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COMO SE ESCREVE UM ROTEIRO: THE BAND WAGON ( A RODA DA FORTUNA )

Acima de tudo, este filme, escrito por Adolph Green e Betty Comden, é uma aula de roteiro. Explico como e por que... Fred Astaire, em 1953, ano de filme, sofria com a idade e com Gene Kelly. Aos 54 anos de idade, era considerado velho para fazer par romântico e pior, se duvidava de sua habilidade física. Cartola e bengala eram vistos como coisa de vovô e Gene Kelly, com seu tipo atlético, informal, ousado, era o rei do musical de cinema. Pois bem....como ressuscitar a carreira de Fred Astaire? -------------- Em filme mal escrito, do tipo das biografias feitas hoje em dia, se mostraria Astaire como sofredor que dá a volta por cima. Na primeira cena seria mostrado Astaire ( seu persoangem, Tony, um ator de musicais ultrapassado ), a sofrer. Sozinho em casa, bebendo, ou vendo seus velhos filmes na TV. Isso seria óbvio, apelativo, chato. O que faz este roteiro? Mostra um leilão de memorabilia do cinema. Leiloam a cartola e a bengala de Tony-Fred. Pedem apenas 5 dólares. Ninguém dá lance. Baixam para um dólar...cinquenta centavos..."Alguém quer?" ------------------- Esse o tom do filme por todo o tempo. Na cena seguinte Fred está em um trem. Ao descer há um grupo de jornalistas esperando uma estrela, Fred fala com eles contente, mas na realidade quem é esperada é Ava Gardner. Fred canta então, andando só pela estação, All By Myself, uma das muitas canções maravilhosas deste filme perfeito. Percebemos então que esta obra é amarga, amarga e engraçada, exagerada e elegante. O casal de roteiristas se auto retrata no casal de roteiristas que recebe Fred nas ruas de New York. Ele, um pianista hipocondríaco, ela, uma elétrica otimista. O filme se desenvolve nesse diapasão: a vida real retratada todo o tempo em roteiro que fantasia ao exagerar, mas revelando a realidade do momento. Jack Buchanan faz o diretor de teatro da moda, artista que irá relançar Fred à fama. Criação genial do roteiro, ele é pretensioso, artístico, over. Faz do musical um novo Fausto, um deprimente show de satanismo. ( Há aqui uma gozação com THE RED SHOES ). Fred, inseguro, teme que a bailarina famosa, Cyd Charisse, o ache baixo demais, POP demais, vulgar demais. Cada cena no filme apresenta uma solução, sempre leve e nunca óbvia, para cada problema da história. As canções, de Howard Dietz e Arthur Schwartz, são fantásticas. Triplets foi copiada até por Jô Soares 30 anos mais tarde, e a dança no clube de jazz é uma obra prima completa que exala modernismo chique até hoje. ---------------------- Ver um filme como este dignifica o cinema e nos faz recordar o que significa um grande roteiro. Vincente Minelli era um diretor que dependia sempre de um bom roteiro para fazer um grande filme. Quando tinha um roteiro mais ou menos errava irritantemente, quando com um bom script ele sabia o valorizar. A RODA DA FORTUNA é considerado um dos 10 grandes musicais da história. Não é. É um dos 5.

Fred Astaire - Puttin' On the Ritz (1952)

BLUE SKIES

A canção americana teve na primeira metade do século XX: Oscar Hammerstein, Jerome Kern, George e Ira Gershwin, Cole Porter e aquele que teve maior sucesso: Irving Berlin. Todos eles fizeram música para a Broadway, todos foram bastante aproveitados pelo cinema, todos eram sofisticados, criativos, as rimas fugiam do óbvio, descreviam um estado de espírito, uma situação de vida. Era um tipo de canção feita para pessoas que liam, que iam ao teatro, que entendiam o que era cultura. Mas tudo isso sem perder sua alma popular. Nascida da mistura da canção de opereta da Europa com o jazz americano, a canção popular dos EUA vendeu como refrigerante e assim mudou o planeta. -------------- Eu nunca vou decidir se prefiro Porter ou Gershwin, Berlin ou Kern, o que sei é que Berlin tem a maior quantidade de canções famosas. Blue Skies é uma canção que fala sobre a alegria de viver. Berlin não tem pudor algum em descrever a sensação de ser feliz. É mais uma de suas obras primas. ---------------- Blue Skies é também um filme de 1947, anunciado na época como a despedida de Fred Astaire do cinema. Nascido em 1899, ele já tinha mais de 40 anos de carreira ( começou aos 4 anos nos palcos ). Fred Astaire queria fazer o que gostava: ver corridas de cavalos, tinha um cavalo vencedor, e jogar golfe. O cinema parecia não saber mais fazer filmes para ele e seus últimos haviam sido decepcionantes. O que não sabiam é que sua aposentadoria duraria apenas dois anos... --------------- Irving Berlin teve a ideia do filme: pegar um punhado de suas músicas e fazer um filme, a história de um triângulo: um dançarino que ama uma atriz que ama um cantor dono de boates. Bing Crosby é o cantor, um tipo que seria antipático não fosse feito por ele. Para quem não sabe, Crosby foi o maior cantor do século XX. Foi ele quem acabou com o tipo de canto "arrebenta peito", operístico, de vozeirão, que dominava a canção até os anos de 1920. Crosby foi o primeiro a cantar sem esforço, sem gritos, sem forçar a voz, sem aumentar o volume. O timbre é delicioso e seu controle do fraseado e da respiração são inigualáveis. Ele canta como quem conversa e isso foi uma revolução. No cinema, seu modo de atuar é de acordo com seu canto: tranquilo, ponderado, cool. Bing Crosby tem momentos maravilhosos com as canções de Berlin, mas Fred Astaire consegue ser ainda maior. Pois além de cantar, no estilo Crosby, ele dança! Putting on The Ritz é talvez a canção mais chique da história e Fred nasceu para ela. Veja o video e observe a leveza magnífica de corpo e voz, de composição de dança, de cenário e tema. Tudo se une naturalmente e faz da apresentação um apogeu. O filme tem mais, bem mais, a obra de Berlin alimenta horas de prazer e esses dois atores são insuperáveis. ----------------- Ir ao cinema para ter prazer. Soube que no Hotel Atlântico, em Santos, havia um cassino e um cinema. Quando o tempo estava bom, o teto do cinema era retirado e o filme era visto debaixo do céu estrelado. E com brisa do mar. Se este filme foi exibido por lá, numa quente noite de sábado, nada pode ter sido mais bonito e civilizado.

