O MAIS HORRENDO LIVRO JÁ ESCRITO: SOB O SOL DE SATÃ- GEORGES BERNANOS

   Mouchette é uma menina de 16 anos. Grávida, ela pressiona seu velho amante a assumir o filho. Mata-o. Acaba por abortar. Dentro dela vive um demônio.
   Um ignorante, bruto, ríspido camponês é um santo. Ele sofre sem parar. Tem dúvidas, o medo lhe corrói a alma. Não dorme, vive em pesadelos. Num estrada encontra o diabo, que é um homem que deseja lhe ajudar. Depois encontra Mouchette, que o desafia, e a qual ele vence. O padre-camponês-santo não sente força, sente piedade. E essa piedade destrói Mouchette que se mata.
   Passa o tempo e ele é reconhecido como santo. Mas continua em agonia. O mundo é dor, é medo, é desejo que não tem fim. Ele quer morrer. Deus está na morte, está na distância. Satã vive no coração de todo homem...
   Foi Pondé quem me chamou a atenção para este livro. A mensagem é clara: Deus está perdendo a guerra, o mundo é do mal. Esse é o catolicismo puro, duro, dificil, triste. O livro, lançado em 1926, surpreendente sucesso na época, é o mais cansativo, deprimente, árduo que já li. Kierkegaard perto dele é diversão. As mais duras conclusões de Heidegger ou Freud são alegres piadas de criança. Bernanos vai ao âmago, vai ao inferno. Santo é aquele que vê o mal, que sente o mal, que agoniza a todo segundo.
  Georges Bernanos se dizia um não escritor. Dizia não escrever, antes, desabafar. Escrevia em trens e cafés, pois assim podia erguer a vista do papel e ver gente, escapar do transe de seu texto. Páginas que parecem escritas com sangue, com desespero, com faca.
   Maurice Pialat filmou este livro em 1983. Bresson filmou 3 livros de Bernanos. O catolicismo francês sempre foi o mais seco, sofrido e conservador. A vida deve ser pobre, deve ser o extremo da simplicidade. Todo excesso, todo riso, todo conforto é obra de Satã.
   Ler Bernanos é sufocar, se afogar, morrer para a vida, negar o mundo, odiar o sol, submergir no horror. Após este volume estou pronto para ler qualquer coisa. Nada pode ser mais terrível. Se ele estiver certo, tudo o que vemos, sentimos e pensamos é engano, mentira e jogo da maldade pura.
   Que Deus tenha fé em nós é questão respondida. Perdemos tudo.

