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HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS - LIVRO E FILME

Nem todo escritor que se presta ao cinema é ruim, mas todo escritor ruim é facilmente filmável. Isso porque toda prosa fraca se concentra em atos-ações e também em diálogos. Não há best seller ou livro esquecido que não possua ação física e conversas simples. Para um roteirista experiente, adaptar textos desse tipo para a tela é brincadeira. Edgard Allan Poe é o segundo autor mais adaptado ao cinema, e isso não prova que ele é ruim, não é, mas prova que ele é simples. Poe consegue parecer profundo para leitores superficiais e tem ares de clássico para quem não conhece literatura. Seu foco é no enredo, na ação e num certo tipo de "confissão do narrador" que explicita tudo e faz da leitura um prazer sem custo. Ele nasceu para ser filmado. ---------------- Roger Vadim é sem dúvida um dos piores diretores que já fizeram filmes. Sua fama se deveu toda a descoberta de Bardot e sua carreira, que durou incríveis 15 anos, é uma coleção de filmes mal feitos, mal escritos e mal assistíveis. Ele é impossível de se assistir. Nesta produção de 1966, feita em 3 partes por 3 diretores, sua presença estraga todo o projeto. Metzgerstein, um bom conto de Poe, é transformado não só em filme ruim, é ridículo. Tudo que ele faz é filmar sua esposa de então, Jane Fonda, em cenas pseudo eróticas e com roupas dignas de carnaval. Nada se salva nesse odiável desastre. E o pior, percebemos o quanto Jane e seu irmão, Peter Fonda, são péssimos atores. -------------------- Há estrelas que sem uma direção forte nada conseguem realizar. Jane parece uma colegial em peça amadora. Tudo aqui é execrável. -------------------- O choque é imenso quando começa o segundo conto, William Wilson. Bastam cinco segundos para percebermos a presença de um grande diretor e de um grande ator. Louis Malle dirige e o filme vibra em bom gosto, suspense e clima de horror sutil. Delon, sempre fantástico, vive assombrado pelo seu duplo, um homem com seu nome e seu corpo, porém, bondoso. Não há um só minuto de cinema menos que ótimo. São 30 minutos sublimes em seu modo de narrar e de filmar. Penetramos na mente de Delon sem precisar nos esforçar, Malle trabalha com visível prazer e superior sabedoria. ------------------ O último conto é de Fellini, e em 1966 ele vivia o auge de suas experiências com LSD. Terence Stamp foi chamado para fazer um ator freak que vai filmar em Roma e se vê às voltas com paparazzi. Tudo é 100% Fellini e nada Poe. Os famosos rostos fellinianos com seus movimentos de câmera, os exageros, e a poesia que transcende a beleza e revela amor ao mundo. Stamp, famoso então, destruiu sua carreira com drogas e iria sumir na India por alguns anos. O filme revela com despudor o que ele vivia na vida real. Não houve rosto como o de Stamp. ------------------- Essa trilogia começa com Vadim e isso destroi a chance de assistirmos Malle e Fellini em boas sensações. Se voce o assistir, salte sobre a primeira história e assista as duas seguintes.

EDGARD ALLAN POE

Quando li a lista, longa, imensa, dos livros mais importantes da história, estranhei muito não haver uma só referência à Edgard Allan Poe. Percebi mais tarde, que toda crítica inglesa ou americana o ignora completamente. Os poetas também não o citam. Poe só aparece como referência entre letristas do rock pedantes. Por que? ------------------ A explicação que todos dão, é que Poe ao ser traduzido para o francês se tornou melhor. O tradutor era tão bom que deu outra vida, outro ritmo, outra ressonância ao autor. Releio, ou tento reler Poe mais uma vez, e mais uma vez não gosto do que leio. ------------------ Poe antecipou uma porção de gente. Escreveu contos policiais indutivos antes de Conan Doyle e muito antes de Agatha Christie. Falou de ciência e de futurologia antes de Wells e de Verne. Seus contos góticos não antecipam nada, a literatura de horror existia desde fins do século XVIII, e na verdade Hoffmann é bem maior que Poe. -------------- Mas aquilo que ele escreve... é tão chato! ----------------- Vejo nele o típico autor que tem uma ambição maior que seu talento, ou pior, ele vê imagens maravilhosas mas não consegue as transmitir no papel. Tudo em Poe parece uma vitrine bem executada, o que vemos de primeira olhada promete ser ótimo, mas o produto nunca atinge a expectativa. Bloom fala que Poe escreve mal, e mesmo em tradução isso é um fato. As descrições, muito longas, são enfadonhas, os personagens sempre são os mesmos tipos, os diálogos engessados em convenções e pior que tudo, ele vulgariza o romantismo da segunda onda, o romantismo gótico. Ao ler certos trechos de Shelley ou de Novalis, ainda percebemos o espírito demoníaco palpitando neles, em Poe o que percebemos é um autor exaltado tentando parecer um gênio. ------------------------ Poe é um adolescente, o tempo todo, e mesmo O Corvo, um bom poema, é obra de adolescente, parece muito a adoração masturbatória do próprio sofrimento, modo adolescente de sentir uma dor. Edgard Allan Poe continua popular porque hoje é uma grife. O jovem gótico compra seu livro, em versão chique ilustrada, porque já ouviu falar dele. Mas não o lê. Eu sei porque eu vejo isso todo dia. ---------------- Então fecho o volume e o guardo na estante. Fique aí Poe. Ganhe pó. E continue sendo o autor que todos conhecem mas que quase ninguém lê. Como Dickens. Como Balzac.------------------------- PS: antes que achem besteira, Jane Austen, Oscar Wilde, Tolstoi, Dostoievski, Whitman, só para citar alguns, continuam a ser lidos. Não é um problema com a literatura do tempo de Poe, é um problema de certos autores que perderam sua capacidade de falar ao leitor deste tempo. Dickens, um autor maravilhoso, parece piegas hoje, Balzac, um estilo genial, parece enfadonho, e Poe, bem, ele é muito detalhista para nosso leitor teen e muito teen para um leitor sério. Fica viva a grife. E uma grife de "autor maldito" que bebia muito e sofria demais sempre ajuda.