Drum Crazy

Fred Astaire / Stepping Out With My Baby 「Easter Parade」

EASTER PARADE, FILME DE FRED E JUDY. PORQUE É IMPORTANTE SER FELIZ

Fazia muito, muito tempo que eu não me sentia no mood para ver um musical clássico. Entenda, um filme musical é um outro tipo de cinema, um gênero completamente à parte. Para o usufruir é necessário certos requisitos: 1- Sentir-se civilizado. 2- Estar disposto ao amor. 3- Estar aberto à fantasia da felicidade plena. 4- Abrir ouvidos e olhos para o dom de usufruir. 5- Diminuir a tensão. ( Todos esses requisitos explicam o porque do filme musical ser um gênero de cinema morto. Qual o frequentador de filmes que possui hoje essas condições? ). Então escolho Easter Parade para rever. Escolho por acaso, estico o braço e o pego. O encanto acontece rapidamente. --------------- O filme foi feito em 1948, e reúne músicas de Irving Berlin em roteiro de Sidney Sheldon. Berlin foi o compositor mais popular dos EUA na primeira metade do século XX. Prolífico, ele tem centenas de canções que se tornaram hits e muitas são até hoje parte do folclore do país. Foi amado por gente do calibre de Gershwin e Cole Porter, Sinatra e Bing Crosby. Suas rimas são fantásticas, as melodias lindas e leves. Para interpretar o casal principal chamaram Judy Garland e Gene Kelly, mas Gene se machucou nos ensaios e Astaire o substituiu. Charles Walters, um dos melhores diretores de musicais, coordenou a produção. O filme foi um imenso sucesso. A história fala de uma dupla de dançarinos, Fred e Ann Miller. Ela o larga para seguir solo e bêbado, ele escolhe a não dançarina Judy Garland para ser sua nova partner. O filme é a descoberta dos talentos de Judy e o nascimento do amor em Astaire. Apenas uma história leve, simples, onde possam ser encaixadas as canções de Berlin. Um tipo de simplicidade que não ofenda nossa inteligência, que divirta, que nos faça querer dançar na rua, que salve nossa semana, que nos faça querer amar. --------------- O bom musical nos diverte, o grande musical nos faz seres melhores. Por isso quando um fã de musicais, alguém como eu, vê Fred Astaire, sente estar diante de alguém maior que um ator. Ele é, para nós, uma figura religiosa, alguém que nos liga a algo maior e melhor que a vida. Musicais são como cerimônias religiosas, uma cerimônia, um encontro entre fieis, uma seita, uma educação, um sentido para o kaos. Aula de beleza, de amor, de encanto. ---------------- Postei uma cena onde Judy e Fred se vestem de mendigos. É adorável. Judy Garland consegue algo quase impossível: rouba a cena de Astaire. Nossos olhos se encantam com suas expressões, sua alegria, seu talento sem limites. Judy poderia ter sido uma humorista fantástica. Triste Judy, desde os 4 anos de idade nos palcos, cheia de problemas psicológicos, viciada em calmantes e alcool, amores frustrados, insegurança quanta ao seu talento. Ela disputa com Vivien Leigh e Margaret Sullavan o troféu da mais trágica das vidas. Mas aqui, nas telas, quanta alegria, quanta energia, quanto esbanjamento de um dom divino. ------------------------ No filme Manhattan, há uma cena em que Woody Allen lembra das coisas que fazem a vida valer a pena. Ele cita os Irmãos Marx, beisebol, canções dos anos 30, Astaire. Não há em minha vida ator que me faça melhor, que me dê mais vontade de viver, que me acalme como Fred Astaire. Entenda, ele não é um grande ator, ele não pode ser comparado à John Barrymore ou James Stewart, ele é de outra liga. Ele é uma presença. E nesse aspecto de ser UMA AUTORIDADE, só Cary Grant e John Wayne podem ser comparados à Astaire. São atores que queremos olhar e ouvir. Nada mais que isso. Irradiam luz, nos dão calor, nos ensinam como se deve viver. Salvam. -------------- Após alguns anos de realidade em excesso e desejo puramente animal, adentrar outra vez o mundo de Astaire é como voltar ao PARAÍSO.