O DISCO FAVORITO DE MACCARTNEY: PET SOUNDS, A OBRA TRÁGICA DOS BEACH BOYS

   Quando Paul lançou RAM, um de seus melhores discos, em 1970, muita gente se surpreendeu com a foto de capa: Paul e um carneiro. Não ficariam tão surpresos se soubessem que PET SOUNDS era seu disco favorito. Além do que, Paul sempre falara que God Only Knows era a mais bela canção de amor já feita. Pena que a paranóia de Brian Wilson tenha destruído sua carreira. Ele via Paul como um rival e apenas como um rival. O engraçado é que os dois eram "almas gêmeas", os dois gênios em melodia, em arranjos, em conseguir fazer do pop algo de sinfônico, de usar tudo o que um estudio oferece para aumentar o som. Os dois são também igualmente assexuados, apoliticos e donos de uma certa infantilidade ingênua, dado que os enriquece e não limita. Os dois viveram em mundo à parte, mundo feérico em que Paul jamais perdeu a chave de retorno e no qual Brian perdeu não só a chave como a consciência de lá estar. Falei que são gêmeos? Engraçado...ambos são do signo dos irmãos atados, gêmeos ( Dylan também é, o gêmeo amargo e mal-humorado ). Filhos de Maio/Junho, como são Morrissey, João Gilberto, Prince, Yeats, Lorca, Whitman e Pessoa....Mas este não é um texto astrológico!
   Phil Spector inventou o estúdio como instrumento. Em suas luxuriantes produções feitas em 1962, 63, 64... ele usava uma instrumentação absurda, wagneriana: trompas, timpanos, flautas, harpas, orgão, saxes, violinos, xilofones, acordeon, tubas....tudo para fazer musica pop e tudo soando como uma coisa coesa, única, ritmada e sutil. É desse produtor que Brian Wilson aprendeu tudo, o single Good Vibrations é o apogeu de seu talento e o lp Pet Sounds é a sinfonia de Brian.
   Não é rock. Os Beach Boys sempre tiveram dificuldade com esse rótulo. Desde Surfin USA, o que eles faziam era Pop. Burt Bacharach, Gershwin e as pop songs das bandas vocais negras dos anos 50 foram suas influências. I Only Have Eyes For You tem tudo aquilo que Brian faria. Brian, lider e cérebro do grupo, não se encaixa no rock porque nada nele remete a raiva, ao sexo ou a ação adolescente. É música polida, educada, de bom-tom, o que ele procura nunca é o dissonante, ele procura ( e encontra ) a beleza, a pura beleza. Mas, que surpresa, a gente percebe uma fissura nessa beleza, uma nota de angústia. Brian quer crer no sonho teen da Califórnia solar, mas topa em cada manhã com a névoa fria de San Francisco.
   A música de Pet Sonds é TomJobiniana. Brian, como Paul, não consegue ser "feio". Naturalmente ele harmoniza. Combina os sons, enriquece, aumenta, suaviza, arredonda. Ele usa montes de instrumentos, dúzias de timbres e o que poderia soar como uma tempestade, tem sempre o som de uma cantiga, de uma canção de ninar. A bateria não é usada para dar ritmo, ela pontua as emoções da música, o baixo não estilinga, ele embeleza a harmonia, a guitarra não sola ou cria riffs, ela comenta. Há uma canção, minha favorita, I Know There's An Answer, em que ele mistura banjo e sax. São dois instrumentos impossíveis de misturar. Mas Brian os casa a perfeição. O banjo não soa como banjo e o sax não se parece com um sax. Como ele faz isso?
   Se o pop-rock teve gênios, Brian Wilson é um gênio. Ele criou um estilo só dele, voce percebe que aquilo é de Brian só de escutar dois acordes. E levou esse estilo ao limite da criação. Após Pet Sounds só podia lhe restar o silêncio. Aturdido pelas vozes e melodias que ele não conseguia transformar em partitura, Brian se fechou para o mundo e passou a ser a nota dissonante do pop, em uma vida que jamais produziu dissonância.
  Pet Sounds é trágico.

O FIM DOS BEATLES É O COMEÇO DO LZ.

