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O TIGRE DA TASMÂNIA

   Quando tempos atrás andei lendo relatos sobre descobridores, os homens que desbravaram mares e continentes lá pelos séculos XVI ou XVII, o que mais me chocou foi a indiferença que eles tinham à vida. Em cada praia que eles aportavam acontecia um alegre massacre. Focas eram mortas aos milhares, pinguins esfaqueados, pisoteados, esmagados, mortos às cacetadas. Bichos, que por jamais terem visto um homem, tolamente não os temiam, eram trucidados. Pássaros eram mortos aos milhões ( sim, voce leu direito, milhões ). Há uma cena em que ao chegar a uma ilha os marinheiros se divertem matando focas às cacetadas. A praia se enche de sangue e os marujos só param quando ficam totalmente cansados. E a diversão recomeça no dia seguinte. Ler essas páginas, que na época deveriam ser divertidas, é insuportável. São homens que eu não aceito como meus irmãos.
   Foi nesse processo que se aniquilou o pássaro Dodô e o Tigre da Tasmânia. O Dodô foi extinto por volta de 1700, mas o Tigre é mais duro de aceitar, ele desapareceu em pleno século XX. Madeireiros e mineradores da Austrália se divertiam em matar e exibir o corpo do animal. Existem fotos desse festim. Existe um filme do último Tigre vivo. Ele está preso numa jaula, é 1920, e ele é o último dos últimos.
   Pense. Se um dia o último homem desaparecer, com ele "o mundo" morrerá. Com esse homem, toda a visão de mundo da espécie irá deixar de existir. Pior, será como se ele jamais houvesse existido. Quando uma espécie deixa de existir, todo aquele mundo, dela, se vai embora com ela. E o mundo que resta fica mais banal, menos multi-facetado, empobrecido.
   Daí voce pode pensar: E daí? Tudo tem seu tempo.
   Mas se os dinossauros nada tiveram a ver conosco, saiba que quando matamos e perseguimos um bicho até sua extinção, é à vida que massacramos. E por mais que tentemos ignorar, temos consciência do mal que é feito. Matamos e aniquilamos, e depois nos sentimos indignos da vida. E cheios de nojo, matamos o que resta. Seja numa visão religiosa, ou seja numa visão ciêntifica, é um crime. Roubar da vida uma espécie, riscar da história uma trilha evolucionária, é imperdoável.
   Cada vez mais tenho a certeza de que estamos aqui para cuidar da vida. Se somos os únicos seres com habilidade o bastante para amparar, remediar e prevenir a morte, temos a obrigação de preservar a vida. É o único ato que pode nos dar sentido. Deixar que um ser seja o último, é o pior dos crimes.
   Sim, somos por natureza violentos, egoístas, vorazes e muito covardes, sei de tudo isso. Mas sei também que temos a liberdade de lutar contra nós mesmos. De sermos pacifistas, altruístas e preservacionistas. Quem empaca apenas na constatação de nossa maldade tem uma postura preguiçosa, conformista, morta. Somos e temos sido maus. Mas temos a obrigação de lutar contra isso.
   Obrigação perante o que? Perante a vida. Toda a nossa história tem sido uma história de morte, massacre e egoísmo. E não tem dado certo. Somos infelizes e estamos sempre com medo. Se apostamos na morte, e é o que fizemos sempre, apostamos errado. O Tigre da Tasmânia é a prova de nossa burrice.
   O dia em que, em meio aos massacres, um marinheiro parou e olhou para uma foca e sentiu compaixão, esse dia foi especial. Alí nascia uma nova visão. Criava-se uma ponte entre duas espécies distintas. Um mamífero primata sentia algo por um mamífero absolutamente distante de seu meio. Esse marinheiro sentia aversão pela morte.
   Preservar a vida e jamais permitir que um ser seja o último de um mundo. É o que nos dá valor. É o ato de nobre heroísmo de hoje.