O RETRATO DE DORIAN GRAY, OSCAR WILDE

Fui muito fã de Wilde. Quando eu tinha por volta de 25 anos de idade adorava citar suas frases. Citar Wilde fazia com que eu me sentisse elegante, inteligente e chique. O mundo é assim: existem poses que voce pode assumir e assim obter um rótulo. No século XX Wilde te dava esse rótulo: um cínico superior. ---------------- Não sei se ainda se lê Wilde. Penso que não. Ele passa longe de ser politicamente correto e suas frases não pregam o bem. Quanto ao fato dele ser gay, isso nada mais significa. Para um menino gay de 2021 ele irá parecer pré histórico. ------------ Penso que Wilde sabia que sua inteligência, brilhante, seria um belo produto, um rótulo a ser usado por quem quisesse parecer brilhante. Eu o usei. Sei que funcionava. Assim como sei que Wilde tinha consciência de que suas frases eram apenas isso: frases, sons, bolhas. Às vezes eram tão bem escritas que se igualavam à poesia. Mas se analisadas com calma não fazem sentido algum. Nonsense de sala de estar. Lewis Carroll foi muito maior que Wilde. ------------- Reli Dorian pela quarta vez. Como diversão é uma maravilha. Como literatura ele falha miseravelmente. Wilde sabia disso e por isso desistiu de escrever romances. O livro não tem fôlego. Entenda, nós não cansamos de o ler, é curto, é divertido, é leve. Mas sentimos que Wilde se cansou dele. Nos frustra perceber que o autor o encurtou. Dorian poderia ser um romance genial se tivesse mais exposição, mais detalhe e mais desenvolvimento. É preguiçoso. ----------------------- Outro defeito é o fato de que ele parece ter mudado de estilo no meio da escrita. Na primeira parte é um típico texto do Wilde dramaturgo. Frases espirituosas, clima de farsa, humor, crítica às convenções da classe alta. Nada muito distante de Ernesto ou do Marido Ideal. Então, no meio do livro, ele se torna um tipo de tratado simbolista, momento em que Dorian fala de seus prazeres e da educação dos sentidos. É um Huysmans melhor escrito. Depois, ao final, se torna um romance gótico, um tipo de Allan Poe da classe alta. Se Wilde tivesse misturado os três estilos de modo equilibrado por todo o texto, teríamos algo incrivelmente belo. Mas deixando tudo dividido, como se fossem três tipos de intenções que se modificam como estações, ele perde o leitor. Não é por acaso que tanta gente se decepciona com o começo do livro. Quem nunca o leu espera encontrar clima de horror desde o início, e se espanta ao perceber ser este um romance sobre costumes. --------------- O cinema sempre fez filmes péssimos sobre este livro exatamente por isso: ele não é um livro que possa ser formatado em um estilo de cinema. O suspense mata os personagens e as falas à Wilde matam o suspense. O SOL POR TESTEMUNHA é um filme mais Dorian Gray que qualquer filme chamado Dorian Gray, entendeu? ------------------ Alain Delon era o único ator que poderia fazer Dorian Gray. Nunca o fez. É tudo. ------------ Uma pena Wilde não ter vivido até os anos de 1920 e assim poder escrever sobre os vícios e a corrupção moral da qual ele fala mas não pode falar. ---------------- De qualquer modo, Wilde é sempre interessante e o livro é danado de bom de se ler.

