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UMA CÂMERA PARADA E UM CARA DE PALETÓ

   Desde 1968 os londrinos seguem a letra desta canção. Podem não mais lutarem na rua, mas continuam morrendo de tédio e fazendo bandas ( ou sendo DJs ) por não ter opção. Pois no mundo seguro do primeiro mundo, onde se marcha na onda do consumo e gastar dinheiro é tão vital como respirar, Street Fighting Man perdeu a atualidade porque não mais se luta, mas continua um lembrete válido, sinal de nossa prisão.
   Eu nunca havia visto o clip original, e acho que voce também não. Uma câmera no tripé, parada, e Mick Jagger com um paletó largo indo e vindo no meio da escuridão. Não é o Mick dos trejeitos. É o cantor ainda lindamente sem jeito. E ele marcha, anda, volta a marchar, dá um chute, gira como o relógio do tempo, como autômato do século XVIII, não dança e não finge cantar. Aos 24 anos ( !!!!!! ) ele alardeia sua relevância central no momento mais perigoso do século mais fatal.
   Ingleses gostam de dizer que Waterloo Sunset é o hino não-oficial de Londres. Musicalmente ela é mais presente neste século. Centenas de bandas imitam essa sonoridade. E Ray Davies, sempre um conservador, faz uma elegia à velha cidade de Vitória e de Disraeli. Mas Street Fighting Man é o hino do subterrâneo, a memória daquilo que deu errado.
   Esse clip, postado abaixo, é um assombro.

1963

   Deve ser chato ser inglês e ter de olhar pra trás. Isso porque o país vive apenas de um longo passado. Seja 1600, 1810, 1900 ou 1963. Veja 1963...havia uma combustão de novidades que explodiam no ar. Nesse ano Tom Jones venceu os principais Oscars e Peter Sellers confirmava seu estrelato como Clouseau. James Bond começava a virar mito. Julie Christie e Peter O'Toole eram os atores mais quentes ( mas havia ainda Vanessa Redgrave, Terence Stamp, Tom Courtney e toda a velha guarda ). A Carnaby Street ditava moda. E cantavam os Beatles. Doctor Who na TV. O Santo também. David Bailey tirava fotos. George Best e Bobby Moore começavam a jogar e em 1966 a nação ganharia sua copa ( ao som de Kinks ). E depois...nunca mais...
   Havia Jim Clark, Graham Hill e Jackie Stewart. E nas letras os novatos Anthony Burgess, Iris Murdoch, William Golding e Philip Larkin. Eliot, Waughn e Greene ainda estavam vivos.
   E pela primeira vez, coordenando tudo isso, uma ideia londrina: a propaganda como arte. Nos escritórios moderninhos jovens publicitários pensavam em fazer arte na propaganda e arte na TV. ISSO mudou o mundo. E tudo explodindo em 1963.
   Ouço o primeiro disco dos Beatles e lembro de tudo isso ( engraçado recordar o que não vivi, nasci depois ). A banda foi adotada pela onda meio sem querer. Os Stones ou o Who tinham muito mais a ver com a coisa. Eram mais citadinos, mais snobs e bem mais perigosos. Mas os caras de Liverpool se impuseram porque eles eram muito, muito bons. O disco ainda espanta. Sim, é primo europeu de Everly Brothers e principalmente de Buddy Holly. Lennon imita o gênio do Texas descaradamente. Mas eles vão além. As vozes unidas de Paul e de John arrepiam. Nasceram para se harmonizar. E é impressionante como todas as coordenadas do POP futuro estão lá. Os arranjos enxutos, o refrão grudento, o solo breve no meio da canção, e a sensação de que naqueles dois minutos há mais que aquilo que realmente há. A faixa Please Please Me, se escutada com renovada atenção, se você tentar ouvir com ouvidos "virgens", tem uma exuberância, um tal grau de alegria e de confiança jovem que te faz sorrir imediatamente. Ela já dá a pista do talento milagroso que lá borbulha. PS I love You é outro petardo, e George cantando Do You Want to Know a Secret nos deixa comovidos...
   Deve ser chato pacas ser britânico e saber que nunca mais haverá um John. Assim como não mais um George. Mas...talvez seja ótimo saber que os outros países nunca tiveram e jamais terão Beatles.  