SEGREDOS SUBMERSOS DO ATLÂNTICO- EDUARDO MEURER

   O melhor neste livro é o bom-humor com que tudo é descrito. Problemas com tubarões, cabos que se partem, tempestades, motores quebrados, nada tira a graça do texto de Eduardo Meurer. Ele enche as páginas de piadas, palavrões, rimas, causos e remembranças que dão sabor e cheiro ao livro. O único senão é que às vezes ele se torna didático demais. Os termos náuticos não precisavam ser tão "traduzidos".
   É um grupo de amigos, dentre eles Lawrence Wahba, que partem de Santos rumo à Cabo Verde. Acompanhamos a captação de patrocínio, a formação da equipe, a manutenção do barco ( uma escuna ), e por fim a expedição. Eduardo conta a história dos fortes mal conservados, dos faróis, dos naufrágios. Mas o objetivo é mergulhar, e então peixes, moluscos e seres misteriosos são as estrelas do livro. E pássaros também.
   Ao contrário da narração de Geraldo Linck, que dá mais ênfase ao sul e sudeste do Brasil, aqui o nordeste é descrito mais detalhadamente. É uma região de águas claras, de peixes coloridos. Muito rock rola naquele barco, e a amizade entre os caras é o que permanece na memória após a leitura.
   Eles alcançam o Cabo Verde, isso após aportarem em várias ilhas do alto oceano. É uma chegada bonita, alegre, exultante. Como é todo este agradabilíssimo texto de Eduardo Meurer.

ACUSAÇÃO MUDA ( MUDA MUNDO, MUDA )

   Não deu certo. A gente não entendeu nada, não aprendeu nada, não criou coisa alguma que valesse a pena criar.
   O que aconteceram foram apenas leves ameaças de melhora. Um poeta aqui, um lider lá, uma nova filosofia em dado momento. Mas essas possibilidades, essas "quase" melhorias deram em nada. Se fomos criados por um Ser superior, perdemos a conexão com esse Mentor e Ele de nós se apartou. Se somos um simples acidente, um acaso incriado, a direção desse acaso aponta para a extinção e o vazio absoluto. Falhamos. Somos fungo de laranja, nada mais que isso.
   ...
  O buraco foi cavado e o animal ficou mudo ao ser jogado lá. O destino daquele ser vivo é aquilo que aquele homem fizer e desejar. Ele desejou um buraco para ele, e jogou nesse buraco o cachorro vivo. A terra então foi jogada sobre esse bicho e com olhos mudos ele olhou o rosto do dono de seu destino. Olhos que foram logo cobertos por terra, pedra e lixo.
  A muda dor, o mudo protesto. Doze horas se passaram e nessas doze horas aquele ser soube que sua vida seria aquilo: terra, escuro, nada. Até ser resgatado, e poder, em outro destino sentir o ar livre outra vez. Mas ver a luz do dia, nunca mais.
 ...
  Eu não sou um idiota. Sei que neste momento crianças são jogadas no lixo, estupradas, acorrentadas. Eu sei. Mas eu resolvi escrever sobre esse cão sem nome, sem voz, sem nada. Porque vi em seu olhar a condenação muda de todas as nossas falhas. Estamos falhando. Quanto mais velho eu fico, mais certeza tenho de que nossa nobre missão ( a única ), seria a consevação da vida, de toda vida. Mas não é para esse lado que caminhamos. O cão é vitima de nosso mundo. Nós o envolvemos na rede de nosso tipo de vida, de nosso mundo. Ele somente estava lá, passivo.
  E seu olhar ferido nos condena. Mudo. Abismado. Para sempre calado.