   Quando em 1975 meu irmão e eu escutamos pela primeira vez o Led Zeppelin II, pensamos que ele tivesse sido gravado em 1975. Era uma reedição, e no selo do vinil vinha gravado o ano:1975. Quando descobrimos que na verdade era um disco do pré-histórico ano de 1969 ficamos abismados. ( Eu e ele ainda éramos crianças em 75. 1969 parecia a idade-média ).
   Já tinhamso na época discos dos Beatles, Roberto Carlos, Pink Floyd e Monkees. 1969 era para nós sons como Come Together ou ABC com os Jackson Five. Guitarras de 69 deveriam ter o som de John Fogerty no Creedence ou de Jimi Hendrix em Hey Joe. Mas o som do Led em 1969 parecia antecipar o gigantismo de 1975. Ao lado dos hits de 69, coisas ótimas mas datadas como Sugar, Sugar ou Crimson and Clover; a banda de Plant, Page, Jones e Bonham parecia ter muito mais em comum com os tempos de Queen, Aerosmith e Kiss. Bem, na verdade eles pariram a década de 70. E o hard-rock dos 80, infelizmente, também. E ainda o dos 90, 2000, 2010 e um etc sem mais fim.
   Há uma bela teoria que diz que os Beatles terminaram não por brigas de Paul e John ou apuros na Apple. Na verdade eles perceberam, genialmente, que a onda era outra e que aos 27, 28 anos, eles começavam a ser chamados de vovôs. Sly Stone, King Crimson, James Brown, MC5, faziam com que os 4 de Liverpool parecessem antigos como Elvis. E as vendas caíam sem parar. Os Jackson Five, o Blood Sweat and Tears e principalmente os Creedence Clearwater vendiam mais. Assim como Pelé, eles souberam quando encerrar o sonho.
   Se antes a bateria de Ringo podia ser comparada a de Charlie Watts ou de Keith Moon ( a mesma sonoridade, o mesmo timbre ), se os solos de George ainda tinham tudo a ver com a escola Chuck Berry de Keith Richards ou Dave Davies, agora, com o Led, tudo isso parecia muito velho. A`^enfase das bandas dos 60 era criatividade e beleza, agora o parâmetro era potência e técnica.
   Assistir essa apresentação dos Led em 1969 é ver o futuro em ação. Apesar do choque que é ver Plant ainda belo e com excelente voz, ou Bonham ainda com a energia pré-alcoolismo, o choque verdadeiro é perceber que de Jack White a Red Hot Chili Peppers, passando por Jeff Buckley e Stone Temple Pilots, toda banda com alguma virilidade dos últimos 40 anos bebeu na fonte Zeppeliniana. ( Excessão, óbvia, ao punk, a antítese da tese ledzeppeliniana. Para o punk, o rock cessa em Yardbirds e Kinks ).

LED ZEPPELIN LIVE 1969 Part 1



leia e escreva já!

AS QUESTÕES QUE VALEM A PENA

   Intuições que me acompanham desde sempre:
   - O rosto que vejo no espelho não é o mesmo que voce vê em mim. Eu vejo aquilo que entendo ser eu.
   - Se eu relaxar completamente e deixar minha cabeça fluir livremente, tudo aquilo que está a meu redor irá se dissipar. As coisas e as pessoas se mostrarão como são na realidade: inefáveis.
   - Há no céu um monte de coisas tão absolutamente grandes que não conseguimos ver. Assim como existem galáxias na unha do meu dedo, o que é inimaginávelmente grande torna-se invisível.
   - Só conhecemos aquilo que estamos preparados para conhecer. Toda a arte nos prepara para conhecer a próxima casca da cebola.
   - Assim como "alto" e "baixo", "profundo" e "superficial", "direita" e "esquerda" fazem parte do mesmo plano, e esse plano nos é conhecido como real e opcional, o quarto plano, o temporal, formado por antes, durante e depois, também existe como realidade total. Ou o passado/presente/futuro existe concomitantemente, ou o tempo é uma irrealidade.
   - Tudo o que imaginamos existe. Existiu. Ou existirá.
   - Temos duas opções: ou a matéria criou a vida, ou a vida fez nascer o que é material.
   - Cada célula do meu ser é uma cópia exata do cosmos inteiro.
   - O que existe dentro de mim é real. O exterior é uma suposição.
   - A vida ativa é apenas passatempo.
   - Não faz sentido falar em grande e pequeno, real e irreal, passado e futuro.
   - O que existiu uma vez existe para sempre.
   - Transcendencia é o objetivo da vida.
   - Existem pessoas cegas que crêem na escuridão.
   - Nada surge do nada.
   - Escrevemos nossa vida. Mas somos analfabetos.
   - O homem do futuro é Platão. A caverna é filosofia. Tudo o que veio depois é comentário.
   - Eu não faço a menor ideia do que seja eu. A maior questão é: Como fluidos e carne criam pensamentos?
   Passei a vida achando que todas essas questões fossem loucura.
   Depois pensei que fossem filosofia.
   Poesia.
   E descubro que são física.
   Toda grande ciência é arte. Toda grande arte é filosofia.
   Desde sempre, 1974, 1980.... essas são as questões que me deixam fascinado.
   E descubro que essas são as grandes questões de hoje.
   Viver é perguntar o que não tem resposta.
    - Quando o homem acreditava em bruxas, elas existiam. Quando estávamos certos de haver anjos, víamos. Um dia deixaremos de ver o que hoje vemos.
    - O que me inquieta inquieta voce.
    - Para nosso cérebro, sólido ou imaginário tem o mesmo efeito.
    - A vida é o que pensamos. Pensar pouco é viver menos. Sentir pouco é viver sovinamente.
     Quer viver? Vá onde nunca foi. Leia o que jamais pensou em ler. Veja filmes completamente diferentes de seu costume. Divirta-se com aquilo que voce nunca imaginou. Aumente sua criatividade, expanda seu mundo, indague o que parece não fazer sentido.
     O que faz sentido?