SPOTLIGHT- RON HOWARD- MALICK- ASTAIRE- JUDY- GENE

NO CORAÇÃO DO MAR de Ron Howard com Chris Hemsworth, Cillian Murphy e Ben Wishaw.
Que decepção! O filme tem tudo que gosto: ação, aventura no mar, ambiente soturno, névoa e um tema brilhante: a história de Moby Dick contada para Herman Melville, e não por Melville. Mas tudo dá errado! Posso contar alguns motivos: os efeitos digitais parecem efeitos digitais, toda a ambientação se torna fake; o vilão é fraco, frágil, sem charme; Chris já provou ser OK, mas o personagem é grande demais para ele, caça à baleia é uma coisa intragável hoje em dia... O filme se arrasta. Um monte de coisas acontecem, mas a sensação é de que nada importa muito. Nota 2.
SPOTLIGHT de Tom McCarthy com Mark Ruffalo, Michael Keaton e Liev Schreiber.
Uma coisa legal: Michael Keaton é ótimo. Sempre foi, mas seu ego quase o matou para Hollywood. Coisa ruim: o filme não é nada mais que um tipo de episódio de série policial. O fato de ter ganho o Oscar de melhor filme apenas mostra o quanto o prêmio está desvalorizado. O tema mistura duas coisas que americanos adoram: ver jornalistas como heróis e ver católicos como seres esquisitos.
CAVALEIRO DE COPAS de Terrence Malick com Christian Bale, Cate Blanchett, Antônio Banderas e Natalie Portman.
Me parece que o mundo começa a não mais suportar Malick. O que é uma pena. Escrevi sobre o filme abaixo e vou tentar não me repetir. O filme em seus piores momentos lembra um A Doce Vida raso, e em outras muito fracas lembra A Grande Beleza em versão fake. Há algo também de Asas do Desejo. Ou seja, ele lembra 3 dos filmes mais geniais que já vi. Mas, infelizmente ele se arrasta, claudica, se enrola e se perde. E ao mesmo tempo, ao final, saímos do filme em estado de graça. Ele nos dá quase uma epifania. E notamos que toda as duas horas de cenas que se parecem demais com propaganda chique de segunda, tem uma razão de ser. Atravessamos o filme como Cavaleiros passam pelo canto de Sereias...Se você sabe do que falo, veja o filme.
VER, GOSTAR E AMAR de Charles Walters com Fred Astaire e Vera-Ellen.
Fred é, de novo, um playboy. Ele se apaixona por uma missionária na NY de 1900. O filme foi feito no ponto baixo da carreira de Fred ( 1951 ), quando ele era considerado ultrapassado. Mas surpreendentemente é um filme ok. Tem um belo número junto ao bonde da cidade e humor leve e bobinho, como deve ser. Nada inesquecível, mas bem aproveitável. Nota 6.
CASA, COMIDA E CARINHO de Charles Walters com Judy Garland e Gene Kelly.
O dvd tem um doc sobre Judy e os problemas que ela causou durante as filmagens. O filme fala de um bando de atores que se hospedam na fazenda de Judy. Este foi talvez o primeiro musical que vi na minha vida. Eu tinha por volta de 10 anos e vi com minha mãe e minha tia. Lembro que gostei do clima, senti que um musical era uma fantasia que podia viciar. Visto agora noto que a magia se foi, mas ainda nos emocionamos com alguns momentos. Nota 6.

FRED ASTAIRE- TOM CRUISE- GEORGE CUKOR- DORIS DAY- PETER CUSHING

   DUAS SEMANAS DE PRAZER ( HOLIDAY INN ) de Mark Sandrich com Bing Crosby, Fred Astaire e Marjorie Reynolds.
Um triângulo amoroso entre um cantor, um dançarino e uma novata. O cantor larga a vida na cidade e monta uma pousada no campo. Essa pousada vira um hotel-show. E o amigo vai se apresentar lá e disputar sua garota. O filme é uma delicia. Todas as canções são de Irving Berlin e cada uma fala de um feriado. Fred Astaire está ótimo como um dançarino meio safo. Tem três números espetaculares. Mas o filme se sustenta graças a direção do mestre Sandrich, diretor dos melhores filmes da dupla Astaire-Rogers e que morreria nesse mesmo ano. Bing Crosby transpira calma. Um paizão. Poucos anos depois este filme seria refeito com pequenas mudanças...e com resultado bem mais pálido. Nota 8.
   ROMANCE INACABADO de Stuart Heisler com Bing Crosby e Fred Astaire.
Usando as mesmas canções de Irving Berlin, os produtores refazem Holiday Inn. As mudanças são poucas: o ambiente é todo de cidade e Bing é um cara que vive mudando de endereço. Fred disputa uma mulher com ele... Há o Puttin on The Ritz de Fred, e isso sempre nos faz sorrir de satisfação. Mas é um filme de segunda. Nota 5.
   UM PIJAMA PARA DOIS ( THE PAJAMA GAME ) de Stanley Donen com Doris Day, John Raitt e Carol Haney.
Um sucesso na Broadway, este musical trata de um tema incomum: uma greve. O ambiente é todo de fábrica e de gente "comum". O filme foi um fracasso em 1959. Já se sentia o fim do mundo dos musicais. É um filme estranho...as músicas são excelentes, algumas danças são boas ( duas são ótimas ), mas ele não funciona. Simplesmente desistimos dele. A coreografia é de Bob Fosse, o gênio, e em duas cenas percebemos o futuro monstro que ele seria. Os corpos voam, as mãos falam, é o modo único de Bob Fosse fazer dança. Mas o filme...Donen, um dos meus diretores favoritos, dirige sem paixão. Pena...Nota 3.
   A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN de Terence Fisher com Peter Cushing e Christopher Lee.
O primeiro filme da Hammer. Uma produtora inglesa, barata, que em 1957 resolveu fazer filmes de terror de bom nível. Pegou o ciclo dos anos 30 da Universal e os refilmou de outro jeito. Mais explícitos e coloridos. Este foi o primeiro e como vendeu bem, abriu o caminho para o filão que duraria quase vinte anos. Os atores estão maravilhosos e confesso que senti um certo incômodo vendo o filme. É doentio. Nota 5.
   MISSÃO IMPOSSÍVEL de Christopher McQuarrie com Tom Cruise, Jeremy Renner, Simon Pegg e Rebecca Ferguson.
Apesar da história ser completamente inverossímil, é um filme de ação muito bom. Todas as cenas têm o ponto certo, nunca parecem longas, nunca são velozes demais. Você consegue ver gente em meio ao fogo e às explosões. Tom nasceu para esse filme, está perfeito. O vilão é terrível no ponto exato e a heroína é bonita e convence. Tipo de diversão que vale cada centavo gasto. Nota 7.
   O CAVALO CAMPEÃO de Anthony Pelissier com John Mills, John Howard Davies e Valerie Hobson
Um filme muuuuuito estranho. Numa família de classe média, o pai gasta muito dinheiro no jogo, a mãe é consumista ao extremo e o único filho desmorona vendo o desastre que se aproxima. Mas eles têm um jardineiro que lhe apresenta o jockey club e o menino aposta e começa a ganhar... Poucos filmes demonstram com mais distanciamento o desastre de uma criança. Pais que dão ao filho toda a tensão do lar. O filme é esquisito, árido, simples e muito duro. Hoje é considerado uma pequena jóia do cinema inglês.
   NASCE UMA ESTRELA de George Cukor com James Mason e Judy Garland.
Um filme maldito. Cukor fez um filme de 4 horas. A Warner cortou para duas e meia. E, apesar das indicações ao Oscar, foi um fracasso. Aqui temos ele refeito em 3 horas e pouco. Visualmente é um primor. O colorido brilha em tons de azul e preto, ângulos de câmera ousados e movimentos súbitos. Mas a história é difícil de acompanhar. Talvez por sabermos toda a história do ator bêbado que descobre cantora genial e a lança ao estrelato. O filme é pesado, triste, mórbido até. Judy perdeu o Oscar para Grace Kelly e jamais se recuperou. James Mason está bem, mas nunca emociona. Um grande erro. Dos poucos de Cukor.
   PAPAI PERNILONGO de Jean Negulesco com Fred Astaire e Leslie Caron.
Sempre que Astaire se afasta do tipo continental, o cara da cidade, meio safo, esperto e vaporoso, o filme parece se ressentir disso. Aqui nada convence. Ele é um ricaço que adota uma francesa pobre de 18 anos....Aff...Ela não pode saber e depois de anos ele se aproxima dela sem que ela saiba que ele é o benfeitor que pagou tudo para ela. Sim, é uma bobagem xaroposa. Fuja!