The Canterbury Scene on BBC Prog Rock Britannia [2008]



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IN THE LAND OF GREY AND PINK- THE CARAVAN

   Naquele tempo se juntava um grupo de músicos e se ia para o mato. Depois de seis meses numa casa junto ao nada se sabia. Se o astral batia. Se as viagens sintonizavam. Não se pensava em excelência musical ( só o Cream embarcara nessa e dera tudo errado ). O que valia era fazer um som com quem tinha a ver. Magia.
 Sim, isso tudo parece bem bobo nos olhos cínicos de hoje. But, why not...Dar preferência ao astral é no mínimo tão válido quanto escolher um baixista por ser mulher e loira.
 Então os caras nasceram em Canterbury e isso muda tudo. Além de pronunciar o H como se fosse F. Canterbury foi o centro católico da Inglaterra e ainda é o lugar do cardeal que abençoa os reis. Nascer lá é como nascer no foco espiritual da ilha. E se em 1967 toda a nação bretã mergulhava numa viagem mística medieval ( alguns mais, outros bem fake, ia de acordo à capacidade de cada um ), era lá que a coisa pegava de um modo mais "pra valer". Pra valer porque mais discreta. Basta dizer que toda a galera do lugar nunca mais saiu da viagem. Eles não viraram reis do glamour e nem funkearam nada. Continuaram ciganos ingleses. Até morrer.
 Os irmãos Sinclair, Richard e Dave fizeram parte de uma banda fundadora de lá: The Wilde Flowers. Wilde em homenagem ao Oscar. Dessa trupe saiu nenhum yeah yeah yeah. Era 1964 e eles já falavam em decadência e chás suspeitos. Ok. Em 1968, depois da estada na fazenda, gravaram um disco: Caravan. Os irmãos Sinclair com Pye Hastings e Richard Coughlan. Sem ego trip. Não há um líder. O guitarrista, Hastings, nunca sola. Richard Sinclair canta com voz de barítono e toca baixo como ninguém. Mestre. Pye canta com voz de quase falsete. E o hammond organ de Dave Sinclair comanda todo o som. Os caras além de amigos tocam bem.
 Invernal, um leve acento de melancolia, mas sempre com um espírito leve, de paz e amor, letras nonsense, eles nunca se ocupam de temas da vida lá fora. Tudo neles é pra dentro. E são ingleses pra caramba!
  Seu grande disco é o terceiro: In The Land Of Grey and Pink, de 1971. Quase um sucesso. Mas os quatro primeiros são ótimos. É pra ouvir andando no mato com uma xícara de chá. E os amigos. Ou com uma menina de olhos cinzentos enrolada num cobertor. É da lama. E dos cogumelos.
  Viciei-me.

AVONMORE, MAIS DE BRYAN FERRY

   O som de Bryan Ferry começou a ser criado em 1982, no último disco do Roxy Music, o luxuoso Avalon. Esse som, criação única, é um tipo de delicada tapeçaria, pontos musicais que se entrelaçam. Podemos também chamar de flocos de neve em caleidoscópio. É um som frio, cheio de volteios, ângulos que se abrem para serem fechados em seguida, riffs que ameaçam nascer e desaparecem. As batidas são sempre negras, mas elas são partidas, retomadas, perdidas. Em meio a essa massa sonora vagueia a quase sonâmbula voz de Ferry, sussurrante e aliciante. Sempre.
   Desde então ele nunca mais mudou. Disco após disco, ele apenas se contentou em aperfeiçoar essa tapeçaria, às vezes com grande sucesso ( Taxi ), às vezes errando feio ( Olympia ). Mesmo ao gravar seu disco de standards da música pop dos anos 20/30, As Times Goes By, ele conseguiu fazer trompetes e banjos soarem como seu costumeiro tricot. Avonmore não atinge as alturas de Taxi, ou mesmo de Frantic, ( estou falando apenas dessa fase costureira. Os discos solo anteriores a 1982 não contam ). Por outro lado, o novo disco nunca desce a ladeira como o citado Olympia, ponto mais baixo de toda a carreira do romântico maior da Inglaterra. 
   Como é esse som? O clip que postei, apresentação no show de Jay Leno em 1993, duas faixas de Taxi, demonstra esse som em seu modo mais simples. Em disco Bryan chega a usar 3 baixos, 3 baterias e 4 guitarras tocando juntas. É um sinfonia de eletricidade, mas que mesmo com essa montanha de som, soa sempre leve, delicada, fina como gelo. No novo disco ele volta a usar Johnny Marr, Flea, Jonny Greenwood, David Gilmour, Marcus Miller... e claro, o maestro, o grande Nile Rogers. 
   Nile está presente nesse clip de 1993. Egresso da cena disco, lider do delicioso Chic, em seu auge, entre 1982/1990, Nile produziu Bowie, Madonna, Duran Duran, Debbie Harry, Robert Palmer e um imenso etc. A guitarra dele pulsa e ela é a linha que une todos os instrumentos que gemem e arremetem durante as sonhadoras canções de Ferry. Nesse video temos também Robin Trower, guitarrista inglês que por volta de 1975 foi chamado de novo Hendrix. Sua guitarra cheia de ecos e wah wah enfeita e dá feeling ao som. São duas guitarras no palco, no disco são quatro, o efeito se expande. 
   Bryan Ferry abraçou esse estilo e nesses trinta anos jogou fora uma de suas maiores características, a surpresa. Em entrevistas ele diz ter se encontrado após as buscas feitas entre 1972/1982. Esse estilo, em seus auges, é muito sedutor, ele pega nossa alma e a leva para fluir por aí. E tem o espírito de amores perdidos e amores novos. 
   Bryan Ferry não muda. E aqui é um prazer dizer isso. Ferry é Ferry. Again.

