FIDEL SE FOI

   A mente esquerdista é romântica. E como tal, ela se recusa a encarar o mundo real. A revolução cubana foi pintada como a vitória do pequeno contra o grande. Fidel então era um tipo de Robin Hood latino. As mentes esquerdistas o congelaram nesse momento de glória. E fecharam os olhos para tudo o que veio depois. Mais uma vez negaram a realidade.
  Fidel foi congelado e congelou a sua ilha. Cuba se tornou um museu vivo. E uma ruína triste. Países capitalistas, vizinhos, como Costa Rica e Jamaica foram adiante, Cuba como uma virgem se manteve pura. Os comunistas, sempre puritanos, se enamoraram pela ilha. Ela se tornou o xodó. E Fidel, matando gays, dissidentes, vendo gente fugir em balsas e cercado por puxa sacos, sendo um ricaço entre pobres cubanos, se tornou um totem.
  O mundo mudou e o capitalismo, sempre adaptável, vivo, plástico, mudou com ele. Fidel não. Ditador por mais de 50 anos, se manteve uma rocha. Cuba ficou à parte de tudo. Perdeu relevância, virou piada.
  O destino do comunismo virou piada. O movimento, antes vanguarda, hoje é mofo. Velhos e novos comunas, múmias saudosistas, suspiram pelo fim do capitalismo. Se recusam a ver que o capitalismo é inerente ao homem. O comunismo é artificial, forçado, fadado ao fiasco sempre.
  Fidel morreu. O rei se foi e deixou o irmão no troninho.


 

Pepê Lopes no programa do Serginho Groisman



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ESPIRITUALIDADE E TRANSCENDÊNCIA - CARL GUSTAV JUNG

   Brigitte Dorst organiza esta coletânea de textos onde Jung fala sobre o tema da alma. O inconsciente visto como parte atemporal e não-eu da mente. Para quem, como eu, conhece Jung, é um tema repisado. Para os novatos, aconselho muito este volume que saiu agora.
 Jung fala bastante do Zen budismo. E, como penso quase entender o que seja Zen, me abstenho de falar. Pois o Zen é uma sabedoria sem palavras e um ato sem movimento. Ou voce sabe ou não. Inexiste um modo de compartilhar. Sua verdade é tão íntima que não pode sair de dentro daquele que a abrigou.
 O inconsciente junguiano também pode ser descrito assim. Eu o sinto em mim, mas dificilmente conseguirei te transmitir em verbo o que isso é. Melhor esperar que ele se manifeste em voce. Ou não.
 Uma das grandes dificuldades do método de Jung, e que o coloca em desvantagem aparente diante de Freud, é que o suíço não nos dá garantia sobre nada. Tudo é suposição. Ele afirma o que as coisas não são, jamais o que são. E eu adoro essa sua aparente modéstia.
 Uma das poucas afirmações é que toda doença mental é um problema religioso. O doente é alguém que procura sentido na vida, e esse sentido só surge após o reencontro com algum tipo de transcendência, o reencontro com o inconsciente, uma aceitação daquilo que se é. O psicótico é um homem que mergulhou no inconsciente e lá se perdeu. O neurótico vive com o medo de mergulhar. O gênio é aquele que entra e consegue sair. Este pode ler o que todos nós somos.
 Para mim, nada de novo, apenas um belo rememorar. Para voce talvez uma revelação.

The 39 Steps (1935) - Modern Trailer



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OSCAR WILDE....LEE MARVIN...BERLIOZ...HITCHCOCK...FRY

   À QUEIMA ROUPA de John Boorman com Lee Marvin e Angie Dickinson.
Este filme, um original, começa bastante confuso. Isso porque Boorman mistura passado e presente, embaralha. Mas após 10 minutos as coisas começam a clarear. As pessoas falam que o filme tem influências da Nouvelle Vague, mas não, ele é puro Melville. Marvin, mais durão que nunca, é um bandido que foi traído. Procura vingança. Visual arrojado, trilha sonora invulgar, anguloso e estranhamente sexy. Tarantino ama esse filme. E faz tempo que Quentin não faz um filme tão bom quanto este. Obrigatório.
   SINFONIA FANTÁSTICA de Christian-Jaque com Barrault, Berry, St.Cyr e Blier.
Biografia de Berlioz. O filme é chavão, cliché, mas a gente ainda o assiste com prazer. Berlioz sofre pacas e fica famoso já velho. Mesmo assim, não é feliz. Barrault foi o maior ator do teatro francês. O Olivier de lá. Jaque foi o diretor mais odiado pela Nouvelle Vague. Ele era correto. Profissional.
   RETRATO DO ARTISTA QUANDO JOVEM de Joseph Strick
A adaptação do romance de Joyce até que funciona. Li o livro uns 20 anos atrás e detestei. O filme mostra toda a ira do jovem contra sua educação religiosa. Os padres são ruins pacas! Há um belo clima irlandês no filme e apesar de sua pobreza é um filme ok.
   OS 39 DEGRAUS de Hitchcock com Robert Donat e Madeleine Carroll.
Ao conhecer uma menina que é fã de Hitch, resolvo assistir mais uma vez este filme da fase inglesa do mestre. Devo já ter visto cinco vezes, e continua sendo um prazer. Trata do tema central de Hitch: culpa. Fuga. Injustiça. Clássico.
   OSCAR WILDE de Brian Gilbert com Stephen Fry e Jude Law.
Fry é Wilde. Nunca em um bio vi um ator tão adequado a um papel. Mas o filme, longe de ser ruim, não está à sua altura. Law é também perfeito como Bosie, o tolo amante mimado de Wilde. O clima de época é maravilhoso.
  TARKOVSKI
  O SACRIFÍCIO. No aniversário de um patriarca acontece a notícia do holocausto nuclear. É o mais assustador filme do russo. O cenário desaba em dor e em cenas quase incompreensíveis. Ele passa muito perto neste filme do absoluto fracasso, mas o filme acaba sendo salvo por algumas cenas inesquecíveis.
  NOSTALGIA. Este não. Ele passa do ponto, e aqui, em seu último filme, Tarkovski erra. O filme é chato, chato se recompensa. Não há como suportar cenas tão longas e tão sem por que. Falta a poesia que tudo redimia.
 