O GATO PRETO e TOBY DAMMIT, EDGARD ALLAN POE

Primeiro uma observação: o livro que li tem uma bio de Poe. Sua vida só se tornou trágica nos últimos dois anos. Me parece que ele é mais um caso de escritor que teve seu sofrimento bastante aumentado. Poe publicou por toda a vida, mudou de cidade várias vezes, casou, se apaixonou na viuvez. Mas vamos aos dois contos. ------------------------- Como escrevi no texto abaixo, a América do Norte nasce tendo em vista satisfazer seu povo, isso de dando através de um ideal de liberdade e de oportunidades nunca vistos antes neste planeta. Poe escrevia não para os literatos ou para se tornar eterno, ele escrevia para ganhar dinheiro e esse dinheiro viria não de algum mecenas ou do estado, ele viria do leitor. Ele logo percebeu que o horror vendia. O Gato Preto é um apelativo conto de crueldade temperado com medo e danação. É bom? Ele atinge seu objetivo. Já Toby é bem melhor. Tem ironia e tem gore em seu final. Poe solta a imaginação. Entretém. ------------------- Harold Bloom cometeu muitos erros e um dos maiores foi desprezar Poe. Para ele, Allan Poe era ruim, um escritor pobre que devia sua fama à propaganda dos franceses ( um Jerry Lewis do século XIX ). Erraste Bloom. Poe é e foi um visionário. Ele percebeu, por intuição, que o conto policial e o de horror seriam o estilo que alimentaria não só editoras mas também o cinema que décadas depois surgiria. --------------- Não é pouca coisa.

STEAMPUNK POE....EDGARD ALLAN POE E BASIC + SUMBERAC

Gosto muito do movimento Steampunk. É coisa típica do "final do tempo". Na hiper conectividade da era digital, onde o tempo deixa de fazer sentido, mistura-se era vitoriana com tecnologia dark, maquininhas a vapor com roupas pós-punk, cenários góticos industriais com veículos futuristas. Ìcones? Vapor. Relógios. Vombates. Polvos. Na literatura: Poe e Conan Doyle, Hoffmann e Tieck, Baudelaire e Melville. Adolescentes deprimidos amantes de tecnologia e de filmes góticos de horror misturaram tudo. Dizem sonhar viver em 1860. Mas como não abrem mão de seu PC e de seus jogos, vivem como se houvesse um ontem e hoje sincrônicos. Nada muito profundo. Mas me agrada. Muito. Aos 15 anos eu já vivia dentro desse mundo. Como era um tempo sem PC, eu misturava gótico Morro dos Ventos Uivantes + Poe com rock e TV. Nada é mais gótico que o livro de Bronte. Eis este livro. Alguns contos de Poe com ilustrações de uma dupla croata. Os desenhos são maravilhosos. Infantis ( Peter Pan é um menino steampunk ), dark, ricos em detalhes, escuros, e profundamente eróticos. Não há um só desenho de sexo ou de corpos em poses sensuais, mas as trevas são sempre eróticas. O medo é vizinho do sexo. Nós sabemos disso. Harold Bloom não gosta de Poe. Muito crítico americano acha-o um autor de segunda. Já os franceses acham ele o máximo. Foi Baudelaire quem o fez ficar famoso. Eu o acho um mal escritor. Sua prosa é redundante e pobre. Sua fama vem de seus temas e não de sua arte, de sua execução. Poe mergulhou no gótico, no medo, no horror. Autores alemães e ingleses fizeram o mesmo antes, mas Poe foi mais explícito. O americano aumentou a adrenalina e diminuiu o elitismo. Movimento típico da democracia. No fim do livro há duas traduções de O Corvo. Uma de Machado de Assis. Outra de Fernando Pessoa. O luso dá de 10 a zero. Para quem gosta de Poe aconselho que vá atrás de A Outra Volta do Parafuso, de Henry James.

O CORVO- POE E PESSOA....E AS LOJAS GEEK.

   Num quarto no inverno, postado à janela, um homem lamenta a morte da mulher que ele ama. Então ele ouve um ruído e pensa ser um espectro. É um corvo que invade o quarto e se posta sobre um busto de mármore. Esse pássaro, que o faz rir, repete NUNCA MAIS...a repetição desse bordão, antes uma piada, começa a soar como maldição.
 Leio O CORVO na tradução de Fernando Pessoa. O amaldiçoado POE traduzido pelo melancólico português. As imagens são lindas, sombras e vento, a expectativa do sublime. POE entendeu o sublime como poucos, a beleza encontrada, entre medo e dor, onde ela nunca seria antes esperada.
 Os melhores adolescentes de 2016 cultuam este poema, mesmo que não saibam de sua existência. Entre mangás habitados por monstros, filmes de Tim Burton e de HQs, jogos tenebrosos e rituais de bruxaria, eles cultuam a sombra, aquilo que saiu do sol, o esquecido.
 E há uma sinceridade amarga nisso; mesmo que seja produto, vendável em lojas GEEK.
 Tivesse eu 16 anos seria um deles. Aliás, aos 16 eu era um deles.