Ultravox - Sleepwalk (Live St Albans 16.08.1980) HQ



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Ultravox - Vienna - Live 1983



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VIENNA=ULTRAVOX. O TEMPO PASSA...

   Estranho. Para onde foi a emoção? Aos 22, 23 anos eu me emocionava profundamente com este disco. Agora eu o acho bonito, mas não arrepiante. Seria porque eu evolui? Mas então porque um disco como Magic, de uma cantora chamada Cheryl Dilcher, um disco pop, comum, que eu amava aos 15 anos, hoje me comove como sempre comoveu? Magic não é melhor que Vienna. Será que encontro uma resposta satisfatória?
   Acho que sim. O garoto que amou o disco de Cheryl aos 15 anos era um garoto que desejava de um disco apenas aquilo que Magic tem, música e diversão. E isso ele sempre vai ter. Músicas de um pop festivo, às vezes tristonhas, sempre simples. O que eu buscava em Magic no ano de 1978 continuo obtendo em 2015. Vienna não. Porque?
   Em 1984, ano em que comprei Vienna ( ele é de 1980 ), os críticos mais interessantes se chamavam Pepe Escobar, Matinas Suzuki e Luis Antonio Giron. Nos textos de Pepe ele citava Keats, Huysmanns, Cocteau e Miró. Matinas falava de brumas londrinas, chá na madrugada e dores suicidas de amor. Já Giron escrevia como quem pinta porcelana, com extremo cuidado. Essa é a chave. Todos eles partiram, à partir de 1989/90 para outros campos. Giron foi escrever sobre música erudita e literatura, Matinas se debruçou sobre tecnologia e futurologia e Pepe foi viver fora, escreve sobre tudo, menos rock. Os três eram apaixonados pelo rock e pelo pop mais britânico dos anos 80, pop do qual Vienna é um belo representante. O que houve?
  Aos 22 anos eu tinha em Vienna a porta de entrada para um mundo novo. O mundo que ia da primeira geração romântica até Andy Warhol. O disco prometia o acesso, fácil e simples, ao mundo da Arte. identifiquei isso na primeira vez em que ouvi, anos depois, uma banda como Radiohead. Ele facilita a entrada na Arte, mas sem ser Arte. O ouvinte sente toda a emoção de coisas como poesia, pintura abstrata, cinema japonês e romances modernistas, SEM PRECISAR TIRAR OS FONES DO OUVIDO. ( Basta dizer que em todo o ano de 1984 eu li apenas 5 livros ). O que acontece então?
   Com o tempo eu conheci a fonte, o artigo genuíno, a tal Arte, e as emoções refinadas que Vienna parecia conter empalideceram. O que eu sentia escutando o disco agora sinto, de uma forma muito mais complexa, lendo, vendo ou ouvindo outras coisas. Vienna ficou lá. Foi trocado.
   Isso não pode acontecer com, por exemplo, o Led Zeppelin. Ou mesmo Bowie. O que eles dão só em música pop ou rock podem dar. O meu amor por eles sempre foi puramente musical e rock`n`roll, no caso do Led, e no caso de Bowie, musical e estilosa. Bowie era um dos artigos autênticos que Vienna anunciava. A emoção de ouvir Beatles ou The band permanece porque amamos ""apenas""suas canções. Em Vienna eu amava a música, mas essa música simbolizava e anunciava mais do que ela era. Essa é a tragédia de tudo que se torna passado sem volta.
  Mas é bonito. 

