentary interview from 1970



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MEU AMIGO RODERICK STEWART ( uma bio duca! )

De todos os astros do rock cujas bios eu li, Rod Stewart é aquele de quem eu gostaria muito de ser amigo. O cara é legal, simples, gente boa. E a forma que ele escolheu de contar sua vida demonstra isso. Nada da confusa história cheia de lacunas de Keith Richards, nada da detalhada e melô bio de Paul MacCartney. O drama sem humor de Clapton também não está aqui e nem a coisa arty de Patti Smith. Rod é engraçado. Tudo o que ele conta é auto-irônico, lê-lo é um prazer e uma alegria. Ele foi e é feliz, não tem vergonha disso, nunca tenta ser herói. Ele é o Rod do Faces, aquela que foi a mais feliz das bandas.
Cada capítulo usa o tipo de título que era usado por Swift, Fielding e Sterne..."Como nosso herói perdeu a virgindade e ao mesmo tempo foi descoberto por um olheiro de futebol". Roderick Stewart foi o caçula de uma familia grande. Era fruto de um acidente, sua mãe engravidou sem querer, seu irmão mais próximo era 9 anos mais velho. Rod nasceu, e como último bebê, foi mimado. Seu pai era um encanador, e longe de serem ricos, nunca passaram privações. Sempre vaidoso ( Rod sempre dá um jeito de falar de seu cabelo, e tira uma de si-mesmo sobre essa mania de arrumar os fios ), ele amava futebol. Desmistifica certas lendas tipo, não, ele nunca foi jogador profissional ( fez uma peneira, não passou ), nunca foi coveiro ( mediu túmulos por uma semana, aí foi demitido ), não era mal aluno...e nem bom...era quieto. E jamais pensou em ser cantor. O que ele gostava e gosta mesmo é de futebol e de carros esporte. O ato de cantar vem em quarto lugar, pois ainda existem as mulheres. Muito da má vontade de certos críticos com ele vem daí, na época dos heróis do rock, dos drogadões, dos "tudo pelo rock", Rod Stewart sempre disse que estava nessa para poder ter um carro novo.
A gente lê página e mais página adorando estar na companhia de Rod. Nesse sentido, sua escrita é como suas melhores músicas, amigas para toda a vida. Ele ganha um violão do pai, toca mal, e como é fã de Bob Dylan, canta suas músicas na praia, na escola. E todo mundo começa a dizer, "canta Rod!". Ele canta. Vai a shows em porões sujos, vira fã dos Stones, ( onde eles estarão? ), e meio por acaso canta em bandas de blues. Todas são absolutos fracassos. Os produtores acham sua voz ruim e sua figura pouco rebelde. Como aconteceu na mesma época com Bowie e Elton, Rod passa a década de 60 no segundo e terceiro times. Porque mesmo quando ele entra para o Jeff Beck Group, que em 68 estourou, toda a atenção era de Jeff, já então um mito da guitarra...e um cara sempre de mal humor.
É nesse grupo que ele faz amizade com um cara tão descabelado, desencanado, mod e engraçado quanto ele, um tal de Ron Wood. Quando Jeff despede Ronnie, Rod sai junto. E isso bem na véspera de tocarem em Woodstock. ( Rod sente alivio por ter perdido essa chance. Todos que tocaram lá foram congelados como "o cara que tocou em Woodstock").  É então que a gravadora Mercury lhe oferece um contrato para um disco solo. Disco que será gravado em 15 dias. E que eu considero maravilhoso! É o soberbo LP que tem Handbags and Gladrags...um disco profundamente emocionante.  Esse album faz sucesso de critica...e nada de público. Mas com o segundo, Gasoline Alley, vem o sucesso na América e com Maggie May nasce o fenômeno.
As pessoas não lembram, mas o single Maggie May foi o primeiro a ser número um nos EUA e Inglaterra na mesma semana. Nem os Beatles conseguiram isso. E o lp Every Picture Tells a Story também seria número um nos dois países ao mesmo tempo! Só Michael Jackson com Thriller faria isso de novo. Era, em 1971, uma luta nas paradas, Rod brigando com Imagine de Lennon que brigava com Simon e Garfunkel que brigava com My Sweet Lord que brigava com Led Zeppelin.
Volto no tempo e digo que aos 9 anos Rod foi levado pelo pai ao cinema. Ele viu AS FÉRIAS DE MONSIEUR HULOT, de Jacques Tati. Até hoje seu filme favorito. Ao mesmo tempo, Ronnie Wood, quilômetros longe, via o mesmo filme. E depois do Jeff Beck Group, os dois formam os Faces, o mais tatiano dos grupos!
O Faces era o anti-rock progressivo. Anti-art rock. Era uma banda de palhaços, de grandes amigos, de preguiçosos. Entravam no palco sem um set list. Conversavam com a platéia decidindo na hora o que tocar. Jogavam futebol, montavam um bar, traziam dançarinas de can can, tudo no palco. Riam. SE DIVERTIAM. E traziam todo esse bom humor aos fãs. E aproveitavam para também levar tietes, dúzias pro hotel. Rod sempre foi isso, sem disfarçar, um cara da classe trabalhista que se divertia com a fama e o dinheiro. "Missão social?", "Mártir da fama?"....não me faça rir!Mas escrevendo com essa falta de pretensão ( e ele confessa ter uma imensa dificuldade para compor ), Rod Stewart conseguiu nos dar algumas das mais lindas, poéticas, inesquecíveis, fantásticas músicas de toda a história. Com sua voz privilegiada, ele nos faz ver, sentir e estar nos lugares que ele descreve. Em seus primeiros seis anos de carreira, tudo o que Rod canta vira vida de verdade.
Nascido dos escombros do Small Faces ( Steve Marriott saiu deixando Ian, Laine e Kenney a ver navios ), o Faces é uma banda duca!!!!!
Mas como Rod conseguiria administrar a carreira solo e a banda? Sendo que como solo ele vendia 10 vezes mais que nos Faces?
Continuo em outro post!