OS 100 MELHORES FILMES FRANCESES E MINHA LISTA DE INGLESES

   Lista dos 100 melhores filmes franceses da revista Time Out-Paris. É muito parecida com a da Le Figaro. E considero-a muito fraca. Se voce quer conhecer cinema, não use-a como guia. Somente a lista de filmes ingleses consegue ser pior. Eis a lista:
1-A REGRA DO JOGO, RENOIR
2-A MÃE E A PUTA, JEAN EUSTACHE
3-LES ENFANTS DU PARADIS, MARCEL CARNÉ
4-PIERROT LE FOU, GODARD
5-OLHOS SEM ROSTO, FRANJU
6-PLAYTIME, JACQUES TATI
7-O DESPREZO,GODARD
8-L'ATALANTE,JEAN VIGO
9-OS INCOMPREENDIDOS,TRUFFAUT
10-A BELA E A FERA,JEAN COCTEAU
Que mais? O Salário do Medo de Clouzot é o 14; Meu Tio de Tati é o 16. Au Hazar Balthasar de Bresson em 18; Marienbad de Resnais é o 23. A bela da Tarde, Bunuel em 28; Acossado em 34; Mouchette de Bresson em 41; O Sol Por Testemunha de Clement em 46 e Joana D'Arc de Dreyer em 50.
O Clair melhor colocado é A Beleza do Diabo, em 66. Hulot de Tati em 94 e A Um Passo da Liberdade de Becker está em 97. Bem....
O que penso?
Sim, são bons filmes, mas tem um monte de coisas que não concordo, claro. Dos dez primeiros mantenho entre eles o filme de Marcel Carné, talvez o maior filme já feito em França. L"Atalante de Jean Vigo pode ser meu filme francês favorito de sempre. E A Bela e a Fera de Cocteau é uma obra-prima. Mas eu colocaria entre os dez Desejos Proibidos de Ophuls, que não se encontra nem entre os 100. Incluiria Bob, Le Flambeur de Melville e A Um Passo da Liberdade, de Jacques Becker. Os outros quatro seriam O Salário do Medo, de Clouzot; O Sol Por Testemunha de René Clement; Hulot de Tati e Joana D'Arc de Dreyer. Não coloco-os por ordem. O primeiro seria de Vigo, os outros em ordem alfabética.
Acho que o melhor Godard não é Pierrot ( que é uma obra-prima). Prefiro Uma Mulher é Uma Mulher ou Viver a Vida. Meus dois Truffaut favoritos não foram citados entre os 100: Beijos Proibidos e No Tempo da Inocência. Esqueceram também Todas as Manhãs do Mundo de Alain Corneau.  Louis Malle e René Clair foram ridiculamente sub-avaliados. Malle merecia mais de 3 filmes entre os 100, teve apenas um; e Clair teria mais de 3 facilmente, colocaram só um e dos menos geniais.
De qualquer modo, a lista do cinema inglês é ainda pior ( leia-a num post abaixo ).
Tomo coragem e digo que em minha lista de 10 deveriam constar:
O Mensageiro de Losey; O Leão No Inverno de Harvey; Beckett de Glenville; Hamlet de Olivier; Os Inocentes de Clayton; Laranja Mecânica de Kubrick; e concordo com as inclusões de The Red Shoes de Powell e Narciso Negro, também de Powell. Os outros dois seriam Os 39 Degraus de Hitchcock e Neste Mundo e No Outro, também de Powell.
Tenho absoluta certeza de que aquele que desejar se alfabetizar em cinema inglês ficará muito mais feliz com esta lista do que com a decepcionante lista da Time Out-Londres.
Enjoy.