NASHVILLE/ LASSE HALLSTROM/ ROBERT WISE/ HELEN MIRREN/ FRED ASTAIRE

   NASHVILLE de Robert Altman com Ronee Blakely, Keith Carradine, Scott Glenn, Jeff Goldblum, Barbara Harris, Lily Tomlin, Ned Beatty, Henry Gibson, Geraldine Chaplin, Karen Black, Elliot Gould, Christina Raines...
Quando lançado em 1976 muito crítico disse ser o maior filme americano desde Citizen Kane. No Oscar ele venceu apenas a melhor canção, a bonita I`m Easy, de Carradine. O grande campeão daquela noite foi Rocky e isso revelou o futuro do cinema. Stallone venceu Altman ( e Lumet, que perdeu com a obra-prima, Networks ). Com os anos 80 Altman afundou, Rocky durou e Nashville se tornou um cult. Visto hoje a primeira coisa que fica clara é a imensa dívida que Paul Thomas Anderson deve a Robert Altman. Nashville lembra muito o melhor de Anderson. É um vasto painel, crítico, muito crítico, sobre uma porção de pessoas, gente nada especial, ou, muito comum, gente que se revela muito original, como todos o são, pessoas que são captadas em seu mais ridiculo, mais patético, mais sofrido. Em Nashville, capital country, vai acontecer mais um festival de música caipira. Os personagens lá se encontram. O velho cantor famoso, com sua peruca e seu visual ridiculo, meio racista, vaidoso e medroso. Já aqui se revela e genialidade do filme: fosse outro o caso, este personagem seria uma caricatura. Aqui não é. Pode até ser cômico, mas é sempre real. O filme é tipico do realismo do cinema feito nos anos 70. Os lugares e as pessoas são como são, pobres, feias, tolas, vazias, e assustadas. Uma repórter da BBC tenta fazer uma matéria, uma dona de casa canta na igreja e tem dois filhos surdos. Uma cantora sem talento faz um strip. Um motoqueiro mudo anda a esmo pelas ruas. Uma hippie de LA devora homens. Um velho no hospital espera pela morte de sua esposa. Um soldado do Vietnã olha tudo aturdido. Um trio se separa e o cantor transa com toda mulher que encontra. Um RP procura apoio para seu candidato a presidente. Um carro de som anda pelas ruas espalhando slogans politicos. Uma cantora enlouquece no palco. E mais campus, igrejas, drogas, e muita, muita música caipira. Altman exibe a América que os americanos tentam ignorar, o centrão, a zona atrasada, fechada, piegas, chorosa, saudosa, religiosa, preconceituosa. A região que elege os presidentes e que os derruba ou assassina. A região onde nasceu o blues, o rock e o jazz. E onde nascem os mais loucos artistas, psicóticos, gênios. O filme é uma festa de vozes embaralhadas, músicas muito ruins e algumas muito boas, cenas sempre fortes, atores sublimes e sacadas espertas. Uma obra-prima. sim, e que não poderia ser mais diferente do cinema que se faz hoje. Nashville não faz uma só concessão. É adulto, dura 3 horas, mostra o que deve mostrar e nunca cansa. Obrigatório mesmo para os que odeiam country music. Nota DEZ!!!!!!
   A CEM PASSOS DE UM SONHO de Lasse Hallstrom com Helen Mirren e Om Puri.
Vamos ao extremo oposto de Nashville. Aqui tudo é bonito, limpo, elegante, colorido e infantil. Não deixa de ser um bom filme. É gostoso de se ver e muito melhor que 99% do que rola por aí. Começa na India ( sim, O Brasil não é o país pobre queridinho, a India tomou o posto que poderia ter sido nosso ). Uma familia de cozinheiros perde tudo e vai à Europa. Deixam a Inglaterra "" porque na Inglaterra toda comida é ruim"". Acabam na França. Abrem um restaurante no campo, de frente a um rival, et voilà..... Helen Mirren, minha atriz favorita, é a dona do restaurante rival. Uma megera. O filme tem cara de festa. É bobo, mas não ofende. E os atores são ótimos. Gostei. Hallstrom, sueco que se revelou com Minha Vida de Cachorro, sabe contar uma história. Nota 6.
  BRIGADOON ( A LENDA DOS BEIJOS PERDIDOS ) de Vincente Minelli com Gene Kelly, Cyd Charisse, Van Johnson
O tema é ótimo, o filme não. O motivo, dizem, foi a desconfiança da MGM. Deram pouca grana, e em vez de ir à Escócia filmaram tudo em estúdio. Mas não é só isso. A coreografia de Kelly é banal, dói dizer isso, e a direção de Minelli é desinteressada. Na Escócia, dois americanos se perdem. Encontram uma cidade que parou no tempo. Descobrem que ela é um feitiço. A cada cem anos ela surge para viver um dia e depois dormir. O filme, baseado em sucesso da Broadway, não fez dinheiro. É um musical chato. Nota 3.
  CATIVA E CATIVANTE de George Stevens com Fred Astaire, Joan Fontaine, George Burns e Gracie Allen.
Passado na Inglaterra ( que se parece demais com a Califórnia ), mostra Fred como um ator que se apaixona por nobre inglesa. Todos os filmes feitos por Fred na RKO merecem ser vistos. Três são obra-primas de humor e elegância, The Gay Divorcée, Top Hat e Swing Time. Os outros são ''apenas"" ótimos. Se voce quer saber o que é o hiper-profissional cinema dos anos 30, eis seu filme. Ele é leve, bobo, superficial e delicioso. Músicas de Gershwin e coreografia de Hermes Pan. Nota 8.
  TIM MAIA de Mauro Lima com Babu Santana, Cauã Reymond, Alinne Moraes e Robson Nunes
Metade bom, metade ruim. Todas as cenas com Tim jovem são ok. Quando entram as drogas o filme cai e fica óbvio. Pior, chato. Tim Maia, gênio, merecia filme melhor. Mas até que vale a pena. Tem as músicas, boas cenas de show, bela reconstituição de época. ( O que é aquele Roberto Carlos????? ). Nota 5.
  PUNHOS DE CAMPEÃO de Robert Wise com Robert Ryan
Uma obra-prima. Acompanhamos em tempo real a hora e meia da vida de um boxeur. Noite de luta, ele se despede da noiva e vai ao local da luta. Ela anda pela cidade, ele se prepara para a luta. O ambiente é sujo, pobre, realista. Vem a luta. Luta que foi arranjada. Mas ele não aceita e luta de verdade.... Robert Ryan tem uma grande atuação. Faz um lutador derrotado, velho, cansado, desiludido. Robert Wise ganhou dois Oscars. Um por West Side Story e outro por A Noviça Rebelde. Mereceu os dois. E poderia ter ganho outro aqui. Touro Indomável baseou suas cenas de luta neste filme. Dura apenas hora e meia. É um monumento. Wise foi um grande, muito grande mestre. Cada corte, cada rosto é um drama completo. Obrigatório. Nota DEZ!!!!!!!!