TODOS OS DIAS NA TOSCANA

     Eu adoro esses livros sobre o bem-viver. Peter Mayle é o melhor, mas Frances Mayes não fica muito a dever. A maior diferença entre eles é que Peter tem muito humor, Mayes é mais poética. 
    Pra quem não sabe, Frances se mudou para a Toscana e reformou um velho casarão. Lá, ela descobre os mistérios do que seja "ser um italiano". Ela idealiza? Claro! Mas para um americano, a vida da Itália interiorana é mesmo uma revelação. Neste volume, Frances tem um tipo de crise com o país, percorre a trilha das obras de seu pintor favorito ( Signorelli ), e reconquista/ reafirma sua paixão pelo lugar.
   Tudo é uma questão de tempo. A relação dos italianos com o tempo é inversa a dos americanos. Eles só fazem aquilo que os diverte e se não for divertido faz-se ser. O tempo não manda, eles domaram o tempo há muito, o esticam, domesticam, subvertem. Muita comida. Italianos, como todo europeu, passam o dia planejando e pensando no próximo jantar ou almoço. ( Deve ser por isso que a Inglaterra não parece Europa ). Frances fala de comida e nos dá fome. Ela sabe descrever pratos, sabores, cheiros. Uma delicia!
   Perto do Natal, nestes dias de compras de vinhos, doces, peixes e legumes, frutos e prosecco, onde até grappa consegui encontrar, é inspirador ler os relatos de seus banquetes e das longas conversas a mesa.
   Boa leitura e bom apetite!