A GUERRA IGNORADA

   O que me motiva a escrever isto é um texto de um senhor francês, professor na Sorbonne, texto de ontem na Folha. Falando de modo resumido, ele discorre sobre o islã. Fala dos imigrantes que vivem na Suécia, onde 75% dos estupros são praticados por eles. Pois eles não podem resistir às "Putas suecas", as tentadoras vagabundas que andam na rua sem cobrir o rosto. Vagabundas, bem entendido, que são todas as mulheres tipicas do ocidente. Mas há coisa pior. Existem tribunais por toda a Europa, ilegais, onde mulheres são julgadas de acordo com a religião. Ou seja, eles desconhecem a lei do país que os acolhe.
  O professor, como eu, diz que felizmente ele estará morto no dia em que a Europa se tornar um continente islâmico. Fato certo e previsivel.
  Existe hoje um tipo de policia do mundo. Uma força vigilante que não reconhece fronteiras ou modos diferentes de pensar. Uma policia que mata aquele que ousa criticar sua fé. Um povo para quem democracia ou iluminismo nada significam. E esse povo não para de crescer. E nós, ocidentais, passivos por sermos desprovidos de crença, assistimos a tudo com caras de ovelhas.
  Sentiremos saudades do ocidente. De poder ridicularizar católicos ou protestantes sem pagar com a vida por isso. De poder atacar Israel sem ser colocado em lista de procurados ( Rushdie ).
  Fico pensando nessas meninas pró-Iran, em como viveriam nesse mundo new-islan. Pena de morte se usar qualquer droga, proibição do álcool, apedrejamento por infidelidade ao seu senhor. O anti-americanismo irracional faz de todos suicidas ideológicos.
  Sim, a América banca Israel com uma bela mesada. Mas até hoje não vejo um só sheik do petróleo bancar a Palestina. Investir naquele país. Porque será? Não se enganem, para os Árabes a Palestina é apenas um pretexto. O dia em que Israel desparecer ( isso é previsível ), os palestinos se tornarão os párias da região ( o que sempre foram ).
  Cerca de quatro anos atrás tive um primo esfaqueado e morto em Paris. Infelizmente sou obrigado a dizer que a coisa foi muito óbvia. Ele namorava com sua garota na rua e um bando de árabes mexeu com ela. Ele respondeu e foi morto. A policia nada fez. Tiveram medo de causar tumultos raciais. Eles estão livres em sua lei "sagrada", que nega a lei que seja "ateísta". Detalhe: ele era filho de imigrantes. Portugueses.
   Perigoso escrever o que escrevo. Parece racismo. Mas de onde vem o fanatismo?
   Admiro Rumi, a religião dos sufis. O hinduismo. O budismo. Mas não venha me falar de guerra santa.
   Fico pensando em qual seria a reação dos pró-Iran se um católico francês explodisse uma mesquita no Paquistão porque um indiano falou mal de Jesus. Ou um budista condenar a morte um escritor que escreveu sobre Buda de forma desrespeitosa.
   Estamos em época de tentar adivinhar o futuro. Será um paráiso de vida longa ou um inferno de tédio tecnológico? Esquecemos do mais importante: será o reino do absolutismo. Historiadores do futuro dirão que esta época assistiu ao confronto do ocidente e do oriente. Confronto que se anunciou desde sempre. O vencedor já foi definido. Sentiremos saudades de nós mesmos.