The English Beat - Get A Job/Stand Down Margaret (Live at US Festival 9/...



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The English Beat - Mirror In The Bathroom (Live at US Festival 9/3/1982)



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I JUST CAN`T STOP IT!- THE ENGLISH BEAT ( politica na ilha )

   No tempo de Clash, Police e Costello o que vendia ( na Inglaterra ) era ska. O movimento, chamado de Two Tone ( branco e preto ) misturava festa com o desejo socialista. Era tempo do começo da era Thatcher, ela batia forte na classe operária e o bando do ska botava fogo nas passeatas diárias. A ilha estava em convulsão. Os brancos da esquerda se uniram aos negros pobres de Brixton e juntaram tudo: deu no Two Tone. Pra mostrar a ideologia, roupas pretas e brancas. ( Me dá banzo do tempo em que visual era uma atitude politica ). A direita mandou os new romantics pra rua. Anti-ideológicos, deslumbrados com o glamour, amantes da nova Inglaterra made in USA, os romantics faziam um som que falava de noite, frio, viagens espaciais e bissexualidade. Sim, filhos de Bowie e de Ferry. Sim, a direita os amava. A esquerda....não. Os romantics venceram a guerra. No som houve um empate.
   Aqui falo de The Beat. Da trinca suprema foi o de menos sucesso. Mas menos sucesso em 1980 ainda é muito sucesso. Se o Madness era o que mais vendia e os Specials os mais radicais, The Beat tinha a pegada mais rock. É ska, mais ska que aquilo que foi feito na retomada do ritmo, nos anos 90 pelos americanos, mas é um ska com velocidade de punk, o que não acontecia com os outros dois. O disco que cito é seu auge. Depois viria o comercialismo maior e as brigas.
   Poucos discos possuem um som de baixo tão poderoso. Ele comanda tudo e ele pipoca nos ouvidos como uma bala ricocheteando em ravina. Seus pés  vão tentar acompanhar esse baixo coriscante, não conseguirão, irão morrer tentando. David Steele é o nome do cara. E tem a bateria. Essa é tipo pulga. Ela pula para onde voce menos espera. A velocidade no chimbal é alucinógena. Nesse contexto a guitarra poderia ser esquecida, mas não. Duas guitarras, uma se dedilha, a outra faz chung chung.... Tá feita a coisa. Mesmo após o arrastão de tantos anos de dance music, este disco ainda é soberba e aliciantemente dançante. E o discurso é punk. Punk estilo The Jam. De partido. Uma festa.
   Eu estive por lá. Em 1982. Vi as meninas de laranja e verde, minis e óculos escuros, no verão, bebendo os últimos goles do ska. Vi os new romantics começarem a dominar tudo, e transformarem a ilha nessa pasmaceira que dura até hoje. Acabaram com todo o fabianismo, toda a tradição de Shaw e Keynes e jogaram tudo ao ar. Londres optou pela festa de luz e droga. Deixou de lado a festa na rua, de ska e tambor.
   Escuta isto. 1978-1983 foi o penúltimo orgasmo da música inglesa. The Beat foi um de seus centros. Enjoy.