MÚSICA NA NOITE - ALDOUS HUXLEY

   Huxley define inteligência como curiosidade. E diz que nada é mais bonito que o adulto-criança, adulto que é aquele que mantém a curiosidade infantil enquanto os outros já se enclausuraram no casulo da meia idade. O adulto -infantil é outra coisa, é o adulto choramingão, querendo sempre voltar ao colo da mãe.
   Pensamentos espertos como esse abundam neste livro. Ele é uma coletânea de comentários, crônicas, críticas, publicadas em 1931. Um ano antes do Admirável Mundo Novo. Vários dos textos são antecipatórios, Huxley acerta em todos. O mundo que ele via nos anos 30 é o nosso. Claro que hoje bem mais exacerbado.
  Os assuntos vão de música à moda, de propaganda à pintura. Da impossibilidade de se falar sobre música à vulgaridade de escritores como Poe, Balzac, Dickens e Zola. Ele fala também sobre o sexo livre na URSS, lugar onde o sexo é livre mas a alma é proibida, o que faz do ato nada mais que uma insatisfatória experiência biológica.
  Huxley, um cético então, desfaz a crença em toda Utopia, demonstra que a igualdade econômica levaria à desigualdade, pois é do homem ter talento ou não, saber formar alianças ou não, e assim a igualdade logo seria destruída. Sua exposição sobre a educação é brilhante! Os homens antigos achavam que a educação era uma coisa sublime, e assim, olhavam os eruditos como mágicos poderosos. Quando tiveram acesso à escola perceberam que não havia nada demais na tal "cultura". Que escola não garantia dinheiro, poder ou sabedoria, e passaram a zombar dos eruditos, dos intelectuais, dos professores. Por isso a moda, em 1931, de se fingir burro, a vergonha de ser intelectual. ( Moda que só cresceu em 80 anos ).
  Em outro texto ele fala que toda experiência que foi desfrutada por poucos se torna em extinção quando desfrutada por muitos. Como exemplo, o turismo. Se as pessoas de Calcutá podem ir à Madrid e se as pessoas de Madrid vão à Calcutá, logo nada haverá de novo para se ver lá e cá. A não ser um monte de ruínas feitas por pessoas mortas a muito tempo.
  Os textos são todos nesse tom. Huxley vê o óbvio que poucos percebem.
  Outro: Para a filosofia atual, a do Fordismo, nada é pior que um homem que se sente feliz em seu quarto. ( Pascal dizia que o homem feliz seria aquele que poderia ser feliz em seu quarto, sozinho ). Esse homem, solitário, sem desejos, quieto, será considerado pelos fordistas, um paspalho. Ou, um perigo. O homem ideal do fordismo é agitado, andarilho, insatisfeito, cheio de amigos, festeiro, histérico e bastante incompleto, ou seja, um consumidor.
  Ler Aldous Huxley é tomar contato com um grande e belo cérebro.

el espejo andrei tarkovski



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Olivier & Simmons Nunnery Scene



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FLUSH...VIRGINIA WOOLF...NOVA E BELA EDIÇÃO DA ED. AUTÊNTICA.

   Escrito nos anos 30, este é o livro que mais vendeu de Woolf. Foi escrito como diversão, ela tentava descansar após a laboriosa escrita de Ao Farol.
  Se vendeu bem, a crítica ignorou. Passou a ser um livro pouco considerado. Mas, a partir dos anos de 1990, com a onda de "estudos literários animais", ele recebe a atenção que merece. Sim, Flush é um cocker-spaniel. E é o personagem principal deste biografia canina. Flush existiu de fato. Foi o cão de Elizabeth Barret Browning, a famosa poeta inglesa do século XIX. O cachorro foi imortalizado em dois poemas escritos por Elizabeth, e pela vasta correspondência, onde ela o cita várias vezes. Virginia pega essas cartas e escreve a vida de Flush e da poeta. Tudo sob o ponto de vista do cachorro.
  O livro não é jamais choroso. Ao contrário da maioria do que lemos em livros sobre bichos, Flush não é um sofredor. É um aturdido. Nasce no campo, depois vive na casa rica e esnobe da poeta, na Londres de 1850, e ao fim, se muda para a Itália, Florença, onde ele conhece a liberdade do sol e das ruas. No fim do livro ele morre, e creia, nada há de melodramático nisso. Flush simplesmente, velho e cansado, fecha seus olhos, e vira uma outra coisa, não mais um cão.
  Ilustrado, com capa dura, cheio de comentários, é uma linda edição, digna de ser dado como presente de fim de ano. Mas atenção! Não é para crianças! É para adultos que amam bichos. Pois as aventuras do cachorro estão muito mais ligadas aos sentidos e aos sentimentos, a relação entre ele e a poeta,e depois entre ele e o marido da poeta ( o brilhante poeta Robert Browning ), que as aventuras do tipo "Disney". ( Que são também ótimas, mas passam longe daqui ).
  É um belo livro. Não o melhor sobre cachorros, mas um belo livro.