PERSUASÃO- JANE AUSTEN

   Dear Jane
   Eu me envolvi tanto com seus outros livros! Puxa, como torci por suas heroínas e por seus atrapalhados cavalheiros! Me vi dentro daquelas casa de campo e senti o gosto do que eles viviam. Voce tem o dom de dar vida a seus personagens, eles realmente se parecem com gente normal. Melhor ainda, voce sabe ser atemporal. O jogo de interesses e de mal entendidos nos toca fundo. Aprendi a amar seus livros.
   Mas o que aconteceu com este? Sim, eu sei que voce o escreveu já doente e isso talvez tenha te atrapalhado. Anne Elliot jamais nos conquista. Cheguei a me sentir irritado com tanta passividade. O que aconteceu?
   Sim, reconheço aqui seu encantador mundo pequeno, o mundo que voce conheceu. Me conquista algo que poderia ser fraqueza em outro autor: sua falta de imaginação. Tudo o que acaba por acontecer é óbvio, normal. Seus livros são homenagens a vida comum. Nada de vôos de idealismo. O cotidiano sempre. Voce consegue mostrar o que existe de bonito nesse mundo tão banal.
   Só que aqui esse cotidiano é cotidiano demais! Voce esqueceu de dar vida a Anne e a todos os outros. E Bath não ficou parecendo um lugar à Jane Austen. Pena....
   Despeço-me agora e saiba que nossas relações continuam calorosas como sempre.
   De seu amigo
   Anthony Roxy

OS INGLESES, OS FRANCOS, DARNTON, TV E JANE AUSTEN

    O excelente Joe Wright lança em Londres, agora, Anna Karenina. Keira Knightley faz Anna. Pelas criticas que leio, o filme é lindo. Mas nada tem a ver com Tolstoi. O melhor diretor jovem da Inglaterra filmou a obra-prima de Tolstoi após filmar Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito. Voce já vai entender o porque de eu ter escrito isso.
   A Tv às vezes surpreende. Robert Darnton foi entrevistado ontem no Roda Viva. Ele é o melhor historiador do mundo. E agora está digitalizando a biblioteca de Harvard. Fala uma coisa preocupante. Arquivos digitais podem desaparecer. Nada prova que eles vivam mais que um livro impresso. Temos livros de mais de 500 anos. Um livro digital pode sumir no ciberespaço. Um website dura em média 40 dias...
   Darnton é bem humorado, sabe falar e diz, brincando, que vive no ´seculo XVIII. Seus livros sobre o iluminismo são obrigatórios. Não pense que ele condena a internet. Ele é fascinado pelo assunto. Mas avisa: a época do autor como gênio, do homem que cria e sabe tudo está encerrada. Cada vez mais o homem será um ser grupal. Toda obra intelectual será um trabalho em equipe. Seja filosofia, romance ou cinema.
   Logo depois a Cultura passou um doc sobre Merce Cunningham. Trechos de uma obra com música eletrônica e cenário de Andy Warhol. Fascinante.
   Conheço um novo colega. Fez filosofia em Londres. Locke, Hume, Berkeley, Adam Smith.
   Ingleses são diferentes de franceses. Como cerveja e vinho.
   Franceses amam a comida. Ingleses vêm na comida um mal necessário. Preferem o jogo.
   Todo sonho de um francês remete a Paris. Ingleses sonham com casas no campo. Lareiras, xícaras de porcelana e sofás macios e imensos.
   Em maio de 68 franceses foram às ruas gritar por marxismo e liberdade sexual.
   Em maio de 68 ingleses estavam em casa estudando exoterismo, poesia medieval e tomando chás de ervas suspeitas. O protesto era em casa, na cama ou num comicio organizado. Em Paris faziam barricadas.
   Os franceses criam teses, planejam a vida, tecem utopias. E os homens devem se adaptar a elas.
   Ingleses observam a vida e depois tecem teses baseadas no que viram. Suas utopias se adaptam aquilo que foi visto.
   Para um francês a mente é um misto de desejo, preconceito e linguagem. Para um inglês é uma lousa em branco que vai sendo escrita aos poucos.
   Franceses metidos viram intelectuais.
   Ingleses metidos viram professores.
   Na França há o dever de se sonhar com um estado onde todos sejam iguais.
   Na Inglaterra o ideal é que todos possam ser diferentes.
   A França ama Napoleão e o ser que tem um grande destino.
   A Inglaterra ama o industrial que constrói e domina o mundo pelo trabalho.
   Todo francês termina por ser um entediado diante de uma taça de vinho.
   Todo inglês acaba por ser um conservador numa sala cheia de panos e pratinhos.
   Os franceses estão cheios de Descartes, Balzac e Rousseau.
   E os ingleses se entupiram de Wordsworth, Shelley e Keats.
   Um canta o homem politico e as construções da mente abstrata.
   O outro sonha com o campo e constrói o real.
   Ambos amam o dinheiro. Um tem vergonha disso. O outro o esconde.