JOHN DONNE E O DIABO DA TASMÂNIA

Concordo com John Donne. Mais que isso, sinto na carne e no osso aquilo que ele diz. Cada ser que morre na Terra é parte de mim que morre junto. Falo ainda, há uma agoniante sensação de pobreza e de fracasso quando sabemos que um componente do teatro terrestre pode estar se indo. Para sempre.
Vida interior é alma. Vidas externas que se refletem dentro de mim mesmo. Elas dançam e repercutem em meu interior e se fazem componente desse eu. Quando um desses eus deixa de existir é meu eu que morre. Um pouco, e muito.
O encanto do filme de Woody Allen é o de se ver um homem que por amar outros seres fora de si-mesmo, ama a vida e amando a vida ama Paris e o mundo. Disso bem entendo, pois sei, muito, o que é amar Londres por Thackeray ou Ferry, Paris por Proust e Gauguin e o sul dos EUA pelo jazz e pelo blues.
Só que mais forte é amar a Serra do Mar por seus micos e seu verde sombrio, é amar a Austrália pelos dingos e pelos cangurús. E se os tigres estão por um fio, se o mar deixará de ter golfinhos, é evidente que a vida, nossa vida, será de um vazio abissal. O homem que ama Tokyo porque Tokyo tem aparelhinhos e luzes não percebe que ele ama coisas mortas. E hoje se ama Nova Iorque e Amsterdam por coisas sem vida. Não por Cole Porter ou Rembrandt.
O Diabo da Tasmania está se indo. Um fungo que se torna cancer facial destrói a espécie. Inteira. Quando ele estiver vivo apenas em memória de tolos como eu, saiba, e tenha a certeza, de que a Vida neste planeta estará ainda mais pobre e mais futil. Porque voce e eu somos ele também.
John Donne sabia.

ESQUIMÓ

Esquimós nunca falam eu. É estranho pensar, na língua deles não existe a palavra eu e consequentemente, meu. O " eu quero " se torna " ele Tony quer ", o " meu desejo " é dito " o desejo daquele Tony ".
Nosso mundo é língua/palavra. Como pensa quem não se vê como ser único e sim como ele ? É provável que olhem a vida e vejam nela parte de sí. Não um " eu e aquilo ", mas um " ele é aquilo ".
Os esquimós crêem que Deus é um urso. O mundo foi criado pelo urso e para o urso. O urso é o eu. O homem é o homem, ele- o homem.
Nesse modo de pensar, nada é de ninguém. Eles não são donos de nada, inclusive de suas esposas e filhos. As mulheres podem se divertir com vizinhos e os amigos podem pedí-las emprestadas. Os filhos são criados pelo iglú onde moram.
Daí voce pode pensar : - E daí ? O que um esquimó criou de útil ?
E eu te digo : - Já notou que a necessidade de criar, de progredir, só nasce na falta de alguma coisa ? Só cria quem precisa, quem sente uma necessidade.
Quem sabe o esquimó não esteja pleno ? ( Até alguém o convencer de que ele precisa de um Samsung prateado ).
Os esquimós fazem sexo às gargalhadas. Eles transam rindo. Isso revela muita coisa....
Mas se o urso é Deus, como pode um homem-esquimó matar um urso ?
Lí em algum lugar que a tragédia do homem urbano é matar animais inconscientemente. Voce devora hamburgers e bifes sem saber o que são. Voce não sabe, mas sua alma sente isso.
Os esquimós criaram um belo modo de sublimar essa culpa ( e onde eles vivem, ou voce mata ou é morto ), eles têm a certeza de que TODO ANIMAL MORRE ALEGREMENTE. O esquimó não caça o bicho, ele é que resolve se dar em sacrifício feliz.
Se o urso-deus criou o mundo, nada mais natural que ele se dar como alimento para seus filhos, sua criação.
Em nosso mundo não há nada que chegue perto de tão bela justificativa para a morte. Nós comemos hamburger porque é bom e os animais que se fodam.
Fico pensando em quantas possibilidades de vida e de entendimento da vida nossa mente comporta. Quantos deuses podem ser criados e quantas palavras não poderiam ter deixado de existir ou novas combinações não poderiam fazer novo sentido.
Um mundo sem o conceito de " eu sou " é um mundo completamente alheio a nosso entendimento.
" Ele é Tony " significa em última instância a sábia constatação de que a vida não é nossa, de que ser Tony é ser um papel fora de nós-mesmos e de que a alma interior, único eu-válido, é parte, e não indivíduo, de um grande bicho universal.
Ver um urso perdido em gelo, à deriva, é ver a perdição de um deus.