EU SEI PORQUE VOCE NÃO GOSTA DE ELTON....ELTON JOHN, A BIOGRAFIA, DE DAVID BUCKLEY

   Elton John é feio. Não a feiura que pode até criar um certo interesse, como a de Alice Cooper ou de Lemmy. É a feiura medíocre. O feio que voce mal nota que existe. Isso marcou toda a vida de Elton. Ele jamais aceitou sua aparência, sempre odiou sua imagem. Em seus melhores momentos ele relaxou e quase ficou bonitinho. Em seus piores ele se auto-zombava e no processo desacreditava sua música. Se vestia de pato, de Mozart, de rei ou de Liberace. Dizia para o mundo, eu sei, eu sou ridiculo. Os fãs se sentiam incomodados, o resto olhava e pensava: -eu sempre soube, Elton é um palhaço.
  Mas não foi sempre assim, tão evidente. Esse martírio, que sempre houve, mas que se intensificou nos anos 80, foi aditivado por muito pó e muito álcool. Como aconteceu com Rod Stewart, David Bowie e Paul MacCartney, dentre muitos, a década viu a credibilidade dos reis dos anos 70 derreter. A maioria por excesso de drogas, dinheiro e puxa sacos, alguns por tédio e outros por medo de envelhecer ( o que fez com que tentassem se fingir de adolescentes ). Bowie foi dos poucos que conseguiu se reerguer. Elton, para todos nascidos depois de seu auge, permanece como um tipo de bobo rei do pop brega. Nada mais distante da verdade. Assim como Rod, que entre 69/76 foi um grande artista do folk, do rock e criou algumas das melhores letras de todo a cena, Elton foi entre 1970/1977 um grande artista. E era levado a sério. Todos os seus discos, 14 até então, dois por ano, eram ótimos e algumas de suas faixas, 3 ou 4 por disco, eram geniais. Dentre seus fãs, John Lennon, Leonard Cohen, Joni Mitchell e depois Elvis Costello. 
  Improvável sempre foi a marca de Reginald Dwight, o nome de batismo de Elton. Filho único da baixa classe média, nunca se deu com o pai, piloto de avião. Se dava com as mulheres da casa, mãe e tias. Na escola adorava todos os esportes e era bom em tênis e crickett. Baixo, gordinho, ele se isolava com livros e o piano. Teve aulas de piano clássico, mas se interessava por rock, Little Richard, Jerry Lee Lewis, e aos 15 anos começou a tocar numa banda, a Bluesology. Profissionalmente. Era 1962. Ao mesmo tempo Elton se torna um dos maiores colecionadores de discos da cidade. Gosto que ele manterá por toda a vida, ele é capaz de dizer quem toca no disco de uma obscura banda punk de 1980. E mais, qual a gravadora, onde foi gravado e a ordem das faixas. É um fato que pouca gente sabe, mas Elton até hoje continua escutando tudo de novo que surge todo ano. É seu maior hobby. 
  Em 1963 ele vai trabalhar numa editora de música. Tem 16 anos. Continua na banda, de noite. Nessa editora ele pode escutar tudo o que ela publica antes de ser lançado. Isso fará com que Elton seja sempre o primeiro cara a escutar tudo o que os Beatles recém produziram, em primeira mão. Todo o aprendizado se dá nesses anos. Piano a noite em pubs, faixas novas e fenomenais de dia. 
  Em 1968 ele sai da banda. Na editora se une a um jovem poeta chamado Bernie Taupin. Essa será a maior dupla do pop depois de voce sabe quem. Bernie escreve poemas e os passa para Elton. Elton faz uma melodia sobre os versos. Estilo de composição mais dificil, rara, que para os dois funcionou. Ainda morando com os pais, e sem nenhum envolvimento físico, Bernie, que é dos cafundós do campo inglês, vai morar na casa da mãe de Elton. Ele se torna o irmão que ele nunca teve. Hetero convicto, nunca haverá nada entre Bernie e Elton. Que na época estava noivo. Uma conversa com o cantor Long John Baldry mostrou a Elton que sua verdade era ser gay. Ele rompe o noivado e ao mesmo tempo se lança ao mundo do rock.
  1970 tem o primeiro disco. Elton John tem a capa escura para disfarçar sua falta de sex appeal. O sucesso é absoluto. Fica 44 semanas nas paradas. Your Song se torna um clássico e o LP, cheio de arranjos orquestrais do grande Paul Buckmaster, é elogiado por colegas e por críticos. Nos próximos sete anos Elton será responsável por 3% das vendas de discos em todo o mundo. Percentual só igualado em 1984 por Michael Jackson e por mais ninguém. Serão sete LPs seguidos alcançando o primeiro lugar nos EUA ( só os Beatles conseguiram isso ) e mais de 14 singles entre os cinco primeiros postos. Ele fará duas excursões por ano, quebrará, junto ao Led Zeppelin, recordes de público, e se tornará mundialmente conhecido por crianças, velhos e roqueiros. Estará em todo canto. TV, cinema, jornais, tudo. Elvis, Beatles, Michael Jackson e Elton, são os únicos quatro reais fenômenos do rock, pois mesmo os Stones, Led, U2 ou Dylan jamais conseguiram penetrar em todas as classes e todas as idades.  Sete anos em que seus rivais foram todos batidos. Gente como Eagles, Pink Floyd, Bowie, Stevie Wonder, Neil Young, Stones. 