   Pondé falou isso de forma mais Podeniana ontem.
   Volto a Joe Wright.
   Ingleses sempre retornam a Dickens. Ou Jane Austen, Keats, Shakespeare. Os pés firmes na cultura escolar. Um frenesi com a idade média. Não é outra coisa que fez Harry Potter, O Senhor dos Anéis. E um músico pop inglês sempre vai ter seu momento de "menestrel romântico".
   Detrás de um guarda-chuva sempre há um almirante, um pirata ou um bardo.
  

SONG TO THE SIREN- TIM BUCKLEY, A BELEZA LIBERTA

   O momento exato em que voce descobre a beleza. É uma epifania.
   Não conhecia Tim Buckley. Ou melhor, só de ouvir falar. Sabia que havia morrido e era o pai de Jeff Buckley. Mas após escrever sobre a versão de Ferry de Song To The Siren ( e de num lapso dizer ser ela de Nick Drake!!!! ), ouço a versão de Robert Plant, que é melhor que a de Ferry, a dos Cocteau Twins, de Sinead O"Connor, de David Gray....então vamos ouvir a original logo.
   Digito Tim Buckley e vem o video de 1968. Ele canta na TV, num episódio dos Monkees. Logo dos Monkees, meus amados de infância. Ouço a voz de Mickey Dolenz anunciando Tim.
   E o homem canta....e me embebeda em beleza. A voz dele é firme e é pura. Há nela uma qualidade de certeza e de destino. E a música é uma sereia. E penso....
   A melodia é meu barco onde eu navego na mistura de beleza e de horror. Sublime, a doce e amarga lembrança. E eis eu aqui, sim, eis eu aqui nesta canção. Momento em que descobrimos um novo homem. Nele que canta e em quem o escuta. Here I Am....Onde são os limites?
   Milagre. O envolvimento de meu corpo no canto das sereias. Todas elas foram sereias. Todas elas eu esperava. Here I Am....Até onde?
   É uma das mais belas canções. E beleza é animal caçado hoje. Têm ódio do que é belo. Por serem feios. Vomitam sujeira nos rios e depois trancam esses cadáveres em concreto. Ódio mortal do que é belo.
   Porque a beleza lembra aquilo que poderíamos ter sido. Aquilo que fomos um dia. Ou pior, o que nunca nos deixaram ser. Here I Am....Pra sempre?
   A beleza faz nosso sonho falar. Liberta. O animal que nos dá a liberdade.
   Tudo isso eu sinto nos 3 minutos de uma canção de Tim Buckley. O inefável.

Tim Buckley - Song to the Siren



leia e escreva já!