A GRANDE BELEZA, UM FILME DE PAOLO SORRENTINO

   Jeanne, era esse seu nome, juro que era, saía da escola e andava poucos passos. Entrava no carro e ia embora. Eu, dentro do Caravan de meu pai, olhava. Ela passava olhando para o chão. O vidro do carro embaçava, frio. Beleza. A vida, cedo, me exibiu a beleza. Se desnudou para mim. Eu vi, antes de saber dominar palavras, teorias, formulações, ou seja, antes de aprender a morrer, que a vida era beleza. Quando muda.
   Nua quando vi os pombos, nua quando percebi a teia da aranha, nua na manhã em que me perdia entre eucaliptos. Eu olhava, olhava, olhava e via, via, via. A menina loura espetando o pé numa tachinha no chão. Arrancando a tacha da sola do pé e continuando a passar o rodo no cimento. Fazia sol e ela vestia um leve vestido branco. Eu olhava e sem palavras a via. A nudez da vida e a nua beleza.
   Então, ao aprender a escutar as conversas, os discursos e ao ler as máscaras, notei que a vida não era aquilo que a gente vive. A vida era além. Que falamos para matar o tempo, trabalhamos para matar o tempo, amamos um amor de discurso e amor não se fala. E veio o meu outro eu, longe e sempre aqui. Incomunicado, em comunhão. Daí o para que...
   A verdade está fora do Homem. Nos bichos, na luz, no mar e na Serra. No silêncio dos sentimentos. Essa a verdade e a beleza. Um pássaro, o escuto agora, é um Bem-Te-Vi, fala direto ao dizer nada. Livre das amarras dos nomes ele fala. O Homem é livre quando se cala e percebe. A beleza.
   Roma é uma velha freira-santa. Explorada por gente que fala demais. Roma é vaidade. Paolo dialoga com Fellini. A Doce Vida fala do momento em que um jovem percebe o vazio absoluto. Paolo continua e conta de um velho cansado do vazio.A Roma de Fellini é uma puta explorada. Paolo mostra a velha matrona vivendo a base de drogas. Toda civilização desaba ao viver apenas em função do prazer. Quantas vezes Roma caiu?
   Ninguém nunca filma rostos como Fellini filmou. E milhões tentaram. Paolo não consegue. Ninguém cria beleza como Fellini. E finais fortes. Paolo pelo menos tenta, ambicioso. O personagem central, sempre dandy, vaidoso, exibido, viu a beleza cedo demais. Passou a vida sabendo que nunca mais iria a reencontrar. Ceticismo, disfarce dos desencantados. Italiano, tem humor, ama as mulheres, mas sabe, a fala esconde a vida.
  O filme, cenas belas sobre cenas belas, Roma, a mais bela das cidades, chafarizes insuspeitos, cor do sol sem outra igual. As pessoas fazem coisas, pulam, viajam, correm, flertam, e falam, falam, falam. Doce Vida que azedou faz tempo. Mastroianni tinha desespero, aqui tudo aborrece.
   Paolo conseguiu. Estou comparando o filme a Fellini, Truffaut ( linda cena com Ardant ), Antonioni. Ele perde, mas fica muito acima de tudo que se tenta hoje. Beleza triste, saudade vazia de motivo.
   Disseram ( quem? Eco? Paz? ), que a beleza, a estetica poderia salvar o mundo. Filmes como este podem salvar o cinema.

From This Moment On - Kiss Me Kate



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KISS ME KATE!, COLE PORTER

   Natal é tempo de agradecer. E de presentes também, como não? E todo ano aproveito esse tempo para agradecer a existência de gente como Cole Porter e dou presentes a mim mesmo vendo musicais.
   Essa tradição começou em 1991, quando, meio high, assisti na TV, de madrugada, dia 25, a Alta Sociedade. O filme, very classy, tem trilha de Cole ( além das presenças luminosas de Frank, Bing, Grace e Louis ). Natal feliz casa desde então com musical chique. But...agora lembro que já no muito alegre natal de 1980 eu assistia West Side Story na TV! Well...Eu não creio em Papai Noel, eu acredito em Fred Astaire.
   Kiss Me Kate foi o show da Broadway que tirou Cole de 10 anos de azar. Num resumo, Cole nasceu milionário, começou a fazer música em Yale, ficou famoso jovem, e passou a viver a fama e o glamour da Riviera. Passava férias com Picasso etc. Tudo muda quando ele sofre um acidente de equitação e tem as duas pernas esmagadas. Daí pra frente são dúzias de cirurgias e dor constante. Ainda vive mais vinte anos assim. Seus shows começam a fazer água, mas em 1953, Kiss Me Kate, baseado em A Megera Domada, de Shakespeare, estoura. Cole renasce. Irá morrer em 1964. Morrer em carne, suas canções, sofisticadíssimas, são pra sempre. Mesmo o mais besta dos ouvintes as conhece. ( Um adendo, em 66 muita gente dizia que Paul MacCartney era  um novo Cole...não foi. Paul é um gênio, mas não cresceu para o lado urbano chique de Cole, ficou sempre sendo um filho de Liverpool ).
   Então ontem começo a me dar presentes revendo este filme, de George Sidney, que leva fielmente o show para as telas. Em 3 D! Todas as músicas da Broadway foram mantidas, e Howard Keel faz Petruchio com maestria. Uma presença viril, irônica, magnética. Kathryn Grayson, linda, faz Catherine, uma fonte de ira. Adorável. Mas há mais! Números de dança estupendos, em vários estilos, com coreografia de Hermes Pan. Tommy Rall dá um show em ballet moderno e vemos a milagrosa e muito moderna estréia de Bob Fosse, ele faz um dos pretendentes de Bianca. Na tela vemos, já perto do fim do filme, o nascimento do estilo Fosse, o estilo que dá prioridade as mãos e ao chão. Corpo jogado no solo, dedos estalando, Bob Fosse, dançando com Carol Haney, estraçalha! 
   O filme não é só ele. É uma diversão deslumbrante. Tudo funciona e quando ele termina voce se pega cantando as canções, geniais, de Cole. O modo como ele faz rimas ainda não foi igualado. Kiss Me Kate é um grande e inesquecível presente.