  Bowie era seu grande rival. Porque de certo modo os dois corriam, no começo, na mesma raia. Rock glam agitado e baladas ao piano. Com uma grande diferença, crucial. Bowie queria ser um artista completo. Elton queria se divertir. Desse modo o público de Bowie era menor e fiel, o de Elton imenso, e infiel. Bowie podia se dizer bissexual. Seu público aceitava e até queria isso. Quando em 1976 Elton disse ser bissexual foi o começo de seu quase fim. A maior parte de seu público, conservador, o abandonou. 
  Elton diz no livro que Bowie nunca foi gay. Ele era um hetero que se fazia de gay para causar frisson. Já Elton era um gay que tentava esconder isso para não causar frisson. 
  Generoso, mão aberta, até os 28 anos Elton jamais havia se drogado. A partir daí ele se torna um caco. Cocaína e whisky. São os anos 80. Engraçado observar que ele nunca deixou de vender bem, o problema é que a inspiração se foi. A partir de 1979, e até 2002, Elton só lançaria albuns fracos e muito raramente algum single bom. Quanto aos shows, eles se tornaram forçados, frios, esquisitos. Sempre lotados, mas ao mesmo tempo quase constrangedores. Em 2002 ele grava The Captain and The Kid, enfim um grande disco. Os shows voltam a parecer mais reais. Ele para com as drogas, para com as fantasias, o piano volta a ganhar destaque. É um renascimento. Ele se casa, adota um filho, leiloa suas roupas mais ridiculas, e continua trabalhando ativamente em montes de instituições de caridade. É o mais dedicado dos astros de rock. Ele nunca discursa. ele vai e faz.
  Mas antes...
  Em 1971 exsitiam dois tipos de astro do rock: o glamuroso muito louco e o sofrido herói. Pelas músicas em seus discos ele poderia ser os dois. Mas no palco ele mudava. Se fantasiava para tentar esconder sua barriga, a careca e o rosto balofo. E ria, fazia piadas, pulava, conversava, festejava. Elton não tinha vergonha de ser feliz, de demonstrar prazer por estar num show. E, que ironia, isso destruia sua credibilidade!!!!!!
  Apesar de feio ele conseguia ser o maior dos astros. Mas os criticos começaram a não lhe levar a sério. Era como se um cara tão feliz não pudesse ser de verdade. Explico melhor...
  Lembro que no Rock in Rio de 1985, Rod Stewart cantou numa noite. E eu era fã de Rod ( ainda sou ). Só que aconteceu uma coisa horrível. Rod cantou Sailing rindo!!!! E eu escrevi em meu diário que Rod havia naquela noite destruído Sailing. Sailing era pra ser cantada com lágrimas nos olhos...
  Hoje sei que eu estava errado. Mas então foi minha reação. Rod Stewart perdeu a credibilidade comigo e só a readquiriu exatamente dez anos depois, quando o vi no acústico MTV. Com Elton se dava o mesmo. Ele brincava enquanto tocava Rocket Man, Ticking, Sixty Years e tantas outras. Baladas maravilhosas, de cortar o coração, lindas, tristes, e ele alí, vestido de pirata, rindo...O efeito no pessoal que o levava mais a sério era devastador. Era como se Morrissey cantasse How Soon is Now com o Village People, ou Dylan cantasse Like a Rollin Stone dançando no palco e feliz. ( Hoje eu acharia lindo, mas em 1975 isso seria inaceitável ). Rock era coisa séria, e Elton parecia não ser. 
  E não era. Era talentoso, genial até, mas sempre soube que subir num palco e poder cantar era um presente, uma sorte, uma alegria. Como parecer sofrer quando se fazia aquilo que mais se gostava? Elton era o mais anti-hipócrita possível.
  Poxa! Escrevi muito? É que eu amo Elton e este livro é muito bom. Mesmo para quem não gosta tanto, porque o autor, que já escreveu bios de Bowie, Bryan Ferry e até dos Stranglers, dá sempre uma geral no período. E nunca deixa de criticar os baixos, muitos, de uma carreira tão rica. A loucura do glam, a decadência do estúdio 53, os patéticos anos 80, o sucesso nos anos 90, a paz nos anos 2000. E o que fica é o fato de que Elton é sim um grande cara. Nada RocknRoll, um ET no meio, mas um grande cara. Fala-se de sua amizade com Lennon, com Rod ( que é seu melhor amigo ), e de suas coleções de arte. E a aventura de 1978, quando ele comprou seu time do coração, o Watfort, na quarta divisão, e o levou até a primeira e um segundo lugar...Eu tinha esquecido disso!
  Beleza de leitura.
  PS: Captain Fantastic de 1975. Esse talvez seja sua obra=prima. 
  Para quem quer quebrar o preconceito, aconselho The Tumbleweed Connection, de 1971.
  Divirta-se. E se emocione.