RED 2/ MATO SEM CACHORRO/ LUC BESSON/ MINELLI/ BO WIDEBERG

   RED 2 de Dean Parisot com Bruce Willis, John Malkovich, Helen Mirren
Um grande elenco numa diversão interessante. Humor de menos ( o primeiro Red era bem mais engraçado ), boas cenas de ação. Pode ver sem medo. Nota 6.
   MATO SEM CACHORRO de Paulo Amorim com Bruno Gagliasso e Leandra Leal
Uma comédia muito boa. Bruno, ótimo, é um cara timido que se envolve com Leandra ( linda e simpática ), uma radialista. Um cachorro os une. Eles se separam, e Bruno rapta o cão. O filme é cheio de personagens vibrantes e exala simpatia. Gabriela Duarte quase rouba o filme como uma alcoólatra boca suja. Muito ritmo na direção de Amorim. Nota 8.
   MUITO BARULHO POR NADA de Joss Whedon
Whedon é um roteirista quente. Estreia como diretor nesta coisa que usa o texto de Shakespeare em cenário e tempo chic de 2013. Fica tudo very strange. Ralph Fiennes fizera igual com Coriolano, texto do bardo em tempos de agora. Duvido que alguém consiga digerir. Nota 1.
   ELVIRA MADIGAN de Bo Widerberg
Um grande sucesso dos anos 60 que se conserva mais ou menos. A trilha popularizou o concerto 21 para piano de Mozart. As imagens, campestres, são lindas. Mas o filme é frio. Fala de casal, ele um soldado, que tenta se amar em paz nos anos de 1880. Mas ele é um desertor...O diretor sueco usa climas de Truffaut, improvisa. Quando uma cena tem um acidente feliz, ele a usa, não a corta. Mas apesar de bonito, é um filme distante. Nota 5.
   A FAMILIA de Luc Besson com Robert de Niro e Michelle Pfeiffer
Muita gente elogiou esse filme sobre familia mafiosa que se refugia na França. Os filhos e a mulher não perdem o costume, continuam sendo hiper-violentos. Achei o filme desagradável, chato, sem porque.
   YOLANDA E O LADRÃO de Vincente Minelli com Fred Astaire
Em que pese o lindo technicolor e a bela produção da MGM, o roteiro é tão bestinha, tão boboca que não há como gostar deste musical. Fred, para piorar, canta e dança pouco. Nota 5.

SE PUDER DIRIJA/ PAOLO SORRENTINO/ RUBEN ALVES/ JOSÉ WILKER/ FRED ASTAIRE/ KISS ME KATE!