SAGA DOS VOLSUNGOS- SAGAS ISLANDESAS.

   Feira de Livros da USP. Não ia desde 1999. Melhorou muito e valeu muito a pena! Rocco e Companhia das Letras não foram. Mas eu comprei 12 livros! Nos meus cálculos, em preços da Cultura, teria gasto mais de mil e quinhentos reais. Na Feira gastei 400. Comprei livros de luxo. Um com fotos de SP no século XIX. A bio de Matisse. Um livro com fotos de Doisneau. O livro escrito por Capa, com imagens raras. O recém lançado livro sobre o glitter rock. A bio de Bergman com intro de Woody Allen. A bio de Pete Townshend. E mais Chaucer, Marlowe, um livro catalão Tirant Lo Blanc, um álbum de Snoopy, Guerra e Paz em capa dura, um sobre decoração, e ainda este livro, sobre sagas medievais da Islândia.
   Porque Islândia? Na introdução de Théo de Borba Moosburger, fico sabendo que a Islândia ocupa um lugar privilegiado na história do romance europeu. Primeiro, foi o país que antes de qualquer outro escreveu em língua própria e não em latim; e segundo, escreveu em prosa e não em verso. Tolkien adorava essas sagas e muito de sua obra vem daqui. Do que trata? Da fundação da ilha islandesa, de seus primeiros reis e heróis. Um mundo que nos é quase incompreensível.
   A primeira coisa que salta aos olhos: A ausência de clemência ou de piedade. Matar é coisa absolutamente corriqueira. Mata-se por que se gosta de matar, pois para se poder ir para o céu dos vikings era preciso morrer em luta. Morrer de doença ou velhice era ir para o reino de Hel, o inferno, morrer lutando era ir para Asgard, onde se podia lutar mais. Pois a vida era isso, uma briga sem fim. Sangue e vísceras. Um homem vivia pela espada, por sua familia e por seu rei.
   Não posso nem discutir sobre sua coragem. Em barcos pequenos eles chegaram a Groenlandia e até a América!!! Eles eram mais que corajosos, não tinham noção alguma de preservação da vida. Tinham muitos medos, mas ao contrário de nós, seus medos não se ligavam a morte ou a dor. O maior medo era a desonra, ter o nome sujo, ser um fraco. Dor fisica e morte eram nada.
   Algumas cenas espantam. Além de assassinatos sem culpa ( e não falo de guerra, as mortes eram em simples passeios na floresta ), o reino começa com um filho que é fruto de um casamento entre irmão e irmã. Sem qualquer culpa, a irmã seduz o irmão e têm um filho que será um rei e um herói.
   Dragões, bruxas, adivinhações, tudo entra nessa saga como fato normal, conhecido, cotidiano. É um mundo pré-cristão e não-greco-judaico, é o mundo da mais pura raiz européia ( nos esquecemos sempre que Atenas e Judéia, Pérsia e Egito são reinos orientais. A Europa pura é a celta, ou seja, a dos vikings, suevos, francos, saxões, íberos ). Uma sociedade familiar, voltada para a guerra e para a magia.
   O estilo da escrita, sem qualquer adaptação, traduzida a crú, é rústica. As coisas são narradas de modo direto. Nada de descrições, nada de ambiente, nada de clima. É ação e mais ação. Briga e mais briga, viagem e mais viagem, mortandade sobre mortandade.
   Anti-europeus gostam de falar que a Europa e sua cultura são violentas, a mais violenta do mundo. Não sei. A China nunca foi um mar de rosas e Maias ou Incas estraçalhavam os inimigos sem dó. Talvez a velha cultura judaica, os cartagineses e os hindús tenham sido menos cruéis. Talvez. Mas nos choca muito ver um massacre inutil de crianças e mulheres ser louvado como ato heróico, o que ocorre todo o tempo aqui. Para passar o tempo, o herói vai a uma cidade para "saquear e matar um pouco".
   Jung estudava muito essas histórias medievais e via nelas a raiz de sonhos e de sintomas. Se ele estiver certo, chega a ser aterrador a imensa carga de violência que temos em nosso sangue. Porque neste mundo, o grande, o supremo prazer é o de matar. Se assim for, nosso mundo cristão e pós-cristão cometeu uma obra ainda maior do que eu pensava. A substituição da guerra pela convivência e do sangue pela fé. Mas o guerreiro, o doido e sem freio assassino, o irrefletido e puro impulso, o vaidoso e inconsequente está lá, está cá e está em todo canto. Desse duro ponto de vista, um moleque briguento e ladrão está muito mais perto da verdade humana que um dinamarquês hiper-civilizado e do bem. Não a toa o alto indice de suicidio na Suécia, o reino dos vikings tendo se transformado no país da paz e da sociedade justa.
   É um livro dificil.