THIS YEARS MODEL- ELVIS COSTELLO AND THE ATTRACTIONS

   O segundo disco do Elvis Costello saiu aqui no Brasil mas ninguém comprou. Em 1978 quem gostava de rock estava ocupado ouvindo Aerosmith e Kiss e tendo a certeza que o Rush era o futuro do rock. Well....de certo modo Aerosmith, Kiss e Rush foram o futuro do rock. BUT! Se a gente ouvir uma bandinha nova inglesa e ouvir Elvis Costello de 1978 em seguida vai perceber que o som é o mesmo. Talvez a única diferença é que a bandinha nova parece limpinha e os Attractions eram very dirty. Hoje o rock é feito por gente que nasceu mimada e cresceu entediada. Elvis cresceu na insegurança e nasceu com genes de raiva. Com a idade ele virou um tipo de Paul MacCartney azedo, mas nos seus primeiros anos ele era um principe. A idade nos rouba anger, raiva, indignação e acrescenta o medo e a preguiça. Fazer o que? Iggy ou Lou não são a regra.
  Em meio ao rock pretensioso e muito produzido dos anos 70, Elvis e sua turma criaram um tipo de rock meio retrô. Limaram os solos, as orquestras, os super shows, os meses de estúdio, e passaram a gravar rápido, cantar direto e tocar simples. Com urgência e com raiva. A fórmula em 2014 me irrita de tão manjada, mas é predominante no dito indie-rock. O interessante agora seria fazer discos com gigantismo. 
  Pump It Up é uma obra-prima, mas não é a única. As 12 faixas variam do bom ao genial e a banda é sempre perfeita. O teclado é tosco e ritmico, o baixo dá um show de swing e o batera, como disse Ezequiel Neves na época, era um maluquete. 
  Reouvi Elvis após uma entrevista de Bruce Springsteen, de 2013, em que ele conta que em 1978 escutava muito Elvis Costello. E que Darkness in The Edge of Town, o disco mais descaralhado de Bruce foi feito sob esse clima. Bem, em 1978 eu ouvia de novidade apenas Cars e Blondie. Ah, e Kraftwerk. Nada chegava aqui e o que chegava era atrasado. Não é desculpa, claro, nas importadoras havia Specials, Clash e até o Talking Heads.  A novidade parecia ser Queen.
  Ouvir este disco hoje nada te trará de novo. Parecerá apenas um bom disco de rock inglês tipico. O que voce deve ter em mente é que Elvis é o cara que ajudou a criar esse tipo de sonoridade. E entender que num meio saturado de Supertramp e de Pink Floyd, esse som era uma ofensa. 

Elvis Costello & The Attractions (Rockpalast 15/6/78) - Pump It Up



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INGLESES PERDEM A VIRGINDADE EM NEW YORK....