   NAS ÁGUAS DA ESQUADRA de Mark Sandrich com Fred Astaire, Ginger Rogers e Randolph Scott.
Não é dos meus Astaire/Rogers favoritos. Ele é um marujo que em férias se envolve, na verdade reencontra, sua ex-partner de show. O filme foi feito para provar que Astaire era macho. Desse modo o vemos mascando chicletes, praguejando, apostando, sendo do povo. Prefiro seus filmes ultra-refinados. Claro, ele dança. E Ginger é maravilhosa! A trilha, fantástica é de Irving Berlin. Nota 7.
   TOP HAT de Mark Sandrich com Fred Astaire, Ginger Rogers, Edward Everett Horton
Para a maioria é o filme número um da dupla. Eu adoro este filme, mas prefiro Shall We Dance e Gay Divorcée. Uma trilha sonora fabulosa de Irving Berlin. Fred é um dançarino em hotel que perturba com seu sapateado a vizinha Ginger. Acabam por se apaixonar. E brigam, e voltam...Se o enredo é convencional os diálogos não são. Eles brilham em humor e esperteza. Cenários brancos e brilhantes, figurinos inesquecíveis e as danças enevoantes da dupla. Ruy Castro diz que a Veneza de papelão deste filme é como Veneza deveria ser. Um sonho em P/B. Nota Dez.
   KISS ME KATE! de George Sidney com Howard Keel, Kathryn Grayson, Ann Miller, Bob Fosse
Escrevi sobre esse filme abaixo. É um dos meus dez musicais favoritos. A trilha de Cole Porter é perfeita. Tem humor, romance, chic e criação. Keel nunca esteve melhor, um Petruchio perfeito. É um filme que dá uma forte sensação de sonho. Equivale a dormir acordado. Muita cor, muita beleza, muita diversão. Um testemunho da decadência de nossa civilização é o fato de não mais se fazerem filmes como este, tão urbanos, elegantes e educados. Um arraso! Nota DEZ!
   A GRANDE BELEZA de Paolo Sorrentino com Toni Servillo
Escrevi sobre ele abaixo. Um grande filme. Tem o melhor do velho cinema italiano, invenção e aquela mistura de humor e melancolia que só os italianos sabem fazer. O estilo é Felliniano. Tipos e rostos INTERESSANTES, mistura de tempos, sonho que se confunde com o dia a dia...Ainda haverá gente nos cinemas que entende um filme tão sofisticado? Cenas de imensa beleza. Inesquecível. Nota DEZ.
   A GAIOLA DOURADA de Ruben Alves com Rita Blanco, Joaquim de Almeida
Uma co-produção luso-francesa que foi um grande sucesso nos dois países. Ainda não passou por aqui. Fala de imigrantes portugueses que vivem em Paris. Um deles recebe uma herança e resolve voltar a sua terra. Mas os patrões, franceses, fazem de tudo para que ele fique. O tema fala direto a minha vida. 90% de meu sangue está em Paris, nas veias de imigrantes que lá vivem a mais de 40 anos. E mesmo assim eu achei o filme chato. Falta fogo, algum tipo de animação, de trama, Ele é solto demais, colorido demais, óbvio demais. Porque tanto sucesso? ( Foi o maior hit de 2013 na França ). Nota 3.
   CASA DA MÃE JOANA 2 de Hugo Carvana com José Wilker, Paulo Betti, Antonio Pedro
Quer saber como era o Brasil em 1973? Veja este filme. Apesar de ser de 2013 e se passar em 2013, seu humor é aquele de 1973. Não sou moralista, mas esse tipo de malandro carioca de 1973 hoje parece muuuuito imoral. Seus golpes, antes inocentes e hilários, agora nos irritam por recordar Brasília. A gente não aguenta mais malandros simpáticos dando golpes bem-humorados! O filme então desaba. ZERO!
   SE PUDER DIRIJA de Paulo Fontenelle com Luiz Fernando Guimarães, Leandro Hassun e Gianechinni.
É útil ver este filme. Ele nos ensina como NÃO se deve dirigir uma comédia. Chega a ser um mistério saber o que o diretor Fontenelle queria. Destruir o roteiro? Humilhar o elenco? A trama é aquela que os americanos fazem de olhos fechados, um pai e sua relação dificil com ex-mulher e filho. Uma trapalhada no trabalho e no fim a reconciliação com o filho. Chevy Chase e Billy Crystal fizeram toneladas de filmes assim. E todos são pelo menos simpáticos. Porque sabem ter ritmo, algo que Fontenelle desconhece. Suas cenas são longas, paradas, silenciosas, frias, esticadas, sem time nenhum. Será que ele queria dar uma de Jacques Tati e fazer humor delicado?? Putz, como ele se acha! E como errou feio!!! O filme é amador. ZERão!!!!

TED/ MIIKE/ ON THE ROAD/ ASTAIRE/ CLINT EASTWOOD

   PRIVILÉGIO de Peter Watkins com Paul Jones e Jean Shrimpton
Jean era linda. O grande David Bailey diz que foi a única modelo com alma que ele conheceu. Fora isso, nada mais importa neste filme. Envelheceu mal, envinagrou. Fala de um astro pop que é usado pela midia como um tipo de messias. E depois é descartado. Chatésimo! Nota 1.
   13 ASSASSINOS de Takashi Miike
Ao estilo de Kurosawa, Miike faz seu filme de samurai. O sangue abunda, as imagens são bonitas, mas em sua tentativa de ser Kurosawa, ele erra no principal: não consegue criar vida. Seus personagens são menos que nada. Muita gente hoje imita Hitchcock, Ford e na Escandinávia há uma praga Bergman. Mas se esquecem de criar gente, de dar caráter aos tipos. Imitam o mais fácil, a fotografia e o tema. E dentro desse pacote nada encontramos. Fuja. Nota 1.
   ON THE ROAD de Walter Salles com Sam Riley e Kristen Stewart
Como desgostar deste filme? Ele faz a lição de casa direitinho. Tem bons atores, cenas de estrada excelentes, jazz, sublimes canções de blues. Só não tem o principal, loucura. Salles é um nerd do cinema, o filme mostra sua alma de bom moço. Não há maldade. O filme tem a cara de um filme, dos mais comuns, feito em 1970. Vanishing Point, que é incomum, é mais beat que isto. Não gosto do livro. Não gosto de Ginsberg e muito menos de Burroughs. Os beats criaram a ideia, boba, de que escrever tudo seria escrever bem. O grande filme da geração beat foi feito cinco anos atrás: Não Estou Lá, de Todd Haynes. Mas este filme está longe de ser ruim. Aliás, Salles não consegue fazer filme ruim. Como bom nerd, ele faz tudo direitinho. Nota 5.
   PAPAI PERNILONGO de Jean Negulesco com Fred Astaire e Leslie Caron
Um milionário adota uma menina sem que ela saiba. Hoje ele seria um pedófilo. Não é um bom musical. Só uma das canções é boa e Fred dança menos do que seria desejável. O roteiro é simples demais, nada excita ou surpreende. Porém, tem duas cenas com Astaire que provam, mais uma vez, sua absoluta genialidade. Nota 5.
   TED de Seth MacFarlane com Mark Wahlberg e Mila Kunis
É um desses filmes que parecem bobos, mas que falam de algo de muito sério. Afinal, a maioria dos namoros termina por causa de um "ursinho" malvado, que o cara carrega desde sempre. Velho problema, a namorada força a que ele se torne adulto, e depois sente falta do jovem que ele fora um dia. Ted é personagem maravilhoso. A gente quer mais é ver suas cenas. E aquela da festa com Flash Gordon é do caramba! O filme começa devagar e me incomoda essa mania americana de piadas com puns e com fezes. Mas do meio pro fim o filme cresce e posso dizer: que boa diversão! Nota 7.
   O DOMADOR DE MOTINS de Edwin L. Marin com Randolph Scott
Voce que tem preconceito contra westerns. Este filme confirma seus pensamentos. É chato. Esse tipo de western, que nada tem de livre ou de verdadeiramente cowboy, mata toda a chance de novos amantes desse gênero. Socorro! ZERO
   ESCALADO PARA MORRER de Clint Eastwood com Ele e George Kennedy
Ridiculo. É um dos filmes esquecidos de Clint. Feito um ano antes do ótimo Josey Wales, tem jeito de James Bond. Clint tem o pior desempenho de sua carreira como um assassino que também é professor e alpinista. Nada interessa, as mortes são sem sentido e a aventura dá tédio. Nota 1.