Patrick Hernandez - Born to Be Alive - Official Video (Clip Officiel)



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O AMOR EM TEMPOS DE LENTIDÃO

   Que engraçado! Ontem numa festa, conversando com uma mulher da minha geração, lembrei de uma coisa que parece medieval...ou da renascença. Nas baladas de 1980, o objetivo era pegar o máximo de telefones possíveis! Ninguém beijava na balada, a não ser gente que voce já conhecia de outro dia. O que se fazia era chegar numa estranha, conversar e a muito custo pegar o telefone ( que muitas vezes era fake ). Daí voce voltava pra casa e no dia seguinte, após ensaiar um discurso que se perdia ao primeiro alô, telefonava para a menina. E então, se a conversa engrenasse, talvez se marcasse um cinema, uma lanchonete, ou um reencontro no mesmo lugar. Era a idade dos talvez. Andávamos no escuro, nunca sabíamos o que ia rolar.
  Então, depois de 3 telefonemas, voce a levava ao cinema. De rua. Pagava um drops e entrava. E sentia o medo. Que fazer? Conversar? Ver o filme? Assistia o filme e na saída tentava umas piadas. E andava com ela, a mão, de vez em quando, roçando de leve na mão dela. A acompanhava até em casa e dizia que queria repetir a saída, claro, se ela quisesse...
  E ela falava "claro, adorei conhecer voce!"" E então a volta pra casa, a pé, para durar mais, era a coisa mais feliz, mágica, exultante e louca do mundo! É aí que o abismo entre gerações se faz, porque a gente voltava cantando e dançando na rua, e é por isso que caras de menos de 40 nada entendem do que seja um musical, o mais real dos tipos de filme.
  O primeiro beijo ainda está na cabeça e no peito. A ansiedade é imensa. Quando vou beijar essa menina? Entenda, um beijo equivalia a um pedido de namoro. Beijar era compromisso. Podia durar uma semana, mas era um tipo de pacto, um estamos juntos, ISTO É UMA HISTÓRIA, que será recordada e contada mais tarde. Éramos loucos por histórias, sem saber, a gente compunha sagas todo o tempo. Éramos anti-práticos.
  Voce pode estar nos achando puritanos. Não era isso. Podia-se beijar duzias de meninas em um mês, mas uma história tinha de ser composta. Sair com prostitutas era a saída sem história, sair com meninas era contar um conto.
  Cartinhas com desenhos, o papel lindo que as meninas usavam! Com perfume, cheiro de quarto de menina! E afinal o beijo! No meio de uma frase, de sopetão, de loucura, um tipo de "não aguento mais segurar"...Beijo que vinha sempre com um "Voce é linda"e um Ëu te Amo!"...e saiba, todos foram sinceros.
   A gente era apaixonado por amor. Falava-se muito nele. Amor, amar, amava, o verbo era o mais usado. Nenhuma vergonha em amar. Um amor novo por mês, trabalhoso, dificil, contido, e sempre era pra sempre.
   Sei lá, me parece que a molecada hoje tem paixão por "catar"e um imenso medo de amar. Será?
   O tempo traz coisas boas e leva coisas boas. São trocas. E eu realmente não me lembrava de nada disso até ter ontem essa conversa. Em 1980 se faziam rituais para sair e para conhecer alguém. Talvez por nossa vida ser muito mais lenta, com menos coisas sendo oferecidas, menos apelos aos desejos, todo contato e toda aventura"tinha um valor de coisa única. A gente tinha a consciência ( ou seria a ilusão? ) de que tudo era só uma vez e nunca mais.
   Ontem de noite tocou a minha música, Born to be Alive, e foi ela que nos fez voltar no tempo.
   Eu tinha um diário. E todas elas também.
   Isso fazia muita diferença! As coisas eram para sempre. Sempre.