   ...E quando voce a perde é for ever.
   Penso nos inocentes ainda cabaçudos. Mesmo que parecessem loucos ainda eram caipirinhas ingleses, ainda de pantufas e com seu cup of tea. Achando que vomitar no pub era o máximo! Ou dizer fuck na BBC. 
   Penso no Stone Roses excursionando pela América e se destruindo. No Happy Mondays pirando em becos de Detroit. New York engoliu a virgindade de vários ingleses que lá caíram e se perderam pra sempre. E mesmo os Beatles, que começaram a virar homens com Dylan e guiados por Dylan, melhoraram após a América, mas começaram a se desarmonizar. 
   Penso no Clash experimentando os USA e não segurando a barra. E nos Pistols morrendo a cada milha das highways. USA não é para ingleses, é para irlandeses. O U2 se descobriu na América. Os Stones só se tornaram os Stones após a viagem ao Alabama e New York. E o Led Zeppelin foi inflado pela América.
  Mas a maioria das desvirginizações foi traumática. O Who ficou para sempre a deriva depois de Woodstock. E um monte de gente desistiu por nunca conseguir comer a maçã americana: Roxy, T.Rex, Small Faces, Traffic etc etc etc. Os Smiths perderam o porque nos USA e após a adoração americana o Radiohead ficou preso na dúvida. O Oasis nunca foi big em New York e assim deixou seu destino a deriva. Porque New York é só para aqueles que sabem seduzir a sedutora. É preciso saber mexer a libido. 
  David Bowie caiu de nariz em New York e a conquistou. Fame foi number one. E quem o recebeu de braços abertos foi Lennon, o New Yorker. E em troca a terra de Andy quase o matou. Bowie, como 99% dos stars, pirou em Manhattan. De certa forma morreu. O Bowie londrino morreu aqui for ever. E mesmo o Bowie novaiorquino morreu aqui. Mas voltou em 1983, vampiro.
  TODOS os fãs de Bowie odiaram este disco. No preconceituoso mundo de 75 voce era ou black ou white. E white não fazia música assim. Sem solos, sem berros, sem suor, sem heroísmo. Bowie não se vende como herói. Ele seduz como bitch.
  O disco é um de seus melhores. E em nada lembra seus outros trabalhos. OU....digamos que tudo o que ele fez entre 1983-1990 foi Young Americans piorado. 
  Uma faixa como Win chega ao céu. O final é de uma beleza fria arrepiante. Mas todo o disco é soberbo. É pra dançar. E para escutar com atenção. Depois deste disco Paul Weller, Daft Punk, Blondie, Duran Duran, Madonna, George Michael, Inxs, Bryan Ferry encontraram seu caminho. Sem Young Americans quem abriria o caminho? Quem inventaria o soul branco?
   O disco é luxuoso, conceito inexistente no POP Rock até então. Bowie cria o conceito de luxo, de chic, de finésse.
   Nunca mais seríamos os mesmos.

The Last Time & Bitter Sweet Symphony



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MOFO ROQUEIRO

   O rock morreu quando deixou de ser futuro e virou saudade. Não existe rock onde gente com mais de 35 anos é cultuada. Entenda, Leonard Cohen ainda é relevante. Assim como Dylan ou Bowie. Mas isso que eles fazem não é mais rock. Pode ser arte, mas rock não é. Porque rock nunca foi música. Era revolta, era moda, era frescor e era juventude. E tinha de se inventar toda hora como futuro. Surpreender. 
 Em 1999 deixei de tentar ouvir bandas novas. The Verve simboliza uma das últimas tentativas. Mas na verdade era um morto revivido por um Dr Frankenstein. Dava até pra se divertir ( foi uma boa safra de covers recém compostos ). Ainda havia Blur e Oasis e mais uma porção de coisas que iam de Red Hot à Fatboy Slim. Na verdade nada de rock, era festa, uma festa que ainda me enganava. Logo o cheiro de bolor voltou, e eu tenho alergia a bolor. O fedor aumentou e passei a procurar novidades nas velharias que eu não conhecia. Se era pra ouvir bolor, melhor colher o melhor bolor. Love, The Band, Steely Dan, Kevin Ayers, Can, Gram Parsons, Nicolette Larson, Flying Burrito Brothers...Descobri tudo isso desde então. 
 The Verve era lindo. Lucky Man ainda me faz chorar. É bonita. Mas é antiguinha. De qualquer modo, os Gallagher ainda pareciam reais. Maloqueiros. Como real parecia Thom Yorke. Ou Flea. Eles sabiam das coisas. E sabiam acima de tudo que eram mortos-vivos. Vampiros. Cantavam canções que vieram tarde. Era rock? Só na forma. Era bonito? Claro que sim. Mas era mofo. Mofo e teias de aranha.
 Não desvalorizo sua obra. Digo apenas que sua obra é uma coisa triste. Repete como réquiem aquilo que se foi a muito tempo. Cantar os mortos é uma forma nobre de arte. Mas não é rock. Que canta a vida, mesmo que trágica. E não é potente, pois um zumbi não reproduz. Se voce notar, o que reproduz, o que fertiliza e inspira continua sendo o rock vivo de sempre, o rock feito quando vivo e confiante. Aquele que se foi no começo da década vazia. 
 Ouça o que postei e fique bem.
 Valeu.