UMA QUESTÃO DE CIVILIDADE

   Se a civilidade é um valor a ser desejado, e eu creio que é, nosso dever é lutar para que ela seja sempre predominante.
   Civilização é o oposto da violência. Sim, eu li Pondé e concordo que eu e voce somos violentos. Isso é biológico e histórico. A civilização é a tentativa de se domar esse impulso. Bela criação, a luta, inglória, para se deter um impulso natural. Portanto o civilizado é sempre artificial, criado pelo homem em negação ao puramente animal.
   A civilização então é anti-violenta e sendo assim, anti-natural. Ela vai contra a violência física, mas também a violência das paixões, e nelas podemos incluir o ódio, a vingança e as dores em geral. O homem civilizado não sente ódio, ele usa o humor contra seu inimigo. Ele não se apaixona, ele desfruta do amor. Não sofre inutilmente, ele canta ou sai para espairecer. Aqui fica claro: o civilizado não existe no mundo real. Ele é um ideal a ser perseguido e jamais obtido. Um homem ou uma sociedade civilizada é aquela que não desistiu da busca.
   Creio também que a civilidade se manifesta no modo como as mulheres são tratadas. Ela nasce com o fim do estupro, o controle do instinto e se desenvolve no modo como o homem se aproxima da mulher. Mulheres civilizam o homem, o modo como ele reage a isso demonstra sua civilidade.
  Por isso que Fred Astaire é o ponto extremo da civilidade em música. Ele é o oposto mais radical a funk ou coisas afim.
  Astaire canta sempre com calma, lentamente. Não há pressa em sua dicção, cada palavra é dita com precisão, de um modo delicado e sem jamais perder a firmeza da virilidade. As letras existem para serem entendidas e elas falam de mulheres como seres com valor. Elas são seduzidas, nunca "pegadas". Ouvir Astaire é um ato politico porque é uma tomada de posição. Contra a violência, contra a pressa e o ruído. Tudo é feito com cálculo, o senso da beleza está sempre presente. É um mundo ideal, onde os automóveis estão sempre limpos, a bebida sempre gelada e as ruas são pistas de dança. Um mundo que não existe, mas com o qual pessoas civilizadas têm compromisso.
  O cd que a Abril lançou ontem tem uma amostra dessa civilização. É o grau mais alto em elegãncia a que chegamos. Combina bem com P.G.Wodehouse, George Cukor e Mondrian. Desfrute.

RICHARD AVEDON VEIO ANTES MA CHER....

   Leia antes o texto abaixo postado sobre David Bailey e só então leia este.
   Já leu?
   Richard Avedon veio quinze anos antes. Ele nada tem a ver com o estilo swinging London-work class de Bailey. Aqui tudo é aristocrático. E se voce ama Annie Leibowitz, Avedon é seu mestre.
   Nada mais falarei. As fotos de Richard falam por si.
   Se Bailey teve sua homenagem em Blow Up ( que ele diz com divino humor ser "aquele filme sobre tênis" ), Richard Avedon foi feito por Fred Astaire em FUNNY FACE- Cinderela em Paris. Desafio alguém mais a ter tido a honra de ter sido interpretado por Astaire...Um rei fazendo um principe.

PETER SELLERS/ COELHOS/ ANA MARIA BAHIANA/ ASTAIRE/ MILESTONE/ JOHN GARFIELD

   ROMANCE INACABADO de Stuart Heisler com Bing Crosby e Fred Astaire
Astaire, em seu tempo de vacas magras, serve de escada para o sempre bonachão Crosby. O filme tem um score com um monte de canções de Irving Berlin, ou seja, apesar de ser produção de rotina, tem momentos de alto nível. Fred Astaire canta Puttin' on The Ritz...precisa de mais o que? São alguns minutos de técnica, alegria, classe e leveza. Como é bom poder ver esse gênio na tela! Nota 7.
   EXPERIMENT IN TERROR de Blake Edwards com Lee Remick e Glenn Ford
Acabou de sair em dvd. A música, climática, classuda, bem conhecida, é de Henry Mancini. O filme tem a fama de ser um dos favoritos de David Lynch. Tem o clima doente de seus filmes. A história fala de um maníaco asmático, que persegue e aterroriza pacata mocinha. Edwards estava aqui em seu apogeu. Acabara de fazer uma das melhores comédias do cinema e iria dominar a década com seu humor ácido. Aqui, nada de humor. É suspense esquisito, pouco hitchcockiano. Nota 6.
   2 COELHOS
Filme trailer. Me peguei esperando que ele finalmente começasse. Não começa. O diretor é daquela escola que pensa assim:"Se os trailers são tão bons, porque não fazer um filme que seja um trailer de hora e meia?" Nos anos 70 reclamavam que os filmes começavam a se parecer com TV, muito close e muito corte, nos anos 80 reclamavam que eles se pareciam com comerciais de TV, imagem fake e personagens rasos, nos 90 era o clip, muito efeito e excesso de cortes, pois veio depois o filme trailer, simples flashs de pedaços de ação com letreiros e apresentação de personagens que nunca termina. O futuro será o filme facebook, perfis de personagens e ações irrelevantes... Nota 1. pela boa produção.
   O PRISIONEIRO DE ZENDA de Richard Quine com Peter Sellers
O ponto baixo desse gênio chamado Sellers. Trata da velha trama da troca de um rei à perigo por um sósia simplório. Sellers dá um show como os dois. Um snob e afrescalhado principe da Europa central e um inglês pobre, pacato e de sotaque cockney. Há um filme de Tv com Geoffrey Rush que mostra quem foi Peter Sellers. Um homem sem personalidade, que só existia em seus papéis. Sellers foi meu primeiro ator-ídolo. Morreu do coração em 1979, com 50 anos apenas. A jovem geração perdeu a chance de conhecer esse ator incomparável. Poderia estar vivo ainda...uma pena. O outro filme que fez nesse mesmo ano ( 1978 ) com Hal Ashby, Being There, é talvez, o mais influente filme a servir de modelo a nosso tempo. André Forastieri disse isso, o cinema fofo e moderno de Wes Anderson, Juno e que tais é 100% Hal Ashby. Mas este tal de Zenda leva Nota 5.
   OS BRAVOS MORREM DE PÉ de Lewis Milestone com Gregory Peck
No inicio de sua carreira, Milestone fez o melhor filme de guerra do cinema ( Nada de Novo no Front ). No final dessa inconstante trajetória ele fez este outro histórico filme de guerra. Aqui, Peck é o comandante de um pelotão que deve tomar posse de uma montanha na Coreia. Eles a tomam, mas a que preço? O filme mostra o absurdo da situação: a batalha é inutil, os superiores mentem aos soldados, a ajuda nunca vem, o terror domina a todos. Nada há de heróico, eles apenas tentam sobreviver. O filme é forte, soberbo, tem cenários inesquecíveis. Peck transmite sua autoridade de homem íntegro. Consegue parecer assustado e sob pressão sem perder a altura. Funciona. O filme é quase uma obra-prima. Nota 8.
   SUGATA SANSHIRO de Akira Kurosawa
É o primeiro filme do mestre. Fala de um jovem que tenta ser um mestre do judô. O tema de Kurosawa já se expõe: vontade sob dor, teimosia que leva a vitória, prêmio que nunca compensa o sofrimento. Mas a vida se justifica nessa luta. Ela, a vida, vence, e nós somos parte dela e nunca seus senhores. A imagem do filme está estragada, muito escura. Se o achar em alguma loja, fuja. Não posso dar nota.
   O EGÍPCIO de Michael Curtiz com Edmund Purdom, Jean Simmons, Victor Mature e Gene Tierney
Fim da carreira de Curtiz. Fim digno em produção "épica" sobre um egípcio que se torna médico e se envolve com mulher fatal. O elenco é problemático. Purdom não vingou, Mature foi o simbolo do canastrão, Gene Tierney, que foi a mais bela das atrizes, já está irreconhecível. Teria logo uma doença nervosa que a isolaria da vida. E Jean Simmons, que faz o papel da mocinha boazinha que ajuda o herói, tinha sua carreira prejudicada por Zanuck, o poderoso produtor, por não ceder a suas cantadas. Jean era inglesa e foi a mais bela das Ofélias no Hamlet de Olivier. Este filme é enorme, pesado, melodramático, sem noção, tolíssimo e apesar disso tudo, deixa-se ver com facilidade. Nota 5.
   VINGANÇA DO DESTINO de Jean Negulesco com John Garfield e Micheline Presle
Garfield é um jockey americano. Ele vende corridas, faz "marmeladas". Foge para a França, mas o destino o persegue na forma de um mafioso que ele traiu. O filme tinha tudo para ser bom. Um ator excelente ( Garfield, foragido de MacCarthy, logo morreria na amargura. Seu tipo feio, sujo, antipático fez dele o primeiro ator a parecer "gente de verdade" ), um tema ousado e uma Paris pós-segunda guerra ainda existencialista. O filme é cheio de jovens barbudos, clubes de jazz e ruas imundas. Fascinante Paris que desapareceria nos anos 60 com seu boom de crescimento. Mas com tudo isso o filme é chato. Cai em excessos de melô na figura do filho de Garfield, um menino enjoado, choroso e bonzinho demais. O filme é frustrante então. Nota 3.
   1972 de Ana Maria Bahiana e José Emilio Rondeau com Dandara Guerra, Rafael Rocha e Tony Tornado
Foi um fracasso de bilheteria esta produção cara que foi a estréia de Ana na direção. Ana foi critica de rock e o filme tem algo de autobiográfico na figura da mocinha que tenta ser repórter de rock em 1972. Há algo de Quase Famosos aqui, mas o filme, que é bom, nunca emociona. O que mais o prejudica são os dois atores centrais. O mocinho do subúrbio é interpretado de modo completamente amador. Já a repórter é um pouco menos ruim, mas Dandara, que é impressionantemente linda, tem problemas de dicção. O melhor é ver Big Boy sendo homenageado e sentir o amor ao rock que há em todo o roteiro. O filme é sobre rock na época em que gostar de rock ainda era coisa de bandido. Nesse ponto ele acerta na mosca. Era coisa de não- bandidos, jovens ingênuos, idealistas, sonhadores e que se uniam na grande irmandade dos cabeludos. O chato é que esse filme podia ser tão mais..... Nota 6.